Language of document : ECLI:EU:C:2020:262

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de abril de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Processo prejudicial com tramitação urgente — Acordo EEE — Não discriminação — Artigo 36.o — Livre prestação de serviços — Âmbito de aplicação — Acordo entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à associação destes Estados à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen — Acordo sobre os Processos de Entrega entre os Estados‑Membros da União Europeia, por um lado, e a Islândia e a Noruega, por outro — Extradição para um Estado terceiro de um nacional islandês — Proteção dos nacionais de um Estado‑Membro contra a extradição — Falta de proteção equivalente dos nacionais de outro Estado — Nacional islandês que obteve o asilo ao abrigo do direito nacional antes da aquisição da cidadania islandesa — Restrição à livre circulação — Justificação baseada na prevenção da impunidade — Proporcionalidade — Verificação das garantias previstas no artigo 19.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»

No processo C‑897/19 PPU,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vrhovni sud (Supremo Tribunal, Croácia), por Decisão de 28 de novembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 5 de dezembro de 2019, no processo penal contra

I.N.,

sendo interveniente:

Ruska Federacija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, M. Vilaras (relator), M. Safjan, S. Rodin e I. Jarukaitis, presidentes de secção, L. Bay Larsen, T. von Danwitz, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 31 de janeiro de 2020,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de I.N., por Ð. Perković e S. Večerina, odvjetnici,

–        em representação da Ruska Federacija, por S. Ljubičić, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo croata, por G. Vidović Mesarek, na qualidade de agente,

–        em representação da Irlanda, por G. Hodge, na qualidade de agente, assistida por M. Gray, QC,

–        em representação do Governo grego, por S. Charitaki e A. Magrippi, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo islandês, por J. B. Bjarnadóttir e H. S. Ingimundardóttir, na qualidade de agentes, assistidas por T. Fuchs, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo norueguês, por P. Wennerås e K. Isaksen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Grünheid, M. Wilderspin e M. Mataija, na qualidade de agentes,

–        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por C. Zatschler, C. Howdle e I. Ó. Vilhjálmsdóttir, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de fevereiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o TFUE e do Acordo entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega sobre os Processos de Entrega entre os Estados‑Membros da União Europeia e a Islândia e a Noruega (JO 2006, L 292, p. 2), aprovado, em nome da União, pelo artigo 1.o da Decisão 2014/835/UE do Conselho, de 27 de novembro de 2014, relativa à celebração do Acordo entre a União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega sobre os Processos de Entrega entre os Estados‑Membros da União Europeia e a Islândia e a Noruega (JO 2014, L 343, p. 1), que entrou em vigor em 1 de novembro de 2019 (a seguir «Acordo sobre os Processos de Entrega»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um pedido de extradição dirigido pelas autoridades russas às autoridades croatas, relativamente a I.N., nacional russo e islandês, relacionado com várias infrações de corrupção passiva.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Acordo EEE

3        No segundo considerando do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3; a seguir «Acordo EEE»), as partes nesse acordo reafirmaram «a elevada prioridade que atribuem às relações privilegiadas entre [a União Europeia], os seus Estados‑Membros e os Estados da [Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA)], baseadas na proximidade, em valores comuns duradouros e na identidade europeia».

4        Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, o Acordo EEE tem por objetivo promover um reforço permanente e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as partes contratantes, em iguais condições de concorrência e no respeito por normas idênticas, com vista a criar um Espaço Económico Europeu (EEE) homogéneo.

5        O artigo 3.o do Acordo EEE prevê:

«As Partes Contratantes tomarão todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento das obrigações resultantes do presente Acordo.

As Partes Contratantes abster‑se‑ão de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos do presente Acordo.

Além disso, as Partes Contratantes facilitarão a cooperação ao abrigo do presente Acordo.»

6        O artigo 4.o do Acordo EEE dispõe:

«No âmbito de aplicação do presente Acordo, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.»

7        Nos termos do artigo 6.o do Acordo EEE:

«Sem prejuízo da jurisprudência futura, as disposições do presente Acordo, na medida em que sejam idênticas, quanto ao conteúdo, às normas correspondentes do Tratado [FUE] e do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e aos atos adotados em aplicação destes dois Tratados, serão, no que respeita à sua execução e aplicação, interpretadas em conformidade com a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias anterior à data de assinatura do presente Acordo.»

8        O artigo 36.o do Acordo EEE dispõe:

«1.      No âmbito das disposições do presente Acordo, são proibidas quaisquer restrições à livre prestação de serviços no território das Partes Contratantes em relação aos nacionais dos Estados‑Membros [da União] e dos Estados da EFTA estabelecidos num Estado‑Membro [da União] ou num Estado da EFTA que não seja o do destinatário da prestação.

