Language of document : ECLI:EU:C:2014:2382

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de novembro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Qualidade do ar — Diretiva 2008/50/CE — Valores‑limite de dióxido de azoto — Obrigação de solicitar a prorrogação do prazo fixado apresentando um plano relativo à qualidade do ar — Sanções»

No processo C‑404/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela Supreme Court of the United Kingdom (Reino Unido), por decisão de 16 de julho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de julho de 2013, no processo

The Queen, a pedido de:

ClientEarth

contra

The Secretary of State for the Environment, Food and Rural Affairs,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, K. Lenaerts, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, J.‑C. Bonichot (relator), A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de julho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da ClientEarth, por P. Kirch, avocat, D. Rose, QC, E. Dixon e B. Jaffey, barristers,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por M. Holt e J. Beeko, na qualidade de agentes, assistidos por K. Smith, QC,

–        em representação da Comissão Europeia, por K. Mifsud‑Bonnici e S. Petrova, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 4.° TUE e 19.° TUE e dos artigos 13.°, 22.°, 23.° e 30.° da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO L 152, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ClientEarth, organização não governamental de defesa do ambiente, ao Secretary of State for the Environment, Food and Rural Affairs, a propósito do pedido daquela organização de que fossem revistos os planos relativos à qualidade do ar elaborados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, em aplicação da Diretiva 2008/50, para algumas das suas zonas e aglomerações.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2008/50

3        O considerando 16 da Diretiva 2008/50 tem a seguinte redação:

«Para as zonas e aglomerações sujeitas a condições particularmente difíceis, deverá ser possível prolongar o prazo fixado para respeitar os valores‑limite relativos à qualidade do ar em casos em que, apesar da aplicação de medidas adequadas de redução da poluição, se verificarem problemas graves de cumprimento em zonas e aglomerações específicas. Qualquer prorrogação do prazo para determinada zona ou aglomeração deverá ser acompanhada de um plano pormenorizado a avaliar pela Comissão para assegurar o cumprimento dos valores‑limite no novo prazo fixado. As medidas comunitárias necessárias para refletir o nível de ambição escolhido na Estratégia Temática relativa à poluição atmosférica, visando reduzir as emissões na fonte, serão importantes para conseguir uma redução efetiva das emissões no calendário previsto na presente diretiva para efeitos de cumprimento dos valores‑limite, e deverão ser tidas em conta no quadro da avaliação de pedidos de prorrogação dos prazos de cumprimento.»

4        O artigo 1.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece medidas destinadas a:

1)      Definir e fixar objetivos relativos à qualidade do ar ambiente destinadas a evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos para a saúde humana e para o ambiente na sua globalidade;

[...]»

5        O artigo 2.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

5)      ‘Valor‑limite’: um nível fixado com base em conhecimentos científicos com o intuito de evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos na saúde humana e no ambiente na sua globalidade, a atingir num prazo determinado e que, quando atingido, não deve ser excedido;

[...]

7)      ‘Margem de tolerância’: a percentagem do valor‑limite em que este valor pode ser excedido nas condições fixadas na presente diretiva;

8)      ‘Planos de qualidade do ar’: os planos que estabelecem medidas destinadas a atingir os valores‑limite ou valores‑alvo;

[...]»

6        O artigo 13.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Valores‑limite e limiares de alerta para a proteção da saúde humana», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que, em todas as suas zonas e aglomerações, os níveis de dióxido de enxofre, PM10, chumbo e monóxido de carbono no ar ambiente não excedam os valores‑limite fixados no anexo XI.

Os valores‑limite de dióxido de azoto e de benzeno fixados no anexo XI não podem ser excedidos a partir das datas fixadas no mesmo anexo.

O cumprimento destes requisitos é avaliado de acordo com o anexo III.

As margens de tolerância fixadas no anexo XI são aplicáveis nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 22.° e no n.° 1 do artigo 23.°

[...]»

