Language of document : ECLI:EU:C:2012:115

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

1 de março de 2012 (*)

«Diretiva 96/9/CE — Proteção jurídica das bases de dados — Direitos de autor — Calendários de encontros de campeonatos de futebol»

No processo C‑604/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 10 de dezembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2010, no processo

Football Dataco Ltd,

Football Association Premier League Ltd,

Football League Ltd,

Scottish Premier League Ltd,

Scottish Football League,

PA Sport UK Ltd

contra

Yahoo! UK Ltd,

Stan James (Abingdon) Ltd,

Stan James plc,

Enetpulse ApS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts (relator), presidente de secção, J. Malenovský, E. Juhász, G. Arestis e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 27 de outubro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Football Dataco Ltd, da Football Association Premier League Ltd, da Football League Ltd, da Scottish Premier League Ltd, da Scottish Football League e da PA Sport UK Ltd, por J. Mellor, QC, S. Levine, L. Lane e R. Hoy, barristers,

–        em representação da Yahoo! UK Ltd, da Stan James (Abingdon) Ltd, da Stan James plc e da Enetpulse ApS, por D. Alexander, R. Meade, QC, P. Roberts e P. Nagpal, barristers,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente, assistido por S. Malynicz, barrister,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo maltês, por A. Buhagiar e G. Kimberley, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por A. P. Barros, L. Inez Fernandes e P. Mateus Calado, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Samnadda e T. van Rijn, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados (JO L 77, p. 20).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Football Dataco Ltd, a Football Association Premier League Ltd, a Football League Ltd, a Scottish Premier League Ltd, a Scottish Football League e a PA Sport UK Ltd (a seguir, conjuntamente, «Football Dataco e o.») à Yahoo! UK Ltd, à Stan James (Abingdon) Ltd, à Stan James plc e à Enetpulse ApS (a seguir, conjuntamente, «Yahoo e o.»), a respeito de direitos de propriedade intelectual invocados pelas primeiras relativamente aos calendários dos encontros dos campeonatos de futebol inglês e escocês.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        Inseridos numa secção consagrada ao direito de autor e direitos conexos, o artigo 10.°, n.° 2, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1), dispõe:

«As compilações de dados ou de outros elementos, quer sejam fixadas num suporte legível por máquina ou sob qualquer outra forma, que, em virtude da seleção ou da disposição dos respetivos elementos constitutivos, constituam criações intelectuais, serão protegidas enquanto tal. Essa proteção, que não abrangerá os próprios dados ou elementos, não prejudicará os eventuais direitos de autor aplicáveis a esses dados ou elementos.»

4        O artigo 5.° do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o direito de autor, adotado em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, relativo às «[c]ompilações de dados (bases de dados)», dispõe:

«Independentemente da forma que revistam, as compilações de dados ou de outros elementos que, em virtude da seleção ou da disposição do respetivo conteúdo, constituam criações intelectuais são protegidas como tal. Essa proteção não abrange os próprios dados ou elementos e não prejudica o direito de autor eventualmente aplicável aos dados ou elementos contidos na compilação.»

 Direito da União

5        O primeiro a quarto, nono, décimo, décimo segundo, décimo quinto, décimo sexto, décimo oitavo, vigésimo sexto, vigésimo sétimo, trigésimo nono e sexagésimo considerandos da Diretiva 96/9 enunciam:

«(1)      Considerando que as bases de dados não beneficiam hoje em dia de uma proteção suficiente em todos os Estados‑Membros ao abrigo da legislação vigente; que essa proteção, quando existe, apresenta características diferentes;

(2)      Considerando que tais diferenças de proteção jurídica das bases de dados conferida pelas legislações dos Estados‑Membros têm efeitos negativos diretos sobre o funcionamento do mercado interno no que respeita às bases de dados e, nomeadamente, sobre a liberdade das pessoas singulares e coletivas fornecerem produtos e serviços de bases de dados em linha, com a base jurídica harmonizada em toda a Comunidade; que tais diferenças têm tendência a acentuar‑se à medida que os Estados‑Membros adotem novas disposições legislativas na matéria, que assume uma dimensão internacional crescente;