[…]»

 Acordo de 18 de maio de 1999

9        O artigo 2.o do Acordo celebrado pelo Conselho da União Europeia e a República da Islândia e o Reino da Noruega relativo à associação destes Estados à execução, à aplicação e ao desenvolvimento do acervo de Schengen, de 18 de maio de 1999 (JO 1999, L 176, p. 36; a seguir «Acordo de 18 de maio de 1999»), estipula:

«1.      As disposições do acervo de Schengen enumeradas no anexo A ao presente Acordo serão executadas e aplicadas pela [República da Islândia e pelo Reino da Noruega], na medida em que sejam aplicáveis aos Estados‑Membros da União Europeia […] que participam na cooperação reforçada autorizada pelo Protocolo de Schengen.

2.      As disposições dos atos da Comunidade Europeia enumerados no anexo B do presente Acordo serão executadas e aplicadas [pela República da Islândia e pelo Reino da Noruega], na medida em que tenham substituído disposições correspondentes da Convenção assinada em Schengen em 19 de junho de 1990 respeitante à aplicação do Acordo relativo à suspensão gradual dos controlos nas fronteiras comuns ou tenham sido adotadas ao abrigo da mesma Convenção.

3.      Os atos e medidas adotados pela União Europeia que alterem ou se baseiem nas disposições referidas nos anexos A e B e a que se apliquem os procedimentos previstos no presente Acordo serão igualmente aceites, executados e aplicados pela [República da Islândia e pelo Reino da Noruega], sem prejuízo do artigo 8.o»

10      O artigo 7.o do Acordo de 18 de maio de 1999 dispõe:

«As Partes Contratantes acordam em que deve ser estabelecido um sistema adequado que contemple os critérios e mecanismos de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado em qualquer um dos Estados‑Membros, na Islândia ou na Noruega. […]»

 Acordo sobre os Processos de Entrega

11      O preâmbulo do Acordo sobre os Processos de Entrega dispõe:

«A União Europeia,

por um lado, e

a República da Islândia

e

o Reino da Noruega,

por outro,

a seguir designados “as partes contratantes”,

Desejando melhorar a cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros da União Europeia e a Islândia e a Noruega, sem prejuízo das regras que protegem as liberdades individuais,

Considerando que as atuais relações entre as partes contratantes requerem uma estreita cooperação na luta contra a criminalidade,

Expressando a sua confiança mútua na estrutura e no funcionamento dos respetivos sistemas jurídicos e na capacidade de todas as partes contratantes garantirem a equidade dos processos judiciais,

[…]»

12      O artigo 1.o do referido acordo enuncia:

«1.      As partes contratantes comprometem‑se a, nos termos do disposto no presente acordo, melhorar o processo de entrega para fins de ação penal ou execução de sentença entre os Estados‑Membros, por um lado, e o Reino da Noruega e a República da Islândia, por outro, utilizando, como normas mínimas, os termos da Convenção de 27 de setembro de 1996 relativa à Extradição entre os Estados‑Membros da União Europeia.

2.      As partes contratantes comprometem‑se a, nos termos do disposto no presente acordo, assegurar que o regime de extradição entre os Estados‑Membros, por um lado, e o Reino da Noruega e a República da Islândia, por outro, se baseie num mecanismo de entrega por força de um mandado de detenção nos termos do presente acordo.

3.      O presente acordo não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados na Convenção [para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950] ou, em caso de execução pela autoridade judiciária de um Estado‑Membro, dos princípios a que se refere o artigo 6.o do Tratado [UE].

4.      Nenhuma disposição do presente acordo deve ser interpretada como proibição da recusa de entrega de uma pessoa para a qual tenha sido emitido um mandado de detenção definido no presente acordo, caso existam elementos objetivos que levem a crer que o mandado de detenção foi emitido para punir ou mover uma ação contra uma pessoa em razão do seu sexo, raça, religião, origem étnica, nacionalidade, língua, opiniões políticas ou orientação sexual, ou que a posição dessa pessoa possa ser lesada por qualquer desses motivos.»

 Direito croata

13      O artigo 9.o da Constituição da República da Croácia  (Narodne novine, br. 56/1990, 135/1997, 113/2000, 28/2001, 76/2010 e 5/2014) tem a seguinte redação:

«[…]

Um nacional da República da Croácia não pode ser expulso da República da Croácia nem privado da sua nacionalidade, nem extraditado para outro Estado, exceto no âmbito da execução de uma decisão de extradição ou de entrega, adotada em conformidade com os tratados internacionais ou com o acervo comunitário.»

14      O artigo 1.o da zakon o međunarodnoj pravnoj pomoći u kaznenim stvarima (Lei sobre a Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, Narodne novine, br. 178/2004; a seguir «ZOMPO»), prevê:

«(1)      A presente lei regulamenta a assistência jurídica internacional em matéria penal (a seguir “Assistência Jurídica Internacional”), salvo se um tratado internacional dispuser em sentido diferente.