7        O artigo 22.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Prorrogação dos prazos de cumprimento e isenção da obrigação de aplicar determinados valores‑limite», prevê:

«1.      Caso, numa determinada zona ou aglomeração, os valores‑limite fixados para o dióxido de azoto ou o benzeno não possam ser respeitados nos prazos fixados no anexo XI, o Estado‑Membro pode prorrogar esses prazos por cinco anos, no máximo, para a zona ou aglomeração em causa, desde que seja estabelecido um plano de qualidade do ar, nos termos do artigo 23.°, para a zona ou aglomeração a que se aplica a prorrogação do prazo; tal plano deve ser completado pelas informações enumeradas na parte B do anexo XV relativas aos poluentes em questão e demonstrar que os valores‑limite serão respeitados antes do termo do novo prazo.

[...]

3.      Caso um Estado‑Membro aplique os n.os 1 ou 2, deve assegurar que a excedência do valor‑limite fixado para cada poluente não exceda a margem de tolerância máxima fixada no anexo XI para cada um dos poluentes em causa.

4.      Os Estados‑Membros notificam a Comissão [Europeia] das zonas ou aglomerações onde consideram que são aplicáveis os n.os 1 ou 2 e comunicam o plano de qualidade do ar referido no n.° 1, incluindo todas as informações necessárias para a Comissão avaliar se foram cumpridas as condições aplicáveis. Na sua avaliação, a Comissão deve ter em conta os efeitos estimados, presentes e futuros, na qualidade do ar ambiente dos Estados‑Membros, das medidas tomadas pelos Estados‑Membros, bem como os efeitos estimados, na qualidade do ar ambiente, das medidas comunitárias atuais e futuras a propor pela Comissão.

Caso a Comissão não levante objeções no prazo de nove meses a contar da receção da notificação, consideram‑se cumpridas as condições de aplicação do n.° 1 ou do n.° 2.

Em caso de objeção, a Comissão pode solicitar aos Estados‑Membros que adaptem ou apresentem um novo plano de qualidade do ar.»

8        O artigo 23.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Planos de qualidade do ar», prevê:

«1.      Caso, numa determinada zona ou aglomeração, os níveis de poluentes no ar ambiente excedam qualquer valor‑limite ou valor‑alvo, bem como as respetivas margens de tolerância, os Estados‑Membros asseguram a elaboração de planos de qualidade do ar para essas zonas e aglomerações a fim de respeitar o valor‑limite ou o valor‑alvo em causa fixados nos anexos XI e XIV.

Em caso de excedência dos valores‑limite em relação aos quais já tenha expirado o prazo para a consecução dos objetivos, os planos de qualidade do ar estabelecem medidas adequadas para que o período de excedência possa ser o mais curto possível. Os planos de qualidade do ar podem, adicionalmente, incluir medidas específicas tendentes à proteção dos grupos sensíveis da população, incluindo as crianças.

Os planos de qualidade do ar devem conter, pelo menos, as informações enumeradas na parte A do anexo XV e podem incluir medidas conformes com o artigo 24.° Esses planos devem ser comunicados à Comissão sem demora e num prazo não superior a dois anos a contar do final do ano em que se tenha verificado a primeira excedência dos limites.

Caso devam ser elaborados ou aplicados planos de qualidade do ar respeitantes a vários poluentes, os Estados‑Membros elaboram e aplicam, se for caso disso, planos integrados de qualidade do ar que abranjam todos os poluentes em questão.

2.      Os Estados‑Membros asseguram, na medida do possível, a coerência com os outros planos exigidos pelas Diretivas 2001/80/CE, 2001/81/CE ou 2002/49/CE, tendo em vista a realização dos objetivos ambientais relevantes.»

9        O artigo 30.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Sanções», dispõe:

«Os Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente diretiva e tomam todas as medidas necessárias para assegurar a sua aplicação. As sanções assim estabelecidas são eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

10      O anexo XI da Diretiva 2008/50, intitulado «Valores‑limite para a proteção da saúde», fixa, no seu ponto B, em 1 de janeiro de 2010, a data a partir da qual os valores‑limite de dióxido de azoto não devem ser ultrapassados.

11      O anexo XV da Diretiva 2008/50, intitulado «Informações a incluir nos planos locais, regionais e nacionais de qualidade do ar para a melhoria da qualidade do ar ambiente», precisa, no seu ponto A, as informações a fornecer nos termos do artigo 23.° desta diretiva e, no seu ponto B, as informações a fornecer nos termos do artigo 22.°, n.° 1, da referida diretiva.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      O dióxido de azoto é um gás formado por combustão a altas temperaturas. Decorre da decisão de reenvio que o tráfego rodoviário e o aquecimento doméstico constituem as principais fontes de emissão de dióxido de azoto na maioria das áreas urbanas do Reino Unido.

