Language of document : ECLI:EU:C:2020:277

DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de abril de 2020 (*)

«Processo de medidas provisórias — Artigo 279.o TFUE — Pedido de medidas provisórias — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE — Independência da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia)»

No processo C‑791/19 R,

que tem por objeto um pedido de medidas provisórias nos termos do artigo 279.o TFUE e do artigo 160.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, apresentado em 23 de janeiro de 2020,

Comissão Europeia, representada por K. Banks, H. Krämer e S. L. Kalėda, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada por:

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado por M. Wolff, na qualidade de agente,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por M. Pere, na qualidade de agente,

Reino da Suécia, representado por A. Falk, C. Meyer‑Seitz, H. Shev, J. Lundberg e H. Eklinder, na qualidade de agentes,

intervenientes,

contra

República da Polónia, representada por B. Majczyna, D. Kupczak, S. Żyrek, A. Dalkowska e A. Gołaszewska, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, M. Vilaras, E. Regan, S. Rodin e P. G. Xuereb, presidentes de secção, E. Juhász, C. Toader, D. Šváby, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, N. Piçarra e N. Wahl, juízes,

ouvido o advogado‑geral, E. Tanchev,

profere o presente

Despacho

1        Com o seu pedido de medidas provisórias, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        ordenar à República da Polónia, enquanto se aguarda o acórdão do Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre o mérito, que:

–        suspenda a aplicação das disposições do artigo 3.o, ponto 5, do artigo 27.o e do artigo 73.o, § 1, da Ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei sobre o Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 5), conforme alterada (a seguir «Lei sobre o Supremo Tribunal»), que constitui o fundamento da competência da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) (a seguir «Secção Disciplinar») para se pronunciar, tanto em primeira instância como em instância de recurso, nos processos disciplinares relativos a juízes;

–        se abstenha de remeter os processos pendentes na Secção Disciplinar a uma formação de julgamento que não satisfaça as exigências de independência definidas, designadamente, no Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, a seguir «Acórdão A. K.», EU:C:2019:982), e

–        comunique à Comissão, o mais tardar até um mês após a notificação do despacho do Tribunal de Justiça que ordena as medidas provisórias solicitadas, todas as medidas que tiver adotado para dar pleno cumprimento a esse despacho;

–        condenar a República da Polónia nas despesas do processo.

2        Além disso, a Comissão assinala que se reserva o direito de apresentar um pedido complementar para que seja ordenado o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, caso resulte das informações notificadas à Comissão que a República da Polónia não respeito plenamente as medidas provisórias ordenadas na sequência do seu pedido de medidas provisórias.

3        Este pedido foi apresentado no âmbito de uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, intentada pela Comissão em 25 de outubro de 2019 (a seguir «ação por incumprimento»), a fim de se declarar que a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem:

–        por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE:

–        ao permitir que o conteúdo das decisões judiciais possa ser qualificado de infração disciplinar a respeito dos juízes dos tribunais de direito comum [artigo 107.o, § 1, da Ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. n.o 98, posição 1070), conforme alterada (Dz. U. de 2019, posição 1495) (a seguir «Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum»), e artigo 97.o, §§ 1 e 3, da Lei sobre o Supremo Tribunal];

–        ao não garantir a independência e a imparcialidade da Secção Disciplinar, à qual incumbe a fiscalização das decisões proferidas nos procedimentos disciplinares contra juízes [artigo 3.o, ponto 5, artigo 27.o e artigo 73.o, § 1, da Lei sobre o Supremo Tribunal, conjugados com o artigo 9a da Ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei sobre o Conselho Nacional da Magistratura), de 12 de maio de 2011 (Dz. U. n.o 126, posição 714), conforme alterada pela Ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei sobre o Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3) (a seguir «Lei sobre o KRS»)];

–        ao conferir ao presidente da Secção Disciplinar o poder discricionário de designar o tribunal disciplinar competente em primeira instância nos processos relativos aos juízes dos tribunais de direito comum (artigo 110.o, § 3, e artigo 114.o, § 7, da Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum), e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares sejam decididos por um tribunal «estabelecido por lei», e

–        ao conferir ao ministro da Justiça o poder para nomear um instrutor disciplinar do ministro da Justiça (artigo 112b da Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum) e, portanto, ao não garantir que os processos disciplinares instaurados contra os juízes dos tribunais de direito comum sejam decididos num prazo razoável, assim como ao prever que os atos relacionados com a nomeação do defensor e o exercício da defesa por este não têm efeito suspensivo sobre a tramitação do processo disciplinar (artigo 113.o da Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum), e que o processo é tramitado pelo tribunal disciplinar mesmo no caso de falta justificada do juiz arguido, notificado, ou do seu defensor (artigo 115a, § 3, da Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum), e, portanto, ao não garantir os direitos de defesa dos juízes dos tribunais de direito comum que são postos em causa;

–        por força do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, ao permitir que o direito de os órgãos jurisdicionais submeterem ao Tribunal de Justiça pedidos de decisão prejudicial seja limitado pela possibilidade de instaurar um processo disciplinar.

4        Em aplicação do artigo 161.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a vice‑presidente do Tribunal de Justiça submeteu o presente pedido ao Tribunal de Justiça que, tendo em conta a importância deste processo, o remeteu à Grande Secção, em conformidade com o artigo 60.o, n.o 1, deste regulamento.

5        Em 9 de março de 2020, foram ouvidas as observações orais das partes numa audiência perante a Grande Secção.

 Quadro jurídico

 Lei sobre o Supremo Tribunal

6        A Lei sobre o Supremo Tribunal, que entrou em vigor em 3 de abril de 2018, instituiu, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), duas novas secções, entre as quais a Secção Disciplinar, referida no artigo 3.o, ponto 5, desta lei.

7        O artigo 20.o da referida lei enuncia:

«No que respeita à Secção Disciplinar e aos juízes que a compõem, as prerrogativas do primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], tal como definidas:

–        nos artigos 14.o, § 1, pontos 1, 4 e 7, 31.o, § 1, 35.o, § 2, 36.o, § 6, 40.o, §§ 1 e 4, e 51.o, §§ 7 e 14, devem ser exercidas pelo presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar;

–        no artigo 14.o, § 1, ponto 2 e no artigo 55.o, § 3, segundo período, devem ser exercidas pelo primeiro presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] de comum acordo com o presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar.»

