Language of document : ECLI:EU:C:2018:978

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

M. CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 4 de dezembro de 2018 (1)

Processo C‑621/18

Andy Wightman,

Ross Greer,

Alyn Smith,

David Martin,

Catherine Stihler,

Jolyon Maugham,

Joanna Cherry

contra

Secretary of State for Exiting the European Union,

com intervenção de:

Chris Leslie,

Tom Brake

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Session, Inner House, First Division (Scotland) (Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia), Reino Unido)]

«Reenvio prejudicial — Admissibilidade — Artigo 50.o TUE — Direito de retirada da União — Notificação da intenção de retirada — Retirada do Reino Unido (Brexit) — Revogabilidade da notificação da intenção de retirada — Revogação unilateral — Condições da revogação unilateral — Revogação por acordo»






1.        Em 29 de março de 2017, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (a seguir «Reino Unido») notificou ao Conselho Europeu a sua intenção de se retirar da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (a seguir «notificação da intenção de retirada») (2).

2.        Essa notificação deu origem, pela primeira vez na história da União Europeia, ao procedimento do artigo 50.o TUE, no qual (n.os 2 e 3) se prevê a negociação e a celebração de um «acordo de retirada» entre a União e o Estado‑Membro que a abandona. Na falta desse acordo, os Tratados deixam de ser aplicáveis a esse Estado‑Membro dois anos depois da notificação da intenção de retirada, a menos que o Conselho Europeu decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

3.        Um tribunal escocês pediu ao Tribunal de Justiça que, como intérprete supremo do direito da União, dissipe as dúvidas sobre um aspeto que o artigo 50.o TUE não resolveu. Com efeito, pede‑se ao Tribunal de Justiça que esclareça se um Estado‑Membro, depois de notificar a sua intenção de se retirar da União, pode revogar (eventualmente de forma unilateral) essa notificação.

4.        Como passarei a expor, independentemente da importância doutrinal e pro futuro da questão suscitada, as suas consequências práticas são inegáveis, como o é a sua incidência no litígio no processo principal. Se o Tribunal de Justiça aceitar a revogabilidade unilateral, o Reino Unido poderá enviar uma comunicação ao Conselho Europeu nesse sentido, continuando desse modo a ser membro da União. Como o Parlamento britânico tem de dar a sua aprovação final, tanto no caso de se alcançar um acordo de retirada como na falta desse acordo, vários membros do Parlamento entendem que a revogabilidade da notificação da intenção de retirada abriria uma terceira via, a de permanecer na União perante um Brexit insatisfatório. O órgão jurisdicional de reenvio parece assumir esta postura, considerando que a resposta do Tribunal de Justiça permitirá aos deputados britânicos ter uma ideia cabal das opções disponíveis no momento de emitirem o seu voto.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        Nos termos do artigo 50.o TUE:

«1.      Qualquer Estado‑Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar‑se da União.

2.      Qualquer Estado‑Membro que decida retirar‑se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negoc[e]ia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.o 3 do artigo 218.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu.

3.      Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.o 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo.

4.      Para efeitos dos n.os 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que representa o Estado‑Membro que pretende retirar‑se da União não participa nas deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito. A maioria qualificada é definida nos termos da alínea b) do n.o 3 do artigo 238.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

5.      Se um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, é aplicável a esse pedido o processo referido no artigo 49.o»

B.      Direito internacional

6.        A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena em 23 de maio de 1969 (3) (a seguir «CVDT») regula o procedimento de celebração de tratados entre Estados.

7.        Segundo o artigo 54.o:

«A cessação da vigência de um tratado ou a retirada de uma Parte podem ter lugar:

a)      Nos termos previstos no tratado; ou

b)      Em qualquer momento, por consentimento de todas as Partes, após consultados os outros Estados Contratantes.»

8.        O artigo 65.o («Procedimento a seguir quanto à nulidade de um tratado, à cessação da sua vigência, à retirada ou à suspensão da sua aplicação») indica:

«1.      A Parte que, com base nas disposições da presente Convenção, invocar um vício do seu consentimento em ficar vinculada por um tratado, um motivo para contestar a validade de um tratado, para fazer cessar a sua vigência, para dele se retirar ou para suspender, a sua aplicação deve notificar a sua pretensão às outras Partes. A notificação deve indicar a medida que se propõe tomar quanto ao tratado e o respetivo fundamento.

2.      Se, após o decurso de um prazo que, salvo em casos de particular urgência, não deve ser inferior a três meses a contar da receção da notificação, nenhuma Parte formular objeções, a Parte que faz a notificação pode tomar, nas formas prescritas no artigo 67.o, a medida que tenha previsto.

3.      Se, porém, qualquer outra Parte tiver levantado uma objeção, as Partes devem procurar uma solução pelos meios indicados no artigo 33.o da Carta das Nações Unidas.

[…]»

9.        O artigo 67.o dispõe:

«1.      A notificação prevista no n.o 1 do artigo 65.o deve ser feita por escrito.

2.      Todo o ato que vise declarar a nulidade de um tratado, fazer cessar a sua vigência, proceder à retirada ou suspender a sua aplicação, com base nas disposições do tratado ou nos n.os 2 e 3 do artigo 65.o, deve ser consignado num instrumento comunicado às outras Partes. Se o instrumento não for assinado pelo chefe do Estado, pelo chefe do governo ou pelo ministro dos negócios estrangeiros, o representante do Estado que faz a comunicação pode ser convidado a apresentar os seus plenos poderes.»

10.      Nos termos do artigo 68.o («Revogação das notificações e dos instrumentos previstos nos artigos 65.o e 67.o»):

«A notificação e o instrumento previstos nos artigos 65.o e 67.o podem ser revogados em qualquer momento, antes da produção dos seus efeitos.»

C.      Direito britânico. European Union (Withdrawal) Act 2018 (4)

11.      De acordo com a section 13:

«(1)      O acordo de retirada só poderá ser ratificado se:

(a)      um Ministro da Coroa apresentar em ambas as Câmaras do Parlamento

(i)      uma declaração de que se chegou a um acordo político,

(ii)      uma cópia do acordo de retirada negociado, e

(iii)      uma cópia do quadro das futuras relações,

(b)      o acordo de retirada negociado e o quadro das futuras relações forem aprovados por resolução da Câmara dos Comuns sob moção apresentada por um Ministro da Coroa,

(c)      um Ministro da Coroa apresentar na Câmara dos Lordes uma moção para essa Câmara tomar conhecimento do acordo de retirada negociado e do quadro das futuras relações e:

(i)      a Câmara dos Lordes debater a moção, ou

(ii)      a Câmara dos Lordes não tiver concluído a discussão da iniciativa no prazo de cinco dias de sessões da Câmara contados do primeiro dia de sessões da Câmara a seguir ao da aprovação na Câmara dos Comuns da resolução referida na alínea b),

e

(d)      o Parlamento aprovar uma Lei de execução do acordo de retirada.

(2)      Na medida do possível, um Ministro da Coroa promoverá as diligências necessárias para que a moção prevista na subsection (1), alínea b), seja discutida e votada na Câmara dos Comuns, antes de o Parlamento Europeu decidir se dá ou não a sua aprovação a que o acordo de retirada seja celebrado em nome da União Europeia, nos termos do artigo 50.o, n.o 2, do Tratado da União Europeia.

(3)      No caso de a Câmara dos Comuns decidir não aprovar a resolução referida na subsection (1), alínea b), aplica‑se o disposto na subsection (4).

(4)      No prazo de vinte e um dias contados do dia em que a Câmara dos Comuns decidir não aprovar a resolução, um Ministro da Coroa deverá apresentar uma declaração sobre o modo pelo qual o Governo de Sua Majestade se propõe proceder quanto às negociações para a retirada do Reino Unido da União Europeia, prevista no artigo 50.o, n.o 2, do Tratado da União Europeia.

[…]

(6)      Um Ministro da Coroa deverá diligenciar no sentido de:

(a)      no prazo de sete dias de sessão da Câmara dos Comuns, contados do dia em que tenha sido feita a declaração prevista na subsection (4), um Ministro da Coroa apresentar na Câmara dos Comuns, uma moção, redigida em termos neutros, no sentido de que a Câmara dos Comuns analisou a questão relativa a essa declaração, e

(b)      no prazo de sete dias de sessão da Câmara dos Lordes, contados do dia em que tenha sido feita a declaração, um Ministro da Coroa apresentar uma moção no sentido de que a Câmara tome conhecimento dessa declaração.

(7)      A subsection (8) é aplicável se o primeiro‑ministro fizer uma declaração antes do final de 21 de janeiro de 2019 de que não é possível celebrar um acordo de princípio nas negociações previstas no Artigo 50.o, n.o 2, do Tratado da União Europeia no que respeita:

(a)      às modalidades da retirada do Reino Unida da União Europeia, e

(b)      ao quadro das futuras relações entre a União Europeia e o Reino Unido depois da retirada.

(8)      No prazo de 14 dias contados do dia em que seja feita a declaração referida na subsection (7), um Ministro da Coroa deverá:

(a)      fazer uma declaração sobre o que o Governo de Sua Majestade se propõe fazer, e

(b)      diligenciar no sentido de:

(i)      no prazo de sete dias de sessão da Câmara dos Comuns, contados do dia em que tenha sido feita a declaração prevista na alínea a),um Ministro da Coroa apresentar na Câmara dos Comuns uma moção, redigida em termos neutros, no sentido de que essa Câmara analisou a matéria dessa declaração, e

(ii)      no prazo de sete dias de sessão da Câmara dos Lordes, contados do dia em que seja feita a declaração referida na alínea a), um Ministro da Coroa apresentar uma moção no sentido de essa Câmara tomar conhecimento dessa declaração.

[…]

(10)      A subsection (11) é aplicável se, no final de 21 de janeiro de 2019, não houver acordo de princípio nas negociações nos termos do artigo 50.o, n.o 2, do Tratado da União Europeia no que respeita:

(a)      às modalidades da retirada do Reino Unido da União Europeia, e

(b)      ao quadro das futuras relações entre a União Europeia e o Reino Unido depois da retirada.

(11)      No prazo de cinco dias contados do final de 21 de janeiro de 2019, um Ministro da Coroa deverá,

(a)      fazer uma declaração sobre o que o Governo de Sua Majestade se propõe fazer, e

(b)      diligenciar no sentido de:

(i)      no prazo de cinco dias de sessão da Câmara dos Comuns, contados do final de 21 de janeiro de 2019, um Ministro da Coroa apresentar nessa Câmara uma moção, redigida em termos neutros, no sentido de que a Câmara dos Comuns analisou a questão da declaração referida na alínea a), e

(ii)      no prazo de cinco dias de sessão da Câmara dos Lordes, contados do final de 21 de janeiro de 2019, um Ministro da Coroa apresentar nessa Câmara uma moção no sentido de a Câmara dos Lordes tomar conhecimento da declaração referida na alínea a).

[…]»

II.    Factos, tramitação do processo e questão prejudicial

12.      Em 23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido pronunciaram‑se em referendo (51,9% contra 48,1%) a favor da saída («exit») do seu país da União Europeia.

13.      A United Kingdom Supreme Court (Supremo Tribunal do Reino Unido) declarou por Acórdão de 24 de janeiro de 2017, Miller (5), que o Governo britânico necessitava da aprovação prévia do Parlamento para notificar ao Conselho Europeu a intenção de retirada da União. O acórdão não se pronunciou, porém, sobre a revogabilidade dessa notificação, pois isso não era então objeto de controvérsia: as partes nesse litígio estavam de acordo em considerá‑la irrevogável (6).

14.      Em 13 de março de 2017, o Parlamento Britânico adotou o European Union (Notification of Withdrawal) Act 2017 (7), que autorizava o primeiro‑ministro a notificar a intenção do Reino Unido de se retirar da União, nos termos do artigo 50.o, n.o 2, TUE.

15.      Em 29 de março de 2017, o primeiro‑ministro do Reino Unido enviou ao Conselho Europeu a notificação da intenção de retirada.

16.      Em 29 de abril de 2017, o Conselho Europeu (artigo 50.o) adotou as orientações que definem o quadro das negociações previstas no artigo 50.o TUE e fixam as posições e os princípios gerais que a União deve defender nessas negociações (8). Com base na recomendação da Comissão de 3 de maio de 2017, o Conselho aprovou em 22 de maio de 2017, de acordo com o artigo 50.o TUE e com o artigo 218.o, n.o 3, TFUE, a decisão que conferia poderes à Comissão para iniciar as negociações com o Reino Unido, para alcançar um acordo de retirada da União e da CEEA (9).

17.      Em 14 de novembro de 2018, as negociações ficaram concluídas com um projeto de Acordo sobre a Retirada do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (10). Por outro lado, em 22 de novembro de 2018, foi adotada a Declaração Política na qual se expõe o quadro das relações futuras entre a União Europeia e o Reino Unido (11). Este Acordo e a Declaração foram aceites pelo Conselho Europeu de 25 de novembro de 2018.

18.      Até serem concluídos com êxito os procedimentos de celebração deste Projeto de Acordo no Reino Unido e na União Europeia, subsistem as duas possibilidades contempladas no artigo 50.o, n.o 3, TUE.

