Language of document : ECLI:EU:C:2018:1037

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 19 de dezembro de 2018 (1)

Processo C‑598/17

A‑Fonds

contra

Inspecteur van de Belastingdienst

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Recurso de Hertogenbosch, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Auxílios existentes e auxílios novos — Conceito de “auxílio novo’’ — Auxílio ilegal — Restituição do imposto sobre os dividendos — Regime alargado às sociedades estabelecidas fora do território do Estado‑Membro em causa — Livre circulação de capitais — Função dos órgãos jurisdicionais nacionais — Possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais apreciarem as modalidades de um regime de auxílio ao abrigo de disposições do Tratado FUE que não sejam os artigos 107.º e 108.º — Competência exclusiva da Comissão»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Recurso de Hertogenbosch, Países Baixos) tem por objeto a interpretação dos artigos 107.º e 108.º TFUE (2).

2.        O presente reenvio prejudicial insere‑se no âmbito de um litígio que opõe o A‑Fonds, um organismo de investimentos de direito alemão, ao Inspecteur van de Belastingdienst (Inspeção da administração fiscal, Países Baixos, a seguir «administração fiscal»). O A‑Fonds pretende que lhe seja restituído o imposto neerlandês sobre os dividendos que foi retido, a título dos exercícios de 2002/2003 a 2007/2008, e invoca para tal o direito à livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º TFUE.

3.        A administração fiscal indeferiu esta restituição pelo facto de o A‑Fonds não estar estabelecido nos Países Baixos. O órgão jurisdicional de reenvio considera que este indeferimento constitui uma violação do artigo 63.º TFUE e que, para pôr termo à mesma, deve ser dado provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos apresentado pelo A‑Fonds.

4.        Este órgão jurisdicional interroga‑se, no entanto, sobre a conformidade de tal decisão com o direito em matéria de auxílios de Estado. Por considerar que a medida fiscal neerlandesa que prevê a restituição do imposto sobre os dividendos constitui um regime de auxílios de Estado existente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a regulamentação em matéria de auxílios de Estado se opõe a que seja dado provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos que o A‑Fonds apresentou ao abrigo do artigo 63.º TFUE, uma vez que esta decisão tem por efeito alargar o círculo dos beneficiários do regime de auxílios em causa.

5.        Nas presentes conclusões, explicarei, a título principal, as razões pelas quais considero que o órgão jurisdicional de reenvio não tem competência para apreciar a compatibilidade do requisito de residência da medida fiscal neerlandesa em causa no processo principal com o artigo 63.º TFUE, devido à competência exclusiva da Comissão Europeia para apreciar a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado da União que resulta dos artigos 107.º e 108.º TFUE, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Iannelli (3) e Nygård (4).

6.        A título subsidiário, caso o Tribunal de Justiça assim não entenda, tal implica, a meu ver, que o órgão jurisdicional de reenvio, ao verificar a incompatibilidade do requisito de residência com o artigo 63.º TFUE, não deve este requisito e deverá dar provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos que o recorrente no processo principal apresentou. No final da minha análise, considerarei que tal decisão não constitui, em si, uma medida de auxílio de Estado e que dela não decorre, para os órgãos jurisdicionais nacionais, nenhuma obrigação de notificação da Comissão.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

7.        O artigo 1.º, alínea b), ponto i), do Regulamento (CE) n.º 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.º do Tratado CE (5) prevê que constitui um «auxílio existente», «qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respetivo Estado‑Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data».

8.        O artigo 1.º, alínea c), do referido regulamento, prevê que constitui um «novo auxílio» «quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente».

B.      Direito neerlandês

a)      Wet op de vennootschapsbelasting (Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) de 8 de outubro de 1969

9.        O artigo 2.º, n.º 1, alíneas f) e g), da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas(6) dispõe:

«1.      São sujeitas ao imposto enquanto contribuintes nacionais as seguintes entidades estabelecidas nos Países Baixos:

[…]

f)      Os fundos comuns de investimentos;

g)      As empresas, referidas no n.º 3, de pessoas coletivas de direito público.»

10.      O artigo 2.º, n.º 3, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas enumera uma lista de empresas que intervêm em determinados setores económicos.

11.      O artigo 2.º, n.º 7, desta lei prevê:

«Os organismos de que apenas pessoas coletivas de direito público neerlandês sejam direta ou indiretamente acionistas, associadas ou membros, bem como os organismos cujos administradores sejam exclusivamente nomeados e exonerados direta ou indiretamente por pessoas coletivas de direito público neerlandês e cujo património reverte exclusivamente para pessoas coletivas de direito público neerlandês em caso de liquidação, só são sujeitos ao imposto se explorarem uma empresa na aceção do n.º 3.»

b)      Wet op de dividendbelasting (Lei do imposto sobre os dividendos) de 23 de dezembro de 1965

12.      O artigo 1.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos dispõe:

«Sob a denominação de ‘imposto sobre os dividendos’ é cobrado um imposto direto a todos aqueles que, diretamente ou através de certificados, têm direito aos rendimentos provenientes de ações […]»

13.      Na versão em vigor em 1 de janeiro de 2002, o artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos dispunha (7):

«1.      Por decisão a tomar pelo inspetor e que é suscetível de ser objeto de reclamação, é concedida à pessoa coletiva estabelecida nos Países Baixos sem estar sujeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a seu pedido, a restituição do imposto sobre os dividendos que lhe foi retido durante um ano civil, sempre que o referido imposto ultrapasse o montante de 23 euros. A primeira frase não se aplica ao imposto sobre os dividendos cobrado sobre rendimentos de que a pessoa coletiva não seja a beneficiária efetiva. O pedido é efetuado através de uma declaração apresentada num prazo a fixar por regulamento ministerial.»