[…]»

15      Nos termos do artigo 12.o da ZOMPO:

«(1)      A autoridade nacional competente pode indeferir o pedido de Assistência Jurídica Internacional se:

1.      O pedido disser respeito a um ato considerado uma infração política ou um ato ligado a essa infração,

2.      O pedido disser respeito a uma infração fiscal,

3.      A aceitação do pedido for suscetível de atentar contra a soberania, a segurança, a ordem jurídica ou outros interesses essenciais da República da Croácia,

4.      Se puder razoavelmente presumir que, em caso de extradição, a pessoa visada pelo pedido de extradição seria objeto de procedimento penal ou punida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opinião política, ou que a sua situação seria dificultada por algum destes motivos,

5.      Se tratar de uma infração menor.

[…]»

16      O artigo 55.o da ZOMPO dispõe:

«(1)      Quando o órgão jurisdicional competente considerar que não estão preenchidos os requisitos legais para a extradição, profere um despacho de indeferimento do pedido de extradição e transmite‑o sem demora ao Vrhovni sud [(Supremo Tribunal)] da República da Croácia, que, ouvido o procurador‑geral competente, confirma, revoga ou altera o despacho.

(2)      A decisão definitiva de indeferimento do pedido de extradição é transmitida ao Ministério da Justiça, que a notificará ao Estado requerente.»

17      Nos termos do artigo 56.o da ZOMPO:

«(1)      A secção do órgão jurisdicional competente chamada a pronunciar‑se, quando considerar que estão preenchidas as condições legais de extradição, decide por despacho.

(2)      Esse despacho é suscetível de recurso no prazo de 3 dias. O Vrhovni sud [(Supremo Tribunal)] da República da Croácia decide sobre o recurso.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 20 de maio de 2015, o gabinete da Interpol em Moscovo (Rússia) emitiu um mandado de busca internacional contra I.N., que, na altura, era apenas nacional russo, para efeitos da sua detenção, devido a ações penais contra ele intentadas por corrupção passiva.

19      Em 30 de junho de 2019, I.N. apresentou‑se, como passageiro de um autocarro na posse de um documento de viagem islandês para refugiados, num ponto de passagem de fronteira entre a Eslovénia e a Croácia, quando tentava entrar no território deste último Estado. Foi detido com base no mandado de busca internacional referido no número anterior. A sua detenção desencadeou um processo de decisão, instaurado com base na ZOMPO, relativo à sua eventual extradição para a Rússia.

20      Em 1 de julho de 2019, I.N. foi interrogado pelo juiz de instrução do Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb, Croácia). Declarou que se opunha à sua extradição para a Rússia e, além disso, indicou ser simultaneamente cidadão russo e cidadão islandês. Uma nota da embaixada islandesa transmitida ao Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb) por intermédio do Ministro dos Negócios Estrangeiros e Europeus da República da Croácia confirmou que I.N. é, desde 19 de junho de 2019, cidadão islandês e dispõe do estatuto de residente permanente na Islândia. Esta nota mencionava também que o Governo islandês desejava que se assegurasse a I.N. um salvo‑conduto para a Islândia o mais rapidamente possível.

21      Em 6 de agosto de 2019, o Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb) recebeu um pedido do Ministério Público Geral da Federação da Rússia, solicitando a extradição de I.N. para esse Estado terceiro, em conformidade com as disposições da Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris, a 13 de dezembro de 1957 (a seguir «Convenção Europeia de Extradição»), devido às ações penais contra ele instauradas, relativas a várias infrações de corrupção passiva. Foi indicado, nesse pedido, que o Ministério Público Geral da Federação Russa garantia que o pedido de extradição não tinha por objetivo proceder criminalmente contra I.N. por motivos políticos, de raça, religião, nacionalidade ou opinião, que seriam postas à sua disposição todas as possibilidades de exercer a sua defesa, incluindo a assistência de um advogado, e que não seria submetido a tortura, tratamentos cruéis ou desumanos, ou ainda a penas que violem a dignidade humana.

22      Por Despacho de 5 de setembro de 2019, o Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb) decidiu que estavam preenchidas as condições legais, previstas na ZOMPO, para a extradição de I.N., para efeitos das referidas ações penais.

23      Em 30 de setembro de 2019, I.N. interpôs recurso desse despacho no órgão jurisdicional de reenvio. Alegou que existe um risco concreto, sério e razoavelmente previsível de que, em caso de extradição para a Federação da Rússia, seja submetido a tortura e a tratamentos desumanos ou degradantes. Sublinhou, além disso, que lhe tinha sido concedido o estatuto de refugiado na Islândia, precisamente, devido a processos concretos de que era alvo na Rússia e que, através do seu Despacho de 5 de setembro de 2019, o Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb) prejudicou, de facto, a proteção internacional que lhe tinha sido concedida na Islândia. Por outro lado, afirmou possuir nacionalidade islandesa e acusou o Županijski sud u Zagrebu (Tribunal Regional de Zagreb) de ter desrespeitado o Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630).

24      O órgão jurisdicional de reenvio declara que, em conformidade com a sua jurisprudência constante, examinará se existe um risco real de que, em caso de extradição, I.N. seja submetido a tortura e a tratamentos desumanos ou degradantes. Todavia, antes de proceder, sendo caso disso, a tal exame, pretende saber se há que informar do pedido de extradição a República da Islândia, país de que I.N. é nacional, a fim de permitir a este último Estado solicitar eventualmente a entrega do seu nacional para efeitos de ação penal destinada a evitar o risco de impunidade.