19.      Em 19 de dezembro de 2017, vários deputados do Parlamento Escocês, do Parlamento do Reino Unido e do Parlamento Europeu apresentaram na Court of Session, Outer House (Scotland) (Tribunal de Sessão, Secção Externa (Escócia), Reino Unido) um pedido de «judicial review» para decidir da questão de saber se a notificação da intenção de retirada pode ser revogada unilateralmente antes do termo do prazo de dois anos do artigo 50.o TUE, de modo que, a verificar‑se essa revogação, o Reino Unido permaneça na União.

20.      O pedido foi julgado improcedente por decisão de 6 de fevereiro de 2018 (12) do Lord Ordinary (Juiz de Primeira Instância), por considerar que afetava a soberania do Parlamento Britânico e que suscitava uma questão hipotética, na falta de indícios que evidenciassem a vontade do Governo ou do Parlamento Britânicos de revogar a notificação da intenção de retirada.

21.      Os recorrentes recorreram para a Court of Session, Inner House, First Division (Scotland) [Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia), Reino Unido], que autorizou o prosseguimento do processo por decisão de 20 de março de 2018 (13), devolvendo‑o ao órgão de primeira instância para decisão de mérito.

22.      Por decisão de 8 de junho de 2018 (14), o Lord Ordinary (Juiz de Primeira Instância) da Court of Session, Outer House (Scotland) [Tribunal de Sessão, Secção Externa (Escócia)] indeferiu o pedido de apresentação de um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça e julgou improcedente o pedido (15).

23.      Os recorrentes recorreram dessa decisão para a Court of Session, Inner House, First Division [Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia)] que, depois de o admitir, proferiu o despacho de 21 de setembro de 2018 (16), deferindo o pedido de apresentação de uma questão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE.

24.      Em substância, o tribunal a quo:

—      Considera não ser prematuro nem académico perguntar se a notificação pode ser licitamente revogada de modo unilateral, de modo a que o Reino Unido permaneça na União.

—      Realça a incerteza que envolve esta matéria e entende que a resposta permitirá aos deputados do Reino Unido ter uma ideia das opções disponíveis no momento de emitir o seu voto. Em seu entender, independentemente do interesse que possam ter os deputados do Parlamento Escocês e do Parlamento Europeu no esclarecimento desta questão, os deputados do Parlamento Britânico têm esse interesse.

25.      Para chegar a esta conclusão, o tribunal de reenvio teve em conta que, em 26 de junho de 2018, se cumpriu o trâmite da aprovação real do European Union (Withdrawal) Act 2018, cujo artigo 13.o regula em pormenor a aprovação parlamentar do resultado das negociações entre o Reino Unido e a União em conformidade com o artigo 50.o TUE. Em particular, o acordo de retirada só poderá ser ratificado se tiver sido aprovado, juntamente com o quadro para as futuras relações do Reino Unido com a União, por resolução da House of Commons (Câmara dos Comuns), e se ambos, acordo e quadro, tiverem sido debatidos na House of Lords (Câmara dos Lordes). No caso de não se obter a aprovação, o Governo deverá explicar a sua proposta quanto às negociações. Se, antes de 21 de janeiro de 2019, o primeiro‑ministro declarar que não é possível chegar a um acordo de princípio, o Governo deverá, uma vez mais, expor o que propõe a esse respeito. Essa proposta terá de ser apresentada nas duas Câmaras do Parlamento.

26.      A Section 13 da European Union (Withdrawal) Act 2018 assinala que, se a Câmara dos Comuns rejeitar o acordo de retirada, os Tratados deixarão de ser aplicáveis ao Reino Unido em 29 de março de 2019, salvo circunstâncias supervenientes. O mesmo acontecerá se não se chegar a um acordo de retirada entre o Reino Unido e a União antes dessa data.

27.      Neste contexto, a Court of Session, Inner House, First Division (Scotland) [Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia)] submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial (17):

«No caso de, em conformidade com o artigo 50.o do Tratado da União Europeia, um Estado‑Membro ter notificado o Conselho Europeu da sua intenção de se retirar da União Europeia, o direito da União Europeia permite que essa notificação seja unilateralmente revogada pelo Estado‑Membro notificante e, na afirmativa, em que condições e com que efeitos no que respeita à permanência do Estado‑Membro na União Europeia?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

28.      O despacho de reenvio deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de outubro de 2018.

29.      O tribunal a quo pediu a tramitação acelerada da questão prejudicial, nos termos do artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, invocando a urgência do processo, pois as deliberações e a posterior votação parlamentar sobre a retirada do Reino Unido da União devem ocorrer com suficiente antecedência relativamente a 29 de março de 2019.

30.      O Presidente do Tribunal de Justiça deferiu o pedido, como consta do despacho de 19 de outubro de 2018, justificando a adoção do procedimento acelerado com a necessidade de clarificar o alcance do artigo 50.o TUE antes de os parlamentares nacionais terem de se pronunciar sobre o acordo de retirada e com a importância fundamental deste preceito, tanto para o Reino Unido como para o ordenamento constitucional da União (18).

31.      No processo prejudicial apresentaram observações escritas os recorrentes no litígio principal (Witghman e o., Tom Brake e Chris Leslie), o Governo do Reino Unido, a Comissão e o Conselho. Todos compareceram na audiência realizada no Tribunal de Justiça em 27 de novembro de 2018.

IV.    Admissibilidade da questão prejudicial

32.      O Governo do Reino Unido considera que a questão prejudicial é inadmissível. A Comissão manifesta dúvidas a esse respeito, embora não as traduza numa exceção formal de inadmissibilidade.

33.      Para o Governo do Reino Unido, em síntese:

—      A questão é inadmissível, dado o seu caráter hipotético e teórico (académico), pois não existe nenhum indício de que o Governo ou o Parlamento Britânicos venham a revogar a notificação da intenção de retirada.

—      Admitir a questão prejudicial iria contra o sistema de recursos previsto nos Tratados constitutivos, que não preveem a possibilidade de o Tribunal de Justiça dar pareceres consultivos em questões de natureza constitucional, como é a retirada de um Estado‑Membro da União.

34.      Segundo jurisprudência constante, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação ou à validade de uma regra de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daí resulta que as questões prejudiciais relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência.

35.      Segundo essa mesma jurisprudência, o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (19).

36.      Entendo que este processo não reúne nenhuma dessas condições, imprescindíveis para rejeitar a limine o reenvio prejudicial.

37.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça deve partir do princípio que o órgão jurisdicional a quo adotou o despacho de reenvio em conformidade com as normas processuais, de competência e de organização judicial vigentes no seu direito interno (20). Em concreto, não há hoje dúvida de que o mecanismo processual da judicial review, tal como se aplica na Escócia (21), legitima neste caso concreto (tal como noutros já decididos pelo Tribunal de Justiça) (22) tanto a apresentação do reenvio prejudicial como a posterior decisão do tribunal que o propôs (23).

38.      Em segundo lugar, o litígio é real e existe um claro conflito entre teses jurídicas opostas, defendidas por cada uma das partes. Existe uma verdadeira controvérsia processual pendente, na qual se esgrimem argumentos e pretensões contraditórias:

—      Os recorrentes pedem ao tribunal de reenvio que declare que o artigo 50.o TUE autoriza a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada, pedindo‑lhe que interrogue previamente o Tribunal de Justiça sobre essa questão.

—      O Governo britânico opõe‑se a essa pretensão.

39.      Em terceiro lugar, a questão do tribunal de reenvio é imprescindível para dirimir o litígio principal. Pode mesmo dizer‑se que essa pergunta constitui o próprio objeto desse litígio. A faculdade de interpretar, de modo definitivo e uniforme, o artigo 50.o TUE compete ao Tribunal de Justiça e há que fazer um esforço hermenêutico considerável para determinar se esse artigo admite, ou não, a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada. Sem o apoio da autoridade do Tribunal de Justiça, o tribunal de reenvio dificilmente poderá resolver a controvérsia que lhe cabe decidir.

40.      Em quarto lugar, a pergunta colocada não é meramente académica (24). O que se pede ao Tribunal de Justiça é que profira um acórdão para interpretar um preceito (o artigo 50.o TUE) que, de facto, está em curso de aplicação e cujas consequências jurídicas futuras se aproximam de forma inexorável. O pedido prejudicial tem precisamente como propósito discernir o verdadeiro alcance desse preceito num aspeto muito duvidoso (25).

41.      A importância prática, não só teórica, da resposta do Tribunal de Justiça é evidente, dadas as enormes repercussões jurídicas, económicas, sociais e políticas do Brexit, tanto para o Reino Unido como para a União e para os direitos dos cidadãos, britânicos e não britânicos, que serão afetados pela saída. Não se trata, insisto, de uma questão meramente doutrinária, ao alcance de alguns poucos especialistas em direito da União: o que se submete ao Tribunal de Justiça pode ter transcendência efetiva no Reino Unido e na própria União Europeia.

42.      Em quinto lugar, concordo com a apreciação do despacho de reenvio ao entender que a questão não é prematura. Mais, parece‑me, tal como ao tribunal de reenvio (26), que o momento ideal para dissipar as dúvidas sobre a revogabilidade ou não da notificação da intenção de retirada é antes, não depois, de o Brexit se consumar e de o Reino Unido ficar inexoravelmente confrontado com as suas consequências.

43.      Em sexto lugar, a pergunta também não pode ser qualificada de supérflua ou desnecessária, uma vez que a resposta permitirá aos deputados do Parlamento do Reino Unido terem uma ideia das opções existentes antes de emitirem o seu voto (27).

44.      Segundo a Section 13 da European Union (Withdrawal) Act 2018, o Parlamento Britânico deve, antes de 21 de janeiro de 2019, aceitar ou rejeitar o acordo de retirada a que eventualmente se chegue entre o Reino Unido e a União e, na falta de acordo, deve pronunciar‑se posteriormente sobre a via que o Governo Britânico deve seguir. Se tal acordo for rejeitado ou na falta de acordo, o Reino Unido deixará de ser membro da União Europeia em 29 de março de 2019, salvo se o Conselho Europeu, com o acordo desse Estado, decidir por unanimidade prorrogar o prazo (artigo 50.o, n.o 3, TUE).

45.      Ora, a resposta à questão prejudicial permitirá aos membros do Parlamento Britânico saber se dispõem de uma terceira via e não só das alternativas de que dispõem na atualidade (rejeição ou aprovação do acordo de retirada e declaração sobre a atuação do Governo Britânico na falta desse acordo). Essa terceira via permitiria que o Parlamento instasse o Governo Britânico a revogar a notificação da intenção de retirada, com o que o Reino Unido continuaria a ser parte dos Tratados constitutivos da União Europeia e membro desta (28).

46.      Em sétimo lugar, o que se pede ao Tribunal de Justiça não é um mero parecer, de natureza puramente consultiva, como parece sustentar (com algumas reservas) a Comissão. Nas suas observações escritas, aceita que a resposta do Tribunal de Justiça é necessária para que o tribunal de reenvio emita o «declarator» (29) que lhe é pedido, mas entende que este será meramente consultivo e não produzirá efeitos imediatos para as partes.

47.      Não compartilho desta opinião pois, como acabei de assinalar, a decisão do tribunal de reenvio pode produzir efeitos jurídicos, na medida em que autorizaria os litigantes que são membros do Parlamento britânico a tomar uma iniciativa, fundada no direito da União, a favor da revogação unilateral da notificação da intenção de retirada.

48.      O Governo britânico também afirma que se pede ao Tribunal de Justiça um parecer consultivo sobre uma hipotética revogação, que ele próprio não está disposto a apresentar. Em seu entender, os Tratados constitutivos não permitem que o processo prejudicial seja utilizado neste contexto, pois o artigo 50.o TUE não prevê a possibilidade de pedir um parecer ao Tribunal de Justiça, diversamente do previsto no artigo 218.o, n.o 11, TFUE. Acrescenta que a legalidade dessa (eventual) revogação deveria ser impugnada através de uma ação por incumprimento ou de um recurso de anulação, uma vez posta em prática. Um parecer consultivo do Tribunal de Justiça num caso politicamente tão sensível como o Brexit implicaria, segundo esse Governo, uma intromissão na adoção de decisões ainda em negociação, que devem ser tomadas pelos poderes executivo e legislativo do Reino Unido.

49.      Também não compartilho destes argumentos. Como já indiquei, o Tribunal de Justiça não deve dar um parecer consultivo, mas sim cooperar com o tribunal de reenvio para que este decida de um litígio real em que se defrontam duas partes com posições jurídicas bem definidas e que exige a interpretação do artigo 50.o TFUE. Perante a dúvida sobre a questão de saber se o procedimento previsto nesse preceito prevê a possibilidade de revogar unilateralmente a notificação da intenção de retirada, o tribunal a quo tem de proferir um acórdão declarativo, com importantes repercussões, que, por sua vez, depende da exegese de uma norma do TUE.

50.      Neste contexto, o reenvio prejudicial do artigo 267.o TFUE é idóneo para resolver ex ante a referida dúvida, isto é, sem esperar que a revogação se produza. A mera admissão da possibilidade dessa revogação, se for confirmada pelo Tribunal de Justiça, pode, por si só, produzir efeitos jurídicos relevantes, na medida em que permite aos parlamentares recorrentes invocá‑la para adotar uma posição ou outra.