8        O artigo 27.o, § 1, da mesma lei prevê:

«São da competência da Secção Disciplinar os seguintes processos:

1.      processo disciplinares:

a)      relativos a juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)],

b)      que sejam apreciados pelo [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] relativos a procedimentos disciplinares instaurados ao abrigo das seguintes leis:

[…]

–        Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum de 27 de julho de 2001,

[…]

2.      processos em matéria de direito do trabalho e da segurança social relativos a juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)];

3.      processos relativos à reforma compulsiva de um juiz do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

9        O artigo 73.o, § 1, da Lei sobre o Supremo Tribunal dispõe:

«As jurisdições disciplinares nos processos disciplinares relativos a juízes do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] são:

1.      em primeira instância: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e de um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)];

2.      em instância de recurso: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por três juízes da Secção Disciplinar e de dois jurados do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

10      O artigo 97.o desta lei tem a seguinte redação:

«1.      O [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], caso verifique uma manifesta violação das normas durante a apreciação de um processo ‑ independentemente das suas outras prerrogativas ‑ participa a falta ao órgão jurisdicional em causa. Antes da participação da falta, deve informar o juiz ou os juízes que compõem a formação de julgamento da possibilidade de apresentarem esclarecimentos por escrito no prazo de 7 dias. A identificação e a verificação de uma falta não afetam o resultado do processo.

[…]

3.      O [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], quando participa a falta, pode requerer que seja instaurado um procedimento disciplinar no órgão jurisdicional disciplinar. O órgão jurisdicional disciplinar de primeira instância é o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].»

 Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum

11      O artigo 107.o, § 1, da Lei relativa à organização dos tribunais de direito comum dispõe:

«Os juízes são disciplinarmente responsáveis pela violação dos deveres profissionais (faltas disciplinares), incluindo em caso de:

1.      violação manifesta e flagrante das normas de direito

[…]

5.      ofensa à dignidade da função.»

12      O artigo 110.o, §§ 1 e 3, desta lei tem a seguinte redação:

«1.      Nos processos disciplinares relativos a juízes, devem decidir:

1.      em primeira instância:

a)      os tribunais disciplinares junto dos tribunais de recurso, compostos por três juízes,

b)      o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e de um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], nos processos relativos a faltas disciplinares constitutivas de infrações dolosas passíveis de procedimento penal pelo Ministério Público ou de infrações dolosas de natureza fiscal, ou nos processos no âmbito dos quais o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] requer que seja instaurado um procedimento disciplinar na sequência da participação da falta;

2.      em instância de recurso: o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)], composto por dois juízes da Secção Disciplinar e de um jurado do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].

[…]

3.      O tribunal disciplinar em cuja jurisdição o juiz que é objeto do procedimento disciplinar exerce o seu cargo não pode conhecer dos processos referidos no § 1, ponto 1, alínea a). O tribunal disciplinar competente para conhecer do processo é designado pelo presidente do [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)] que conduz os trabalhos da Secção Disciplinar a pedido do instrutor de procedimento disciplinar.»

 Lei sobre o KRS

13      Nos termos do artigo 9a da Lei sobre o KRS:

«1.      O Sejm [(Parlamento)] elege, de entre os juízes do Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], dos tribunais de direito comum, dos tribunais administrativos e dos tribunais militares, 15 membros do Krajowa Rada Sądownictwa [(Conselho Nacional da Magistratura)] para um mandato conjunto de quatro anos.

2.      Ao proceder à eleição referida no § 1, o Parlamento tem em conta, tanto quanto possível, a necessidade de estarem representados no [Conselho Nacional da Magistratura] juízes de tribunais de diferentes tipos e níveis.

3.      O mandato conjunto dos novos membros do [Conselho Nacional da Magistratura], eleitos de entre os juízes, tem início no dia seguinte ao dia da sua eleição. Os membros cessantes do [Conselho Nacional da Magistratura] desempenharão as suas funções até ao dia em que tem início o mandato conjunto dos novos membros do [Conselho Nacional da Magistratura].»

14      A disposição transitória constante do artigo 6.o da Lei que altera a Lei sobre o Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis, que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2018, prevê:

«O mandato dos membros do [Conselho Nacional da Magistratura] referidos no artigo 187.o, § 1, ponto 2, da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej [(Constituição da República da Polónia)], eleitos com base nas atuais disposições, deve durar até ao dia anterior ao início do mandato dos novos membros do [Conselho Nacional da Magistratura], mas não deverá exceder os 90 dias a contar da data de entrada em vigor desta lei, salvo se tiver terminado previamente devido ao seu termo.»

 Procedimento précontencioso

15      Considerando que a República da Polónia não cumpriu, ao adotar o novo regime disciplinar dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum, as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 267.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, a Comissão interpelou por carta, em 3 de abril de 2019, este Estado‑Membro para o respetivo cumprimento. Este último respondeu por carta de 1 de junho de 2019, na qual contestava qualquer violação do direito da União.

16      Em 17 de julho de 2019, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual mantinha que esse regime violava as referidas disposições do direito da União. Consequentemente, esta instituição convidou a República da Polónia a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado no prazo de dois meses a contar da sua receção. Este Estado‑Membro respondeu por carta de 17 de setembro de 2019, na qual alegava que as acusações formuladas pela Comissão no parecer fundamentado eram infundadas e concluía pelo arquivamento do procedimento.

17      Não convencida por essa resposta, a Comissão decidiu intentar a ação por incumprimento.

 Elementos posteriores à instauração da ação por incumprimento

 Acórdão A. K.

18      No ponto 2 do dispositivo do Acórdão A. K., o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

«O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional [(JO 2000, L 303, p. 16)], devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que litígios relativos à aplicação do direito da União possam ser abrangidos pela competência exclusiva de uma instância que não constitui um tribunal independente e imparcial, na aceção da primeira dessas disposições. É o que acontece quando as condições objetivas em que foi criada a instância em causa e as suas características, assim como a maneira como os seus membros foram nomeados são suscetíveis de suscitar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade dessa instância em relação a elementos externos, em especial, influências diretas ou indiretas dos poderes legislativo e executivo, e quanto à sua neutralidade em relação aos interesses concorrentes e, por conseguinte, são suscetíveis de ter como consequência que a referida instância não tenha a aparência de independência ou imparcialidade, situação que pode afetar a confiança que a justiça deve inspirar nos referidos particulares numa sociedade democrática. Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta todos os elementos relevantes de que dispõe, se é o caso no que respeita a uma instância como a Secção Disciplinar do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).»

 Acórdãos do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nos processos que deram origem ao Acórdão A. K.