14.      Em 1 de janeiro de 2007, um novo n.º 4 entrou em vigor no artigo 10.º da Lei do imposto sobre os dividendos:

«4.      O primeiro parágrafo é aplicável por analogia a uma pessoa coletiva estabelecida noutro Estado‑Membro da União Europeia que não seja sujeita, nesse Estado‑Membro, a uma tributação de lucros e que, se estivesse estabelecida nos Países Baixos, também não seria sujeita ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.      O A‑Fonds é um fundo de investimentos de direito alemão que não tem personalidade jurídica (SpezialSondervermögen), cujas ações são detidas na totalidade, desde a sua origem, por um organismo de direito público (Anstalt des öffentlichen Rechts) que goza de personalidade jurídica e que é constituído por uma união de municípios alemães. Esta última exerce atividades bancárias, mas não tem por único objetivo a obtenção de lucros. Tem também a seu cargo uma missão de serviço público, a saber, contribuir com os seus rendimentos para o apoio de atividades, designadamente, sociais, culturais, desportivas, científicas e educativas.

16.      Durante os exercícios de 2002/2003 a 2007/2008, o A‑Fonds deteve ações ou participações em sociedades neerlandesas. Durante este período, foi retido um imposto sobre os dividendos distribuídos por estas sociedades ao A‑Fonds, tendo este último pedido a restituição do mesmo à administração fiscal neerlandesa ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos. Este pedido foi indeferido com o fundamento de que o fundo não estava estabelecido nos Países Baixos, conforme exigido pelo referido artigo.

17.      No que se refere à finalidade do artigo 10.º, n.º 1, da referida lei, o órgão jurisdicional de reenvio, referindo‑se a um acórdão proferido pelo Hoge Raad (Supremo Tribunal, Países Baixos) (8), explica que a não sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas é alargada ao pagamento por conta constituído, no regime fiscal neerlandês, pelo imposto sobre os dividendos, e que este objetivo é limitado a determinadas pessoas coletivas, entre as quais as pessoas coletivas de direito público não sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

18.      O A‑Fonds intentou no rechtbank Zeeland‑West‑Brabant te Breda (Tribunal de Primeira Instância de Zeeland‑West‑Brabant de Breda, Países Baixos) ações de anulação daquelas decisões em cujo âmbito alegou, designadamente, que a restrição do direito à restituição do imposto neerlandês sobre os dividendos aos organismos públicos estabelecidos nos Países Baixos referidos no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos é contrária ao artigo 63.º TFUE. Este órgão jurisdicional indeferiu as ações por decisão de 6 de maio de 2014.

19.      O A‑Fonds interpôs recurso desta decisão no Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Recurso de Hertogenbosch).

20.      Por considerar que o recorrente no processo principal se encontra numa situação objetivamente comparável à dos organismos públicos estabelecidos nos Países Baixos e não sujeitos ao imposto neerlandês sobre o rendimento das pessoas coletivas, o órgão jurisdicional de reenvio entende que a recusa em conceder ao recorrente uma restituição do imposto sobre os dividendos, baseada no facto de não estar estabelecido nos Países Baixos, constitui uma violação do artigo 63.º TFUE e que, para pôr termo à mesma, deve ser dado provimento ao pedido de restituição.

21.      Todavia, aquele órgão jurisdicional interroga‑se sobre a conformidade de tal decisão com o direito em matéria de auxílios de Estado.

22.      Resulta da decisão de reenvio que aquele órgão jurisdicional, baseando‑se numa decisão de 2 de maio de 2013 proferida pela Comissão, considera que a regulamentação relativa ao direito à restituição do imposto sobre os dividendos, prevista no artigo 10.º, n.º 1, da Lei relativa ao imposto sobre os dividendos, constitui um regime de auxílios de Estado existente(9).

23.      Nessa decisão, a Comissão declarou que a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas para determinados organismos públicos, prevista no artigo 2.º, n.º 7, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, constitui um regime de auxílios existente incompatível com o mercado da União por este regime se aplicar apenas aos organismos públicos que exercem atividades económicas e que se encontram, assim, numa situação comparável à das empresas privadas(10).

24.      Por considerar que a restituição do imposto sobre os dividendos, que constitui um pagamento por conta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, constitui o corolário da não sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o órgão jurisdicional de reenvio entende que tanto a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, prevista na Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, como a medida fiscal controvertida instituem um mesmo regime de auxílio existente que foi qualificado como tal pela Comissão na sua decisão de 2 de maio de 2013.

25.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o processo principal é um processo piloto e que a administração fiscal neerlandesa já recebeu cerca de 1 000 pedidos de restituição semelhantes.

26.      Neste contexto, o Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Recurso de Hertogenbosch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve considerar‑se que a ampliação do alcance de um regime de auxílio existente na sequência da invocação com êxito, por parte de um sujeito passivo, do direito à livre circulação de capitais consagrado no artigo 56.º do Tratado CE (atual artigo 63.º do TFUE) constitui uma alteração a um auxílio existente e, por conseguinte, um auxílio novo?