(3)      Considerando que é necessário eliminar as diferenças existentes que têm um efeito de distorção no funcionamento de mercado interno e evitar que surjam novas diferenças, ao passo que as diferenças que presentemente não afetam negativamente o funcionamento do mercado interno ou o desenvolvimento de um mercado da informação na Comunidade podem não ser suprimidas ou impedidas;

(4)      Considerando que a proteção das bases de dados pelo direito de autor se encontra prevista nos Estados‑Membros sob diferentes formas, quer através da legislação ou da jurisprudência, e que, enquanto subsistirem diferenças entre as legislações dos Estados‑Membros quanto ao âmbito de aplicação e às condições de proteção dos direitos, tais direitos de propriedade intelectual não harmonizados podem ter por efeito entravar a livre circulação de bens e serviços na Comunidade;

[…]

(9)      Considerando que as bases de dados são um instrumento vital no desenvolvimento de um mercado da informação a nível na Comunidade; que este instrumento será igualmente útil em muitos outros domínios;

(10)      Considerando que o aumento exponencial, na Comunidade e a nível mundial, do volume de informações geradas e processadas anualmente em todos os setores do comércio e da indústria exige investimentos em sistemas avançados de gestão da informação em todos os Estados‑Membros;

[…]

(12)      Considerando que um investimento desta natureza em sistemas modernos de armazenamento e tratamento da informação não poderá ser realizado na Comunidade sem um regime jurídico estável e homogéneo de proteção dos direitos de fabricantes das bases de dados;

[…]

(15)      Considerando que os critérios aplicados para determinar se tais bases de dados são suscetíveis de beneficiar da proteção pelo direito de autor deverão limitar‑se ao facto de constituirem uma criação intelectual própria do autor, ao efetuar a seleção ou a disposição do conteúdo da base de dados; que essa proteção incide sobre a estrutura da base;

(16)      Considerando que não devem aplicar‑se outros critérios que não o da originalidade, na aceção da criação intelectual, para determinar se a base de dados é suscetível de proteção pelo direito de autor, e que, em especial, não deverão intervir critérios estéticos ou qualitativos;

[…]

(18)      Considerando que a presente diretiva não prejudica a liberdade de os autores decidirem se, ou de que modo, permitirão que as suas obras sejam incluídas numa base de dados, nomeadamente, se a autorização concedida se reveste ou não de caráter exclusivo; […]

[…]

(26)      Considerando que as obras protegidas pelo direito de autor e as prestações protegidas por direitos conexos incorporadas numa base de dados continuam a ser objeto dos direitos exclusivos respetivos e não podem, por conseguinte, ser incorporados na base de dados nem dela extraídas sem a autorização do titular dos direitos ou dos seus sucessores legítimos;

(27)      Considerando que os direitos de autor sobre as obras e os direitos conexos sobre prestações incorporadas numa base de dados em nada são afetados pela existência de um direito distinto sobre a seleção ou a disposição dessas obras e prestações numa base de dados;

[…]

(39)      Considerando que, para além da proteção pelo direito de autor da originalidade da seleção ou disposição do conteúdo da base de dados, a presente diretiva pretende salvaguardar a posição dos fabricantes de bases de dados relativamente à apropriação abusiva dos resultados do investimento financeiro e profissional realizado para obter e coligir o conteúdo, protegendo o conjunto ou partes substanciais da base de dados de certos atos cometidos pelo utilizador ou por um concorrente;

[…]

(60)      Considerando que certos Estados‑Membros protegem atualmente, através de um regime de direito de autor, bases de dados que não obedecem aos critérios de elegibilidade para a proteção a título do direito de autor previsto na presente diretiva; que, ainda que as bases de dados em questão sejam elegíveis para a proteção pelo direito de se opor à extração e/ou reutilização não autorizadas do seu conteúdo, previsto na presente diretiva, o prazo da proteção conferida por este último direito é sensivelmente inferior ao prazo de que beneficiam ao abrigo dos regimes nacionais atualmente em vigor; que qualquer harmonização dos critérios aplicados para determinar se determinada base de dados será protegida pelo direito de autor não poderá resultar na redução do prazo de proteção de que beneficiam atualmente os titulares dos direitos em causa; que para esse efeito se deverá prever uma derrogação; que os efeitos dessa derrogação se devem limitar ao território dos Estados‑Membros interessados.»