 Acórdão de 5 de dezembro de 2019

19      No seu Acórdão de 5 de dezembro de 2019, o Sąd Najwyższy — Izba Pracy i Ubezpieczeń Społecznych (Supremo Tribunal — Secção do Trabalho e da Segurança Social), pronunciando‑se no âmbito do litígio que deu origem ao pedido de decisão prejudicial no processo C‑585/18, decidiu que o Conselho Nacional da Magistratura (a seguir «KRS») não é, na sua composição atual, um órgão imparcial e independente dos poderes legislativo e executivo.

20      Do mesmo modo, esse órgão jurisdicional declarou que a Secção Disciplinar não pode ser considerada um tribunal na aceção do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais (a seguir «Carta»), do artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, a 4 de novembro de 1950, e do artigo 45.o, n.o 1, da Constituição da República da Polónia. Para chegar a esta conclusão, o referido órgão jurisdicional baseou‑se nos seguintes elementos:

–        a Secção Disciplinar, criada ad hoc, é competente em matéria de direito do trabalho e da segurança social no que respeita aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), bem como de aposentação destes juízes, quando estas matérias eram até então da competência dos tribunais de direito comum e da Secção do Trabalho, da Segurança Social e dos Assuntos Públicos do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), atualmente Izba Pracy i Ubezpieczeń Społecznych (Secção do Trabalho e da Segurança Social);

–        a Secção Disciplinar só pode ser composta por novos juízes escolhidos pelo KRS, que não é um órgão independente dos poderes legislativo e executivo;

–        todos os juízes nomeados que compõem a Secção Disciplinar têm ligações muito marcadas com os poderes legislativo ou executivo, o que pode suscitar dúvidas objetivas, no espírito dos particulares, sobre o respeito incondicional do direito a um tribunal imparcial e independente;

–        as condições do concurso para efeitos de nomeação de juízes para a Secção Disciplinar foram alteradas no decurso do processo e a possibilidade de um candidato impugnar uma decisão do KRS foi restringida;

–        a alteração do método de seleção dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) elimina qualquer participação e papel desse tribunal no processo de nomeação dos juízes;

–        a Secção Disciplinar beneficia, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), de uma ampla autonomia e de um estatuto especial enquanto órgão jurisdicional de exceção, e a sua ligação à estrutura do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) é apenas de fachada;

–        desde a sua criação, a Secção Disciplinar orientou a sua atividade para ações que visam a exclusão das questões prejudiciais que conduziram ao Acórdão A. K., e

–        a natureza dos procedimentos disciplinares instaurados pela Secção Disciplinar evidencia que um juiz pode doravante ser acusado por falta profissional devido à adoção de uma decisão judicial, quando anteriormente não era o caso.

 Acórdãos de 15 de janeiro de 2020

21      Nos seus Acórdãos de 15 de janeiro de 2020, o Sąd Najwyższy — Izba Pracy i Ubezpieczeń Społecznych (Supremo Tribunal — Secção do Trabalho e da Segurança Social), pronunciando‑se no âmbito dos litígios que deram origem às questões prejudiciais nos processos C‑624/18 e C‑625/18, decidiu também que a Secção Disciplinar não é um tribunal independente e imparcial, tendo em conta as condições em que foi criada, a extensão dos seus poderes, a sua composição e a participação do KRS na sua constituição.

 Atividade da Secção Disciplinar desde a prolação dos Acórdãos do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) nos processos que deram origem ao Acórdão A. K.

22      Em 10 de dezembro de 2019, a primeira presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) publicou uma declaração na qual referia que a continuação das atividades da Secção Disciplinar constituía uma ameaça grave para a estabilidade da ordem jurídica polaca. Consequentemente, convidava os seus membros a absterem‑se de qualquer atividade judicial.

23      No mesmo dia, em resposta a esta declaração, o presidente da Secção Disciplinar afirmou, nomeadamente, que o Acórdão de 5 de dezembro de 2019 do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) não afetava o funcionamento dessa secção, uma vez que o referido acórdão tinha sido proferido num contexto factual específico. Acrescentou que a referida secção continuaria a exercer as funções jurisdicionais que lhe tinham sido confiadas pelos órgãos constitucionais da República da Polónia.

24      Em 13 de dezembro de 2019, oito membros da Secção Disciplinar deram a conhecer a sua posição sobre a declaração da primeira presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), sublinhando, em primeiro lugar, que a imparcialidade e a independência da Secção Disciplinar não tinham sido postas em causa pelo Acórdão A. K., em segundo lugar, que o Acórdão de 5 de dezembro de 2019 do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) não produzia nenhum efeito jurídico nos processos diferentes daquele a que dizia respeito e não tinha nenhuma incidência sobre as disposições legais em vigor e, em terceiro lugar, que o postulado, segundo o qual a Secção Disciplinar devia suspender a sua atividade judicial para se conformar com este último acórdão, era desprovido de qualquer fundamento racional.

 Quanto ao pedido de medidas provisórias

 Quanto à admissibilidade

25      A República da Polónia sustenta que o pedido de medidas provisórias apresentado pela Comissão é manifestamente inadmissível.

26      Em primeiro lugar, a República da Polónia afirma que as medidas provisórias solicitadas pela Comissão visam suspender a atividade de uma das secções de um órgão constitucional desse Estado‑Membro, a saber, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e intervir na organização interna desse órgão jurisdicional, o que constitui uma ingerência inadmissível nas estruturas constitucional e jurisdicional polacas. Com efeito, nem a própria União Europeia nem nenhuma das suas instituições, incluindo o Tribunal de Justiça, são competentes para intervir em questões relacionadas com o regime político dos diferentes Estados‑Membros, as competências dos diferentes órgãos constitucionais desses Estados e a organização interna desses órgãos. Assim, o Tribunal de Justiça é manifestamente incompetente para adotar as medidas provisórias solicitadas pela Comissão.

27      Essa apreciação é confirmada pelo facto de o Tribunal de Justiça nunca ter adotado medidas provisórias da natureza das que são objeto do presente pedido, embora, por inúmeras vezes, a Comissão tenha intentado ações no Tribunal de Justiça contra Estados‑Membros devido à violação de diversas obrigações decorrentes da sua adesão à União e os incumprimentos em causa nessas ações possam, regra geral, ser imputados a um órgão específico do Estado‑Membro em causa.

28      Na audiência, a Comissão alegou que as disposições nacionais cuja suspensão é pedida (a seguir «disposições nacionais controvertidas») estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, pelo que podem ser objeto das medidas provisórias solicitadas.

29      A este respeito, importa sublinhar que, embora a organização judiciária nos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União, em especial do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE [Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar relativo aos magistrados), C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 36 e jurisprudência referida].