25      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio, por um lado, precisa que a República da Croácia não extradita os seus próprios nacionais para a Rússia e que não celebrou com este último Estado um acordo bilateral contendo uma obrigação nesse sentido.

26      Por outro lado, após ter recordado os ensinamentos do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, embora, contrariamente à pessoa em causa nesse acórdão, I.N. não seja cidadão da União, não é menos verdade que é cidadão da República da Islândia, com a qual a União Europeia mantém laços específicos.

27      A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que, por um lado, em conformidade com o artigo 2.o do Protocolo n.o 19, relativo ao acervo de Schengen integrado no âmbito da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 290), anexado ao Tratado de Lisboa, o acervo de Schengen é aplicável aos Estados‑Membros a que se refere o artigo 1.o desse protocolo e, por outro, o Conselho, ao abrigo do artigo 6.o do referido protocolo, celebrou com a República da Islândia e com o Reino da Noruega o Acordo de 18 de maio de 1999, nos termos do qual estes dois Estados terceiros executam as disposições desse acervo. Ora, I.N. exerceu o seu direito de livre circulação nos Estados‑Membros do espaço Schengen e foi detido ao entrar no território da República da Croácia, com proveniência de outro Estado‑Membro, no caso em apreço, a República da Eslovénia.

28      Além disso, tendo o Acordo sobre os Processos de Entrega entrado em vigor em 1 de novembro de 2019, é também pertinente para o processo principal.

29      Perante todos estes elementos, o órgão jurisdicional de reenvio afirma ter dúvidas quanto à questão de saber se há que interpretar o artigo 18.o TFUE no sentido de que um Estado‑Membro como a República da Croácia, chamada a decidir sobre um pedido de extradição, para um Estado terceiro, de um nacional de um Estado que não é membro da União Europeia, mas que é membro do espaço Schengen, deve, antes de adotar qualquer decisão sobre essa extradição, informar do pedido de extradição este último Estado e se, na hipótese de o referido Estado solicitar a entrega do seu nacional para efeitos de uma ação penal relativamente à qual é pedida a extradição, deve entregar‑lhe o referido nacional, em conformidade com o Acordo sobre os Processos de Entrega.

30      Nestas condições, o Vrhovni sud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 18.o TFUE ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro da União Europeia que se pronuncia sobre a extradição para um Estado terceiro de um nacional de um Estado que não é membro da União […] mas que é membro do espaço Schengen, é obrigado a informar do pedido de extradição o Estado‑Membro do espaço Schengen do qual essa pessoa é nacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior e se o Estado‑Membro do espaço Schengen tiver solicitado a entrega dessa pessoa para efeitos de condução de um processo para o qual a extradição é pedida, deve essa pessoa ser‑lhe entregue em conformidade com o [Acordo sobre os Processos de Entrega]?»

 Quanto à tramitação urgente

31      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que fosse aplicada a tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

32      Em apoio desse pedido, invocou, nomeadamente, o facto de I.N. ter sido colocado em detenção com vista à extradição, de modo que está atualmente privado de liberdade.

33      Importa salientar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto, nomeadamente, a interpretação do Acordo sobre os Processos de Entrega. A decisão pela qual foi aprovado este acordo em nome da União Europeia foi adotada com base no artigo 82.o, n.o 1, alínea d), TFUE, em conjugação com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), TFUE. Este acordo é, portanto, abrangido pelos domínios visados no título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. O presente reenvio prejudicial é, por conseguinte, suscetível de ser sujeito à tramitação prejudicial urgente.

34      Em segundo lugar, importa, de acordo com jurisprudência do Tribunal de Justiça, tomar em consideração a circunstância de a pessoa em causa no processo principal estar atualmente privada de liberdade e de a sua manutenção em detenção depender da decisão do litígio no processo principal [v., neste sentido, Acórdão de 27 de maio de 2019, OG e PI (Procuradorias de Lübeck e de Zwickau), C‑508/18 e C‑82/19 PPU, EU:C:2019:456, n.o 38 e jurisprudência referida]. Com efeito, a colocação em detenção com vista à extradição de I.N. foi ordenada, segundo as explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito do processo de extradição iniciado contra ele.

35      Nestas condições, em 16 de dezembro de 2019, a Quarta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

36      Por outro lado, foi decidido remeter o presente processo ao Tribunal de Justiça, com vista à sua atribuição à Grande Secção.

 Quanto às questões prejudiciais

37      A título liminar, importa recordar que, no n.o 50 do seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), o Tribunal de Justiça considerou que os artigos 18.o e 21.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um cidadão da União, nacional de outro Estado‑Membro, recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve informar o Estado‑Membro da nacionalidade do cidadão e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado‑Membro, entregar‑lhe esse cidadão, em conformidade com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584)», desde que esse Estado‑Membro seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional.