2)      Em caso de resposta afirmativa, opõe‑se o exercício das competências do órgão jurisdicional nacional nos termos do artigo 108.º, n.º 3, do TFUE a que seja concedido ao sujeito passivo um benefício fiscal que este possa invocar nos termos do artigo 56.º do Tratado CE (atual artigo 63.º do TFUE), ou deve a Comissão ser informada quanto ao projeto de decisão judicial de conceder aquele benefício, ou deve o órgão jurisdicional nacional tomar outra decisão ou medida, à luz da função de supervisão que lhe é atribuído pelo artigo 108.º, n.º 3, do TFUE?»

27.      Foram apresentadas observações escritas pelo A‑Fonds, pelo Governo neerlandês e pela Comissão.

IV.    Análise

A.      Considerações preliminares sobre a medida fiscal controvertida

28.      O litígio no processo principal tem por objeto a restituição do imposto sobre os dividendos, prevista no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos (a seguir «medida fiscal controvertida»). Esta medida fiscal controvertida está estreitamente associada à isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas para determinados organismos públicos, prevista no artigo 2.º, n.º 7, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

29.      Assim, nos termos do artigo 2.º, n.º 7, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, os organismos controlados direta ou indiretamente pela autoridade pública neerlandesa só são sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas se exercerem uma das atividades enumeradas no artigo 2.º, n.º 3, desta mesma lei.

30.      Para os organismos públicos estabelecidos nos Países Baixos que não exerçam uma dessas atividades e que, por conseguinte, não estejam sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, a lei do imposto sobre os dividendos prevê, no seu artigo 10.º, n.º 1, uma restituição do imposto sobre os dividendos que tenha sido retido durante um ano civil.

B.      Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

31.      Resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se baseou na decisão de 2 de maio de 2013 da Comissão quando qualificou a medida fiscal controvertida de regime de auxílio existente (11).

32.      No entanto, esta decisão não diz formalmente respeito ao regime de restituição do imposto sobre os dividendos previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos. Com efeito, esta disposição não foi analisada ou mencionada pela Comissão na referida decisão nem na sua decisão subsequente, relativa à reforma legislativa adotada nos Países Baixos na sequência da decisão de 2 de maio de 2013 (12). Estas duas decisões só dizem formalmente respeito à isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas para as empresas públicas nos termos da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

33.      Uma vez que, nas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio se baseou na premissa de que a Comissão também qualificou a medida fiscal controvertida de regime de auxílios existente, a Comissão alega que o pedido de decisão prejudicial deve ser julgado inadmissível por não conter os elementos de facto e de direito que são necessários para responder de forma útil às questões que foram colocadas.

34.      A este respeito, a Comissão considera que as informações constantes da decisão de reenvio não permitem determinar se o artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos constitui um regime de auxílios se, em caso de resposta afirmativa, este regime de auxílios constitui um regime de auxílio existente ou novo e se é compatível com o mercado da União.

35.      No que respeita à questão de saber se a medida fiscal controvertida constitui um regime de auxílios, a Comissão alega que não é possível aplicar por analogia o raciocínio seguido nas decisões acima referidas, designadamente porque não se pode excluir que o círculo de beneficiários a título do artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos é mais amplo do que o previsto no artigo 2.º, n.º 7, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

36.      A Comissão acrescenta que a medida fiscal controvertida foi alterada várias vezes desde a sua introdução, o que também não permite saber se se trata de um regime de auxílios existente (13).

37.      Em todo o caso, segundo a Comissão, o alargamento do círculo de beneficiários da restituição do imposto sobre os dividendos, destinado a assegurar a sua conformidade com o artigo 63.º TFUE, constitui uma alteração distinta do regime previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos, cuja apreciação deve ser feita separadamente deste regime e que, por conseguinte, não é suscetível de influenciar a apreciação da medida fiscal controvertida. A este respeito, a Comissão alega que a decisão de reenvio não contém informações suficientes para determinar se esta alteração distinta constitui, em si, um auxílio na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE.

38.      No que respeita à admissibilidade das decisões prejudiciais, há que recordar que, A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, sempre que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Daqui resulta que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (14).

39.      Quanto a este último ponto, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao órgão jurisdicional nacional exige, como sublinha o artigo 94.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que o órgão jurisdicional nacional defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam (15).

40.      No entanto, devido ao espírito de cooperação que preside às relações entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça no âmbito do processo prejudicial, a falta de determinadas constatações prévias efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não conduz necessariamente à inadmissibilidade do pedido de decisão prejudicial se, não obstante essas falhas, o Tribunal de Justiça, face aos elementos dos autos, considerar que está em condições de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio (16).

41.      Importa sublinhar que a questão de saber se a medida fiscal controvertida constitui uma medida de auxílio não constitui o objeto das questões prejudiciais. Não deixa de ser verdade que as duas questões prejudiciais só são pertinentes no caso de essa medida fiscal for efetivamente um auxílio de Estado.

42.      Neste contexto, saliento que, embora a medida controvertida constitua um benefício fiscal, as informações factuais e jurídicas fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são suficientes para determinar se não há dúvidas de que esse benefício institui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.º TFUE.