30      Nos termos dessa disposição, os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim, compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios [Acórdão de 26 de março de 2020, Miasto Łowicz e Prokurator Generalny zastępowany przez Prokuraturę Krajową (Regime disciplinar relativo aos magistrados), C‑558/18 e C‑563/18, EU:C:2020:234, n.o 32 e jurisprudência referida].

31      Daqui resulta que todos os Estados‑Membros devem, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assegurar que as instâncias que, enquanto «órgão jurisdicional» na aceção definida pelo direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfazem as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva [Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 55 e jurisprudência referida].

32      O artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia aos órgãos jurisdicionais nacionais e ao Tribunal de Justiça a missão de garantir a plena aplicação do direito da União em todos os Estados‑Membros, bem como a tutela jurisdicional que este direito confere aos particulares [Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 47 e jurisprudência referida].

33      Ora, para garantir essa tutela, é fundamental que seja preservada a independência das ditas instâncias, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, que refere o acesso a um tribunal «independente» de entre as exigências associadas ao direito fundamental a uma ação [Acórdão de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 53 e jurisprudência referida].

34      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que a exigência de independência dos juízes impõe, em especial, que as regras que regem o regime disciplinar daqueles que têm a missão de julgar apresentem as garantias necessárias para evitar qualquer risco de utilização desse regime enquanto sistema de controlo político do conteúdo das decisões judiciais. Assim, a adoção de regras que definam, nomeadamente, tanto os comportamentos constitutivos de infrações disciplinares como as sanções concretamente aplicáveis, que prevejam a intervenção de uma instância independente em conformidade com um processo que garanta plenamente os direitos consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta, designadamente os direitos de defesa, e que consagrem a possibilidade de impugnar judicialmente as decisões dos órgãos disciplinares constitui um conjunto de garantias essenciais para efeitos da preservação da independência do poder judicial [Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 77 e jurisprudência referida].

35      Incumbe, assim, a qualquer Estado‑Membro, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, assegurar que o regime disciplinar aplicável aos juízes dos órgãos jurisdicionais nacionais que fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União respeite o princípio da independência dos juízes, designadamente garantindo que as decisões proferidas no âmbito dos procedimentos disciplinares instaurados contra os juízes dos referidos órgãos jurisdicionais sejam fiscalizadas por uma instância que satisfaça ela própria as garantias inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo a da independência.

36      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça é competente, no âmbito de uma ação por incumprimento destinada a contestar a compatibilidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, das disposições nacionais relativas ao regime disciplinar aplicável aos juízes dos órgãos jurisdicionais chamados a pronunciar‑se sobre questões que relevam do direito da União, designadamente disposições relativas à instância competente para decidir nos processos disciplinares relativos a esses juízes, para ordenar, nos termos do artigo 279.o TFUE, medidas provisórias com vista à suspensão da aplicação de tais disposições.

37      No caso em apreço, é pacífico que foi atribuída à Secção Disciplinar, pelas disposições nacionais controvertidas, a competência para decidir nos processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum.

38      É igualmente ponto assente que tanto o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) como os tribunais de direito comum, na medida em que podem conhecer de questões relacionadas com a aplicação ou a interpretação do direito da União, fazem parte, enquanto «órgãos jurisdicionais», na aceção definida por este direito, do sistema polaco de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo referido direito, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

39      Por outro lado, conforme resulta do n.o 3 do presente despacho, a ação por incumprimento tem por objeto, designadamente, a compatibilidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE das disposições nacionais relativas ao regime disciplinar aplicável aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum, em especial das que dizem respeito à Secção Disciplinar.

40      Por último, conforme decorre do n.o 1 do presente despacho, este pedido de medidas provisórias visa, designadamente, a suspensão da aplicação destas últimas disposições até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça sobre o mérito (a seguir «acórdão definitivo»).

41      Por conseguinte, e contrariamente ao que sustenta a República da Polónia, o Tribunal de Justiça é competente para adotar medidas provisórias da natureza das que são solicitadas pela Comissão.

42      A circunstância invocada pela República da Polónia de que o Tribunal de Justiça não adotou, até à presente data, nenhuma medida provisória desta natureza não é suscetível de pôr em causa esta apreciação. Com efeito, sob pena de esvaziar da sua substância a competência do Tribunal de Justiça para conceder tal medida, o caráter supostamente inédito de uma medida provisória não pode ter incidência sobre esta competência.

43      Em segundo lugar, a República da Polónia alega que as medidas provisórias solicitadas pela Comissão se destinam a que determinados juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a saber, os da Secção Disciplinar, sejam destituídos das suas funções. Nestas circunstâncias, a adoção de tais medidas viola o princípio da inamovibilidade dos juízes e, por conseguinte, compromete as garantias de independência dos juízes protegidas tanto pela ordem jurídica da União como pela Constituição da República da Polónia.

44      A este respeito, importa salientar que, caso sejam ordenadas, as medidas provisórias solicitadas pela Comissão têm por efeito não a destituição dos juízes da Secção Disciplinar, mas a suspensão provisória da aplicação das disposições nacionais controvertidas e, consequentemente, o exercício por esses juízes das suas funções até à prolação do acórdão definitivo.

45      Por conseguinte, e contrariamente ao alegado pela República da Polónia, a adoção de tais medidas não pode ser considerada contrária ao princípio da inamovibilidade dos juízes.

46      Em terceiro lugar, a República da Polónia alega que as medidas provisórias solicitadas pela Comissão não só não asseguram a plena execução do acórdão definitivo como tornam mesmo impossível, em caso de procedência da ação, a execução desse acórdão, na medida em que a sua adoção tem por efeito prático a dissolução da Secção Disciplinar.

47      Todavia, para além do facto de a adoção das medidas provisórias solicitadas pela Comissão não implicar a dissolução da Secção Disciplinar, há que salientar que, caso o Tribunal de Justiça julgue procedente, no âmbito da ação por incumprimento, a alegação da Comissão relativa à violação pela República da Polónia da obrigação que lhe incumbe, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de garantir a independência dessa secção, este Estado‑Membro está obrigado, para dar cumprimento ao acórdão definitivo, a ajustar o seu direito nacional com vista a assegurar que os processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum sejam tramitados por uma instância que satisfaça o princípio da independência dos juízes.

48      Por conseguinte, contrariamente ao que afirma a República da Polónia, no caso de o Tribunal de Justiça decidir adotar as medidas provisórias solicitadas pela Comissão, estas medidas não constituem, de todo, um obstáculo à plena efetividade do acórdão definitivo.

49      Decorre do acima exposto que o pedido de medidas provisórias é admissível.

 Quanto ao mérito

50      O artigo 160.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar «o objeto do litígio, as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista, justificam a adoção da medida provisória requerida».