38      O Tribunal de Justiça precisou, a este respeito, no n.o 54 do Acórdão de 10 de abril de 2018, Pisciotti (C‑191/16, EU:C:2018:222), que, a fim de preservar o objetivo de evitar o risco de impunidade da pessoa em causa pelos factos que lhe são imputados no pedido de extradição, é necessário que o mandado de detenção europeu eventualmente emitido por um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro requerido tenha por objeto, pelo menos, esses mesmos factos.

39      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se se, no litígio que lhe foi submetido, há que seguir a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), no que respeita não apenas aos cidadãos da União mas também aos nacionais islandeses.

40      A este respeito, há que recordar que, ao proibir «toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade», o artigo 18.o TFUE impõe a igualdade de tratamento das pessoas que se encontrem numa situação abrangida pelo âmbito de aplicação dos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 29 e jurisprudência referida). Ora, como o Tribunal de Justiça já precisou, esta disposição não se destina a ser aplicada no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos Estados terceiros [v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2009, Vatsouras e Koupatantze, C‑22/08 e C‑23/08, EU:C:2009:344, n.o 52, e Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 169].

41      Quanto ao artigo 21.o TFUE, importa recordar que este artigo prevê, no seu n.o 1, o direito de todo o cidadão da União de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, e se aplica, como resulta do artigo 20.o, n.o 1, TFUE, a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro, pelo que também não se aplica a um nacional de um Estado terceiro.

42      Por outro lado, a Decisão‑Quadro 2002/584, que também contribuiu para o raciocínio do Tribunal de Justiça recordado no n.o 37 do presente acórdão, aplica‑se apenas aos Estados‑Membros, e não aos Estados terceiros.

43      Importa recordar, contudo, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi apresentado. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Com efeito, o Tribunal tem por missão interpretar todas as disposições do direito da União de que os órgãos jurisdicionais nacionais necessitem para decidir os litígios que lhes são submetidos, ainda que essas disposições não sejam expressamente referidas nas questões que lhe são apresentadas por esses órgãos jurisdicionais (Acórdão de 8 de maio de 2019, PI, C‑230/18, EU:C:2019:383, n.o 42 e jurisprudência referida).

44      No caso em apreço, a República da Islândia mantém relações privilegiadas com a União, que ultrapassam o quadro de uma cooperação económica e comercial. Com efeito, executa e aplica o acervo de Schengen, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, mas é também parte no Acordo EEE, participa no sistema europeu comum de asilo e celebrou com a União o Acordo sobre os Processos de Entrega. Assim, para fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que tomar em consideração, além das normas do direito da União por ela mencionadas, o Acordo EEE, no qual tanto a União como a República da Islândia são nomeadamente partes.

45      Há, assim, que considerar que, com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, nomeadamente o Acordo EEE, lido à luz do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 50), deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um nacional de um Estado da EFTA, parte no Acordo EEE e com o qual a União celebrou um acordo de entrega, recebe um pedido de extradição para um Estado terceiro ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, deve informar deste pedido o referido Estado da EFTA e, sendo caso disso, a seu pedido, entregar‑lhe esse nacional, em conformidade com as disposições do acordo de entrega, desde que esse Estado seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra o referido nacional por atos praticados fora do seu território nacional.

46      Por outro lado, resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, foi concedido asilo a I.N., antes da sua aquisição da nacionalidade islandesa, nos termos do direito islandês, precisamente devido às ações penais contra ele intentadas na Rússia e relativamente às quais a sua extradição foi pedida pela Federação da Rússia às autoridades croatas. Tal circunstância não se verificava no processo que deu origem ao Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630).

47      Neste contexto e sob reserva da análise relativa à aplicabilidade do direito da União no litígio no processo principal, há que considerar que uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio implica também que seja precisado o alcance da proteção oferecida pelo artigo 19.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), nos termos do qual ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.

 Quanto à aplicabilidade do direito da União no litígio no processo principal

48      Importa recordar que, na falta de convenção internacional, a este respeito, entre a União e o Estado terceiro em causa, no caso em apreço a Federação da Rússia, as regras em matéria de extradição são da competência dos Estados‑Membros. Todavia, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, esses mesmos Estados‑Membros são obrigados a exercer essa competência no respeito pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2018, Raugevicius, C‑247/17, EU:C:2018:898, n.o 45).

49      Uma vez que um acordo internacional celebrado pela União faz parte integrante do seu direito [v., nomeadamente, Acórdão de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, EU:C:1974:41, n.os 5 e 6, e Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 117], situações abrangidas pelo âmbito de aplicação desse acordo, por exemplo o Acordo EEE, constituem, em princípio, situações reguladas pelo direito da União [v., neste sentido, Parecer 1/17 (Acordo ECG UE‑Canadá), de 30 de abril de 2019, EU:C:2019:341, n.o 171].