6        Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘base de dados’, uma coletânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e suscetíveis de acesso individual por meios eletrónicos ou outros.»

7        No capítulo II, sob a epígrafe «Direito de autor», o artigo 3.° da Diretiva 96/9, que define o «[o]bjeto da proteção», dispõe:

«1.      Nos termos da presente diretiva, as bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor[…] serão protegidas nessa qualidade pelo direito de autor. Não serão aplicáveis quaisquer outros critérios para determinar se estas podem beneficiar dessa proteção.

2.      A proteção das bases de dados pelo direito de autor prevista na presente diretiva não abrange o seu conteúdo e em nada prejudica eventuais direitos que subsistam sobre o referido conteúdo.»

8        No capítulo III, intitulado «Direito sui generis», o artigo 7.° da Diretiva 96/9, relativo ao «[o]bjeto da proteção», dispõe, nos seus n.os 1 e 4:

«1.      Os Estados‑Membros instituirão o direito de o fabricante de uma base de dados proibir a extração e/ou a reutilização da totalidade ou de uma parte substancial, avaliada qualitativa ou quantitativamente, do conteúdo desta, quando a obtenção, verificação ou apresentação desse conteúdo representem um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.

[…]

4.      O direito previsto no n.° 1 é aplicável independentemente de a base de dados poder ser protegida pelo direito de autor ou por outros direitos. Além disso, esse direito será igualmente aplicável independentemente de o conteúdo da base de dados poder ser protegido pelo direito de autor ou por outros direitos. […]»

9        No capítulo IV, intitulado «Disposições comuns», o artigo 14.° da Diretiva 96/9 dispõe:

«1.      A proteção prevista na presente diretiva em relação ao direito de autor abrangerá igualmente as bases de dados criadas antes da data referida no n.° 1 do artigo 16.° que nessa data preencham os requisitos previstos na presente diretiva quanto à proteção das bases de dados pelo direito de autor.

2.      Em derrogação do n.° 1, sempre que uma base de dados protegida por um regime de direitos de autor num Estado‑Membro à data de publicação da presente diretiva não corresponda aos critérios de elegibilidade para a proteção a título de direito de autor previsto no n.° 1 do artigo 3.°, a presente diretiva não terá por efeito a redução, nesse Estado‑Membro, do prazo de proteção concedido a título do regime acima referido ainda por decorrer.

[…]»

10      A data de publicação da Diretiva 96/9 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias é 27 de março de 1996.

11      A referida diretiva foi transposta, no Reino Unido, mediante a adoção do Regulamento de 1997 sobre o direito de autor e os direitos relativos às bases de dados (Copyright and Rights in Databases Regulations 1997, SI 1997, n.° 3032), que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1998. O teor das disposições desse regulamento pertinentes para o presente processo é idêntico ao das disposições pertinentes daquela diretiva.

 Factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais

 Fixação dos calendários dos encontros dos campeonatos de futebol inglês e escocês

12      Nos termos da decisão de reenvio, a fixação dos calendários anuais dos encontros dos campeonatos de futebol obedece, em Inglaterra e na Escócia, a regras e a um procedimento globalmente comparáveis.

13      A mesma implica a tomada em consideração de um certo número de regras, ditas «regras de ouro», sendo as principais as seguintes:

–        nenhum clube deve jogar três encontros consecutivos em casa ou fora;

–        nenhum clube pode jogar quatro encontros em casa ou quatro encontros fora numa série de cinco encontros consecutivos;

–        na medida do possível, cada clube deve, em cada momento da época, ter jogado um número equivalente de desafios em casa e fora; e

–        todos os clubes devem, na medida do possível, disputar o mesmo número de desafios em casa e fora no que diz respeito aos encontros programados durante a semana.