13      Para efeitos de avaliação e gestão da qualidade do ar nas condições previstas pela Diretiva 2008/50, o território do Reino Unido foi divido em 43 zonas e aglomerações na aceção desta diretiva.

14      Durante o ano de 2010, em 40 dessas zonas e aglomerações, foram ultrapassados um ou vários dos valores‑limite fixados pela diretiva para o dióxido de azoto.

15      Segundo os projetos de planos de qualidade do ar, publicados em 9 de junho de 2011 com vista a uma consulta pública relativa a 17 zonas e aglomerações, entre as quais a «Greater London», esses valores‑limite deveriam ser respeitados a partir de 2015.

16      Em 22 de setembro de 2011, os planos definitivos foram apresentados à Comissão, acompanhados de pedidos de prorrogação do prazo para 24 das 40 zonas ou aglomerações em causa, nos termos do artigo 22.° da Diretiva 2008/50. Esses planos precisavam as condições em que os valores‑limite seriam respeitados, o mais tardar, em 1 de janeiro de 2015.

17      Por decisão de 25 de junho de 2012, a Comissão deferiu incondicionalmente 9 pedidos de prorrogação do prazo, fez depender o seu acordo quanto à data de fim do prazo da verificação de certas condições relativamente a outros 3 pedidos, e levantou objeções relativamente a 12 zonas.

18      Quanto às 16 zonas ou aglomerações cujos planos de qualidade do ar preveem o respeito dos valores‑limite entre 2015 e 2025, o Reino Unido não apresentou nenhum pedido de prorrogação do prazo ao abrigo do artigo 22.° da Diretiva 2008/50, não tendo a Comissão formulado observações a este respeito.

19      A ClientEarth requereu que a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court), ordenasse ao Secretary of State for the Environment, Food and Rural Affairs, que revisse esses planos de modo a que fossem indicadas as condições em que seriam respeitados os valores‑limite fixados para o dióxido de azoto, logo que possível e, o mais tardar, até 1 de janeiro de 2015, em conformidade com o artigo 22.° da Diretiva 2008/50.

20      Este órgão jurisdicional rejeitou este pedido, considerando que, ainda que não tivesse respeitado as suas obrigações ao abrigo do artigo 13.° da Diretiva 2008/50, um Estado‑Membro não é obrigado a pedir uma prorrogação do prazo fixado por esta diretiva para respeitar os valores‑limite ao abrigo do seu artigo 22.° Acrescentou que, de qualquer modo, a referida injunção pode suscitar sérios problemas políticos e económicos e que a mesma implica escolhas políticas que não são da sua competência.

21      A Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) negou provimento ao recurso desta decisão, em 30 de maio de 2012, tendo contudo autorizado a ClientEarth a interpor recurso na Supreme Court of the United Kingdom.

22      Este último órgão jurisdicional constatou que o Reino Unido não tinha dado cumprimento à sua obrigação de respeitar os valores‑limite fixados para o dióxido de azoto, prevista no artigo 13.° da Diretiva 2008/50 relativamente às 16 zonas e aglomerações em causa no processo principal. Constatou igualmente que este processo levantava questões de interpretação da Diretiva 2008/50 que não tinham sido abordadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

23      Assim sendo, a Supreme Court of the United Kingdom decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Quando, nos termos da Diretiva [2008/50], numa determinada zona ou aglomeração, os valores‑limite de dióxido de azoto não tiverem sido respeitados dentro do prazo fixado no anexo XI [desta] diretiva, que terminou em 1 de janeiro de 2010, um Estado‑Membro está obrigado, por força [da referida] diretiva e/ou do artigo 4.° TUE, a solicitar a prorrogação dos prazos de cumprimento nos termos do artigo 22.° da [Diretiva 2008/50]?

2)      Em caso de resposta afirmativa, em que circunstâncias (se existirem circunstâncias atendíveis) um Estado‑Membro pode ser isento dessa obrigação?

3)      Em que medida (sendo caso disso) são as obrigações de um Estado‑Membro que não cumpriu o artigo 13.° da [Diretiva 2008/50] afetadas pelo disposto no artigo 23.° [desta, e nomeadamente no seu n.° 2]?