50      A este respeito, como resulta do seu segundo considerando, o Acordo EEE reafirma as relações privilegiadas entre a União, os seus Estados‑Membros e os Estados da EFTA, baseadas na proximidade, em valores comuns duradouros e na identidade europeia. É à luz destas relações privilegiadas que há que entender um dos principais objetivos do Acordo EEE, a saber, a realização mais ampla possível da livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais em todo o EEE, de modo a que o mercado interno realizado no território da União seja alargado aos Estados da EFTA. Nesta perspetiva, várias disposições do referido acordo visam assegurar uma interpretação tão uniforme quanto possível do mesmo em todo o EEE. Compete ao Tribunal de Justiça, neste domínio, assegurar que as normas do Acordo EEE de conteúdo idêntico às do Tratado FUE sejam interpretadas de maneira uniforme nos Estados‑Membros (Acórdãos de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg, C‑452/01, EU:C:2003:493, n.o 29; de 28 de outubro de 2010, Établissements Rimbaud, C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 20; e de 19 de julho de 2012, A, C‑48/11, EU:C:2012:485, n.o 15).

51      No caso em apreço, I.N. afirmou, nas suas observações escritas, que tinha entrado no território da República da Croácia para aí passar as suas férias de verão, o que foi confirmado pelo Governo islandês na audiência.

52      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que a liberdade de prestação de serviços, na aceção do artigo 56.o TFUE, inclui a liberdade de os destinatários desses serviços se deslocarem a outro Estado‑Membro para aí beneficiarem de um serviço, sem serem afetados por restrições, e que os turistas devem ser considerados destinatários de serviços que beneficiam dessa liberdade (Acórdão de 2 de fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, EU:C:1989:47, n.o 15 e jurisprudência referida).

53      A mesma interpretação impõe‑se relativamente à liberdade de prestação de serviços, garantida no artigo 36.o do Acordo EEE (v., por analogia, Acórdãos de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg, C‑452/01, EU:C:2003:493, n.o 29, e de 28 de outubro de 2010, Établissements Rimbaud, C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 20).

54      Resulta do exposto que a situação de um nacional islandês, como I.N., que se apresentou nas fronteiras de um Estado‑Membro a fim de entrar no seu território e aí beneficiar de serviços, está abrangida pelo âmbito de aplicação do Acordo EEE e, por conseguinte, do direito da União (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida). No litígio no processo principal, a República da Croácia tem, assim, de exercer a sua competência em matéria de extradição com destino a Estados terceiros, de um modo conforme com o Acordo EEE, em particular com o artigo 36.o deste, que garante a livre prestação de serviços.

 Quanto à restrição da livre prestação de serviços e à sua eventual justificação

55      Ao proibir «qualquer discriminação em razão da nacionalidade», o artigo 4.o do Acordo EEE exige a igualdade de tratamento das pessoas que se encontrem numa situação regulada por esse acordo. O princípio da não discriminação consagrado nesta disposição produz efeitos «no âmbito de aplicação» do referido acordo e «sem prejuízo das suas disposições especiais». Com esta última expressão, o artigo 4.o do Acordo EEE remete, designadamente, para outras disposições do mesmo acordo, em que o princípio geral por ele enunciado é concretizado em situações específicas. É o que acontece, nomeadamente, com as disposições relativas à livre prestação de serviços (v., por analogia, Acórdão de 2 de fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, EU:C:1989:47, n.os 10 e 14).

56      Ora, regras nacionais de extradição como as que estão em causa no processo principal introduzem uma diferença de tratamento consoante a pessoa em questão seja um nacional desse Estado ou um nacional de um Estado da EFTA, parte no Acordo EEE, na medida em que levam a não conceder aos nacionais desses últimos Estados, como, no caso em apreço, I.N., nacional islandês, a proteção contra a extradição de que gozam os nacionais desse Estado (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 32).

57      Ao fazê‑lo, tais regras são suscetíveis de afetar, em particular, a liberdade prevista no artigo 36.o do Acordo EEE. Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a desigualdade de tratamento que consiste em permitir a extradição de um nacional de um Estado da EFTA, parte no Acordo EEE, como I.N., se traduz numa restrição a essa liberdade (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 32 e 33).

58      Importa acrescentar que não só a circunstância de a pessoa em causa ter a qualidade de nacional de um Estado da EFTA, parte no Acordo EEE, mas ainda o facto de esse Estado executar e aplicar o acervo de Schengen tornam a situação dessa pessoa objetivamente comparável à de um cidadão da União, ao qual, segundo o artigo 3.o, n.o 2, TUE, a União proporciona um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas no interior do qual é assegurada a livre circulação das pessoas.

59      Uma restrição como a referida no n.o 57 do presente acórdão só pode ser justificada se se basear em considerações objetivas e se for proporcionada ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 34 e jurisprudência referida).

60      Como o Tribunal de Justiça já declarou, o objetivo de evitar o risco de impunidade das pessoas que cometeram uma infração, avançado como justificação no pedido de decisão prejudicial, deve ser considerado legítimo. No entanto, medidas restritivas da liberdade prevista no artigo 36.o do Acordo EEE só podem ser justificadas por considerações objetivas se forem adequadas à proteção dos interesses que visam garantir e apenas se esses objetivos não puderem ser alcançados através de medidas menos restritivas (v., por analogia, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 37 e 38 e jurisprudência referida).