43.      É certo que a medida fiscal controvertida, adotada a título de pagamento por conta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, pode eventualmente ser considerada um regime de auxílios de Estado na medida em que se aplica às pessoas coletivas neerlandesas para as quais a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas prevista no artigo 2.º, n.º 7, da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas constitui um auxílio de Estado abrangido pelas decisões da Comissão.

44.      Todavia, como alega a Comissão, não havendo precisões quanto ao regime jurídico aplicável à restituição do imposto sobre os dividendos, não se conhecem o âmbito de aplicação exato do artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos, nem, sobretudo, as respetivas modalidades concretas de aplicação, as quais são necessárias para apreciar o conjunto dos critérios que permitem qualificar uma medida de auxílio de Estado.

45.      No entanto, a meu ver, o facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter apresentado essas constatações prévias não impede o Tribunal de Justiça de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal.

46.      Neste processo, uma vez que a qualificação da medida fiscal controvertida como «auxílio de Estado» não é objeto do presente pedido de decisão prejudicial e uma vez que a mesma depende da apreciação que vier a ser efetuada pelo órgão jurisdicional nacional (17), ainda que o órgão jurisdicional de reenvio tenha conferido às decisões um âmbito mais alargado do que aquele que foi dado pela Comissão, tal não obsta, em si mesmo, a que o Tribunal de Justiça possa dar uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal.

47.      Além disso, saliento a qualificação de auxílio de Estado pelo órgão jurisdicional de reenvio parece ser possível, atendendo a que a Comissão qualificou de regime de auxílios a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas prevista para determinados organismos públicos pela Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas bem como à relação entre este regime e a medida fiscal controvertida.

48.      Além disso, se este regime constituir efetivamente um regime de auxílio, as dúvidas sobre a questão de saber se este regime de auxílio é existente ou novo, devido a múltiplas alterações introduzidas desde a sua implementação, não impedem que se responda de forma útil ao órgão jurisdicional de reenvio, considerando sucessivamente as hipóteses em que a medida fiscal controvertida constitui um regime de auxílios existente ou novo.

49.      A questão de saber se a medida fiscal controvertida constitui um auxílio de Estado compatível com o mercado da União também não é determinante para poder dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio. Na hipótese de um auxílio existente, deve presumir‑se que esse auxílio é legal enquanto a Comissão não tiver declarado a sua incompatibilidade com o mercado da União (18), o que se verifica no processo principal, no qual a Comissão não se pronunciou especificamente sobre a medida fiscal controvertida.

50.      Na hipótese de um auxílio novo, e na falta de informações relativas à notificação do auxílio, não é de excluir que este seja ilegal na aceção do artigo 1.º, alínea f), do Regulamento n.º 659/1999. Com efeito, afigura‑se que este auxílio foi implementado antes de ser autorizado por uma decisão da Comissão, em violação do artigo 108.º, n.º 3, TFUE. As consequências destas duas situações podem ser utilmente consideradas nas sucessivas hipóteses de um regime de auxílio existente ou novo.

51.      Por último, saliento que a questão de saber se uma decisão do órgão jurisdicional de reenvio que dê provimento ao pedido de restituição apresentado pelo A‑Fonds (19) constitui, em si, um auxílio de Estado só é pertinente se se considerar, como a Comissão, que tal decisão é suscetível de constituir um auxílio de Estado. Conforme explicarei nas presentes conclusões, não me revejo nesta análise da Comissão (20).

52.      Resulta de todas estas considerações que, embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias para qualificar a medida fiscal controvertida de auxílio de Estado, a decisão de reenvio contém elementos de facto e de direito suficientes para permitir que o Tribunal de Justiça dê ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para a solução do litígio no processo principal.

53.      Por conseguinte, as questões submetidas a título prejudicial são, a meu ver, admissíveis.

54.      Para responder às questões prejudiciais, parto do pressuposto, nos desenvolvimentos seguintes, que o benefício fiscal previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos constitui efetivamente um regime de auxílio de Estado.

C.      Quanto às questões prejudiciais

1.      Considerações preliminares sobre as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio

55.      Verifico, desde já, que o órgão jurisdicional de reenvio não questiona o Tribunal de Justiça sobre a livre circulação de capitais, cuja violação lhe parece ser certa face ao requisito de residência da medida fiscal controvertida (21). Por conseguinte, não abordarei este ponto nas minhas conclusões.

56.      Com as suas duas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se uma decisão de um órgão jurisdicional nacional que tem por efeito alargar o círculo de beneficiários de um regime de auxílios de Estado existente, pode constituir, em si, um auxílio de Estado e, mais especificamente, um auxílio novo na aceção do artigo 1.º, alínea c), do Regulamento n.º 659/1999, na medida em que altera um auxílio existente. Se assim for, pretende saber, em substância, se o órgão jurisdicional nacional tem a obrigação de notificar essa decisão à Comissão nos termos do artigo 108.º, n.º 3, TFUE.

57.      Resulta da decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga igualmente sobre a questão de saber se é competente para apreciar a compatibilidade do requisito de residência com o artigo 63.º TFUE e dar provimento ao pedido do A‑Fonds, tendo em conta a repartição das competências entre os órgãos jurisdicionais nacionais e a Comissão que decorre dos artigos 107.º e 108.º TFUE, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos Iannelli (22) e Nygård (23).

58.      Uma vez que as duas questões prejudiciais só são pertinentes se o órgão jurisdicional de reenvio for competente para apreciar o elemento do regime de auxílios à luz do artigo 63.º TFUE, exporei a minha análise sobre este ponto prévio (secção 2), antes de responder às duas questões prejudiciais que tratarei conjuntamente (secção 3).