4)      Em caso de incumprimento do disposto nos artigos 13.° ou 22.°, que medidas judiciais (sendo caso disso) deve um órgão jurisdicional nacional tomar por força do direito europeu a fim de dar cumprimento ao disposto no artigo 30.° da [Diretiva 2008/50] e/ou nos artigos 4.° ou 19.° TUE?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e à segunda questão

24      Com a primeira e a segunda questão, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 22.° da Diretiva 2008/50 deve ser interpretado no sentido de que, caso os valores‑limite de dióxido de azoto fixados no anexo XI desta diretiva não possam ser respeitados, numa determinada zona ou aglomeração de um Estado‑Membro, depois de 1 de janeiro de 2010, data indicada neste anexo, este Estado, para poder prorrogar este prazo por 5 anos, no máximo, é obrigado a fazer o pedido em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 e se, sendo caso disso, pode, contudo, em determinadas circunstâncias, ficar isento dessa obrigação.

25      A obrigação de respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto previstos no anexo XI da Diretiva 2008/50, até 1 de janeiro de 2010, data indicada neste anexo, resulta do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva.

26      O artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 prevê, contudo, a possibilidade de prorrogar o prazo inicialmente fixado, sempre que os valores‑limite não possam ser respeitados no termo desse prazo, desde que o Estado‑Membro em causa estabeleça um plano relativo à qualidade do ar para a zona ou aglomeração a que a prorrogação do prazo seria aplicável, que responda a certas exigências. Em particular, este plano deve ser elaborado em conformidade com o artigo 23.° da Diretiva 2008/50. Tal plano também deve ser completado pelas informações enumeradas na parte B do anexo XV, relativas aos poluentes em questão, e demonstrar como é que os valores‑limite serão respeitados antes do termo do novo prazo. Estas zonas, aglomerações e planos devem ser comunicados à Comissão para aprovação ao abrigo do n.° 4 deste artigo 22.°

27      No que diz respeito à questão de saber se, para poder prorrogar por cinco anos, no máximo, o prazo indicado no anexo XI da Diretiva 2008/50, o Estado‑Membro em causa deve fazer o pedido e elaborar um plano para esse efeito, uma vez preenchidos os requisitos referidos no artigo 22.°, n.° 1, desta diretiva, importa constatar que, embora a redação desta disposição não dê indicações claras a este respeito, resulta tanto do contexto desta disposição como do objetivo prosseguido pelo legislador da União que o referido artigo 22.°, n.° 1 deve ser interpretado nesse sentido.

28      Com efeito, o artigo 22.°, n.° 4, da Diretiva 2008/50 impõe que o Estado‑Membro em causa notifique a Comissão das zonas e aglomerações nas quais considera que o n.° 1 deste artigo é aplicável e que comunique o plano relativo à qualidade do ar visado nesta última disposição.

29      Assim sendo, tal interpretação é a que melhor responde ao objetivo prosseguido pelo legislador da União no sentido de garantir uma melhor qualidade do ar ambiente, uma vez que obriga o Estado‑Membro em causa a antecipar a inobservância dos valores‑limite no prazo previsto e a elaborar um plano relativo à qualidade do ar no qual descreva em pormenor as medidas suscetíveis de remediar esta poluição num prazo suplementar.

30      Importa contudo sublinhar que, embora, no que respeita ao dióxido de enxofre, ao PM10, ao chumbo e ao monóxido de carbono, o artigo 13.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/50 preveja que os Estados‑Membros «asseguram» que os níveis dos valores‑limite não sejam excedidos, o segundo parágrafo desta disposição indica que, quanto ao dióxido de azoto e ao benzeno, esses valores‑limite «não podem ser excedidos» após as datas fixadas, o que corresponde a uma obrigação de resultado.

31      Por conseguinte, os Estados‑Membros devem adotar todas as medidas necessárias para respeitar essa obrigação e não podem considerar que a faculdade de prorrogação do prazo oferecida no artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 lhes permite adiar, a seu bel‑prazer, a sua execução.

32      Como indicado no considerando 16 desta diretiva, esta disposição só permite prorrogar o prazo por ela inicialmente fixado, quando se verificarem «problemas graves» de cumprimento em zonas e aglomerações específicas, apesar da aplicação de medidas adequadas de luta contra a poluição.