51.      Assim, ao responder à questão prejudicial, o Tribunal de Justiça não exercerá funções consultivas, mas dará uma resposta conforme com a sua função jurisdicional (isto é, a função de dizer o direito), para que, a partir dela, o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncie, num acórdão com efeitos jurídicos reais, sobre a pretensão declarativa que os recorrentes lhe apresentaram.

52.      Ao decidir nestes termos a questão prejudicial, o Tribunal de Justiça não ultrapassa a função que lhe é conferida pelos artigos 19.o TUE e 267.o TFUE. A sua interpretação do artigo 50.o TUE não implica uma interferência no processo político de negociação da retirada do Reino Unido da União. Acresce que serve para clarificar, do ponto de vista do direito da União, os contornos jurídicos dessa retirada, da qual são protagonistas ativos os poderes executivo e legislativo do Reino Unido.

53.      Quanto ao mais, como noutros casos de especial sensibilidade para os Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça não pode eximir‑se às suas obrigações, evitando responder a uma questão formulada corretamente (isto é, em conformidade com o artigo 267.o TFUE), apenas pelo facto de essa resposta poder ser lida de uma ótica política, e não estritamente jurisdicional, por algumas das partes.

54.      Por último, devo referir o Acórdão American Express (30), referido no despacho de reenvio, nem que seja apenas para dar resposta a uma suposta contradição da minha posição atual com a que defendi nas minhas conclusões nesse processo (31). Ao mesmo tempo que elogiava a flexibilidade dos processos de judicial review, mostrei as minhas reticências e critiquei a excessiva permissividade do Tribunal de Justiça ao admitir questões prejudiciais surgidas desse tipo de procedimentos, «quando está em causa a apreciação da validade de normas da União».

55.      Nesse caso, defendia que não havia um verdadeiro litígio entre a American Express e a Administração britânica: ambas pediram de mútuo acordo ao órgão jurisdicional para que apresentasse ao Tribunal de Justiça as questões que elas próprias tinham preparado. A inexistência de posições contraditórias das partes deixava clara, mais do que um litígio real, a existência de um artificio processual montado entre elas, com o único fim de obter uma decisão do Tribunal de Justiça.

56.      Ora, nenhum desses fatores se verifica neste litígio, como assinalei nas minhas anteriores considerações. Acrescento que, de qualquer forma, o Tribunal de Justiça entendeu que esse reenvio prejudicial era admissível, mesmo nas condições que acabo de descrever.

57.      Por todas estas razões, inclino‑me no sentido de reputar admissível a questão prejudicial.

V.      Análise da questão prejudicial

58.      Pode um Estado‑Membro (o Reino Unido, no caso presente) revogar a notificação da intenção de se retirar da União, uma vez comunicada ao Conselho Europeu?

59.      Não existindo no artigo 50.o TUE uma resposta explícita a esta pergunta aparentemente tão simples, são possíveis três soluções: a) não, em nenhum caso; b) sim, incondicionalmente; o c) sim, sob certas condições. O raciocínio para justificar qualquer destas respostas é sem dúvida complexo, como demonstra o debate que existiu nos Estados‑Membros (em especial, no Reino Unido) e na doutrina jurídica (32).

60.      A controvérsia transferiu‑se para o incidente prejudicial, no qual:

—      Os recorrentes (Wightman e o.) e quem os apoia (Tom Brake e Chirs Leslie) advogam pela revogação unilateral, submetida a determinadas condições.

—      Pelo contrário, a Comissão e o Conselho opõem‑se à revogação unilateral, mas consideram que o artigo 50.o TUE admite uma revogação (que qualificarei de por acordo) aprovada pelo Conselho Europeu por unanimidade.

61.      Na realidade, o debate reflete uma polémica que remonta às origens do direito, tal como hoje o conhecemos, sobre os efeitos das declarações unilaterais de vontade, quando dirigidas a terceiros, e sobre a sua eventual revogação posterior. No direito romano coexistiam, a este respeito, posturas rígidas (optione facta, ius eligendi consumitur) (33) com outras mais flexíveis, que aceitavam a retratação ou a desistência dessas declarações (mutatio consilii), desde que não fossem em prejuízo ou em detrimento de terceiros.

62.      Proponho‑me seguir, ao tratar do mérito, este esquema argumental:

—      Examinarei, em primeiro lugar, as normas do direito internacional público sobre a retirada dos Estados dos tratados internacionais, incluindo as relativas à revogação da retirada. Desse exame se poderá deduzir se essas normas são aplicáveis a este caso.

—      Procederei, em segundo lugar, a uma exegese do artigo 50.o TUE, enquanto lex specialis, para determinar se, em conformidade com este preceito, nada obsta à revogação unilateral da notificação da intenção de retirada. Se assim for, analisarei as exigências que os Estados‑Membros deverão respeitar para levar a cabo essa revogação unilateral.

—      Por último, abordarei a possibilidade, suscitada pela Comissão e pelo Conselho, de uma revogação por acordo.

A.      Retirada dos tratados em direito internacional

1.      Normas da CVDT, normas consuetudinárias e prática dos Estados sobre o direito de retirada

63.      Como a base da regulação dos tratados internacionais é o princípio pacta sunt servanda, consagrado no artigo 26.o CVDT, os Estados mostraram‑se reticentes em aceitar o direito de retirada unilateral de um Estado parte num tratado internacional. Por isso, o artigo 42.o CVDT dispõe que «[a] cessação da vigência de um tratado, a sua denúncia ou a retirada de uma Parte só podem ter lugar de acordo com as disposições do tratado, ou da presente Convenção».

64.      A possibilidade de retirada de um tratado está prevista expressamente na CVDT:

—      O artigo 54.o permite a retirada de um Estado parte «[n]os termos previstos no tratado» em questão (34) ou «[e]m qualquer momento, por consentimento de todas as Partes, após consultados os outros Estados Contratantes» (35).

—      O artigo 56.o dispõe que, se um tratado não contiver normas expressas sobre a denúncia ou sobre a retirada, esta última só é possível se estiver estabelecido que as Partes admitiram a possibilidade de retirada ou se o direito de retirada puder ser deduzido da natureza do tratado (36).

65.      A prática internacional de retirada unilateral de tratados multilaterais não tem sido muito abundante, mas não faltaram casos. Nos últimos anos, essa prática aumentou, devido às reticências de certos Governos, contrários aos tratados internacionais e à participação em organizações internacionais (37).

66.      Também houve casos em que Estados se retiraram de um tratado durante um período de tempo, seguidas de uma posterior adesão a esse mesmo tratado. Um dos mais relevantes foi protagonizado pelos países comunistas europeus, no início da Guerra Fria, quando abandonaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Como os tratados constitutivos de ambas as organizações internacionais não tinham cláusula de retirada, os Estados ocidentais alegaram que esta dependia do consentimento dos restantes Estados partes. Em apoio da sua tese, os países comunistas alegaram, como princípio geral do direito internacional, que os Estados não podem ser obrigados a continuar a ser partes num tratado contra a sua vontade (38).

67.      Na sequência destes acontecimentos, o Tratado constitutivo da UNESCO foi modificado para introduzir um preceito que consagrou o direito de retirada unilateral (39). Esta cláusula foi utilizada pelo Reino Unido (que deixou a UNESCO em 31 de dezembro de 1985 e voltou a aderir em 1 de julho de 1997) e pelos Estados Unidos (que se retiraram em 31 de dezembro de 1984 e voltaram a entrar em 3 de outubro de 2003). Em 2017, os Estados Unidos voltaram a retirar‑se dessa organização internacional e Israel também se retirou (40).

68.      Quanto às revogações das notificações de retirada de tratados internacionais, para além de alguns precedentes históricos, (41) existem igualmente casos recentes que podem ter interesse neste processo. Referir‑me‑ei, em concreto, aos casos do Panamá, da Gâmbia e da República da África do Sul (42).

69.      Em 19 de agosto de 2009, o Governo do Panamá notificou (43) a sua retirada do Tratado Constitutivo do Parlamento Centro‑Americano e outras instâncias políticas (a seguir «Parlacen») (44), referindo em seu apoio o artigo 54.o, alínea b), da CVDT. Perante a rejeição dos membros do Parlacen, o Governo do Panamá pediu à Assembleia Nacional a aprovação da Lei n.o 78, de 11 de dezembro de 2011, que reproduzia essa notificação e propunha a anulação dos instrumentos panamenhos de ratificação desse Tratado. Não obstante, a Corte Suprema de Justicia do Panamá declarou inconstitucional essa lei, por violar o artigo 4.o da Constituição do Panamá («a República do Panamá respeita as normas do direito internacional»), uma vez que o Tratado Parlacen não incluía uma cláusula expressa de retirada e esta não era possível em conformidade com os artigos 54.o CVDT e 56.o CVDT (45). Em consequência desse acórdão, a notificação de retirada do Panamá foi revogada e este país voltou a participar no Parlacen (46).

70.      Os outros dois casos referem‑se ao Tratado constitutivo do Tribunal Penal Internacional (ICC), isto é, ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 (47):

—      O Governo da Gâmbia, em fevereiro de 2017, após a chegada ao poder de um novo presidente, revogou a notificação de retirada que tinha efetuado em novembro de 2016 (48).

—      O Governo da República da África do Sul, que, em outubro de 2016, tinha notificado a sua retirada do Estatuto de Roma (49), comunicou em março de 2017 (50) a revogação dessa notificação, após a sua anulação pela High Court sul africana (51).

71.      À luz desta prática internacional, poderia perguntar‑se se a possibilidade de revogar notificações de retirada adquiriu o caráter de norma consuetudinária internacional. Ou, por outras palavras, se o artigo 68.o CVDT, segundo o qual as notificações ou os instrumentos previstos nos artigos 65.o e 67.o poderão ser revogados em qualquer momento antes de produzirem efeitos, contém uma norma consuetudinária de direito internacional.

72.      Os artigos 65.o a 68.o integram a secção IV da parte V da CVDT, que contém as normas processuais aplicáveis às situações de invocação de causas de nulidade, cessação, retirada e suspensão dos tratados.

—      O artigo 65.o obriga o Estado que deseje retirar‑se de um tratado a notificar a sua intenção aos restantes Estados Parte, explicando a medida que se proponha adotar a respeito do tratado e as razões em que se funda. Esses outros Estados dispõem de um prazo mínimo de três meses para formular objeções à retirada.

—      Na falta de objeções, o artigo 67.o permite ao Estado que deseje retirar‑se do tratado formalizar por escrito o seu instrumento de retirada e comunicá‑lo aos demais Estados partes.

—      De acordo com o artigo 68.o, «[a] notificação e o instrumento previstos nos artigos 65.o e 67.o podem ser revogados em qualquer momento, antes da produção dos seus efeitos».

73.      O artigo 68.o da CVDT foi adotado sem votos contra dos Estados participantes na conferência intergovernamental que redigiu essa Convenção, com base no Projeto de artigos da Comissão de Direito Internacional, na qual também não houve desacordos sobre ele (52).

74.      Esta circunstância poderia levar a pensar que o artigo 68.o CVDT codifica uma norma consuetudinária (53). Contudo, o preceito, que surge ligado aos artigos 65.o e 67.o, pode antes ser considerado uma norma de caráter processual que manifesta um desenvolvimento progressivo e não a codificação de um costume internacional (54). Foi o que entendeu, a respeito do artigo 65.o CVDT, o Tribunal de Justiça no Acórdão Racke (55) e creio que esse mesmo entendimento pode ser extrapolado para o artigo 68.o CVDT (embora reconheça que existem divergências a este respeito) (56).

75.      Nesta situação de relativa incerteza, que a prática recente dos Estados sobre as revogações de notificações de retirada dos tratados internacionais não dissipa, considero difícil que o Tribunal de Justiça pudesse declarar norma consuetudinária em vigor o conteúdo do artigo 68.o CVDT, isto é, a regra de que se podem revogar, de forma unilateral, as notificações de retirada de um tratado realizadas por um Estado‑Membro, até ao momento em que produzam efeitos.

76.      Ora, seja ou não uma norma consuetudinária de direito internacional, o artigo 68.o CVDT fornece ao intérprete uma fonte de inspiração não despicienda, como passo a expor.

2.      Aplicação à União Europeia e aos seus EstadosMembros das disposições da CVDT sobre a retirada dos tratados

77.      As normas da CVDT sobre a retirada dos tratados internacionais são aplicáveis à retirada de um Estado‑Membro da União Europeia? Qual poderia ser, sendo caso disso, a articulação da CVDT com as previsões do artigo 50.o TUE?

78.      O TUE é um tratado internacional celebrado entre Estados e simultaneamente um instrumento constitutivo de uma organização internacional (a União Europeia). Como tal, estaria sujeito à CVDT, segundo o seu artigo 5.o (57). Não obstante, há que recordar que a União não é Parte na CVDT e vários dos seus Estados‑Membros (França, Roménia) também não. Por conseguinte, as disposições da CVDT sobre a retirada de um tratado e a possível revogação desta, em especial o artigo 68.o CVDT, não são aplicáveis em direito da União como normas internacionais de caráter convencional.

79.      Não obstante, as normas consuetudinárias internacionais obrigam os Estados‑Membros e a União Europeia e podem ser fonte de direitos e obrigações em direito da União (58).