14      O procedimento de elaboração de um calendário como os que estão em causa no processo principal divide‑se em diferentes fases. A primeira fase, que começa durante a época anterior, reside na fixação, por funcionários das federações profissionais em causa, do programa dos encontros dos campeonatos da primeira divisão e no projeto do calendário dos encontros das outras divisões. Consiste em fixar, em função de uma série de parâmetros de base (datas de início e de fim da época, número de encontros a disputar, datas reservadas a outras competições, nacionais, europeias ou internacionais), uma lista de datas possíveis dos encontros.

15      A segunda fase consiste em enviar aos clubes em causa questionários prévios à fixação do calendário e em analisar as respostas a esses questionários, em especial os pedidos de «data específica» (pedido de um clube de jogar o seu encontro com outro clube, previsto para uma data específica, em casa ou, pelo contrário, fora), os pedidos de «data não específica» [pedido de um clube de disputar determinado encontro em determinado dia da semana a partir de uma determinada hora (por exemplo, sábado a partir das 13 h 30 m)] e os pedidos de «emparelhamento» (pedido de dois ou mais clubes de não jogar no mesmo dia em casa). Por época, são formulados aproximadamente 200 pedidos.

16      A terceira fase, que, no âmbito dos campeonatos de futebol inglês, é confiada ao Sr. Thompson, da sociedade Atos Origin IT Services UK Ltd, consiste em duas tarefas, as de «sequenciação» e de «emparelhamento».

17      A tarefa de sequenciação visa obter a sequência perfeita de encontros em casa e fora para cada clube, tendo em conta as regras de ouro, uma série de limitações organizativas e, na medida do possível, os pedidos dos clubes. Em seguida, o Sr. Thompson elabora uma grelha de emparelhamento em função dos pedidos das equipas. Insere progressivamente os nomes das equipas nessa grelha e tenta resolver um máximo de casos problemáticos até conseguir um projeto de calendário satisfatório. Para isso, recorre a um programa, para o qual transfere os elementos do quadro de sequenciação e da grelha de emparelhamento a fim de produzir uma versão legível do calendário.

18      A última fase, que assenta na colaboração entre o Sr. Thompson e os funcionários das federações profissionais em causa, consiste em verificar o conteúdo do calendário dos encontros. Esta verificação é efetuada manualmente, com a assistência de um programa para resolver os problemas que subsistam. Em seguida, duas reuniões, uma do grupo de trabalho sobre o calendário e a outra com representantes da polícia, têm por objetivo finalizar o conteúdo do calendário. Relativamente à época 2008/2009, foram feitas 56 alterações durante esta última fase.

19      Segundo as conclusões de facto do tribunal de primeira instância, reproduzidas na decisão de reenvio, o procedimento de elaboração dos calendários de futebol em causa no processo principal não é puramente mecânico ou determinista, mas, pelo contrário, exige um trabalho e uma perícia muito significativos, para satisfazer as múltiplas exigências em presença, respeitando o melhor possível as regras aplicáveis. O trabalho necessário para tal não se resume à aplicação de critérios fixos e distingue‑se, por exemplo, da elaboração de uma lista telefónica, no sentido de que exige, em cada fase, discernimento e perícia, designadamente quando o programa informático não encontra nenhuma solução para as dificuldades existentes. Quanto à utilização parcial do computador, não exclui de modo algum, segundo as afirmações do Sr. Thompson, a necessidade de discernimento nem uma certa margem de apreciação.

 Factos no processo principal e questões prejudiciais

20      A Football Dataco e o. alegam ser titulares, relativamente aos calendários dos encontros dos campeonatos de futebol inglês e escocês, de um direito sui generis nos termos do artigo 7.° da Diretiva 96/9, de um direito de autor nos termos do artigo 3.° desta diretiva e de um direito de autor nos termos da legislação britânica sobre a propriedade intelectual.