33      Nestas condições, o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro, para poder prorrogar por cinco anos, no máximo, o prazo fixado nesta diretiva para respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto indicados no seu anexo XI, deve fazer esse pedido quando se afigure objetivamente, atendendo aos dados existentes, e apesar de esse Estado aplicar medidas adequadas de luta contra a poluição, que esses valores não poderão ser respeitados numa determinada zona ou aglomeração, no prazo indicado.

34      Quanto à questão de saber se determinadas circunstâncias poderiam, contudo, justificar a inobservância dessa obrigação, basta constatar que a Diretiva 2008/50 não prevê nenhuma exceção à obrigação resultante do seu artigo 22, n.° 1.

35      Por conseguinte, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 deve ser interpretado no sentido de que exige que o Estado‑Membro, para poder prorrogar por cinco anos, no máximo, o prazo fixado nesta diretiva para respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto indicados no seu anexo XI, faça um pedido nesse sentido e elabore um plano relativo à qualidade do ar, quando se afigure objetivamente, atendendo aos dados existentes, e apesar de esse Estado aplicar medidas adequadas de luta contra a poluição, que esses valores não poderão ser respeitados numa determinada zona ou aglomeração, no prazo indicado. A Diretiva 2008/50 não prevê nenhuma exceção à obrigação resultante do referido artigo 22.°, n.° 1.

 Quanto à terceira questão

36      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, caso se afigure que os valores‑limite de dióxido de azoto fixados no anexo XI da Diretiva 2008/50 não podem ser respeitados, numa determinada zona ou aglomeração de um Estado‑Membro, depois de 1 de janeiro de 2010, data indicada nesse anexo, sem que o Estado em causa tivesse pedido a prorrogação do prazo em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, a elaboração de um plano relativo à qualidade do ar conforme ao artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva permite considerar que este Estado cumpriu, não obstante, as obrigações que lhe são impostas pelo artigo 13.° da referida diretiva.

37      A título preliminar, importa recordar que o artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 precisa que ele é aplicável quando forem excedidos os valores‑limite dos poluentes, uma vez expirado o prazo previsto para a sua aplicação.

38      Por outro lado, no que respeita ao dióxido de azoto, a aplicação desta disposição não está subordinada à circunstância de o Estado‑Membro ter previamente tentado obter uma prorrogação desse prazo em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50.

39      Por conseguinte, o artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 é igualmente aplicável em circunstâncias como as que estão em causa no litígio no processo principal, em que os valores‑limite de dióxido de azoto indicados no anexo XI desta diretiva não tenham sido respeitados em 1 de janeiro de 2010, data fixada no referido anexo, em zonas ou aglomerações de um Estado‑Membro, e em que este último não tenha pedido a prorrogação desta data em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da dita diretiva.

40      Decorre assim do artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 que, quando os valores‑limite de dióxido de azoto forem excedidos após o prazo previsto para a sua aplicação, o Estado‑Membro em causa deve elaborar um plano relativo à qualidade do ar, que responda a certas exigências.

41      Assim, esse plano deve prever as medidas adequadas para que o período no qual se verifica essa excedência seja o mais curto possível, podendo incluir medidas adicionais específicas para proteger as categorias de população sensíveis, nomeadamente as crianças. Além disso, segundo o artigo 23.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2008/50, este plano deve conter, pelo menos, as informações enumeradas na parte A do anexo XV desta diretiva, pode também incluir as medidas referidas no seu artigo 24.° e deve ser comunicado à Comissão sem demora e num prazo não superior a dois anos a contar do final do ano em que se tenha verificado, pela primeira vez, que os valores‑limite foram ultrapassados.

42      Não pode, contudo, ser acolhida a interpretação de acordo com a qual, em circunstâncias como as do processo principal, um Estado‑Membro deu cabal cumprimento às obrigações que resultam do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 pelo simples facto de ter elaborado esse plano.

43      Importa, antes de mais, observar que apenas o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 prevê expressamente a possibilidade de um Estado‑Membro prorrogar o prazo indicado no anexo XI desta diretiva para respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto previstos nesse anexo.