51      Assim, uma medida provisória só pode ser concedida pelo juiz das medidas provisórias se se demonstrar que a sua adoção se justifica, à primeira vista, de facto e de direito (fumus boni juris) e se for urgente, no sentido de que é necessário, para evitar que os interesses do requerente sejam prejudicados de forma grave e irreparável, que seja decretada e produza os seus efeitos ainda antes da decisão sobre o mérito. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em presença. Estes requisitos são cumulativos, pelo que o pedido de medidas provisórias deve ser indeferido se um destes requisitos não estiver preenchido (Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.o 29 e jurisprudência referida).

 Quanto ao fumus boni juris

52      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o requisito relativo ao fumus boni juris considera‑se preenchido quando pelo menos um dos fundamentos invocados pelo requerente das medidas provisórias para alicerçar a ação principal parece, à primeira vista, não ser desprovido de fundamento sério. É que sucede nomeadamente quando um desses fundamentos revela a existência de questões jurídicas complexas cuja solução não se impõe de imediato e merece, pois, um exame aprofundado, o qual não pode ser efetuado pelo juiz das medidas provisórias, mas deve ser objeto do processo principal, ou quando o debate conduzido entre as partes revela a existência de uma controvérsia jurídica importante cuja solução não se impõe de forma evidente [Despacho da vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 20 de dezembro de 2019, Puigdemont i Casamajó e Comín i Oliveres/Parlamento, C‑646/19 P(R), não publicado, EU:C:2019:1149, n.o 52 e jurisprudência referida].

53      No caso vertente, para demonstrar a existência de um fumus boni juris, a Comissão invoca um fundamento, que corresponde à segunda alegação do primeiro fundamento deduzido no âmbito da ação por incumprimento, relativo ao facto de, ao não garantir a independência e a imparcialidade da Secção Disciplinar, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, do TUE.

54      Para o efeito, após ter recordado a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante, designadamente, dos Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 67), e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 77), a Comissão apresenta um certo número de elementos que evidenciam, em seu entender, a falta de independência e de imparcialidade da Secção Disciplinar.

55      Em primeiro lugar, a Comissão salienta que a criação da Secção Disciplinar coincidiu com a alteração das regras relativas à nomeação dos membros do KRS, e acrescenta que esta alteração teve por efeito politizar esse órgão constitucional, que participa no processo de seleção dos juízes na Polónia e está encarregado de assegurar a independência dos órgãos jurisdicionais e dos juízes polacos.

56      A Comissão refere que o artigo 6.o da Lei que altera a Lei sobre o Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis interrompeu o mandato em curso dos membros do KRS e que, em conformidade com o novo artigo 9a da Lei sobre o KRS, o Parlamento elegeu quinze juízes membros desse órgão constitucional, o que teve por efeito aumentar a influência do poder legislativo no funcionamento do referido órgão, e, consequentemente, no processo de nomeação dos juízes para a Secção Disciplinar.

57      Em aplicação destas alterações legislativas, o KRS é composto atualmente por quinze juízes membros eleitos pelo Parlamento, quatro membros nomeados pelo Parlamento de entre os deputados, dois membros nomeados pelo Senat (Senado) e escolhidos de entre os senadores, um representante do presidente da República da Polónia, um representante do ministro da Justiça e dois membros de direito, a saber, o primeiro presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e o presidente do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia). Assim, vinte e três dos vinte e cinco membros do KRS foram nomeados por autoridades legislativas ou executivas ou representam tais autoridades.

58      Ora, a Comissão sublinha que é sob proposta do KRS, na sua composição descrita no número anterior, que todos os juízes da Secção Disciplinar são nomeados pelo presidente da República da Polónia.

59      Em segundo lugar, a Comissão salienta que o legislador nacional excluiu a possibilidade de designar como membro da Secção Disciplinar um juiz já em exercício no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), pelo que só novos juízes, nomeados sob proposta do KRS, puderam ser nomeados para integrar esta secção.

60      Em terceiro lugar, a Comissão sublinha que a Secção Disciplinar se caracteriza, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), por um elevado grau de autonomia organizacional e financeira. Assim, a título ilustrativo, em conformidade com o artigo 20.o da Lei sobre o Supremo Tribunal, os poderes de que dispõe normalmente o primeiro presidente do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) para com os juízes desse órgão jurisdicional são exercidos, no que respeita ao caso particular dos juízes da Secção Disciplinar, pelo presidente desta última. Do mesmo modo, poderes específicos semelhantes dizem respeito à autonomia financeira da Secção Disciplinar.

61      A Comissão alega que o exame conjugado dos elementos acima referidos e a sua introdução simultânea no direito polaco revelam uma rutura estrutural que impede de afastar qualquer dúvida legítima quanto à independência da Secção Disciplinar em relação a elementos externos e à sua imparcialidade relativamente aos interesses em confronto e sobre os quais está habilitada a decidir.

62      Assim, a Comissão considera que as disposições nacionais controvertidas, lidas em conjugação com o artigo 9a da Lei sobre o KRS, não garantem nem a independência nem a imparcialidade da Secção Disciplinar e, consequentemente, são contrárias às obrigações que incumbem à República da Polónia por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

63      Por último, no entender da Comissão, a justeza do raciocínio jurídico da segunda alegação do primeiro fundamento da ação por incumprimento é confirmada pela leitura conjugada do Acórdão A. K. e do Acórdão de 5 de dezembro de 2019 do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

64      A fim de verificar se o requisito relativo ao fumus boni juris se mostra preenchido no caso vertente, importa salientar que esta segunda alegação tem por objeto a questão de saber se a Secção Disciplinar satisfaz a exigência de independência dos juízes decorrente do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

65      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, as garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância em causa, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de abstenção, de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão A. K., n.o 123 e jurisprudência referida).

66      Em conformidade com o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito, a independência dos órgãos jurisdicionais deve ser garantida em relação aos poderes legislativo e executivo. A este respeito, importa que os juízes se encontrem a salvo de intervenções ou de pressões externas que possam pôr em perigo a sua independência. Neste contexto, as regras mencionadas no número anterior devem, em especial, permitir excluir não só qualquer influência direta, sob a forma de instruções, mas também as formas de influência mais indireta suscetíveis de orientar as decisões dos juízes em causa (Acórdão A. K., n.os 124 e 125 e jurisprudência referida).

67      No Acórdão A. K., o Tribunal de Justiça foi levado a precisar o alcance destas exigências de independência e de imparcialidade no contexto da criação de uma instância como a Secção Disciplinar.