80.      Tendo mostrado as minhas reservas a que a regra da revogabilidade das notificações de retirada dos tratados, que figura no artigo 68.o CVDT, possa ser qualificada de norma consuetudinária internacional, não penso que seja possível a sua utilização como base jurídica para que um Estado‑Membro se retire da União à margem do procedimento do artigo 50.o TUE.

81.      Com efeito, os Tratados constitutivos da União Europeia contêm uma cláusula expressa de retirada (o artigo 50.o TUE), que é lex specialis face às normas convencionais (artigos 54.o CVDT, 56.o CVDT e 64.o CVDT a 68.o CVDT) do direito internacional na matéria. Assim, a retirada de um Estado‑Membro dos Tratados constitutivos da União deve realizar‑se respeitando, em princípio, as disposições do artigo 50.o TUE.

82.      Ora, nada obsta a que o intérprete recorra aos artigos 54.o, 56.o, 65.o, 67.o e, em especial, 68.o CVDT para inferir algumas linhas hermenêuticas que contribuam para dissipar as dúvidas sobre as questões não expressamente previstas no artigo 50.o TUE. É o caso da revogabilidade das notificações de retirada, sobre a qual o artigo 50.o TUE nada diz.

83.      Nada existe de anómalo nessa interação. O Tribunal de Justiça utilizou as normas da CVDT sobre a interpretação dos tratados, em especial os seus artigos 31.o e 32.o (59), para esclarecer o sentido das disposições dos Tratados constitutivos da União (60), dos tratados internacionais celebrados pela União com países terceiros, das normas de direito derivado (61) e mesmo dos tratados bilaterais entre Estados‑Membros, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso (artigo 273.o TFUE) (62).

84.      Neste caso, há que interpretar o artigo 50.o TUE, que regula o direito de retirada. Essa opção, tal como a revisão (artigo 48.o TUE), a adesão (artigo 49.o TUE) e a ratificação (artigo 54.o TUE) dos Tratados constitutivos da União, entronca na origem destes e representa uma questão típica do direito internacional.

85.      O artigo 50.o TUE, cuja redação se inspirou nos artigos 65.o a 68.o CVDT (63), é, repito, lex specialis relativamente às normas gerais do direito internacional sobre retirada dos tratados, mas não um preceito auto‑suficiente que regule de forma exaustiva todos e cada um dos pormenores desse procedimento de retirada (64). Nada impede, portanto, que, para preencher as lacunas do artigo 50.o TUE, se leve em conta o artigo 68.o CVDT, embora este não reflita, stricto sensu, uma norma consuetudinária internacional.

B.      Revogação unilateral da notificação da intenção de retirada no quadro do artigo 50.o TUE

86.      O procedimento do artigo 50.o TUE, introduzido nesse Tratado com a reforma efetuada pelo Tratado de Lisboa, tem início com a decisão de retirada que o Estado‑Membro deve adotar «em conformidade com as respetivas normas constitucionais».

87.      As posteriores fases do procedimento foram resumidas pelo Tribunal de Justiça deste modo: «comporta, em primeiro lugar, a notificação ao Conselho Europeu da intenção de saída, em segundo lugar, a negociação da celebração de um acordo que estabeleça as condições de saída tendo em conta as relações futuras entre o Estado em causa e a União e, em terceiro lugar, a saída propriamente dita da União na data de entrada em vigor desse acordo ou, na falta deste, dois anos após a notificação efetuada ao Conselho Europeu, a menos que este, com o acordo do Estado‑Membro em causa, decida por unanimidade prorrogar esse prazo» (65).

88.      Para determinar se, perante o silêncio do preceito sobre este aspeto, o artigo 50.o TUE admite ou não a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada, há que recorrer às técnicas de interpretação habitualmente utilizadas pelo Tribunal de Justiça (66) e, subsidiariamente, às previstas nos artigos 31.o CVDT e 32.o CVDT.

89.      Adianto desde já que, na minha opinião, o artigo 50.o TUE aceita a revogação unilateral do Estado‑Membro notificante até ao momento em que conclua o acordo de retirada da União.

1.      Interpretação literal e contextual do artigo 50.o TUE

90.      Em linhas gerais, tanto é possível defender que é permitido tudo o que uma norma não proíbe como que o silêncio da lei implica a inexistência do direito (67). Na realidade, dado que o artigo 50.o TUE não dá uma resposta direta à pergunta do tribunal de reenvio, o critério literal não se pode aplicar e será necessário analisar esse artigo no seu contexto, isto é, indagar o seu significado atendendo à sua ratio, dentro do conjunto normativo mais amplo em que se inscreve.

91.      O artigo 50.o, n.o 1, TUE regula a primeira fase do procedimento, indicando que «[q]ualquer Estado‑Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar‑se da União». Por isso, esta primeira fase (nacional) cabe exclusivamente ao Estado‑Membro que se retira, uma vez que a retirada é um direito reconhecido a qualquer Estado Parte nos Tratados constitutivos da União.

92.      A decisão de retirada, unilateralmente adotada no exercício da soberania do Estado‑Membro que se retira (68), só depende da condição, segundo o artigo 50.o TUE, de ter sido tomada em conformidade com as respetivas normas constitucionais. A obrigação de notificar o Conselho Europeu da intenção de retirada e o prazo de dois anos para negociar o acordo em que será inscrita são unicamente elementos de caráter formal e não limitam a unilateralidade da decisão inicial de retirada.

93.      Como já expus, a articulação do direito de retirada no artigo 50.o TUE inspira‑se nas normas do direito internacional (em especial, nos artigos 54.o CVDT e 56.o CVDT). Parece‑me lógico que assim seja, pois a retirada de um tratado internacional, por definição, é um ato unilateral de um Estado parte. Tal como o poder de o celebrar (treaty making power), o direito a desvincular‑se (retirada ou denúncia) de um tratado em que um Estado seja Parte constitui uma manifestação da soberania desse Estado. Se a decisão de um Estado de celebrar um tratado é unilateral, também o é a de se retirar desse tratado.

94.      O caráter unilateral da decisão de retirada milita a favor da possibilidade de revogar unilateralmente a notificação dessa decisão, até ao momento em que esta produza os seus efeitos definitivos. Desta perspetiva, a revogação unilateral será também uma manifestação da soberania do Estado que se retira, que opta por reverter a sua decisão inicial.

95.      Assim, a unilateralidade da primeira fase estende‑se também, em meu entender, à segunda etapa do procedimento do artigo 50.o TUE isto é, à fase de negociação, que se inicia com a notificação da intenção de retirada ao Conselho Europeu e termina dois anos depois, salvo prorrogação por decisão unânime do Conselho Europeu. É certo, porém, que, nessa segunda fase, a unilateralidade é compensada pela atuação das instituições da União, sobre o que adiante me deterei.

96.      A favor do reconhecimento da revogabilidade das notificações de retirada creio que se podem apresentar, com maior força argumentativa do que as contrárias (mesmo tendo estas o seu peso, o que reconheço), as razões que passo a expor.

97.      Em primeiro lugar, são muito escassas as obrigações substantivas e processuais que o artigo 50.o TUE impõe ao Estado‑Membro que opta por se retirar:

—      Deve notificar (entende‑se que por escrito, embora não esteja especificado) ao Conselho Europeu a sua intenção, mas não é obrigado a justificá‑la nem a expor os motivos que o levam a sair da União.

—      Deve esperar dois anos contados da notificação, findos os quais o Estado poderá abandonar a União sem mais (69), pois a celebração de um acordo não é requisito para que a retirada se consume (70).

98.      Estas características da fase de negociação são um primeiro indício de que o Estado que notificou a sua intenção de retirada conserva, durante o prazo de dois anos, o seu domínio, por assim dizer, da vontade expressa nessa notificação. Como sucede noutros domínios do direito, na falta de proibição expressa ou de norma que disponha de outro modo, quem emitiu unilateralmente uma declaração de vontade que dirige a outro pode retratar‑se dela até a momento em que, com a aceitação do destinatário, traduzida num ato ou na subscrição de um contrato, se produzem os seus efeitos.

99.      Em segundo lugar, o artigo 50.o, n.o 2, TUE indica que «[q]ualquer Estado‑Membro que decida retirar‑se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu», ativando assim a segunda fase do procedimento. O preceito fala da notificação da «intenção» de se retirar e não da própria retirada, pois esta só poderá produzir‑se depois do acordo ou, na sua falta, decorrido o período de dois anos.

100. As intenções não são definitivas e podem mudar. Quem notifica um terceiro da sua intenção pode gerar nele uma expectativa, mas não assume uma obrigação de a manter de forma irrevogável. Para produzir esse efeito, será necessário que a comunicação dessa intenção contenha a expressa referência a esse caráter irrevogável.

101. É certo que este argumento, de caráter mais textual, não reveste a força que tem à primeira vista, pois o artigo 50.o, n.o 2, TUE utiliza igualmente o vocábulo decisão (o «Estado‑Membro que decida retirar‑se da União notifica a sua intenção»), como faz o n.o 1 («Qualquer Estado‑Membro pode decidir»). Ora, o n.o 2 poderia ter utilizado a fórmula «notifica essa decisão» (ou outra fórmula análoga), em vez de «notifica a sua intenção». Algum significado deve ter esta última locução, que indubitavelmente não é fruto da inadvertência.

102. É admissível, portanto, pensar que a utilização da palavra «intenção» e do tempo verbal no presente («que decida» e não «que tenha decidido») no artigo 50.o, n.o 2, TUE autoriza o Estado a «retratar‑se» durante o procedimento e a não concretizar a sua intenção inicial de retirada, sempre segundo as suas normas constitucionais (71).

103. Em terceiro lugar, há uma relação de dependência entre a primeira e a segunda fases do procedimento, que também realça de que modo o predomínio da unilateralidade na fase inicial afeta a seguinte. A negociação só pode ser ativada depois da notificação da intenção de retirada, para o que é imprescindível que o Estado‑Membro tenha atuado em conformidade com as respetivas normas constitucionais.

104. Ora, a decisão de retirada pode ser anulada, se quem tiver autoridade para isso (normalmente, os mais altos tribunais de cada Estado) declarar que não foi adotada em conformidade com as normas constitucionais. Nesse contexto, considero pouco discutível que o Estado que notificou a sua intenção tem de comunicar também que revoga unilateralmente essa notificação, pois faltava na sua decisão inicial o pressuposto indispensável.

105. Embora a situação não seja exatamente a mesma que a descrita no ponto anterior, se, em consequência de uma atuação em aplicação das suas normas constitucionais (por exemplo, um referendo, uma votação significativa no Parlamento, a realização de eleições gerais com uma maioria contrária, entre outras hipóteses), a decisão inicial do Estado‑Membro for revertida e desaparecer posteriormente a base jurídico‑constitucional que a sustentava, também creio ser lógico que, em conformidade com o artigo 50.o, n.o 1, TUE esse Estado possa e deva notificar essa mudança ao Conselho Europeu.

106. Em ambos os casos, a primeira fase do procedimento fica sem suporte, ou porque a decisão original foi invalidamente adotada ou porque a aplicação dos mecanismos constitucionais internos a desvirtuaram ou privaram de efeito (72). Logicamente, a segunda etapa do procedimento também deve ser afetada, pois deixou de existir a premissa em que assentava. Como já não existe uma base constitucional para a retirada, o Estado deve comunicar ao Conselho Europeu que revoga, portanto, a sua notificação prévia de intenção de retirada (73).

107. A prática internacional acima exposta (74) corrobora esta conclusão. Os precedentes que referi apontam claramente no sentido de que uma notificação de retirada de um tratado internacional é revogável, quando é manifesta uma infração das normas constitucionais do Estado ou quando se dá uma mudança política que provoca uma alteração da vontade do Estado que se retira e este opta por permanecer vinculado por esse tratado.

108. Esses precedentes seguem a linha marcada pelo artigo 68.o CVDT, que, como já se viu, admite a revogabilidade das notificações de retirada até ao momento em que esta se torna efetiva. Independentemente de esse artigo ser ou não a expressão de uma norma consuetudinária de direito internacional, o certo é que a CVDT serviu de inspiração ao artigo 50.o TUE e não encontro nenhuma razão para não aplicar, por analogia, a mesma regra no âmbito do procedimento de retirada da União.

109. Insistir na negociação do acordo de retirada dos Tratados constitutivos da União com um Estado‑Membro que já não tem a intenção de a abandonar, depois de ter ativado os seus mecanismos constitucionais para reverter a decisão inicial, parece‑me, além disso, um resultado oposto ao bom senso, a que não deveria conduzir a interpretação sistemática do artigo 50.o TUE.

110. De outra perspetiva, se esses mecanismos incluírem a decisão de um Parlamento nacional, que contribui assim para estabelecer as características da sua própria «identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais», ligando‑a à sua pertença à União, os princípios subjacentes ao artigo 4.o TUE deveriam favorecer o acolhimento dessa nova decisão, como prova do «respeito» a que se refere o n.o 2 deste artigo.

111. Em quarto lugar, concordo com as observações de A. Wigthman e o., no sentido de que negar a revogabilidade das notificações da intenção de retirada, quando o Estado‑Membro alterou a sua vontade de acordo com as suas normas constitucionais e quer permanecer na União, implicaria de facto a sua saída forçada desta organização internacional.