21      Contestando a existência legal desses direitos, a Yahoo e o. sustentam que têm o direito de utilizar esses calendários no âmbito das suas atividades, sem ter de pagar uma contrapartida financeira.

22      O tribunal de primeira instância considerou que os referidos calendários são passíveis de proteção pelo direito de autor nos termos do artigo 3.° da Diretiva 96/9, dado a sua preparação exigir uma parte substancial de trabalho criativo. Em contrapartida, negou‑lhes os outros dois direitos invocados.

23      O órgão jurisdicional de reenvio confirmou a decisão da primeira instância no que diz respeito à inelegibilidade dos calendários em causa no processo principal para a proteção pelo direito sui generis nos termos do artigo 7.° da Diretiva 96/9. Em contrapartida, interroga‑se sobre a sua elegibilidade para a proteção pelo direito de autor nos termos do artigo 3.° desta diretiva. Tem também dúvidas quanto à possibilidade de esses calendários serem protegidos pelo direito de autor, nos termos da legislação britânica anterior a esta diretiva, em condições diferentes das enunciadas no referido artigo 3.°

24      Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9[…], o que se deve entende[r] por ‘bases de dados que, devido à seleção ou disposição das matérias, constituam uma criação intelectual específica do respetivo autor’, e, em especial:

a)       devem o esforço intelectual e a perícia na criação de dados ser excluídos?

b)       a expressão ‘seleção ou [a] disposição’ inclui o aditamento de um significado importante a um dado pr[e]existente (como a fixação da data de um jogo de futebol[?]

c)       a expressão ‘criação intelectual específica do respetivo autor’ exige mais do que uma quantidade considerável de trabalho e perícia do autor? Em caso de resposta afirmativa, o quê?

2)      A diretiva opõe‑se à existência de direitos nacionais sob a forma de direitos de autor sobre bases de dados diferentes dos previstos na Diretiva [96/9]?»

 Quanto à primeira questão prejudicial

25      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio solicita, no essencial, uma interpretação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9. Em especial, pergunta:

–        em primeiro lugar, se os esforços intelectuais e a perícia consagrados à criação de dados devem ser excluídos do âmbito de aplicação dessa disposição;

–        em segundo lugar, se a «seleção ou a disposição» das matérias, no sentido dessa disposição, implica um aditamento de um significado importante ao dado já existente; e

–        em terceiro lugar, se o conceito de «criação intelectual do […] autor», na aceção dessa mesma disposição, exige antes de mais um trabalho e uma perícia significativos por parte do autor e, se for caso disso, qual é essa exigência adicional.

26      A título preliminar, importa, por um lado, recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que um calendário de encontros de um campeonato de futebol constitui uma «base de dados», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9. Considerou, no essencial, que a conjugação da data, do horário e da identidade das duas equipas, a visitada e a visitante, relativos a um jogo de futebol, reveste um valor informativo autónomo que faz dela um «elemento independente», na aceção do referido artigo 1.°, n.° 2, e que a disposição, sob a forma de calendário, das datas, dos horários e dos nomes de equipas relativos a esses diferentes jogos de futebol cumpre os requisitos, enunciados nesse artigo 1.°, n.° 2, de disposição sistemática ou metódica e de acessibilidade individual dos dados contidos nessa base (v. acórdão de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑444/02, Colet., p. I‑10549, n.os 33 a 36).

27      Por outro lado, decorre tanto de uma comparação dos termos respetivos dos artigos 3.°, n.° 1, e 7.°, n.° 1, da Diretiva 96/9 como de outras disposições ou considerandos desta, designadamente do seu artigo 7.°, n.° 4, e do seu trigésimo nono considerando, que o direito de autor e o direito sui generis constituem direitos independentes, cujo objeto e cujas condições de aplicação são diferentes.