61      No seu Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 39), o Tribunal de Justiça recordou que a extradição é um processo que visa lutar contra a impunidade de uma pessoa que se encontra num território diferente daquele em que pretensamente cometeu uma infração, permitindo, assim, evitar que infrações cometidas no território de um Estado por pessoas que fugiram desse Estado fiquem impunes. Com efeito, embora a não extradição dos nacionais seja geralmente compensada pela possibilidade de o Estado‑Membro requerido proceder criminalmente contra os seus próprios nacionais por infrações graves cometidas fora do seu território, esse Estado‑Membro é, em regra, incompetente para julgar esses factos, quando nem o autor nem a vítima da alegada infração têm a nacionalidade desse Estado‑Membro.

62      O Tribunal de Justiça concluiu, no n.o 40 do Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630), que regras nacionais como as que estão em causa no processo que deu origem a esse acórdão, que permitem responder favoravelmente a um pedido de extradição para efeitos de procedimento penal e de julgamento no Estado terceiro em que a infração foi supostamente cometida, afiguram‑se, em princípio, adequadas a alcançar o objetivo pretendido de luta contra a impunidade.

63      Todavia, na medida em que, como foi constatado no n.o 54 do presente acórdão, a situação de um nacional islandês que se apresentou nas fronteiras de um Estado‑Membro a fim de entrar no seu território e de aí beneficiar de serviços está abrangida pelo direito a União, as disposições do artigo 19.o, n.o 2, da Carta são aplicáveis a um pedido nesse sentido de um Estado terceiro (Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 52 e 53).

64      Assim, quando, em tal situação, o nacional islandês em causa invoca um risco sério de tratamento desumano ou degradante em caso de extradição, o Estado‑Membro requerido deve verificar, antes de proceder a uma eventual extradição, se esta não lesará os direitos previstos no artigo 19.o, n.o 2, da Carta (Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 60).

65      Para isso, em conformidade com o artigo 4.o da Carta, que proíbe as penas ou os tratos desumanos ou degradantes, este Estado‑Membro não se pode limitar a ter em consideração unicamente as declarações do Estado terceiro requerente ou a aceitação, por este último Estado, de tratados internacionais que garantem, em princípio, o respeito pelos direitos fundamentais. A autoridade competente do Estado‑Membro requerido, como o órgão jurisdicional de reenvio, deve, para efeitos dessa verificação, basear‑se em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados, elementos esses que podem resultar, designadamente, de decisões judiciais internacionais, como acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de decisões judiciais do Estado terceiro requerente, bem como de decisões, relatórios e outros documentos elaborados pelos órgãos do Conselho da Europa ou pertencentes ao sistema das Nações Unidas (Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 55 a 59 e jurisprudência referida).

66      Em particular, a circunstância de à pessoa em causa ter sido concedido asilo pela República da Islândia porque corria o risco de sofrer tratamentos desumanos ou degradantes no seu país de origem constitui um elemento particularmente sério que a autoridade competente do Estado‑Membro requerido deve ter em conta para efeitos da verificação referida no n.o 64 do presente acórdão.

67      Tal elemento é ainda mais importante, para efeitos dessa verificação, quando a concessão de asilo se baseou, precisamente, nas ações penais de que a pessoa em causa é objeto no seu país de origem, que conduziram à emissão, por este último, de um pedido de extradição contra essa pessoa.

68      Na falta de circunstâncias específicas, entre as quais, nomeadamente, uma evolução importante da situação no Estado terceiro requerente ou ainda elementos sérios e fiáveis que demonstrem que a pessoa cuja extradição é requerida tinha obtido o asilo ocultando o facto de que era objeto de ações penais no seu país de origem, a existência de uma decisão das autoridades islandesas que concede a essa pessoa o asilo deve, assim, conduzir a autoridade competente do Estado‑Membro requerido, como o órgão jurisdicional de reenvio, a recusar a extradição, em aplicação do artigo 19.o, n.o 2, da Carta.

69      Na hipótese de as autoridades do Estado‑Membro requerido chegarem à conclusão de que o artigo 19.o, n.o 2, da Carta não se opõe à execução desse pedido, haveria ainda que analisar se a restrição em causa é proporcionada ao objetivo de luta contra a imunidade de uma pessoa que cometeu uma infração penal, recordado no n.o 60 do presente acórdão. A este respeito, há que salientar que a utilização dos mecanismos de cooperação e de assistência mútua existentes em matéria penal em virtude do direito da União constitui, de qualquer modo, uma medida alternativa menos atentatória do direito à livre circulação do que a extradição para um Estado terceiro com o qual a União não celebrou nenhum acordo de extradição e que permite alcançar com a mesma eficácia esse objetivo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 47 e 49).

70      Mais concretamente, o Tribunal de Justiça considerou que, nesse caso, há que privilegiar a troca de informações com o Estado‑Membro da nacionalidade do interessado, a fim de dar às autoridades desse Estado‑Membro, desde que sejam competentes, ao abrigo do respetivo direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do território nacional, a oportunidade de emitir, ao abrigo da Decisão‑Quadro 2002/584, um mandado de detenção europeu para a entrega dessa pessoa para fins de procedimento penal. Incumbe, portanto, à autoridade competente do Estado‑Membro requerido informar o Estado‑Membro da nacionalidade do interessado e, sendo caso disso, a pedido deste último Estado, entregar‑lhe o interessado, com base nesse mandado de detenção europeu (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin, C‑182/15, EU:C:2016:630, n.os 48 e 50).