2.      Quanto à competência do órgão jurisdicional de reenvio para fiscalizar a compatibilidade do requisito de residência da medida fiscal controvertida à luz do artigo 63.º TFUE (questão prévia às questões prejudiciais)

59.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se é competente para fiscalizar a compatibilidade do requisito de residência da medida fiscal controvertida, qualificada de auxílio de Estado, com o artigo 63.º TFUE.

60.      Parece‑me importante esclarecer o órgão jurisdicional de reenvio sobre este ponto, uma vez que o litígio no processo principal evidencia, a meu ver, a necessária articulação entre as regras que regem o controlo dos auxílios de Estado e a proteção das liberdades de circulação que o juiz nacional deve assegurar pelo efeito direto.

61.      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a execução do sistema de controlo de auxílios de Estado, conforme resulta dos artigos 107.º e 108.º TFUE, incumbe, por um lado, à Comissão e, por outro, aos órgãos jurisdicionais nacionais, sendo os seus respetivos papéis complementares, embora distintos (24).

62.      Enquanto a apreciação da compatibilidade de medidas de auxílios com o mercado da União seja da competência exclusiva da Comissão, que atua sob o controlo dos órgãos jurisdicionais da União, os órgãos jurisdicionais nacionais zelam, até à decisão final da Comissão, pela salvaguarda dos direitos dos particulares face a uma eventual inobservância, por parte das autoridades estatais, da proibição prevista no artigo 108.º, n.º 3, TFUE. A intervenção dos órgãos jurisdicionais nacionais resulta do efeito direto reconhecido a esta disposição, que visa proibir a execução dos projetos de auxílio antes da autorização da Comissão (25).

63.      O Tribunal de Justiça reafirmou por diversas vezes que a função principal e exclusiva reservada à Comissão, nos artigos 107.º e 108.º TFUE, relativamente ao reconhecimento da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado da União é fundamentalmente diferente da que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais no que se refere à proteção dos direitos que o efeito direto da proibição estabelecida no último período do artigo 108.º, n.º 3, TFUE (26) confere aos particulares.

64.      No que se refere à Comissão, o Tribunal de Justiça declarou que, embora o processo previsto nos artigos 107.º e 108.º TFUE confira uma ampla margem de apreciação a esta instituição para julgar da compatibilidade de um regime de auxílios de Estado com as exigências do mercado da União, este processo não deve nunca conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado (27). Daqui resulta uma obrigação para a Comissão de respeitar a coerência entre o artigo 107.º TFUE e outras disposições do Tratado. Esta obrigação da Comissão impõe‑se muito especialmente quando essas outras disposições tenham também como objetivo garantir uma concorrência não falseada no mercado da União (28).

65.      No que se refere à função dos órgãos jurisdicionais nacionais, o Tribunal de Justiça recordou regularmente que estes devem garantir aos sujeitos de direito que todas as consequências de uma violação do artigo 108.º, n.º 3, TFUE serão retiradas, em conformidade com o seu direito nacional, no que respeita tanto à validade dos atos de execução das medidas de auxílio como à recuperação dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição. Com efeito, embora os órgãos jurisdicionais nacionais sejam levados, para esse efeito, a determinar se uma medida nacional deve, ou não, ser qualificada de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.º TFUE, não é por este motivo que se podem pronunciar sobre a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado da União, uma vez que essa apreciação releva da competência exclusiva da Comissão, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça (29).

66.      Porém, é também jurisprudência constante que das liberdades fundamentais do Tratado FUE que produzem um efeito direto decorrem direitos para os particulares, cabendo aos órgãos jurisdicionais nacionais tutelá‑los. Assim, o órgão jurisdicional nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as normas do direito da União tem nomeadamente obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas, não aplicando, se necessário e por força da autoridade que é a sua, qualquer disposição contrária da legislação nacional (30).

67.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já foi confrontado com a questão de saber se a competência exclusiva da Comissão para apreciar a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado da União, nos termos dos artigos 107.º e 108.º Tratado FUE, se opõe a que, em caso de violação de outras disposições do Tratado que têm efeito direto, estas disposições possam ser invocadas perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

68.      A este respeito, no Acórdão Iannelli (31), o Tribunal de Justiça foi nomeadamente interrogado sobre a questão de saber se uma medida de auxílio existente, relativamente à qual a Comissão não tinha, nas datas pertinentes no processo principal, proferido uma decisão de compatibilidade, podia também ser objeto, pelo juiz nacional, de uma apreciação à luz das disposições relativas à livre circulação de mercadorias, em especial do artigo 34.º TFUE (32).

69.      O Tribunal de Justiça começou por recordar que o facto de um sistema de auxílios de Estado ou proveniente de recursos estatais, apenas porque favorece certas empresas ou produções nacionais, ser suscetível de impedir, pelo menos indiretamente, a importação de produtos similares ou concorrentes provenientes de outros Estados‑Membros não é suficiente, por si só, para equiparar um auxílio, enquanto tal, a uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa na aceção do artigo 34.º Além disso, uma interpretação tão extensiva do referido artigo 34.º TFUE que equiparasse um auxílio, enquanto tal, na aceção do artigo 107.º TFUE, a uma restrição quantitativa visada no artigo 34.º TFUE alteraria o âmbito dos artigos 107.º e 108.º TFUE e prejudicaria o sistema de repartição de competências que o Tratado instaurou com o procedimento de exame permanente do artigo 108.º TFUE.