68      No que respeita, antes de mais, às condições em que ocorreram as nomeações dos membros da Secção Disciplinar, o Tribunal de Justiça, após ter salientado que os juízes desta secção são nomeados pelo presidente da República da Polónia sob proposta do KRS, declarou, nos n.os 137 e 138 do Acórdão A. K., baseando‑se, designadamente, nos n.os 115 e 116 do Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531), que, embora a intervenção do KRS nesse processo de nomeação possa ser suscetível de contribuir para conferir objetividade ao referido processo, ao enquadrar a margem de manobra de que o presidente da República da Polónia dispõe no exercício da competência que lhe é conferida, tal só se verifica, todavia, na condição, nomeadamente, de o KRS ser, ele próprio, suficientemente independente dos poderes legislativo e executivo e do presidente da República da Polónia.

69      Ora, sobre este ponto, o Tribunal de Justiça identificou, nos n.os 142 a 145 do Acórdão A. K., a partir das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, elementos que, considerados em conjunto, podem levar a duvidar da independência de um órgão como o KRS.

70      Em especial, no n.o 143 do Acórdão A. K., o Tribunal de Justiça fez expressamente referência a três circunstâncias que se podem revelar pertinentes para efeitos dessa apreciação de conjunto, designadamente, a circunstância de o KRS recentemente constituído ter sido criado através da redução do atual mandato de quatro anos dos membros que até agora compunham esse órgão e a circunstância de, enquanto os quinze membros do KRS eleitos entre os juízes o eram, anteriormente, pelos seus pares magistrados, o serem agora por um ramo do poder legislativo entre candidatos que podem ser apresentados, nomeadamente, por grupos de dois mil cidadãos ou vinte e cinco juízes, conduzindo essa reforma a nomeações em que o número de membros do KRS diretamente procedentes do poder político ou por ele eleitos passou para vinte e três dos vinte e cinco membros do referido órgão.

71      Em seguida, e independentemente das condições em que foram nomeados os novos juízes da Secção Disciplinar e do papel desempenhado pelo KRS a este respeito, o Tribunal de Justiça identificou, nos n.os 147 a 151 do Acórdão A. K., outros elementos que caracterizam mais diretamente a Secção Disciplinar e declarou, no n.o 152 desse acórdão, que, embora cada um deles não seja suscetível de, por si só e quando considerado isoladamente, conduzir ao questionamento da independência dessa instância, pode, em contrapartida, assim não ser devido à sua combinação, e sobretudo se a análise no que respeita ao KRS revelar uma falta de independência deste último em relação aos poderes legislativo e executivo.

72      Em especial, nos n.os 150 e 151 do Acórdão A. K., o Tribunal de Justiça evocou, por um lado, a circunstância segundo a qual a Secção Disciplinar deve ser composta apenas por juízes recentemente nomeados, com exclusão, por conseguinte, dos juízes que estavam já em exercício no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), e, por outro, o facto de a Secção Disciplinar parecer, diferentemente das outras secções que compõem esse tribunal, e como resulta nomeadamente do artigo 20.o da Lei sobre o Supremo Tribunal, gozar de um grau de autonomia particularmente elevado no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

73      É certo que, conforme alega a República da Polónia, o Tribunal de Justiça não declarou, no Acórdão A. K., a não conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE das disposições nacionais relativas à Secção Disciplinar e das que alteraram as regras de composição do KRS, mas deixou ao órgão jurisdicional de reenvio o cuidado de proceder às apreciações necessárias para o efeito.

74      A este respeito, decorre, todavia, de jurisprudência constante que não incumbe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se, no âmbito do processo prejudicial, sobre a compatibilidade de disposições do direito nacional ou de uma prática nacional com as regras de direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação decorrentes do direito da União, que lhe permitam apreciar essa conformidade para proferir decisão no processo que lhe incumbe decidir (Acórdão de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C‑368/09, EU:C:2010:441, n.o 28 e jurisprudência referida).

75      Em aplicação desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça especificou, no n.o 132 do Acórdão A. K., ter limitado o seu exame às disposições do direito da União, delas dando uma interpretação que seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual cabe apreciar, à luz dos elementos de interpretação assim fornecidos pelo Tribunal de Justiça, a conformidade das disposições nacionais, evocadas no n.o 73 do presente despacho, com o direito da União para proferir decisão nos litígios nele pendentes (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2010, Pannon Gép Centrum, C‑368/09, EU:C:2010:441, n.o 29 e jurisprudência referida).

76      No que respeita precisamente a esses elementos, na medida em que se referem essencialmente às competências da Secção Disciplinar, à sua composição, às condições e ao processo de nomeação dos seus membros, bem como ao seu grau de autonomia no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a sua pertinência não pode ser circunscrita às circunstâncias factuais específicas do Acórdão do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) de 5 de dezembro de 2019. Assim, o argumento da República da Polónia que procura negar qualquer pertinência a esse acórdão, pelo facto de ter sido proferido num contexto factual específico, não pode ser acolhido.

77      Ora, à luz dos elementos que constam, designadamente, dos n.os 136 a 151 do Acórdão A. K., e dos acórdãos, mencionados nos n.os 19 a 21 do presente despacho, proferidos pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) em 5 de dezembro de 2019 e em 15 de janeiro de 2020 na sequência do Acórdão A. K., não se pode, à primeira vista, excluir que as disposições nacionais controvertidas, lidas em conjugação com o artigo 20.o da Lei sobre o Supremo Tribunal e o artigo 9a da Lei sobre o KRS, violem a obrigação que incumbe à República da Polónia, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de garantir que as decisões proferidas no âmbito de procedimentos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum sejam fiscalizadas por uma instância que satisfaça as exigências inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva, incluindo a da independência.

78      Por conseguinte, sem apreciar nesta fase a justeza dos argumentos invocados pelas partes no âmbito da ação por incumprimento, o que é da competência apenas do juiz que conhece do mérito, há que declarar que, atendendo aos elementos de facto destacados pela Comissão e aos elementos de interpretação fornecidos, designadamente, pelo Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531), e pelo Acórdão A. K., os argumentos avançados pela Comissão no âmbito da segunda alegação do primeiro fundamento da ação por incumprimento, que sustentam o presente pedido de medidas provisórias, parecem, à primeira vista, não ser desprovidos de fundamento sério, na aceção da jurisprudência referida no n.o 52 do presente despacho.

79      Quanto ao argumento da República da Polónia segundo o qual a Comissão deveria ter demonstrado que o requisito relativo ao fumus boni juris se mostra preenchido relativamente a todas as alegações suscitadas em apoio do primeiro fundamento da ação por incumprimento, o mesmo não pode ser acolhido.