28      Por conseguinte, a circunstância de uma «base de dados», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9, não cumprir as condições para poder gozar de proteção pelo direito sui generis, nos termos do artigo 7.° da referida diretiva, como o Tribunal de Justiça declarou a propósito de calendários de encontros de futebol (acórdãos de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, Colet., p. I‑10365, n.os 43 a 47; Fixtures Marketing, C‑338/02, Colet., p. I‑10497, n.os 32 a 36; e Fixtures Marketing, C‑444/02, já referido, n.os 48 a 52), não significa automaticamente que esta mesma base de dados não é também elegível para a proteção pelo direito de autor, nos termos do artigo 3.° desta diretiva.

29      Em conformidade com o n.° 1 deste artigo 3.°, uma «base de dados», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 96/9, é protegida pelo direito de autor se, pela seleção ou disposição das matérias, constituir uma criação intelectual específica do autor.

30      Em primeiro lugar, resulta de uma leitura conjugada do artigo 3.°, n.° 2, e do décimo quinto considerando da Diretiva 96/9 que a proteção pelo direito de autor prevista nesta diretiva tem por objeto a «estrutura» da base de dados, e não o seu «conteúdo» nem, por conseguinte, os elementos constitutivos deste.

31      No mesmo sentido, como decorre dos artigos 10.°, n.° 2, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio e 5.° do Tratado da OMPI sobre o direito de autor, a compilação de dados que, em virtude da seleção ou da disposição das matérias, constitua uma criação intelectual é protegida como tal pelo direito de autor. Em contrapartida, essa proteção não abrange os próprios dados e não prejudica o direito de autor eventualmente aplicável a esses dados.

32      Neste contexto, os conceitos de «seleção» e de «disposição», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9, visam, respetivamente, a seleção e a organização de dados, através dos quais o autor da base confere a esta a sua estrutura. Em contrapartida, estes conceitos não abrangem a criação de dados constantes dessa base.

33      Por conseguinte, como alegaram a Yahoo e o., os Governos italiano, português e finlandês, bem como a Comissão Europeia, os elementos referidos na primeira questão, alínea a), submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e relativos aos esforços intelectuais e à perícia consagrados à criação de dados não podem entrar em linha de conta para apreciar a elegibilidade da base de dados que os contém para a proteção pelo direito de autor prevista pela Diretiva 96/9.

34      Esta análise é confirmada pela finalidade da referida diretiva. Como decorre do seu nono, décimo e décimo segundo considerandos, tal finalidade é estimular o estabelecimento de sistemas de armazenamento e de tratamento de dados, de modo a contribuir para o desenvolvimento do mercado da informação num contexto marcado por um aumento exponencial do volume de dados gerados e processados anualmente em todos os setores de atividade (v. acórdãos de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, já referido, n.° 33; The British Horseracing Board e o., C‑203/02, Colet., p. I‑10415, n.° 30; Fixtures Marketing, C‑338/02, já referido, n.° 23; e Fixtures Marketing, C‑444/02, já referido, n.° 39), e não proteger a criação de elementos suscetíveis de serem reunidos numa base de dados.

35      No processo principal, há que referir que os meios, designadamente intelectuais, descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio, conforme reproduzidos nos n.os 14 a 18 do presente acórdão, têm por objeto a determinação, no âmbito da organização de campeonatos em causa, das datas, dos horários e da identidade das equipas correspondentes aos encontros desses campeonatos, em função de um conjunto de regras, parâmetros e limitações organizativas, assim como de pedidos específicos dos clubes em causa (v. acórdãos, já referidos, de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, n.° 41; Fixtures Marketing, C‑338/02, n.° 31; e Fixtures Marketing, C‑444/02, n.° 47).

36      Como a Yahoo e o. e o Governo português sublinharam, esses meios dizem respeito à criação dos próprios dados contidos na base em causa, como se recordou no n.° 26 do presente acórdão (v. acórdãos, já referidos, de 9 de novembro de 2004, Fixtures Marketing, C‑46/02, n.° 42; Fixtures Marketing, C‑338/02, n.° 31; e Fixtures Marketing C‑444/02, n.° 47). Por conseguinte, e tendo em conta o exposto no n.° 32 do presente acórdão, esses meios não têm, em todo o caso, qualquer relevância para apreciar a elegibilidade dos calendários de encontros de futebol em causa no processo principal para a proteção pelo direito de autor prevista pela Diretiva 96/9.