70.      O Tribunal acrescenta que as regras de atribuição de um auxílio de Estado que contrariem disposições específicas do Tratado FUE, que não sejam as dos artigos 107.º e 108.º TFUE, podem estar tão «indissoluvelmente ligadas ao objeto do auxílio que não seja possível apreciá‑las isoladamente, de forma que o seu efeito sobre a compatibilidade ou incompatibilidade do auxílio no seu conjunto deve necessariamente ser apreciada por recurso ao procedimento do artigo [108.º TFUE]» (33).

71.      No entanto, o Tribunal de Justiça reconheceu que «[a] situação é todavia diferente no caso de ser possível, na análise de um regime de auxílios, isolar condições ou elementos que, se bem que integrando esse regime, podem ser considerados desnecessários para a realização dos seus objetivos ou para o seu funcionamento». Nesta última hipótese, «não é possível invocar a repartição de competências decorrente dos artigos [107.º e 108.º TFUE] para concluir que, na hipótese de violação de outras disposições do Tratado com efeito direto, estas disposições não possam ser invocadas perante os órgãos jurisdicionais nacionais pelo simples facto de o elemento em questão constituir uma regra de atribuição de um auxílio» (34).

72.      Em 2002, o Tribunal de Justiça voltou a pronunciar‑se sobre esta questão no Acórdão Nygård (35). Neste último processo, o Tribunal de Justiça foi interrogado sobre a questão de saber se a circunstância de uma imposição nacional se destinar ao financiamento de um regime de auxílio que foi autorizado pela Comissão em aplicação das disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional proceda a uma apreciação da compatibilidade da referida imposição com outras disposições do Tratado FUE, que tenham efeito direto, designadamente o artigo 110.º TFUE (36).

73.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça começou por recordar que, embora os artigos 107.º e 108.º TFUE, por um lado, e o artigo 110.º TFUE, por outro, prossigam objetivos idênticos, que consistem em evitar que dois tipos de intervenções de um Estado‑Membro — a saber, a concessão de auxílios, por um lado, e a imposição de um imposto discriminatório, por outro — tenham como efeito falsear as condições de concorrência no mercado da União, no entanto, estas disposições assentam em condições de aplicação distintas, específicas dos dois tipos de medidas estatais que têm, respetivamente, por objeto regular e, além disso, diferem quanto às suas consequências jurídicas, sobretudo no sentido de que a aplicação dos artigos 107.º e 108.º TFUE deixa uma ampla margem para intervenção da Comissão, diferentemente do que acontece com o artigo 110.º TFUE (37). O Tribunal de Justiça concluiu que as práticas de discriminação fiscal não estão excluídas da aplicação do artigo 110.º TFUE pelo facto de poderem ser qualificadas simultaneamente como modo de financiamento de um auxílio de Estado.

74.      O Tribunal de Justiça acrescentou que a existência do processo previsto no artigo 108.º TFUE de modo algum obsta a que a compatibilidade de um regime de auxílios seja apreciada em relação a regras do direto da União diferentes das contidas no artigo 107.º TFUE, relativamente a disposições do Tratado que têm efeito direto, pelos órgãos jurisdicionais nacionais (38).

75.      No entanto, remetendo para o Acórdão Iannelli (39), o Tribunal de Justiça recordou que «a possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais apreciarem as modalidades de um regime de auxílios à luz de disposições do [Tratado FUE] diferentes das dos artigos [107.º e 108.º TFUE] pressupõe que as modalidades em questão sejam suscetíveis de ser apreciadas isoladamente, ou seja, que se trate de condições ou elementos que, se bem que integrando o regime de auxílio em causa, não são necessários para a realização dos seus objetivos ou para o seu funcionamento». Se «for esse o caso, não é possível invocar a repartição de competências decorrente dos [artigos 107.º e 108.º TFUE] para concluir que, na hipótese de violação de outras disposições do Tratado com efeito direto, estas últimas não possam ser invocadas perante os órgãos jurisdicionais nacionais pelo simples facto de o elemento em questão constituir uma regra de atribuição de um auxílio». (40)

76.      Em contrapartida, resulta desta jurisprudência que, se estiverem em causa requisitos ou elementos que sejam necessários para a realização dos objetivos ou para o funcionamento do regime de auxílios, a repartição de competências opõe‑se a que os órgãos jurisdicionais nacionais apreciem a compatibilidade desses requisitos à luz de regras diferentes das contidas no artigo 107.º TFUE.

77.      No caso em apreço, verifico que o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com uma problemática semelhante à que foi tratada pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos acima referidos, não obstante últimos terem sido proferidos em contextos diferentes.

78.      Assim, no caso vertente, não posso concordar com a Comissão quando indica que a invocação do artigo 63.º TFUE no litígio no processo principal é independente da competência exclusiva da Comissão para apreciar a compatibilidade de medidas de auxílio com o mercado da União, quando está precisamente em causa a articulação entre as duas ordens de competência.

