Language of document : ECLI:EU:T:2019:292

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

7 de maio de 2019 (*)

«Marca da União Europeia — Pedido de marca figurativa da União Europeia que representa um automóvel num balão — Admissibilidade do recurso na Câmara de Recurso — Artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2017/1001 — Limitação da lista de produtos ou serviços visados na marca requerida — Artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 — Alcance da apreciação que deve ser feita pela Câmara de Recurso — Obrigação de decidir sobre um pedido de limitação»

No processo T‑629/18,

mobile.de GmbH, com sede em Dreilinden (Alemanha), representada por T. Lührig, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por M. Fischer, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO, de 7 de agosto de 2018 (processo R 2653/2017‑4), relativa a um pedido de registo de um sinal figurativo que representa um automóvel num balão como marca da União Europeia,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, P. Nihoul e J. Svenningsen (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de outubro de 2018,

vista a resposta entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de dezembro de 2018,

visto que as partes não requereram a marcação de uma audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita e tendo sido decidido, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 30 de junho de 2016, a recorrente, mobile.de GmbH, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 9, 12, 16, 25, 28, 35 a 38, 41, 42 e 45, na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado.

4        Por carta de 22 de julho de 2016, o examinador do EUIPO suscitou objeções ao registo da marca em questão relativamente a uma parte dos produtos e serviços em causa, com fundamento no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 7.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001], por a marca ser desprovida de caráter distintivo.

5        Em 25 de novembro de 2016, em resposta à referida carta do examinador, a recorrente apresentou observações, contestando todas as objeções do mesmo.

6        Por carta de 23 de março de 2017, o examinador retirou parcialmente as suas objeções relativas a uma parte dos produtos e serviços inicialmente visados na carta de 22 de julho de 2016. A recorrente foi convidada a apresentar observações ou outras provas para demonstrar o caráter distintivo adquirido pelo uso da marca em causa em relação aos produtos e serviços em relação aos quais o examinador manteve as suas objeções. Essas observações adicionais foram apresentadas pela recorrente em 24 de julho de 2017.

7        Por Decisão de 3 de outubro de 2017, o examinador recusou o registo da marca em causa em relação aos produtos e serviços referidos na carta de 23 de março de 2017, em aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001.

8        Em 15 de dezembro de 2017, a recorrente interpôs no EUIPO recurso de anulação da decisão do examinador, na medida em que este indeferia o pedido de registo da marca em causa.

9        Em 16 de fevereiro de 2018, a recorrente apresentou no EUIPO dois documentos, um dos quais continha um pedido de limitação da lista dos produtos e serviços para os quais o registo da marca tinha sido inicialmente solicitado. O pedido de limitação abrangia todos os produtos e serviços para os quais o registo tinha sido recusado pelo examinador.

10      No mesmo dia, a recorrente apresentou outro documento, intitulado «Declaração de fundamentação do recurso/comunicação relativa à limitação do pedido de marca», que incluía, no anexo, o pedido de limitação anteriormente apresentado.

11      Em 6 de abril de 2018, na sequência de um pedido do EUIPO, a recorrente teve de apresentar novamente o pedido de limitação da lista dos produtos e serviços para os quais o registo da marca em causa tinha sido pedido, noutro formato (PDF) e sob forma alterada, mas sempre com o mesmo conteúdo.

12      Em 10 de maio de 2018, a Secretaria das Câmaras de Recurso acusou a receção dos dois pedidos de limitação apresentados, respetivamente, em 16 de fevereiro e em 6 de abril de 2018.

13      Por carta de 6 de junho de 2018, o EUIPO informou a recorrente de que o recurso tinha sido enviado à Quarta Câmara de Recurso, nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001, uma vez que o examinador não lhe tinha dado provimento.

14      Por Decisão de 7 de agosto de 2018 (a seguir «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do EUIPO julgou o recurso inadmissível, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, terceiro período, do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 23.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 da Comissão, de 5 de março de 2018, que complementa o Regulamento 2017/1001 e que revoga o Regulamento Delegado (UE) 2017/1430 (JO 2018, L 104, p. 1), pelo facto de o segundo documento apresentado pela recorrente em 16 de fevereiro de 2018, intitulado «Declaração de fundamentação do recurso/comunicação relativa à limitação do pedido de marca», não preencher os critérios necessários para constituir uma declaração de fundamentação do recurso, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado.