112. Com efeito, essa negativa equivaleria a uma expulsão indireta da União, quando nada no artigo 50.o TUE induz a pensar que o procedimento de retirada pode converter‑se numa via de expulsão de um Estado‑Membro. Acresce que, durante a Convenção sobre o Futuro da Europa, não foi aprovada uma alteração que propunha completar o direito de retirada voluntária dos Estados‑Membros com um direito de expulsão da União de Estados‑Membros que infringissem de forma continuada os valores desta (75).

113. Em quinto lugar, não se pode rejeitar a revogabilidade da notificação da intenção de retirada alegando que o Estado‑Membro que deseje manter‑se na União tem a possibilidade (artigo 50.o, n.o 5, TUE), de pedir de novo a sua adesão à União seguindo os trâmites do artigo 49.o TUE.

114. Na minha opinião, nada existe no artigo 50.o TUE que o conceba como um procedimento de sentido único sem retorno («one way street with no exits»), por força do qual a única coisa que um Estado‑Membro poderia fazer, depois de notificar a sua intenção de se retirar e de ter reconsiderado posteriormente a sua decisão, seria esperar dois anos para sair da União e pedir imediatamente a sua adesão (76). Parecer‑me‑ia igualmente contrário ao desígnio do artigo 50.o negociar a futura adesão durante a segunda fase do procedimento, com o limite de dois anos, uma vez que a vontade do Estado‑Membro mudou e não deseja abandonar a União Europeia. A interpretação sistemática do artigo 50.o TUE não pode dar origem a situações tão pouco lógicas (ou mesmo incongruentes) como estas, pelo simples facto de se entender que não é possível a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada.

115. Em sexto lugar, a fase de negociação que se abre com a notificação da intenção de retirada não altera a condição do Estado notificante como Estado‑Membro da União para todos os efeitos. O Tribunal de Justiça confirmou‑o no Acórdão RO, ao afirmar que a notificação «não tem como efeito suspender a aplicação do direito da União no Estado‑Membro que notificou a sua intenção de se retirar da União e que, consequentemente, este direito […] continua plenamente em vigor nesse Estado até à sua saída efetiva da União» (77).

116. Assim, o Estado‑Membro que ativou o artigo 50.o TUE para se retirar da União pode desativá‑lo quando a sua vontade muda, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, uma vez que o artigo 50.o, n.o 1, TUE, interpretado agora sensu contrário, continua a ser‑lhe aplicável. A notificação da intenção de retirada abre um período de dois anos de negociação, mas não priva da sua condição de Estado‑Membro, e de todos os direitos inerentes, o Estado notificante, com exceção da restrição da sua participação nas deliberações e nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho relativas à sua própria retirada (artigo 50.o, n.o 4, TUE).

117. Creio que os argumentos que acabo de expor no seguimento desta análise do artigo 50.o TUE têm maior peso do que aqueles que, em sentido oposto, a Comissão e o Conselho defendem nas suas observações escritas, bem como um setor da doutrina (78).

118. Se bem entendi os raciocínios, basicamente coincidentes, da Comissão e do Conselho, ambas as instituições procedem a uma interpretação do artigo 50.o TUE que atribui características radicalmente diferenciadas à fase inicial e às fases intermédia e final do procedimento de retirada.

119. Na opinião destas duas instituições, a fase inicial é completamente unilateral e continua sob o controlo do Estado‑Membro. Pelo contrário, a fase intermédia (a negociação) tem caráter bilateral ou multilateral, de modo que primam os poderes das instituições da União. A partir do momento em que se ativa essa segunda fase, o Estado‑Membro notificante perde o controlo sobre o procedimento, com a consequência de que não poderá revogar unilateralmente a sua notificação de retirada. Essa revogação só será possível por acordo, por decisão unânime do Conselho Europeu.

120. Não compartilho desta interpretação.

121. É certo que as instituições intervêm de forma relevante na segunda fase de negociação do procedimento de retirada:

—      O Conselho Europeu recebe a notificação da intenção de retirada, que lhe é transmitida pelo Estado‑Membro que se retira.

—      As instituições da União estão habilitadas a negociar o acordo de retirada com o Estado‑Membro que se retira, tendo em conta o quadro das suas relações futuras com a União.

—      O procedimento inclui a negociação nos termos do artigo 218.o TFUE, n.o 3, e a (eventual) celebração do acordo pelo Conselho em nome da União, por maioria qualificada e mediante prévia aprovação pelo Parlamento Europeu. A possibilidade de prorrogar o período de negociação em dois anos compete ao Conselho Europeu, em conjunto com o Estado‑Membro que sai.

122. Ora, estes poderes das instituições da União, que multilateralizam o procedimento de retirada, não eliminam totalmente a unilateralidade nesta segunda fase, pois, por um lado, o pressuposto em que se baseia esta etapa é a notificação da decisão (rectius, da intenção) de se retirar, a cargo do Estado‑Membro, cuja invalidade ou reversão unilateral priva de base as etapas subsequentes. Por outro lado, esse Estado não é obrigado a chegar a um acordo para se retirar da União e bastar‑lhe‑ia deixar passar o período de negociação obrigatório de dois anos para consumar a sua retirada, o que reforça a componente unilateral também nesta etapa do procedimento.

123. O prazo (máximo, salvo prorrogação) de dois anos para negociar as condições da retirada é habitual nas cláusulas que constam de outros tratados internacionais (79). Não se pode inferir da existência desse período a impossibilidade de revogar unilateralmente a notificação da intenção de retirada. Mais, esse período serve não só para preparar a retirada mas também como «cooling off period» para que o Estado‑Membro que se retira possa, se for caso disso, reconsiderar a sua intenção inicial e mudar de posição (80).

124. O facto de o Conselho Europeu ter o poder de prorrogar o referido período também não significa que essa prorrogação escape ao controlo do Estado notificante e o leve, inexoravelmente, a ter de se retirar da União, mesmo que tenha mudado de opinião. A prorrogação do prazo de dois anos, segundo o artigo 50.o, n.o 3, TUE é decidida pelo Conselho Europeu por unanimidade, mas «com o acordo do Estado‑Membro em causa». Por outras palavras, o Conselho Europeu não pode impor a prorrogação ao Estado‑Membro, que tanto tem a faculdade de efetivar a sua retirada da União no termo do prazo como a possibilidade de revogar a sua notificação antes de o acordo de retirada ser concluído.

125. O Conselho também alega, como argumento contra a revogabilidade unilateral, que a notificação da intenção de retirada começa a produzir certos efeitos jurídicos desde o início da segunda fase do procedimento e no decurso desta (81). Entendo, porém, que os atos jurídicos adotados pela União durante a etapa de negociação não são propriamente efeitos da notificação de retirada, mas sim medidas inerentes à negociação (é o caso da ausência do Reino Unido nas formações do Conselho Europeu e do Conselho que deliberam sobre o processo de negociação ou as diretrizes para conduzir esse processo) ou acordos celebrados com vista à futura retirada (a mudança das sedes de certas agências, para garantir a sua continuidade sem interrupções) (82).

126. Esses atos da União, na sua maioria de caráter formal, estão, repito, sujeitos ao processo de negociação (83) e a sua existência não pode servir de base para negar a possibilidade de revogar a notificação da intenção de retirada. Os atos conexos, como os relativos à deslocalização das agências da União, não seriam afetados por essa revogação e só os possíveis custos económicos a que pudessem dar origem poderiam causar litígios.

127. Com efeito, a elaboração e a aplicação dos atos formais ligados às negociações de retirada do Reino Unido e dos atos conexos implicaram um custo económico para a União, do mesmo modo que a formação de uma equipa negociadora dedicada exclusivamente ao Brexit. O Conselho alega que a União teria de suportar esses custos em caso de revogação unilateral, o que constitui, em seu entender, um argumento contra essa eventualidade.

128. Não penso que este raciocínio seja convincente. O problema de quem assume os custos (como «danos colaterais») não tem como única solução aquela que parece ser avançada pelo Conselho. A negociação da celebração ou da retirada de qualquer tratado internacional gera custos para os Estados partes que estes têm de suportar e esta regra não seria alterada pela revogação unilateral de uma notificação de retirada. Em último caso, não creio enganar‑me ao afirmar que os custos económicos (para a União e para os seus cidadãos) resultantes da retirada de um Estado‑Membro seriam muito maiores do que os custos (mínimos) ocasionados pela revogação.

2.      Interpretação teleológica do artigo 50.o TUE

129. O artigo 1.o, segundo parágrafo, TUE dispõe que «[o] presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma União cada vez mais estreita entre os povos da Europa […]».

130. Como já afirmei, a União é obrigada, segundo o artigo 4.o, n.o 2, TUE, a respeitar a identidade nacional dos Estados‑Membros, «refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles». O preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, terceiro parágrafo (a seguir «Carta») recorda que a União deve respeitar na sua ação a identidade nacional dos Estados‑Membros.

131. O artigo 50.o, n.o 1, TUE é, na realidade, uma demonstração eloquente do respeito pela identidade nacional dos Estados, aos quais reconhece o direito de se retirarem da União, em conformidade com as respetivas normas constitucionais. Do mesmo modo que um Estado‑Membro pode, num momento concreto, considerar que a sua identidade nacional é incompatível com a pertença à União, nada obsta a que associe essa mesma identidade (que não deve ser entendida como uma noção imutável, petrificada) à sua integração na União.

132. Já expliquei de que modo o princípio do respeito da identidade constitucional dos Estados reforça a interpretação sistemática do artigo 50.o TUE que defendo. A esse mesmo resultado se chega do ponto de vista teleológico. A leitura do artigo 50.o TUE favorável à revogação da intenção de retirada parece‑me mais concordante com a finalidade inerente a esse princípio, uma vez que permite ter em conta uma mudança da vontade soberana do Estado‑Membro, adotada segundo as suas normas constitucionais (84), para travar um procedimento de retirada da União que esse Estado decidiu reverter.

133. O objetivo da prossecução de «uma União cada vez mais estreita entre os povos da Europa» também conforta a interpretação do artigo 50.o TUE favorável à revogabilidade da notificação da intenção de retirada. Esse objetivo favorece uma interpretação das normas do direito da União que tenda a fortalecer a própria União, não a dissolvê‑la. Não colocar obstáculos à permanência na União de um Estado‑Membro que opta por se retirar mas que posteriormente muda de opinião, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, e quer continuar a ser membro parece‑me, pois, um critério hermenêutico especialmente apropriado.

134. Pelo contrário, a retirada de um Estado‑Membro é sempre um fracasso do ponto de vista do objetivo da integração. Perante argumentos de peso semelhante num sentido ou noutro, o favor societatis foi entendido como um elemento chave de apreciação para alcançar a solução mais concordante com a subsistência, e não com a desintegração (parcial), de qualquer fenómeno associativo no qual se criaram laços muito profundos.

135. Esta interpretação é, além disso, a mais favorável à proteção dos direitos adquiridos dos cidadãos da União, que a retirada de um Estado‑Membro inevitavelmente limitará. A revogação da notificação de retirada, ao parar a saída da União do Estado‑Membro notificante, garante que os cidadãos desse Estado e dos restantes continuem a desfrutar dos direitos de cidadania, regulados no TFUE e na Carta.

136. A irrevogabilidade da notificação, quando o Estado‑Membro decidiu voltar atrás, levaria, pelo contrário, à saída forçada desse Estado, com a consequente diminuição ou desaparecimento desses direitos de cidadania para os nacionais do Estado que se retira residentes na União e para os nacionais dos restantes Estados‑Membros residentes no Estado que se retira.

137. Em suma, a interpretação do artigo 50.o TUE que proponho (revogabilidade unilateral da notificação da intenção de retirada) é a que melhor concilia o respeito da identidade constitucional dos Estados‑Membros com o objetivo do desenvolvimento do processo de integração (85), favorecendo além disso a proteção dos direitos dos cidadãos da União.

3.      Interpretação histórica do artigo 50.o TUE

138. O artigo 50.o TUE tem o seu precedente no artigo I‑60 do malogrado Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, cujos trabalhos preparatórios (86) se realizaram na Convenção sobre o Futuro da Europa.

139. Entendo que esses trabalhos preparatórios corroboram o caráter unilateral da articulação do direito de retirada e contribuem para a interpretação do artigo 50.o TUE que proponho. Com efeito, os comentários ao artigo 46.o do projeto do Praesidium da Convenção (87) confirmam o predomínio da unilateralidade no procedimento de retirada, mesmo durante a fase de negociação, ao indicar que a obtenção de um acordo (usualmente denominado de divórcio) não deveria ser condição para a retirada, pois desse modo o conceito de retirada voluntária ficaria sem conteúdo.

140. Do mesmo modo, foram apresentadas à Convenção sobre o Futuro da Europa diversas alterações que pretendiam submeter a decisão de retirada a condições substantivas, ou fazê‑la depender de se chegar a um acordo entre o Estado que se retira e a União (88). Todas essas alterações foram rejeitadas, o que manifesta a relevância da unilateralidade no procedimento do artigo 50.o TUE.

141. Estas análises literal, contextual, finalista e histórica do artigo 50.o TUE levam‑me a concluir que esta disposição permite a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada de um Estado‑Membro, até ao momento da conclusão do acordo de retirada.

4.      Condições e limites aplicáveis à revogação unilateral da notificação de retirada

142. Aceite a possibilidade da revogação unilateral da notificação da intenção de retirada no quadro do artigo 50.o TUE, há que determinar ainda se tal revogação está sujeita a certas condições e limites, como em meu entender acontece.