79.      À semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, tendo a considerar que a jurisprudência acima referida é pertinente no presente caso. Assim, esta jurisprudência permite assegurar a proteção jurídica decorrente, para os particulares, do efeito direto das disposições do Tratado e, em caso de violação dessas disposições, restabelecer a legalidade no plano interno, sem com isso pôr em causa o papel central e exclusivo reservado, nos artigos 107.º e 108.º TFUE, à Comissão para a apreciação da compatibilidade de um auxílio com o mercado da União (41).

80.      No presente caso, a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio pode fiscalizar o requisito de residência à luz do artigo 63.º TFUE depende, por conseguinte, da questão de saber se este requisito é suscetível de ser apreciada isoladamente, na medida em que não é necessária para a realização dos objetivos ou para o funcionamento do regime de auxílios em causa. Admito que esta análise não é evidente, tanto mais que, que eu saiba, o Tribunal de Justiça não se pronunciou ainda sobre uma situação na qual se considera que uma modalidade de auxílio é necessária para a realização dos objetivos ou para o funcionamento do regime de auxílios em causa para excluir a competência do juiz nacional.

81.      A meu ver, uma modalidade é necessária para a realização dos objetivos ou para o funcionamento de um auxílio sempre que for um elemento constitutivo ou essencial do auxílio, pelo que se for inaplicável haverá que alterar o âmbito ou as características principais do auxílio.

82.      No presente caso, parece‑me, como alega o Governo neerlandês, que o requisito de residência nos Países Baixos é necessário para a realização dos objetivos ou para o funcionamento do regime de auxílio em causa.

83.      Com efeito, à luz dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre o objetivo da medida fiscal controvertida, é facto assente que o legislador neerlandês limitou o âmbito do regime previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei relativa ao imposto sobre os dividendos às sociedades estabelecidas nos Países Baixos que não estejam sujeitas à cobrança do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. Com efeito, como alega o Governo neerlandês, as empresas de direito público estabelecidas nos Países Baixos que estão isentas do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas não podem imputar no imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas o imposto sobre os dividendos que foi retido. Para evitar que o imposto sobre os dividendos continue, neste caso, a pesar sobre os dividendos recebidos, a medida fiscal controvertida prevê a restituição do imposto sobre os dividendos que foi retido.

84.      Resulta desta regulamentação que o requisito de residência nos Países Baixos constitui um requisito para a concessão do auxílio e, consequentemente, determina os beneficiários do auxílio. Este requisito é assim um elemento constitutivo e essencial do auxílio. A inaplicabilidade deste requisito de residência devido à sua incompatibilidade com o artigo 63.º TFUE, tal como apreciada pelo órgão jurisdicional de reenvio, permite que beneficiem do auxílio pessoas coletivas de direito público estabelecidas noutro Estado‑Membro e que não estão isentas do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nos Países Baixos, mas que se encontram numa situação comparável, o que tem por efeito alterar o âmbito do auxílio nos termos em que este foi previsto pelo legislador neerlandês.

85.      A meu ver, isto significa que o requisito de residência está indissoluvelmente associado ao objeto do regime da medida fiscal controvertida, pelo que o seu efeito sobre a compatibilidade ou a incompatibilidade do auxílio no seu conjunto é da competência exclusiva da Comissão nos termos do procedimento previsto nos artigos 107.º e 108.º TFUE. Daqui resulta que o órgão jurisdicional de reenvio está impedido de aplicar o artigo 63.º TFUE (42).

86.      Embora os órgãos jurisdicionais nacionais sejam normalmente obrigados a respeitar as disposições do Tratado que tenham efeito direto, considero que, para que o critério consagrado no Acórdão Iannelli e aplicado no Acórdão Nygård tenha um real significado, o critério tem, pelas razões acima expostas, de ser aplicado ao processo principal, conduzindo à incompetência do órgão jurisdicional de reenvio para fiscalizar a compatibilidade da medida fiscal controvertida com o artigo 63.º TFUE.

87.      Por conseguinte, proporei ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais que os artigos 107.º e 108.º TFUE se opõem a que um órgão jurisdicional nacional proceda a uma apreciação da compatibilidade de um requisito de residência de um regime de auxílio existente com o artigo 63.º TFUE se este requisito, como o que está em causa no processo principal, estiver indissoluvelmente associado ao regime de auxílios na medida em que é necessário para a realização dos objetivos ou para funcionamento deste último.

88.      No caso de o Tribunal de Justiça considerar que a jurisprudência acima referida não impede o órgão jurisdicional de reenvio de fiscalizar a compatibilidade do requisito de residência à luz do artigo 63.º TFUE, examinarei, a título subsidiário, na secção seguinte, a questão de saber se o direito em matéria de auxílios de Estado se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, ao abrigo do artigo 63.º TFUE, dê provimento ao pedido de restituição ao A‑Fonds.

3.      Quanto à questão de saber se o direito em matéria de auxílios de Estado se opõe a que o órgão jurisdicional nacional dê provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos a favor do AFonds ao abrigo do artigo 63.º TFUE (primeira e segunda questões prejudiciais)

89.      Como já expliquei no n.º 31 das presentes conclusões, ao suscitar as questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio baseou‑se na premissa de que a medida fiscal controvertida constituía um regime de auxílios existente. No entanto, conforme a Comissão constatou, afigura‑se que a medida fiscal controvertida foi alterada por diversas vezes (43). Não dispondo de informações suficientes prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio sobre estas alterações, não se exclui, como também referiu a Comissão, que a versão da medida fiscal controvertida em vigor durante o período pertinente para o litígio no processo principal constitua um auxílio novo na aceção do artigo 1.º, alínea c), do Regulamento n.º 659/1999.