37      Em segundo lugar, como decorre do décimo sexto considerando da Diretiva 96/9, o conceito de criação intelectual do próprio autor remete para o critério da originalidade (v., neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International, C‑5/08, Colet., p. I‑6569, n.os 35, 37 e 38; de 22 de dezembro de 2010, Bezpečnostní softwarová asociace, C‑393/09, Colet., p. I‑13971, n.° 45; de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, Colet., p. I‑9083, n.° 97; e de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, Colet., p. I‑12533, n.° 87).

38      Quanto à constituição de uma base de dados, esse critério da originalidade é cumprido quando o autor da base de dados, através da seleção ou da disposição dos dados que esta contém, exprime a sua capacidade criativa de forma original, fazendo escolhas livres e criativas (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Infopaq International, n.° 45; Bezpečnostní softwarová asociace, n.° 50; e Painer, n.° 89), e imprime assim o seu «toque pessoal» (acórdão Painer, já referido, n.° 92).

39      Em contrapartida, o referido critério não é cumprido quando a constituição da base de dados é ditada por considerações técnicas, regras ou limitações que não deixam margem a uma liberdade criativa (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Bezpečnostní softwarová asociace, n.os 48 e 49, e Football Association Premier League e o., n.° 98).

40      Como decorre tanto do artigo 3.°, n.° 1, como do décimo sexto considerando da Diretiva 96/9, nenhum outro critério a não ser o da originalidade é aplicável para apreciar a elegibilidade de uma base de dados para a proteção pelo direito de autor prevista por esta diretiva.

41      Daqui decorre, por um lado, que, desde que a seleção ou a disposição dos dados — a saber, num processo como o do processo principal, os correspondentes à data, ao horário e à identidade das equipas relativos aos diferentes encontros do campeonato em causa (v. n.° 26 do presente acórdão) — seja uma expressão original do espírito criador do autor da base de dados, é indiferente, para efeitos da apreciação da elegibilidade desta para a proteção pelo direito de autor previsto pela Diretiva 96/9, que essa seleção ou disposição inclua ou não um «aditamento de um significado importante» a estes dados, como referido na primeira questão, alínea b), submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

42      Por outro lado, o facto de a constituição da base de dados ter exigido, independentemente da criação dos dados que contém, um trabalho e uma perícia significativos do seu autor, como referidos nessa mesma questão, alínea c), não pode, enquanto tal, justificar a sua proteção pelo direito de autor previsto pela Diretiva 96/9, se esse trabalho e essa perícia não exprimirem nenhuma originalidade na seleção ou disposição dos referidos dados.

43      No presente processo, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz dos elementos de análise precedentes, se os calendários de encontros de futebol em causa no processo principal são bases de dados que cumprem as condições de elegibilidade para a proteção pelo direito de autor prevista no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9.

44      A este respeito, as modalidades de fixação dos referidos calendários, conforme descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio, se não forem completadas por elementos que traduzam uma originalidade na seleção ou disposição dos dados constantes desses calendários, não podem bastar para que a base de dados em questão possa ser protegida pelo direito de autor previsto no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9.

45      Em face das considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida que o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9 deve ser interpretado no sentido de que uma «base de dados», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva, é protegida pelo direito de autor nela previsto desde que a seleção ou a disposição dos dados que contém constitua uma expressão original da liberdade criativa do seu autor, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

46      Por conseguinte:

–        os esforços intelectuais e a perícia consagrados à criação dos referidos dados não são relevantes para determinar a elegibilidade da referida base para a proteção desse direito;

–        é indiferente, para este efeito, que a seleção ou a disposição destes dados inclua ou não um aditamento de um significado importante àquelas; e

–        o trabalho e a perícia significativos exigidos para a constituição desta base não podem, enquanto tais, justificar essa proteção se não exprimirem nenhuma originalidade na seleção ou disposição dos dados que esta contém.