80      Com efeito, tendo em conta o objeto limitado do pedido de medidas provisórias, a saber, a suspensão da aplicação das disposições nacionais referidas no âmbito da segunda alegação do primeiro fundamento da ação por incumprimento, a Comissão deve demonstrar a existência de um fumus boni juris apenas relativamente a essa alegação.

81      Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o requisito relativo ao fumus boni juris está preenchido no presente caso.

 Quanto à urgência

82      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo de medidas provisórias tem por finalidade garantir a plena eficácia da futura decisão definitiva, para evitar uma lacuna na proteção jurídica assegurada pelo Tribunal de Justiça. É para alcançar este objetivo que a urgência deve ser apreciada face à necessidade que existe de decidir provisoriamente, para evitar que a parte que requer a proteção provisória sofra um prejuízo grave e irreparável. Cabe a esta parte provar que, se aguardar pelo desfecho do processo principal, sofrerá um prejuízo dessa natureza. Para provar a existência de um tal prejuízo grave e irreparável, não é necessário exigir que a realização do prejuízo seja provada com absoluta certeza. Basta que este seja previsível com um grau de probabilidade suficiente (Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.o 60 e jurisprudência referida).

83      Além disso, o juiz das medidas provisórias deve concluir, exclusivamente para efeitos da apreciação da urgência e sem que tal implique uma qualquer tomada de posição da sua parte quanto ao mérito das alegações formuladas a título principal pelo requerente de medidas provisórias, que estes argumentos são suscetíveis de serem acolhidos. Com efeito, o prejuízo grave e irreparável cuja ocorrência provável deve ser provada é aquele que resulta, se for o caso, da recusa em conceder as medidas provisórias solicitadas na hipótese de o processo principal vir a proceder (Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.o 61 e jurisprudência referida).

84      Por conseguinte, no caso vertente, o Tribunal de Justiça deve concluir, para efeitos de apreciação da urgência, que as disposições nacionais referidas pela segunda alegação do primeiro fundamento da ação por incumprimento são suscetíveis de comprometer a independência da Secção Disciplinar e de ser, assim, contrárias à obrigação que incumbe à República da Polónia, por força do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, de garantir que as decisões proferidas no âmbito dos procedimentos disciplinares instaurados contra os juízes dos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar‑se sobre questões de direito da União são fiscalizadas por uma instância que satisfaça as exigências inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente a da independência.

85      Para efeitos dessa apreciação, há, ainda, que ter em conta o facto de, por um lado, a Secção Disciplinar já estar constituída na sua composição resultante da aplicação das disposições nacionais visadas na ação por incumprimento, em especial das relativas à nomeação dos juízes chamados a fazer parte da mesma, e, por outro, essa secção já ter iniciado a sua atividade.

86      Neste contexto, importa examinar se, como alega a Comissão, a aplicação das disposições nacionais controvertidas é suscetível de causar um prejuízo grave e irreparável em termos de funcionamento da ordem jurídica da União.

87      A este respeito, resulta das disposições nacionais controvertidas que a Secção Disciplinar constitui, no que respeita aos juízes dos tribunais de direito comum, o órgão jurisdicional disciplinar de segunda instância e, em certos casos, de primeira instância, e, no que respeita aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), o órgão jurisdicional disciplinar de primeira e segunda instâncias.

88      A garantia de independência da Secção Disciplinar enquanto órgão jurisdicional competente para decidir nos processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum é, em conformidade com a jurisprudência evocada no n.o 34 do presente despacho, essencial para preservar a independência tanto do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) como desses tribunais.

89      Daqui resulta que o facto de a independência da Secção Disciplinar poder não ser garantida até à prolação do acórdão definitivo terá por efeito comprometer, igualmente durante esse mesmo período, a independência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum.

90      Com efeito, a simples perspetiva, para os juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum, de incorrer no risco de um procedimento disciplinar que possa ser instaurado numa instância cuja independência não está garantida é suscetível de afetar a sua própria independência. É irrelevante, a este respeito, o número de processos efetivamente instaurados, até à data, contra esses juízes e o desfecho desses processos.

91      Ora, em conformidade com a jurisprudência evocada no n.o 33 do presente despacho, a preservação da independência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum é primordial para que a proteção jurisdicional dos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares seja garantida.

92      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de não poder ser garantida a independência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) é suscetível de causar um prejuízo grave, por natureza irreparável, à ordem jurídica da União e, portanto, aos direitos que decorrem para os particulares do direito da União, bem como aos valores, referidos no artigo 2.o TUE, nos quais a União se funda, nomeadamente o do Estado de direito (v., neste sentido, Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.os 68, 70 e 71).

93      Resulta do exposto que a aplicação das disposições nacionais controvertidas, na medida em que atribuem competência para decidir nos processos disciplinares relativos aos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e dos tribunais de direito comum a uma instância, neste caso a Secção Disciplinar, cuja independência pode não ser garantida, é suscetível de causar um prejuízo grave e irreparável à ordem jurídica da União.

94      O argumento da República da Polónia segundo o qual o requisito relativo à urgência não está preenchido no caso vertente pelo facto de a Comissão ter demorado a levar a cabo as diligências destinadas a pôr termo ao alegado incumprimento não pode ser acolhido.

95      Com efeito, basta recordar que a ação por incumprimento na qual é enxertado o presente pedido de medidas provisórias faz parte de uma série de medidas adotadas pela Comissão relativamente a todas as reformas legislativas relativas ao sistema judicial introduzidas pela República da Polónia desde 2015, incluindo essas medidas a adoção, em 20 de dezembro de 2017, de uma proposta fundamentada em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, [TUE] relativa ao Estado de direito na Polónia [COM (2017) 835 final], na qual essa instituição expôs, designadamente, os problemas suscitados pelas disposições nacionais referidas na ação por incumprimento à luz do princípio da independência dos juízes.

96      Também não pode ser acolhida a alegação da República da Polónia no sentido de excluir a existência da urgência pelo facto de a Comissão ter apresentado o pedido de medidas provisórias três meses após a propositura da ação por incumprimento.

97      Com efeito, importa, antes de mais, salientar que, à data da instauração da referida ação por incumprimento, o Governo polaco e a Comissão tinham sido informados da data da prolação do Acórdão A. K.

98      Ora, na medida em que esse acórdão suscitava a questão da independência da Secção Disciplinar, era razoável que a Comissão, antes de apresentar um pedido de medidas provisórias, esperasse pela resposta do Tribunal de Justiça a essa questão e, sendo caso disso, avaliasse os efeitos do referido acórdão na Polónia.