44      Por conseguinte, esta análise poderia prejudicar o efeito útil dos artigos 13.° e 22.° da Diretiva 2008/50, uma vez que permitiria a um Estado‑Membro não ter de cumprir o prazo imposto pelo artigo 13.°, em condições menos estritas que as impostas pelo artigo 22.°

45      Com efeito, o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 impõe que o plano relativo à qualidade do ar contenha não apenas as informações a comunicar ao abrigo do artigo 23.° desta diretiva, enumeradas no seu anexo XV, parte A, mas que o referido plano seja também completado pelas informações enumeradas na parte B deste mesmo anexo, relativas às informações sobre o estado de execução de várias diretivas e sobre todas as medidas de luta contra a poluição atmosférica, cuja execução tenha sido prevista a nível local, regional ou nacional, apropriado para alcançar os objetivos de qualidade do ar. Este plano deve, além disso, demonstrar como é que os valores‑limite serão respeitados antes do novo prazo.

46      Por último, esta interpretação também é apoiada pela constatação segundo a qual os artigos 22.° e 23.° da Diretiva 2008/50 se destinam, em princípio, a ser aplicados a situações diferentes e têm um alcance distinto.

47      Com efeito, o artigo 22.°, n.° 1, desta diretiva aplica‑se ao caso em que os valores‑limite de certos poluentes não «podem» ser respeitados depois do prazo inicialmente previsto pela Diretiva 2008/50, tendo em conta, como resulta do considerando 16 desta diretiva, um nível de poluição particularmente elevado. Além disso, esta disposição só permite a prorrogação deste prazo quando o Estado‑Membro conseguir demonstrar que pode respeitar esses valores‑limite num novo prazo de cinco anos, no máximo. Por último, a referida disposição tem apenas um alcance temporal limitado.

48      Em contrapartida, o artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 tem um alcance mais geral porque se aplica sem limitação temporal à excedência de qualquer valor‑limite de poluente fixado por esta diretiva, depois do prazo previsto para a sua aplicação, quer o mesmo seja fixado pela Diretiva 2008/50 quer pela Comissão ao abrigo do seu artigo 22.°

49      Atendendo ao acima exposto, importa responder à terceira questão que, caso se afigure que os valores‑limite de dióxido de azoto fixados no anexo XI da Diretiva 2008/50 não podem ser respeitados, numa determinada zona ou aglomeração de um Estado‑Membro, depois de 1 de janeiro de 2010, data indicada neste anexo, e o Estado‑Membro em causa não tenha pedido a prorrogação desse prazo em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, a elaboração de um plano relativo à qualidade do ar conforme ao artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva não permite, por si só, considerar que este Estado preencheu, não obstante, as obrigações que o artigo 13.° da referida diretiva lhe impõe.

 Quanto à quarta questão

50      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.° TUE e 19.° TUE e o artigo 30.° da Diretiva 2008/50 devem ser interpretados no sentido de que, quando um Estado‑Membro não tenha respeitado as exigências decorrentes do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 e não tenha pedido a prorrogação do prazo nas condições previstas no artigo 22.° desta diretiva, incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente, eventualmente chamado a conhecer do processo, adotar, contra a autoridade nacional, qualquer medida necessária, como uma injunção, para que esta autoridade elabore o plano exigido pela referida diretiva, nas condições que a mesma prevê.

51      A título preliminar, importa constatar que do processo transmitido ao Tribunal de Justiça não decorrem de forma suficientemente clara as razões pelas quais é útil para o litígio no processo principal a interpretação do artigo 30.° da Diretiva 2008/50, relativo ao regime das sanções que deve ser aplicado pelos Estados‑Membros.

52      Quanto ao artigo 4.° TUE, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, em aplicação do princípio da cooperação leal enunciado no n.° 3 deste artigo, assegurar a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União (v., neste sentido, nomeadamente acórdão Unibet, C‑432/05, EU:C:2007:163, n.° 38). O artigo 19.°, n.° 1, TUE obriga, por outro lado, os Estados‑Membros a estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União.

53      Caso os valores‑limite de dióxido de azoto sejam excedidos, após 1 de janeiro de 2010, num Estado‑Membro que não pediu a prorrogação desse prazo em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, o artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva impõe‑lhe uma obrigação clara de elaboração de um plano relativo à qualidade do ar em conformidade com certas exigências (v., por analogia, acórdão Janecek, C‑237/07, EU:C:2008:447, n.° 35).