143. A primeira condição atende à forma. Tal como a notificação da intenção de retirada, a sua revogação deve ser levada a cabo mediante um ato formal do Estado‑Membro dirigido ao Conselho Europeu (artigo 50.o, n.o 2, TUE). A revogação, como a notificação de retirada, é um ato formal relativo à vida de um tratado e deve haver um paralelismo processual entre ambas (89).

144. A segunda condição consiste no respeito das normas constitucionais internas. As exigências do direito constitucional do Estado‑Membro aplicadas à adoção da decisão de retirada, que depois é notificada ao Conselho Europeu (artigo 50.o, n.o 1, TUE), devem também ser respeitadas quando o Estado‑Membro opta pela revogação dessa notificação.

145. Embora este seja sobretudo um problema cuja solução compete a cada Estado, se, por exemplo, as normas constitucionais internas exigirem uma autorização parlamentar como requisito prévio à notificação da intenção de retirada da União (como acontece no Reino Unido, segundo o Acórdão Miller) (90), parece‑me lógico que a revogação dessa notificação exija também essa mesma aprovação parlamentar. Assim se impede a notificação por parte do Estado‑Membro de revogações espúrias e também as revogações ambíguas e pouco claras (91), das quais não seja possível deduzir com nitidez a posição do Estado‑Membro.

146. No que respeita à necessidade de justificar a revogação da notificação de retirada, se o artigo 50.o TUE não a exige para comunicar a intenção inicial, isso também não seria imprescindível para a sua revogação. Não obstante, seria razoável que o Estado expusesse aos demais Estados‑Membros da União os motivos da sua mudança de posição, que, por ir contra os seus atos anteriores, requer uma explicação.

147. Do artigo 50.o, n.o 3, TUE infere‑se um limite temporal para a revogação das notificações da intenção de retirada: só será possível dentro do prazo de dois anos de negociação que se abre com a notificação da intenção de retirada ao Conselho Europeu. Logicamente, uma vez concluído o acordo de retirada, que pressupõe a aquiescência de ambas as partes, torna‑se impossível a revogação da notificação, pois esta, aí sim, já produziu plenos efeitos.

148. Outro limite ao exercício do direito de revogação unilateral é o que impõem os princípios da boa‑fé e da cooperação leal (artigo 4.o, n.o 3, TUE) (92).

149. A Comissão e o Conselho sublinharam, precisamente, que admitir a revogação unilateral poderia dar origem ao abuso do procedimento do artigo 50.o TUE. Entendem que a revogabilidade permitiria ao Estado‑Membro negociar o seu acordo de retirada a partir de uma situação de vantagem face às instituições da União e aos restantes Estados‑Membros, uma vez que poderia revogar a sua notificação e parar as negociações se não lhe fossem favoráveis.

150. Além disso, segundo a Comissão e o Conselho, o Estado‑Membro poderia reintroduzir a sua notificação da intenção de retirada, iniciando assim um novo período de negociação de dois anos. Para o Conselho, o Estado‑Membro prolongaria dessa forma o período de negociação, contornando o artigo 50.o, n.o 3, TUE, que confere ao Conselho Europeu o poder de decidir, por unanimidade, a ampliação desse período. A possibilidade de revogações táticas iria, segundo a Comissão, contra a lógica do procedimento do artigo 50.o TUE.

151. Estes argumentos (em especial o segundo) são, na realidade, os de maior relevância para defender a impossibilidade de revogação unilateral. Não creio, porém, que sejam determinantes a esse ponto.

152. Em primeiro lugar, a possibilidade de abusar ou utilizar indevidamente um direito não é, em termos gerais, motivo para negar a existência desse direito. O que se deve fazer é combater o abuso mediante a utilização dos instrumentos jurídicos adequados.

153. Em segundo lugar, o antídoto contra o uso indevido do direito de revogação reside no princípio geral da proibição de práticas abusivas, consagrado pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual os sujeitos de direito não podem invocar fraudulenta ou abusivamente o direito da União e a aplicação de uma norma do direito da União não pode cobrir práticas abusivas dos operadores económicos (93). Este princípio geral poderia ser aplicado no quadro do artigo 50.o TUE, se um Estado‑Membro levasse a cabo uma prática abusiva recorrendo a notificações e revogações sucessivas para melhorar as condições da sua retirada da União.

154. Quanto às revogações táticas, de que falam a Comissão e o Conselho, duas razões levam‑me a não lhes atribuir a relevância que essas instituições lhe dão.

155. Uma delas é que, na questão prejudicial aqui suscitada, a única a que o Tribunal de Justiça tem de responder, não existe nenhum elemento que sugira a utilização distorcida (no sentido de desvio de poder, como causa de invalidade de um ato adotado pelo poder público, a que alude o artigo 263.o TFUE) da faculdade de revogar a decisão inicial. Além disso, o eventual abuso poderia verificar‑se apenas ao apresentar uma segunda notificação da intenção de retirada, mas não com a revogação unilateral da primeira.

156. A outra razão é que me parece extremamente difícil que as revogações táticas se possam multiplicar na prática, desvalorizando uma possibilidade que tem indiscutivelmente sérias consequências. A revogação é uma decisão que o Estado‑Membro que se retira teve de adotar em conformidade com as respetivas normas constitucionais. Como se trata de reverter uma decisão constitucional prévia, a mudança necessitará uma alteração da maioria governamental, a convocatória de um referendo, uma decisão da mais alta jurisdição do país que anule a decisão de retirada ou alguma outra atuação cuja efetivação será difícil e exigirá a utilização de procedimentos jurídicos longos e complexos. A obrigação de revogar em conformidade com as respetivas normas constitucionais é, pois, um filtro dissuasivo para impedir o abuso do procedimento de retirada do artigo 50.o TUE mediante essas revogações táticas.

C.      Revogação por acordo da notificação da intenção de retirada no quadro do artigo 50.o TUE

157. O tribunal de reenvio pede unicamente ao Tribunal de Justiça uma interpretação do artigo 50.o TUE para determinar se esta disposição permite uma revogação unilateral da notificação da intenção de retirada. Não pede, pois, uma decisão sobre a compatibilidade de uma revogação por acordo com esse artigo (94).

158. Não obstante, a Comissão e o Conselho, depois de negarem nas suas observações escritas que o artigo 50.o TUE admita uma revogação unilateral, suscitaram a possibilidade de esse preceito admitir uma revogação na sequência de uma votação por unanimidade do Conselho Europeu.

159. Se o Tribunal de Justiça aceitar a revogação unilateral, não seria necessário responder às teses da Comissão e do Conselho. Contudo, a bem da exaustividade, analisá‑las‑ei.

160. Para a Comissão, se um Estado‑Membro desejasse revogar a sua notificação da intenção de retirada e permanecer na União, seria preciso encontrar uma via para acolher a sua pretensão, dado que a revogação unilateral não é admissível.

161. Como o artigo 50.o TUE não prevê nenhuma via nesse sentido, a Comissão e o Conselho propõem que se considere possível a revogação decidida por unanimidade pelo Conselho Europeu. Dado que o artigo 50.o, n.os 3 e 4, TUE confere ao Conselho Europeu, por unanimidade e sem a participação do Estado que se retira, o poder de prorrogar a fase de negociação, a revogação da notificação da intenção de retirada também deverá ser aprovada por unanimidade pelo Conselho Europeu.

162. A Comissão acrescenta que o reconhecimento desse poder ao Conselho Europeu se impõe, pois não seria possível a aceitação de todos os Estados‑Membros de acordo com as suas normas constitucionais, face à necessidade de se pronunciarem com celeridade quanto à admissão da revogação. Quando a retirada se tiver produzido e o Estado quiser voltar à União, o artigo 50.o, n.o 5, TUE deixa efetivamente nas mãos dos Estados‑Membros a sua reintegração, através do processo de adesão do artigo 49.o TUE.

163. Entendo que o artigo 50.o TUE autoriza uma revogação de mútuo acordo entre o Estado que se retira que muda de posição e as instituições da União que com ele negoceiam a sua retirada. Se se aceita o mais (revogação unilateral) deve aceitar‑se o menos (revogação por acordo). Esta revogação por acordo está, além disso, em consonância com o princípio que inspira o artigo 54.o, alínea b), CVDT, segundo o qual a retirada de um tratado poderá ter lugar «em qualquer momento, por consentimento de todas as Partes, após consultados os outros Estados Contratantes».

164. A possibilidade desta revogação por acordo não iria, assim, contra a revogação unilateral da notificação da intenção de retirada, que o Estado‑Membro que se retira sempre mantém em virtude do artigo 50.o TUE.

165. Ora, o que não creio ser compatível com o artigo 50.o TUE é a possibilidade de revogação da notificação da intenção de retirada apenas mediante decisão unânime do Conselho Europeu (formato artigo 50.o TUE), como parecem propor a Comissão e o Conselho, com exclusão da revogação unilateral.

166. A revogação por decisão unânime do Conselho Europeu deveria, para ser efetuada por acordo, ser pedida pelo Estado‑Membro que se retira, de forma que, se este último não estiver de acordo, o Conselho Europeu não poderá impô‑la, nem sequer por decisão unânime.

167. O artigo 50.o, n.o 3, TUE não permite a prorrogação da segunda fase de negociação, «a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do EstadoMembro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo». Por analogia, entendo que será necessário o pedido do Estado que sai, como condição incontornável para que o Conselho Europeu aceite a revogação da sua notificação por unanimidade.

168. Esta garantia assegura a unilateralidade da revogação da decisão de retirada. Se a aceitação da revogação da notificação da intenção de retirada só dependesse de uma votação no Conselho Europeu, em formato artigo 50.o TUE e por unanimidade, o direito de retirada (e, inversamente, de permanência) da União escaparia ao controlo do Estado‑Membro, à sua soberania e às suas normas constitucionais, ficando nas mãos do Conselho Europeu.

169. Aceitar que o Conselho Europeu viesse a ter a última palavra sobre a revogação da notificação da intenção de retirada por unanimidade aumentaria o risco de o Estado‑Membro sair da União contra a sua vontade. Bastaria que um dos restantes 27 Estados‑Membros impedisse a decisão unânime do Conselho Europeu (em formato artigo 50.o TUE) para frustrar a vontade do Estado que comunicou o seu desejo de permanecer na União. Esse Estado abandonaria (expulso) a União no prazo de dois anos a contar da notificação da intenção de retirada, contra a sua vontade de continuar nessa organização internacional.

VI.    Conclusão

170. Atendendo a estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial formulada pela Court of Session, Inner House (Scotland) [Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia), Reino Unido] do seguinte modo:

«Quando um Estado‑Membro tenha notificado ao Conselho Europeu a sua intenção de se retirar da União Europeia, o artigo 50.o do Tratado da União Europeia admite a revogação unilateral dessa notificação, até ao momento em que o acordo de retirada tenha sido concluído, desde que a revogação tenha sido decidida em conformidade com as respetivas normas constitucionais, seja formalmente comunicada ao Conselho Europeu e não implique uma prática abusiva».


1      Língua original: espanhol.


2      Prime Minister’s letter to Donald Tusk triggering Article 50, 29‑3‑2017. Texto completo em http://data.consilium.europa.eu/doc/document/XT‑20001‑2017‑INIT/en/pdf.


3      Coletânea de Tratados das Nações Unidas, vol. 1155, p. 331.


4      Lei de retirada da União Europeia de 2018.


5      R (Miller) v Secretary of State for Exiting the European Union [2017] UKSC 5.


6      R (Miller) v Secretary of State for Exiting the European Union [2017] UKSC 5, n.o 26. Lord Neuberger stated: «In these proceedings, it is common ground that notice under article 50(2) (which we shall call “Notice”) cannot be given in qualified or conditional terms and that, once given, it cannot be withdrawn. Especially as it is the Secretary of State’s case that, even if this common ground is mistaken, it would make no difference to the outcome of these proceedings, we are content to proceed on the basis that that is correct, without expressing any view of our own on either point […]».


7      European Union (Notification of Withdrawal) Act 2017, c. 9, section 1 (Lei de notificação da retirada da União Europeia).


8      Documento EUCO XT 20004/17, de 29 de abril de 2017, Orientações do Conselho na Sequência da Notificação Efetuada pelo Reino Unido nos Termos do Artigo 50.o TUE (http://data.consilium.europa.eu/doc/document/XT‑20004‑2017‑INIT/pt/pdf).


9      Decisão (UE, Euratom) XT 21016/17 do Conselho da União Europeia, de 22 de maio de 2017, que autoriza a abertura de negociações com o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte tendo em vista um acordo que estabeleça as condições da sua saída da União Europeia (http://data.consilium.europa.eu/doc/document/XT‑21016‑2017‑ADD‑1‑REV‑2/pt/pdf). Um grupo de cidadãos britânicos residentes em diversos países da União interpôs no Tribunal Geral um recurso de anulação, ainda pendente, dessa decisão, julgado inadmissível por Acórdão do Tribunal Geral de 26 de novembro de 2018, Shindler e o./Conselho (T‑458/17, EU:T:2018:838).


10      Agreement on the withdrawal of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland from the European Union and the European Atomic Energy Community. O texto deve ser submetido a revisão jurídica e apenas está disponível em versão inglesa em https://www.consilium.europa.eu/media/37099/draft_withdrawal_agreement_incl_art132.pdf.