99      Em seguida, importa salientar que, ao mesmo tempo que propôs a ação por incumprimento, a Comissão pediu a aplicação, no tratamento do processo, da tramitação acelerada nos termos do artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, com o fundamento de que, designadamente, os incumprimentos alegados na referida ação têm caráter sistémico e que a apreciação célere do processo serve a segurança jurídica no interesse tanto da União como do Estado‑Membro em causa.

100    Contrariamente ao que a República da Polónia afirma, o facto de esse pedido ter sido indeferido pelo Tribunal de Justiça não demonstra a falta de urgência.

101    Com efeito, não há nenhuma correlação entre a questão de saber se o processo deve ser decidido quanto ao mérito segundo a tramitação acelerada e a questão de saber se as medidas provisórias pedidas no âmbito desse processo são urgentes para evitar que seja causado um prejuízo grave à parte que as solicita [Despacho do vice‑presidente do Tribunal de Justiça de 22 de março de 2018, Wall Street Systems UK/BCE, C‑576/17 P(R) e C‑576/17 P(R)‑R, não publicado, EU:C:2018:208, n.o 51].

102    Neste contexto, a tramitação acelerada pode não ser aplicada quando o caráter sensível e complexo dos problemas jurídicos colocados por um processo dificilmente se presta à aplicação dessa tramitação, nomeadamente quando não se afigura adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça (v., por analogia, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2017, Weiss e o., C‑493/17, não publicado, EU:C:2017:792, n.o 13). Ora, há que salientar que é o que sucede no caso em apreço.

103    Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que o requisito relativo à urgência está preenchido no presente caso.

 Quanto à ponderação dos interesses

104    Afigura‑se que, na maioria dos processos de medidas provisórias, tanto a concessão como a recusa em conceder a suspensão de execução pedida são suscetíveis de produzir, numa certa medida, determinados efeitos definitivos e cabe ao juiz das medidas provisórias, ao qual tenha sido submetido um pedido de suspensão, ponderar os riscos ligados a cada uma das soluções possíveis. Concretamente, isto implica nomeadamente examinar se o interesse da parte que solicita as medidas provisórias em obter a suspensão da execução de disposições nacionais prevalece sobre o interesse que apresenta a aplicação imediata destas. Ao proceder a esse exame, há que determinar se a eventual revogação dessas disposições, depois de o Tribunal de Justiça ter julgado a ação procedente, permitiria a inversão da situação que seria provocada pela sua execução imediata e, inversamente, em que medida a suspensão seria suscetível de obstar aos objetivos prosseguidos pelas referidas disposições, no caso de a ação vir a ser julgada improcedente (Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia, C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.o 91 e jurisprudência referida).

105    No caso vertente, a Comissão sustenta que, se o Tribunal de Justiça viesse a julgar procedente a ação por incumprimento após ter recusado ordenar as medidas provisórias solicitadas, o bom funcionamento da ordem jurídica da União seria afetado de uma forma sistémica e um prejuízo irreparável seria causado aos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares. Em contrapartida, se o Tribunal de Justiça viesse a julgar improcedente a ação por incumprimento após ter ordenado as medidas provisórias, a única consequência seria a suspensão temporária do funcionamento da Secção Disciplinar.

106    A República da Polónia alega que a aplicação das medidas provisórias solicitadas obrigaria os poderes legislativo e executivo polacos a adotar medidas cujo efeito prático seria a dissolução de um órgão do poder judicial que exerce, em conformidade com o direito, as suas missões estruturais ligadas à administração da justiça. A aplicação de tais medidas provisórias viola, assim, os princípios estruturais fundamentais do Estado polaco, enfraquecendo aos olhos dos particulares a aparente independência do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

107    A aplicação das medidas provisórias solicitadas tem igualmente por efeito pôr termo a uma entidade cujo orçamento é executado pelo seu presidente, em separado do orçamento das outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Do mesmo modo, desapareceria o local de trabalho dos empregados responsáveis pelo serviço administrativo e financeiro da referida entidade.

108    Por último, a aplicação dessas medidas violaria o direito dos particulares cujos processos estão pendentes a que estes sejam apreciados pelo órgão jurisdicional anteriormente criado ao abrigo da lei.

109    A este respeito, importa, antes de mais, salientar que, como foi recordado no n.o 29 do presente despacho, embora a organização judiciária dos Estados‑Membros seja da competência destes últimos, a verdade é que, no exercício desta competência, os Estados‑Membros estão obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e, em especial, do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

110    Em seguida, como foi salientado nos n.os 44 e 47 do presente despacho, a adoção das medidas provisórias solicitadas não implica a dissolução da Secção Disciplinar, nem, portanto, a extinção dos seus serviços administrativos e financeiros, mas a suspensão provisória da sua atividade até à prolação do acórdão definitivo.

111    Por outro lado, na medida em que a adoção das referidas medidas implica a suspensão da tramitação dos processos pendentes na Secção Disciplinar até à prolação do acórdão definitivo, o prejuízo resultante da suspensão desses processos para os particulares em causa seria menor do que o prejuízo resultante da apreciação dos mesmos por uma instância, a saber, a Secção Disciplinar, cuja falta de independência e de imparcialidade não pode, à primeira vista, ser excluída.

112    Por último, as dificuldades de natureza orçamental invocadas pela República da Polónia ligadas à adoção das medidas provisórias solicitadas não podem prevalecer sobre o risco de violação do interesse geral da União em termos de bom funcionamento da sua ordem jurídica.

113    Nestas circunstâncias, há que concluir que a ponderação dos interesses em presença pende a favor da adoção das medidas provisórias pedidas pela Comissão.

114    Tendo em conta tudo o que precede, há que deferir o pedido de medidas provisórias da Comissão, referido no n.o 1 do presente despacho.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      A República da Polónia deve, imediatamente e até à prolação do acórdão que porá termo à instância no processo C791/19,

–        suspender a aplicação das disposições do artigo 3.o, ponto 5, do artigo 27.o e do artigo 73.o, § 1, da Ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei sobre o Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 5), conforme alterada, que constitui o fundamento da competência da Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) para decidir, tanto em primeira instância como em instância de recurso, nos processos disciplinares relativos a juízes;

–        absterse de remeter os processos pendentes na Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) a uma formação de julgamento que não satisfaça as exigências de independência definidas, designadamente, no Acórdão de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C585/18, C624/18 e C625/18, EU:C:2019:982), e

–        comunicar à Comissão Europeia, o mais tardar, até um mês após a notificação do despacho do Tribunal de Justiça que ordena as medidas provisórias solicitadas, todas as medidas que tiver adotado para dar pleno cumprimento a esse despacho.

2)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.


Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.