15      A Câmara de Recurso referiu que, nesse documento de 16 de fevereiro de 2018, a recorrente se tinha limitado a remeter para o anexo que continha o pedido de limitação da lista dos produtos e serviços para os quais o registo da marca em causa foi pedido para explicar que esse pedido de limitação abarcava todos os produtos e serviços cujo registo foi recusado pelo examinador e que constituíam o único objeto do recurso e que, por essa razão, tinha decidido apresentar um pedido de não conhecimento do mérito. Com base nessas considerações, a Câmara de Recurso considerou que o referido documento não continha elementos que justificassem a anulação da decisão do examinador, pelo que o recurso devia ser declarado inadmissível. Consequentemente, dado que não foi apresentada uma declaração de fundamentação do recurso válida antes do termo do prazo de quatro meses a contar da notificação da decisão do examinador, a Câmara de Recurso declarou que essa decisão se tinha tornado definitiva.

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas.

17      O EUIPO adere aos pedidos da recorrente, incluindo o pedido relativo às despesas.

 Questão de direito

18      A título preliminar, importa observar que, no que diz respeito à posição processual do EUIPO, este não pode ser obrigado a defender sistematicamente todas as decisões impugnadas das Câmaras de Recurso ou a pedir obrigatoriamente a negação de provimento a todos os recursos interpostos dessas decisões e nada se opõe a que o EUIPO adira aos pedidos do recorrente [v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2005, Peek & Cloppenburg/IHMI (Cloppenburg), T‑379/03, EU:T:2005:373, n.o 22].

19      No caso em apreço, os pedidos do EUIPO são admissíveis, uma vez que os mesmos e os argumentos expostos como seu fundamento não saem do âmbito dos pedidos e fundamentos avançados pela recorrente.

20      Pese embora a convergência de posições entre as partes quanto ao mérito do presente processo, o recurso não ficou sem objeto. Efetivamente, apesar de as partes estarem de acordo, a decisão impugnada não foi, no atual estado dos autos, nem alterada nem revogada pela Câmara de Recurso, visto que o EUIPO não dispõe do poder para o fazer nem para dar instruções nesse sentido às Câmaras de Recurso, cuja independência está consagrada no artigo 166.o, n.o 7, do Regulamento 2017/1001. Consequentemente, o Tribunal Geral não está dispensado de apreciar a legalidade da decisão impugnada à luz dos fundamentos aduzidos na petição inicial e continua a ser necessário decidir quanto ao mérito (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2005, Cloppenburg, T‑379/03, EU:T:2005:373, n.os 28 e 29).

21      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001; o segundo, à violação do artigo 71.o, n.o 1, segundo período, do mesmo regulamento; o terceiro, à violação do artigo 68.o, n.o 1, quarto período, do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 23.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento Delegado 2018/625; e, o quarto, à violação do artigo 68.o, n.o 1, quarto período, do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), e o artigo 22.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2018/625.

22      Com o primeiro fundamento, a recorrente alega que a Câmara de Recurso violou o seu direito de limitar a lista de produtos e serviços contida no seu pedido de marca ao abrigo do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001. Ora, segundo a recorrente, o direito de limitação aplica‑se em qualquer momento do processo, incluindo durante um processo na Câmara de Recurso. Como o seu pedido foi apresentado quando a decisão do examinador ainda dependia do efeito suspensivo do recurso, a Câmara de Recurso estava obrigada a exercer as competências da instância que tomou a decisão inicial, a saber, o examinador, e a «registar» a limitação dos produtos e serviços para os quais o registo da marca tinha sido pedido. O que deveria ter levado a Câmara de Recurso a concluir que, devido a essa limitação, que coincidia com os produtos e serviços para os quais o pedido de registo foi recusado pelo examinador, a decisão inicial já não produzia efeitos e que não havia que conhecer do mérito do recurso.