71      Ora, embora a Decisão‑Quadro 2002/584 não se aplique à República da Islândia, Estado da EFTA de que I.N. é nacional, importa recordar que esse Estado, à semelhança da República da Noruega, celebrou com a União o Acordo sobre os Processos de Entrega, que entrou em vigor a 1 de novembro de 2019.

72      Como resulta do seu preâmbulo, este acordo pretende melhorar a cooperação judiciária em matéria penal entre, por um lado, os Estados‑Membros da União e, por outro, a República da Islândia e o Reino da Noruega, na medida e que as atuais relações entre essas partes contratantes, caracterizadas, nomeadamente, pela pertença da República da Islândia e do Reino da Noruega ao EEE, requerem uma estreita cooperação na luta contra a criminalidade.

73      Além disso, nesse mesmo preâmbulo, as partes contratantes no Acordo sobre os Processos de Entrega expressaram a sua confiança mútua na estrutura e no funcionamento dos respetivos sistemas jurídicos e na sua capacidade de garantirem a equidade dos processos judiciais.

74      Importa ainda constatar que as disposições do Acordo sobre os Processos de Entrega são muito semelhantes às disposições correspondentes da Decisão‑Quadro 2002/584.

75      Atendendo a todos estes elementos, há que considerar que a solução adotada no Acórdão de 6 de setembro de 2016, Petruhhin (C‑182/15, EU:C:2016:630, n.o 56), deve ser aplicada por analogia aos nacionais da República da Islândia, como I.N, que se encontrem, relativamente ao Estado terceiro que solicita a sua extradição e como resulta do n.o 58 do presente acórdão, numa situação objetivamente comparável à de um cidadão da União, ao qual, segundo o artigo 3.o, n.o 2, TUE, a União proporciona um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas.

76      Assim, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um nacional da República da Islândia recebe um pedido de extradição de um Estado terceiro com o qual o primeiro Estado‑Membro celebrou um acordo de extradição, deve, em princípio, informar a República da Islândia e, sendo caso disso, a pedido desta última, entregar‑lhe esse nacional, em conformidade com as disposições do Acordo sobre os Processos de Entrega, desde que a República da Islândia seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra essa pessoa por atos praticados fora do seu território nacional.

77      Tendo em conta as considerações expostas, há que responder às questões submetidas que o direito da União, em particular o artigo 36.o do Acordo EEE e o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, quando um Estado‑Membro para o qual se deslocou um nacional de um Estado da EFTA, parte no Acordo EEE e com o qual a União celebrou um acordo de entrega, recebe um pedido de extradição para um Estado terceiro ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, e quando a esse nacional tinha sido concedido asilo, por esse Estado da EFTA, antes da sua aquisição da nacionalidade do referido Estado, precisamente devido às ações penais contra ele intentadas no Estado que emitiu o pedido de extradição, incumbe à autoridade competente do Estado‑Membro requerido verificar se a extradição não lesará os direitos previstos no referido artigo 19.o, n.o 2, da Carta, constituindo a concessão de asilo um elemento particularmente sério no âmbito dessa verificação. Antes de considerar executar o pedido de extradição, o Estado‑Membro requerido deve, em qualquer caso, informar esse mesmo Estado da EFTA e, sendo caso disso, a seu pedido, entregar‑lhe o referido nacional, em conformidade com as disposições do acordo de entrega, desde que o referido Estado da EFTA seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra o referido nacional por atos praticados fora do seu território nacional.

 Quanto às despesas

78      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O direito da União, em particular o artigo 36.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, e o artigo 19.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, quando um EstadoMembro para o qual se deslocou um nacional de um Estado da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu e com o qual a União Europeia celebrou um acordo de entrega, recebe um pedido de extradição para um Estado terceiro ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição, assinada em Paris, a 13 de dezembro de 1957, e quando a esse nacional tinha sido concedido asilo, por esse Estado da EFTA, antes da sua aquisição da nacionalidade do referido Estado, precisamente devido às ações penais contra ele intentadas no Estado que emitiu o pedido de extradição, incumbe à autoridade competente do EstadoMembro requerido verificar se a extradição não lesará os direitos previstos no referido artigo 19.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, constituindo a concessão de asilo um elemento particularmente sério no âmbito dessa verificação. Antes de considerar executar o pedido de extradição, o EstadoMembro requerido deve, em qualquer caso, informar esse mesmo Estado da EFTA e, sendo caso disso, a seu pedido, entregarlhe o referido nacional, em conformidade com as disposições do acordo de entrega, desde que o referido Estado da EFTA seja competente, à luz do seu direito nacional, para proceder criminalmente contra o referido nacional por atos praticados fora do seu território nacional.

Assinaturas


*      Língua do processo: croata.