54      Por outro lado, segundo jurisprudência constante, os particulares podem invocar contra as autoridades públicas disposições incondicionais e suficientemente precisas de uma diretiva. Cabe igualmente às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais interpretar, na medida do possível, as disposições do direito nacional num sentido compatível com os objetivos dessa diretiva. Se não puder ser efetuada essa interpretação, cabe‑lhes afastar as regras do direito nacional incompatíveis com a referida diretiva (v., neste sentido, acórdão Janecek, EU:C:2008:447, n.° 36 e jurisprudência referida).

55      Por último, como muitas vezes recordou o Tribunal de Justiça, é incompatível com o caráter vinculativo que o artigo 288.° TFUE reconhece à Diretiva 2008/50 excluir, em princípio, que a obrigação que a mesma impõe possa ser invocada pelas pessoas em causa. Esta consideração vale sobretudo para uma diretiva cujo objetivo é controlar e reduzir a poluição atmosférica e que visa, portanto, proteger a saúde pública (v., neste sentido, acórdão Janecek, EU:C:2008:447; n.° 37).

56      Resulta do exposto que as pessoas singulares ou coletivas diretamente afetadas por um risco de excedência dos valores‑limite depois de 1 de janeiro de 2010 devem poder obter das autoridades nacionais, recorrendo aos órgãos jurisdicionais competentes, se necessário, a elaboração de um plano relativo à qualidade do ar conforme ao artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50, quando um Estado‑Membro não tenha respeitado as exigências decorrentes do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva e não tenha pedido a prorrogação do prazo nas condições previstas no seu artigo 22.° (v., por analogia, acórdão Janecek, EU:C:2008:447, n.° 39).

57      Quanto ao conteúdo desse plano, resulta do artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 que, embora os Estados‑Membros disponham de uma certa margem de apreciação na determinação das medidas a adotar, estas devem, de qualquer modo, permitir que o período durante o qual os valores‑limite são ultrapassados seja o mais curto possível.

58      Importa, por conseguinte, responder à quarta questão que, quando um Estado‑Membro não tenha respeitado as exigências decorrentes do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 e não tenha pedido a prorrogação do prazo nas condições previstas no artigo 22.° desta diretiva, incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente, eventualmente chamado a conhecer do processo, adotar, contra a autoridade nacional, qualquer medida necessária, como uma injunção, para que esta autoridade elabore o plano exigido pela referida diretiva, nas condições que a mesma prevê.

 Quanto às despesas

59      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa, deve ser interpretado no sentido de que exige que o Estado‑Membro, para poder prorrogar por cinco anos, no máximo, o prazo fixado nesta diretiva para respeitar os valores‑limite de dióxido de azoto indicados no seu anexo XI, faça um pedido nesse sentido e elabore um plano relativo à qualidade do ar, quando se afigure objetivamente, atendendo aos dados existentes, e apesar de esse Estado aplicar medidas adequadas de luta contra a poluição, que esses valores não poderão ser respeitados numa determinada zona ou aglomeração, no prazo indicado. A Diretiva 2008/50 não prevê nenhuma exceção à obrigação resultante do referido artigo 22.°, n.° 1.

2)      Caso se afigure que os valores‑limite de dióxido de azoto fixados no anexo XI da Diretiva 2008/50 não podem ser respeitados, numa determinada zona ou aglomeração de um Estado‑Membro, depois de 1 de janeiro de 2010, data indicada neste anexo, e o Estado‑Membro em causa não tenha pedido a prorrogação desse prazo em conformidade com o artigo 22.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, a elaboração de um plano relativo à qualidade do ar conforme ao artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva não permite, por si só, considerar que este Estado preencheu, não obstante, as obrigações que o artigo 13.° da referida diretiva lhe impõe.

3)      Quando um Estado‑Membro não tenha respeitado as exigências decorrentes do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 e não tenha pedido a prorrogação do prazo nas condições previstas no artigo 22.° desta diretiva, incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente, eventualmente chamado a conhecer do processo, adotar, contra a autoridade nacional, qualquer medida necessária, como uma injunção, para que esta autoridade elabore o plano exigido pela referida diretiva, nas condições que a mesma prevê.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.