11      Political declaration setting out the framework for the future relationship between the European Union and the United Kingdom. Texto em inglês, disponível em https://www.consilium.europa.eu/media/37100/20181121‑cover‑political‑declaration.pdf.


12      [2018] CSOH 8, https://www.scotcourts.gov.uk/docs/default‑source/cos‑general‑docs/pdf‑docs‑for‑opinions/2018csoh8.pdf?sfvrsn=0.


13      [2018] CSIH18, https://www.scotcourts.gov.uk/docs/default‑source/cos‑general‑docs/pdf‑docs‑for‑opinions/2018csih18.pdf?sfvrsn=0.


14      https://www.scotcourts.gov.uk/docs/default‑source/cos‑general‑docs/pdf‑docs‑for‑opinions/2018csoh61.pdf?sfvrsn=0.


15      V. análise crítica dessa decisão em Taylor, R. e Wilson, A., «Brexit, the revocation of article 50, and the path not taken: Wightman and Others for Judicial Review against the Secretary of State for Exiting the European Union» Edinburgh Law Review, 2018, vol. 22, pp. 417 a 422.


16      Estão juntas ao despacho as opiniões dos magistrados que integram a Secção [2018] CSIH 62 http://www.bailii.org/scot/cases/ScotCS/2018/[2018]_CSIH_62.html.


17      Em 19 de outubro de 2018, o recorrido (the Secretary of State for Exiting the European Union) apresentou no tribunal de reenvio um requerimento (permission to appeal) para se opor ao reenvio para a United Kingdom Supreme Court (Supremo Tribunal, Reino Unido). O requerimento foi indeferido em 8 de novembro de 2018 pela Court of Session, Inner House, First Division (Scotland) [Tribunal de Sessão, Secção Interna, Primeiro Juízo (Escócia)] e em 20 de novembro pela United Kingdom Supreme Court (Supremo Tribunal, Reino Unido).


18      Despacho do Presidente do Tribunal de Justiça, de 19 de outubro de 2018, Wigthman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:851, n.os 9 e 11).


19      Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.os 24 e 25); de 4 de maio de 2016, Pillbox 38 (C‑477/14, EU:C:2016:324, n.os 15 e 16); de 5 de julho de 2016, Ognyanov (C‑614/14, EU:C:2016:514, n.o 19); de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 54); de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.os 50 e 155); e de 7 de fevereiro de 2018, American Express (C‑304/16, EU:C:2017:524, n.os 31 e 32).


20      Em particular, não incumbe ao Tribunal de Justiça intervir no debate — refletido no despacho de reenvio — sobre as condições em que é aceitável a judicial review no litígio principal nem sobre a apreciação dos factos levada a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio, para efeitos de aplicação dos critérios estabelecidos no direito escocês. V., por analogia, Acórdãos de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.o 26), e de 7 de fevereiro de 2018, American Express (C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 34).


21      Pode‑se consultar uma descrição geral do processo de «judicial review» em Harvie‑Clark, S., «Judicial Review», SPICe Briefing 16/62, Scottish Parliament, 2016.


22      O Tribunal de Justiça respondeu às questões prejudiciais apresentadas no âmbito de uma «judicial review» escocesa, sem objetar à sua admissibilidade, no Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association e o. (C‑333/14, EU:C:2015:845). O advogado‑geral Y. Bot também se pronunciou expressamente nesse sentido nas suas Conclusões (C‑333/14 EU:C:2015:527, n.os 19 a 24).


23      O Tribunal de Justiça já julgou admissíveis diversos pedidos de decisão prejudicial relativos à interpretação ou à validade de atos de direito derivado, formulados no âmbito de recursos de fiscalização de legalidade («judicial review»), em particular, nos processos que deram origem aos Acórdãos de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, EU:C:2002:741); de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312); de 8 de julho de 2010, Afton Chemical (C‑343/09, EU:C:2010:419); de 4 de maio de 2016, Pillbox 38 (C‑477/14, EU:C:2016:324), e Philip Morris Brands e o. (C‑547/14, EU:C:2016:325); e de 7 de fevereiro de 2018, American Express (C‑304/16, EU:C:2018:66).


24      De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a justificação de um pedido de decisão prejudicial não é a formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas sim a necessidade inerente à decisão efetiva de um litígio relativo ao direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de abril de 2012, Kamberaj, C‑571/10, EU:C:2012:233, n.o 41; de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C.2013:105, n.o 42; de 27 de fevereiro de 2014, Pohotovosť, C‑470/12, EU:C:2014:101, n.o 29; e de 21 de dezembro de 2016, Tele2 Sverige, C‑203/15 e C‑698/15, EU:C:2016:970, n.o 130).


25      Despacho de 14 de março de 2013, Loreti e o. (C‑555/12, EU:C:2013:174, n.o 20); Acórdãos de 16 de novembro de 1981, Foglia (244/80, EU:C:1981:302, n.o 18); e de 12 de junho de 2008, Gourmet Classic (C‑458/06, EU:C:2008:338, n.o 26).


26      Voto de Lord Drummond Young, anexo ao despacho de reenvio, n.o 59: «[…] departure from the European Union using the mechanism in article 50 involves venturing into completely new territory. In these circumstances, ascertaining the legal principles that apply to the use of article 50 and its consequences are a matter of great practical importance; to suggest otherwise appears to me to be manifestly absurd. The present situation should be contrasted with the position before article 50 was invoked, when the consequences of that act and the possibility of revoking it were truly hypothetical. Furthermore, many of the consequences of the article 50 declaration will become material as soon as the two‑year time limit specified in that declaration comes into effect, on 29 March 2019. After that, the possibility of revocation will plainly be hypothetical. If the rights and powers of interested parties cannot be determined before that date, the country, and its legislature and executive, will be, metaphorically, sleepwalking into the consequences. That is plainly an impractical and undesirable result».


27      Despacho de reenvio, n.o 10.


28      V. pontos 7 e 27 do voto de Lord Carloway, anexo ao despacho de reenvio.


29      Por «declarator» entende‑se a decisão judicial proferida em resposta à pretensão da parte que pede uma declaração favorável aos seus direitos ou ao seu status.


30      Acórdão de 7 de fevereiro de 2018 (C‑304/16, EU:C:2018:66).


31      Conclusões de 6 de julho de 2017, American Express (C‑304/16, EU:C:2017:524, n.os 42 a 47).


32      Entre os autores a favor da revogabilidade da notificação da intenção de retirada, v. Craig, P.: «Brexit: A Drama in Six Acts», European Law Review, 2016, vol. 41, pp. 447 a 468; Eeckhout, P., e Frantziou, E.: «Brexit and Article 50 TEU: A constitutionalist reading», Common Market Law Review, 2017, vol. 54 (3), pp. 695 a 734; Edward, D., Jacobs F., Lever J., Mountfield H., e Facenna, G.: «In the matter of Article 50 of the Treaty on European Union (“The Three Knights” Opinion)», 2017; Sari, A.: «Reversing a withdrawal notification under article 50 TEU: can a Member State change its mind?», European Law Review, 2017, vol. 42, pp. 451 a 473; Tridimas, T.: «Article 50: An Endgame without an End?», King’s Law Journal, 2016, vol. 27, pp. 297 a 313. Entre os autores a favor da irrevogabilidade, v. Gatti, M.: «The Article 50 Procedure for Withdrawal from the EU: A Well‑Designed Secession Clause», Paper presented at the EU Studies Association (EUSA) Conference, Miami, 4‑6, maio 2017. Panel 3I — Brexit: Impact upon European Law and Integration, p. 10 (https://www.eustudies.org/conference/papers/download/431); Papageorgiou, I.: «The (ir‑)revocability of the withdrawal notification under Article 50 TEU», Departamento Temático dos Direitos ds Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais, Parlamento Europeu, 2018; Ostendorf, P.: «The withdrawal cannot be withdrawn: the irrevocability of a withdrawal notification under art. 50(2) TEU», European Law Review, 2017, vol. 42(5), pp. 767 a 776.


33      «Feita a opção, consuma‑se o direito de escolher» (Digesto 33.5.2.2 a 3).


34      É este precisamente o caso do artigo 50.o TUE.


35      Os artigos 64.o a 68.o CVDT contêm as normas do procedimento a seguir para a retirada de um tratado multilateral, em aplicação dos artigos 54.o e 56.o CVDT.


36      Nesta última hipótese, a parte deverá notificar com uma antecedência de doze meses, pelo menos, a sua intenção de se retirar do tratado.


37      V. o trabalho de referência de Helfer, R.L.: «Exiting treaties», Virginia Law Review, vol. 91, novembro 2005, pp. 1579 a 1648; e ainda Brölmann, C., Collins, R., o Droubi, S., e Wessel, R.: «Exiting International Organizations. A brief introduction», draft to be published in International Organizations Law Review, 2018, n.o 2; e Bradley, C. e Helfer, R.L.: «Treaty Exit in the United States: Insights from the United Kingdom or South Africa?», AJIL, 2018, vol. 111, pp. 428 a 433. A União Africana referiu retiradas massivas do Tribunal Penal Internacional: Decision on the International Criminal Court, AU Doc Assembly/AU/Dec. 622 (XXVIII), de 31 de janeiro de 2017, e AnnexWithdrawal Strategy Document to the Decision on the International Criminal Court, AU Doc Assembly/AU/Dec.672 (XXX) (de 29 de janeiro de 2018).


38      Dock, M.C.: «Le retrait des membres des organisations internationales de la famille des Nations Unies», Annuaire français de droit international,1994, p. 111.


39      Nos termos do artigo II, n.o 6, [parágrafo aprovado na 8.a reunião (1954) da Conferência Geral (8 C/Resoluções, p. 12)] da Convenção que constitui a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, aprovada em Londres em 16 de novembro de 1945, «Qualquer Estado‑Membro ou membro associado pode retirar‑se da Organização mediante notificação dirigida ao Diretor‑Geral. A notificação produz efeitos a partir do dia 31 de dezembro do ano seguinte àquele em que foi feita. A notificação de saída em nada modifica as obrigações financeiras do Estado para com a Organização à data em que a mesma se torna efetiva. A notificação de saída de um membro associado deverá ser feita, em seu nome, pelo Estado‑Membro ou por qualquer outra autoridade que assuma a responsabilidade pela condução das suas relações internacionais».


40      http://www.unesco.org/new/en/member‑states/member‑states‑information/.


41      A Espanha abandonou a Sociedade das Nações em 1926, tendo, porém, revogado a sua decisão em 1928 e participado ativamente no seu nono período de sessões.


42      Papageorgiou, I., op. cit., nota 32, pp. 9 e 10.


43      https://www.mire.gob.pa/index.php/es/noticias‑mire/4755‑.


44      O texto desse Tratado, que não tem cláusula expressa de retirada, pode ser consultado em http://www.parlacen.int/Informaci%C3%B3nGeneral/MarcoPol%C3%ADticoyJur%C3%ADdico/TratadoConstitutivo.aspx.


45      Acórdão da Corte Suprema de Justicia (Supremo Tribunal de Justiça) (Pleno), de 2 de fevereiro de 2012, https://vlex.com.pa/vid/accion‑inconstitucionalidad‑sala‑pleno‑375091942?_ga=2.13901559.115975578.1539971406‑1717765214.1539971406.


46      http://www.parlacen.int/Actualidad/Actualidad/tabid/146/EntryId/369/Reintegro‑de‑Panama‑al‑PARLACEN.aspx.


47      O texto do Estatuto de Roma foi distribuído como documento A/CONF.183/9, de 17 de julho de 1998, alterado pelas atas de 10 de novembro de 1998, 12 de julho de 1999, 30 de novembro de 1999, 8 de maio de 2000, 17 de janeiro de 2001 e 16 de janeiro de 2002. O Estatuto entrou em vigor em 1 de julho de 2002. Mais recentemente, a União Africana ameaçou a ICC com retiradas em massa (Decision on the International Criminal Court, AU Doc Assembly/AU/Dec. 622 (XXVIII) (de 31 de janeiro de 2017); e AnnexWithdrawal Strategy Document to the Decision on the International Criminal Court, AU Doc Assembly/AU/Dec.672 (XXX) (de 29 de janeiro de 2018).


48      Assembly of States Parties President welcomes Gambia’s decision not to withdraw from the Rome Statute, ICC [Press Communique], de 17 de fevereiro de 2017, disponível em https://www.icc‑cpi.int/Pages/item.aspx?name=PR1274.


49      A razão foi a recusa de deter e pôr à ordem do Tribunal Penal Internacional o presidente sudanês Al Bashir durante a sua comparência na cimeira da União Africana celebrada na África do Sul em junho de 2015.


50      Assembly of States Parties President welcomes the revocation of South Africa’s withdrawal from the Rome Statute, [Press Communique], de 11 de março de 2017, disponível em https://www.icc‑cpi.int/Pages/item.aspx?name=pr1285.


51      O Governo tinha notificado a retirada sem prévia aprovação do Parlamento sul africano, o que representava, segundo a High Court, uma violação da Constituição sul africana, pelo que esse tribunal ordenou ao Governo que revogasse a notificação. Acórdão da High Court of South Africa (Gauteng Division, Pretoria), processo n.o 83145/2016, de 22 de fevereiro de 2017, Democratic Alliance v. Minister of International Relations and Cooperation, 2017 (3) SA 212 (GP).