23      O EUIPO refere, apoiando, em substância, os argumentos da recorrente, que cabe à Câmara de Recurso decidir sobre os pedidos de limitação da lista dos produtos e serviços visados, apresentados pelo requerente da marca durante o processo de recurso, em conformidade com o artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, o mais tardar na sua decisão sobre o recurso, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento Delegado 2018/625.

24      A este respeito, há que observar que, na sequência da interposição de um recurso, a Câmara de Recurso torna‑se a instância competente para decidir sobre o pedido de registo da marca. Como a recorrente, enquanto requerente de uma marca, apresentou um pedido de limitação da lista de produtos e serviços visados no pedido de registo da marca em causa num momento em que a decisão do examinador de recusa de registo dessa marca era impugnada na Câmara de Recurso, a referida Câmara tornou‑se competente para se pronunciar sobre esse pedido de limitação [v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2017, Capella/EUIPO — Abus (APUS), T‑473/15, não publicado, EU:T:2017:174, n.o 36].

25      No que se refere ao direito do requerente da marca de limitar a lista de produtos e serviços visados no seu pedido de marca, importa recordar que, nos termos do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, o requerente da marca «pode, em qualquer momento, retirar o seu pedido de marca da [União Europeia] ou limitar a lista de produtos ou serviços nele contida».

26      Assim, de acordo com o artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, a limitação da lista de produtos ou serviços visados num pedido de marca da União Europeia pode ser efetuada em qualquer momento e, por conseguinte, também durante o processo na Câmara de Recurso (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2017, APUS, T‑473/15, não publicado, EU:T:2017:174, n.o 37).

27      No caso em apreço, é facto assente que ambos os documentos entregues pela recorrente em 16 de fevereiro de 2018 foram apresentados após a interposição do recurso na Câmara de Recurso e no prazo para a entrega da declaração de fundamentação do mesmo, como determina o artigo 68.o, n.o 1, último período, do Regulamento 2017/1001. Assim, o pedido de limitação foi apresentado no decurso do processo na Câmara de Recurso, em conformidade com o artigo 49.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

28      Ora, o artigo 27.o, n.o 5, primeiro período, do Regulamento Delegado 2018/625 prevê que cabe à Câmara de Recurso decidir sobre esse pedido de limitação, apresentado em conformidade com o artigo 49.o do Regulamento 2017/1001, o mais tardar na sua decisão sobre o recurso. Esta obrigação de decidir sobre o pedido de limitação incumbe à Câmara de Recurso, independentemente da questão de saber se a declaração de fundamentação do recurso foi apresentada em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Delegado 2018/625.

29      Consequentemente, uma vez que a recorrente apresentou um pedido de limitação da lista dos produtos ou serviços visados no seu pedido de registo da marca em causa, em conformidade com o artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, antes do termo do prazo para apresentar a declaração de fundamentação do recurso, conforme determinado no artigo 68.o, n.o 1, último período, do mesmo regulamento, a Câmara de Recurso estava obrigada a apreciá‑lo.

30      Ora, ao julgar o recurso inadmissível, com o fundamento de que o documento de 16 de fevereiro de 2018, intitulado «Declaração de fundamentação do recurso/comunicação relativa à limitação do pedido de marca», apresentado pela recorrente, não preenchia os critérios para poder ser admitido como declaração de fundamentação do recurso, a Câmara de Recurso não se pronunciou sobre o pedido de limitação da lista dos produtos e serviços apresentado pela recorrente, em violação do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, lido em conjugação com o artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento Delegado 2018/625.

31      Assim, há que acolher o primeiro fundamento e, por conseguinte, anular totalmente a decisão impugnada, sem que seja necessário apreciar os outros três fundamentos invocados pela recorrente.

 Quanto às despesas

32      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, de acordo com os pedidos da recorrente e do EUIPO.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      A Decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), de 7 de agosto de 2018 (processo R 2653/20174), é anulada.

2)      O EUIPO é condenado nas despesas.

Pelikánová

Nihoul

Svenningsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de maio de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.