 Quanto à segunda questão prejudicial

47      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Diretiva 96/9 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que atribui a bases de dados abrangidas pela definição constante do seu artigo 1.°, n.° 2, uma proteção pelo direito de autor em condições diferentes das previstas no seu artigo 3.°, n.° 1.

48      A este respeito, importa sublinhar que a Diretiva 96/9 visa, nos termos do seu primeiro a quarto considerandos, suprimir as disparidades que existiam entre os direitos nacionais em matéria de proteção jurídica das bases de dados, designadamente no que respeita ao alcance e aos requisitos da proteção pelo direito de autor, e que prejudicam o funcionamento do mercado interno, a livre circulação de bens e serviços na União Europeia, bem como o desenvolvimento de um mercado da informação no interior desta.

49      Neste contexto, o artigo 3.° da Diretiva 96/9 procede, como resulta do sexagésimo considerando desta diretiva, a «uma harmonização dos critérios aplicados para determinar se determinada base de dados será protegida pelo direito de autor».

50      É certo que, quanto às bases de dados que, em 27 de março de 1996, se encontravam protegidas por um regime nacional de direito de autor segundo critérios de elegibilidade diferentes dos previstos no artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, o artigo 14.°, n.° 2, da Diretiva 96/9 preserva, no Estado‑Membro em causa, a duração da proteção atribuída por esse regime. Todavia, unicamente sem prejuízo desta disposição transitória, o referido artigo 3.°, n.° 1, opõe‑se a que uma legislação nacional atribua a bases de dados abrangidas pela definição constante do artigo 1.°, n.° 2, da referida diretiva a proteção pelo direito de autor em condições que se afastam da da originalidade prevista no referido artigo 3.°, n.° 1.

51      Quanto ao décimo oitavo, vigésimo sexto e vigésimo sétimo considerandos da Diretiva 96/9, salientados pela Football Dataco e o., sublinham a liberdade de que gozam os autores de obras para decidir da inclusão destas numa base de dados, bem como a inexistência de repercussões da incorporação de uma obra protegida, numa base de dados eventualmente protegida, nos direitos que protegem a obra assim incorporada. Não oferecem, em contrapartida, nenhum apoio a uma interpretação contrária à exposta no número anterior do presente acórdão.

52      Em face das considerações anteriores, há que responder à segunda questão submetida que a Diretiva 96/9 deve ser interpretada no sentido de que, sem prejuízo da disposição transitória constante do seu artigo 14.°, n.° 2, se opõe a uma legislação nacional que atribui a bases de dados abrangidas pela definição constante do seu artigo 1.°, n.° 2, uma proteção pelo direito de autor em condições diferentes das previstas no seu artigo 3.°, n.° 1.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 96/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 1996, relativa à proteção jurídica das bases de dados, deve ser interpretado no sentido de que uma «base de dados», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva, é protegida pelo direito de autor nela previsto desde que a seleção ou a disposição dos dados que contém constitua uma expressão original da liberdade criativa do seu autor, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Por conseguinte:

      os esforços intelectuais e a perícia consagrados à criação dos referidos dados não são relevantes para determinar a elegibilidade da referida base para a proteção desse direito;

      é indiferente, para este efeito, que a seleção ou a disposição destes dados inclua ou não um aditamento de um significado importante àquelas; e

      o trabalho e a perícia significativos exigidos para a constituição desta base não podem, enquanto tais, justificar essa proteção se não exprimirem nenhuma originalidade na seleção ou disposição dos dados que esta contém.

2)      A Diretiva 96/9 deve ser interpretada no sentido de que, sem prejuízo da disposição transitória constante do seu artigo 14.°, n.° 2, se opõe a uma legislação nacional que atribui a bases de dados abrangidas pela definição constante do seu artigo 1.°, n.° 2, uma proteção pelo direito de autor em condições diferentes das previstas no seu artigo 3.°, n.° 1.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.