52      O Projeto foi aprovado por 94 votos a favor, nenhum contra e 8 abstenções. V. 28th Plenary Meeting (de 16 de maio de 1969), em United Nations, Official Records of the United Nations Conference on the Law of Treaties, Second Session (New York: United Nations, 1970), p. 157.


53      Contra esta posição, Tzanakopoulos, A.: «Article 68 of the 1969 Vienna Convention on the Law of Treaties», in Oliver Corten, and Pierre Klein, eds., Oxford University Press, 2011, vol. II, p. 1565. Pelo contrário, Krieger, H., «Article 68», em Dörr, Oliver, Schmalenbach, Kirsten (eds.), Vienna Convention on the Law of Treaties — A Commentary, 2a ed., Springer, Berlín, 2018, p. 1259, mantém uma posição mais favorável ao caráter consuetudinário do artigo 68.o


54      No Acórdão de 3 de fevereiro de 2006, Atividades armadas no território do Congo, República Democrática do Congo contra Ruanda — Nova ação de 2002, I.C.J. Reports, 2006, p. 6, n.o 125, o Tribunal Internacional de Justiça considerou que o artigo 66.o CVDT não é declaratório em direito internacional. Não obstante, esse mesmo Tribunal, no Acórdão de 25 de setembro de 1997, Projeto Gabčíkovo — Nagymaros (Hungria/Eslováquia), I.C.J. Reports 1997, p. 7, n.o 109, declarou que os artigos 65.o CVDT e 67.o CVDT não procedem a uma codificação do direito consuetudinário, sendo antes um reflexo de tal direito consuetudinário e contêm certos princípios processuais baseados na obrigação de atuar de boa‑fé.


55      Acórdão de 16 de junho de 1998 (C‑162/96, EU:C:1998:293, n.o 59): «as disposições específicas de natureza processual aí previstas [artigo 65.o CVDT] não integram o direito consuetudinário internacional». Com maior clareza ainda se pronunciou o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas Conclusões nesse processo (EU:C:1997:582, n.o 96), quando afirma que «[o] artigo 65.o da Convenção de Viena fixa as regras de processo aplicáveis, mas essas regras não parecem refletir com precisão as regras do direito consuetudinário internacional. Parece‑nos que, tal como se podia esperar, as disposições da Convenção de Viena relativas às regras de processo são mais específicas e concretas do que as regras de direito consuetudinário internacional».


56      Sobre esta questão, v. as opiniões contrárias defendidas por Sari, A., op. cit., nota 32, n.o 3, pp. 466 a 469, no sentido de que o artigo 68.o evidencia uma norma consuetudinária; e Papageorgiou, I., op. cit., nota 32, pp. 13 a 16, segundo o qual o artigo 68.o é uma norma de desenvolvimento progressivo.


57      O artigo 5.o CVDT, relativo aos tratados constitutivos de organizações internacionais e aos tratados adotados no âmbito de uma organização internacional, dispõe que essa Convenção se aplica «a qualquer tratado que seja ato constitutivo de uma organização internacional e a qualquer tratado adotado no âmbito de uma organização internacional, sem prejuízo das normas aplicáveis da organização».


58      Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 47): «nos termos de jurisprudência constante, a União é obrigada a exercer as suas competências no respeito do direito internacional no seu conjunto, que compreende […] as regras e os princípios do direito internacional geral e consuetudinário […] (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 9; de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291; e de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o., C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 101 e 123)».


59      Nos termos do artigo 31.o, n.o 1, CVDT, «[u]m tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim». O artigo 32.o CVDT prevê como meios de interpretação complementares, em concreto, a utilização dos trabalhos preparatórios do tratado e das circunstâncias da sua conclusão.


60      No Acórdão de 15 de setembro de 2011, Comissão/Eslováquia (C‑264/09, EU:C:2011:580, n.o 41), declara‑se que, «segundo jurisprudência constante, o artigo 307.o, primeiro parágrafo, CE tem por objeto precisar, em conformidade com os princípios do direito internacional, tal como resultam, nomeadamente, do artigo 30.o, n.o 4, alínea b), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969, que a aplicação do Tratado CE não prejudica o compromisso de o Estado‑Membro em causa respeitar os direitos dos países terceiros resultantes de uma convenção anterior e cumprir as obrigações correspondentes». V., ainda, Acórdão de 14 de outubro de 1980, Burgoa (812/79, EU:C:1980:231, n.o 8).


61      Acórdãos de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 43); de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291); de 24 de novembro de 2016, SECIL (C‑464/14, EU:C:2016:896, n.o 94); de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisario (C‑104/16 P, EU:C:2016:973, n.o 86), e de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 58). No Acórdão de 11 de julho de 2018, Bosphorus Queen Shipping (C‑15/17, EU:C:2018:557, n.o 67), declara‑se: «[p]ara interpretar as disposições da Convenção de Montego Bay, há que ter em conta as regras do direito internacional consuetudinário, refletidas no disposto no artigo 31.o da Convenção de Viena, que vinculam as instituições da União e fazem parte da sua ordem jurídica […], das quais resulta que um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim».


62      Acórdão de 12 de setembro de 2017, Áustria/Alemanha (C‑648/15, EU:C:2017:664, n.o 39).


63      É o que consta dos trabalhos preparatórios da Convenção Europeia, que estão na base da redação do artigo 50.o TFUE. V. documento CONV 648/03, título X: Pertença à União, 2 de abril de 2003, anexo II, p. 9, http://European‑convention.europa.eu/pdf/reg/pt/03/cv00/cv00648.pt03.pdf, segundo o qual: «Esta disposição não consta dos Tratados atuais. Estabelece o procedimento a seguir no caso de um Estado‑Membro decidir sair da União Europeia. O processo previsto nesta disposição inspirase em parte no previsto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados» (o sublinhado é meu).


64      Opinião contrária de Odermatt, J., «Brexit and International law: disentangling legal orders», Emory International Law Review, vol. 31, 2017, p. 1065.


65      Acórdão de 19 de setembro de 2018, RO (C‑327/18 PPU, EU:C:2018:733, n.o 46).


66      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, deve‑se ter em conta não só o seu teor literal, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdãos de 25 de janeiro de 2017, Vilkas, C‑640/15, EU:C:2017:39, n.o 30; e de 16 de novembro de 2016, Hemming e o., C‑316/15, EU:C:2016:879, n.o 27).


67      «Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit» (onde a lei quis, disse‑o, onde não quis, nada disse).


68      A Comissão reconhece que «o direito de retirada da União é um direito unilateral de cada Estado‑Membro» (observações escritas, n.o 17).


69      Por isso se afirmou que o direito de retirada do artigo 50.o TFUE é unilateral e incondicional, mesmo que não imediato. V. Closa Montero, C., «Interpreting Article 50: exit and voice and...what about loyalty?», EUI Working Paper RSCAS 2016/71, pp. 12 a 16; e Mariani, P., Lasciare l’Unione Europeia. Riflessioni giuridiche sul recesso nei giorni di Brexit, Egea, Milán, 2018, pp. 94 a 101.


70      No limite, o princípio da cooperação leal obrigaria o Estado que se retira a entabular negociações com a União para estabelecer os termos da saída, mas como obrigação de comportamento e não de resultado.


71      Edward, D., Jacobs F., Lever J., Mountfield H. e Facenna, G., op. cit,. nota 32, pp. 18 e 19.


72      Neste sentido, Craig, P., op. cit., nota 32, p. 464; e Eeckhout, P. e Frantziou, E., op. cit., nota 32, pp. 712 e 713.


73      Não me convence o argumento de que, una vez realizada a notificação da intenção de retirada ao Conselho Europeu, o processo começa e não há marcha‑atrás em caso algum, de maneira que qualquer mudança da decisão inicial do Estado, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, é irrelevante e não pode paralisar o desenvolvimento do procedimento de retirada, sendo impossível a revogação da notificação (Gatti, M., op. cit., nota 32).


74      V. n.os 68 a 70 das presentes conclusões.


75      Apenas foi aceite a possibilidade de suspensão de alguns direitos dos Estados‑Membros nos casos previstos no atual artigo 7.o TUE. V. http://European‑convention.europa.eu/docs/Treaty/pdf/46/global46.pdf, p. 5.


76      Sir Derrick Wyatt QC qualifica de incongruente esta possibilidade em House of Lords European Committee, 11th Report of Session 2015‑16, «The Process of Withdrawing from the European Union», maio 2016, ponto 10, disponível em http://www.publications.parliament.uk/pa/ld201516/ldselect/ldeucom/138/138.pdf.


77      Acórdão de 19 de setembro de 2018, RO (C‑327/18 PPU, EU:C:2018:733, n.o 46).


78      V., entre outros, os autores referidos na nota 32.


79      Por exemplo, o artigo II, n.o 6, da Convenção que constitui a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.


80      Closa Montero, C., op. cit., nota 69, p. 15.


81      O Estado‑Membro deixa de participar nas deliberações e nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho relativas à sua retirada (foi criado um formato «Artigo 50.o» para as reuniões e decisões do Conselho Europeu, do Conselho, do COREPER e dos grupos de trabalho relativos ao Brexit). São igualmente necessárias as diretrizes de negociação, dadas pelo Conselho Europeu e as decisões do Conselho para levar a cabo as negociações com o Estado‑Membro que se retira.


82      V. Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (JO 2018, L 291, p. 3); e Regulamento (UE) 2018/1717 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 no que respeita à localização da sede da Autoridade Bancária Europeia (JO 2018, L 291, p. 1).


      A Decisão (PESC) 2018/1083 do Conselho, de 30 de julho de 2018, que altera a Ação Comum 2008/851/PESC, relativa à operação militar da União Europeia tendo em vista contribuir para a dissuasão, a prevenção e a repressão dos atos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália (JO 2018, L 194, p. 142) também previu a transferência do Quartel‑General dessa Operação UE de Northwood (Reino Unido) para Rota (Espanha), com exceção do Centro de Segurança do Transporte Marítimo no Corno de África (MSCHOA), que ficará situado em Brest (França).


83      O mesmo se diga da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à repartição dos contingentes pautais incluídos na lista da União no âmbito da OMC na sequência da saída do Reino Unido da União e que altera o Regulamento (CE) n.o 32/2000 do Conselho, contida no Documento COM/2018/312 final, de 22 de maio de 2018.


84      Na história da União Europeia houve mudanças (unilaterais) de posição de Estados‑Membros a respeito do processo de integração. Prova disso são os referendos dinamarqueses sobre a ratificação do Tratado de Maastricht e da República da Irlanda sobre as ratificações do Tratado de Nice e do Tratado de Lisboa.


85      Sari, A., op. cit., nota 32, p. 472.


86      Devo recordar que, segundo o artigo 32.o CVDT, os «trabalhos preparatórios e [as] circunstâncias em que foi concluído o tratado» são um meio complementar de interpretação dos tratados.


87      V. documento CONV 648/03, título X: Pertença à União, 2 de abril de 2003, anexo II, p. 9, http://European‑convention.europa.eu/pdf/reg/pt/03/cv00/cv00648.pt03.pdf, onde se afirma: «Esta disposição não consta dos Tratados atuais. Estabelece o procedimento a seguir no caso de um Estado‑Membro decidir sair da União Europeia. O processo previsto nesta disposição inspira‑se em parte no previsto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.


      Chama‑se a atenção da Convenção para os seguintes três pontos:


      Muito embora seja desejável a celebração entre a União e um Estado que pretenda sair, de um acordo sobre as modalidades da sua saída, bem como sobre as suas relações futuras, foi considerado que semelhante acordo não deve constituir uma condição para a saída, a fim de não esvaziar de conteúdo o conceito de saída voluntária […]».


88      Documento CONV 672/03, de 14 de abril de 2003, Ficha de análise das propostas de alteração relativas à pertença à União ‑ Projeto de artigos do título X da parte I (artigos 43.o a 46.o), http://European‑convention.europa.eu/pdf/reg/pt/03/cv00/cv00672.pt03.pdf.


89      No caso do Reino Unido, como a notificação de retirada se concretizou numa carta do primeiro‑ministro britânico, bastaria um instrumento similar para comunicar ao Conselho Europeu a revogação.


90      V. nota 5.


91      Benrath, D., «Bona fide and revocation of withdrawal: how Article 50 TEU handles the potential abuse of a unilateral revocation of withdrawal», European Law Review, 2018, n.o 2, pp. 243 a 245.


92      Em virtude do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o TUE, n.o 3, primeiro parágrafo, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados [Acórdãos de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 42, e de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (condições de detenção na Hungria), C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589, n.o 109]. Segundo o Tribunal de Justiça, «este princípio não permite a um Estado‑Membro contornar as obrigações que lhe são impostas pelo direito da União» (Acórdão de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis, C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 54).


93      V., por todos, Acórdão de 22 de novembro de 2017, Cussens e o. (C‑251/16, EU:C:2017:881, n.o 27).


94      A doutrina mostra‑se, em geral, favorável à aceitação da revogação por acordo da notificação da intenção de retirada, quando haja acordo entre o Estado notificante e os restantes Estados‑Membros da União Europeia. V., por todos, Edward, D., Jacobs F., Lever J., Mountfield H. e Facenna, G., op. cit., nota 32, p. 19.