90.      Assim, para responder às questões prejudiciais, há que examinar sucessivamente as hipóteses segundo as quais esta medida fiscal constitui um regime de auxílios existente ou novo.

91.      Nas secções seguintes, exporei as razões pelas quais, a meu ver, na hipótese de um regime de auxílios existente, o direito em matéria de auxílios de Estado não se opõe a que o órgão jurisdicional nacional dê provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos a favor do A‑Fonds ao abrigo do artigo 63.º TFUE (secção a) e, na hipótese de um regime de auxílios novo, o artigo 108.º, n.º 3, opõe‑se a esta decisão (secção b).

a)      Quanto ao regime de auxílios existente

92.      Na hipótese de a medida fiscal controvertida constituir um regime de auxílios existente, esta deve ser considerada legal na medida em que a Comissão não declarou a sua incompatibilidade com o mercado da União (44).

93.      Nesta situação, afigura‑se assim que o direito em matéria de auxílios de Estado não se opõe a que o pedido de restituição do A‑Fonds seja acolhido. Por outras palavras, se o Tribunal de Justiça não seguir a minha análise sobre a competência, tal significa, a meu ver, que, no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio, ao verificar que o requisito de residência viola o artigo 63.º TFUE, é obrigado a não aplicar este requisito e a dar provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos do recorrente no processo principal.

94.      Admito que as consequências práticas de uma tal decisão dão origem a uma situação peculiar. Embora por meio desta decisão o órgão jurisdicional nacional elimine a distorção de concorrência entre as empresas públicas estabelecidas nos Países Baixos e os organismos públicos estabelecidos noutro Estado‑Membro, tal decisão é suscetível de, simultaneamente, aumentar os efeitos de distorção de concorrência que podem existir nos termos do artigo 107.º, n.os 2 e 3, TFUE.

95.      Tendo tal decisão por efeito alargar o círculo de beneficiários de um regime de auxílios de Estado existente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a referida decisão jurisdicional pode constituir, em si, um auxílio de Estado, e mais especificamente um auxílio novo na aceção do artigo 1.º, alínea c), do Regulamento n.º 659/1999, na medida em que altera um auxílio existente e, em caso afirmativo, se existe uma obrigação de notificar esta decisão à Comissão nos termos do artigo 108.º, n.º 3, TFUE.

96.      A meu ver, uma decisão de um órgão jurisdicional nacional, proferida no âmbito da sua função de proteção da livre circulação de capitais, não é suscetível de constituir, em si, uma medida de auxílio de Estado na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE.

97.      Com efeito, e conforme foi também alegado pelo A‑Fonds e pelo Governo neerlandês, tal decisão não pode ser considerada imputável aos Estados‑Membros, na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE, o que constitui um dos requisitos para a qualificação de «auxílio de Estado».

98.      O conceito de auxílio previsto no artigo 107.º, n.º 1, TFUE visa as decisões dos Estados‑Membros através das quais estes últimos, com vista à prossecução de objetivos económicos e sociais que lhes são próprios, colocam recursos à disposição das empresas ou de outros sujeitos de direito, ou concedem vantagens destinadas a favorecer a realização dos objetivos económicos ou sociais procurados (45). Por outras palavras, a decisão de conceder um auxílio e as modalidades de tal medida constituem uma opção política que cabe aos órgãos legislativos e administrativos nacionais, sob o controlo da Comissão e a fiscalização do Tribunal de Justiça.

99.      Neste contexto, os órgãos jurisdicionais nacionais, embora façam parte de um Estado‑Membro enquanto órgãos públicos, têm por missão garantir, como órgãos jurisdicionais independentes, a observância do direito da União, pelo que as suas decisões não podem ser consideradas imputáveis ao Estado na aceção acima referida do artigo 107.º, n.º 1, TFUE e constituir, em si, uma medida de auxílio de Estado.

100. É o que sucede no litígio no processo principal. A restituição do imposto constitui apenas uma consequência da aplicação pelo juiz nacional, no âmbito das suas funções, da livre circulação de capitais a um litígio concreto.

101. Neste contexto, observo que esta decisão não tem um efeito erga omnes, dizendo apenas respeito à situação do recorrente no processo principal. A questão de saber se outras pessoas coletivas de direito público não residentes nos Países Baixos têm igualmente o direito de obter a restituição do imposto, invocando o artigo 63.º TFUE, pressupõe que o órgão jurisdicional de reenvio, à luz de uma apreciação concreta, considera que essa pessoa se encontra numa situação comparável à dos organismos públicos estabelecidos nos Países Baixos e não sujeitos ao imposto neerlandês sobre o rendimento das pessoas coletivas.

102. Pela mesma razão, uma decisão do órgão jurisdicional de reenvio que dê provimento ao pedido de restituição do A‑Fonds não terá por objeto nem por efeito alterar as disposições legislativas da medida fiscal prevista no artigo 10.º, n.º 1, da Lei do imposto sobre os dividendos de modo geral, mas implicará a inaplicabilidade de um requisito das regras nacionais contrárias ao artigo 63.º TFUE no litígio concreto que lhe foi submetido.

103. No entanto, se o Tribunal de Justiça vier a considerar que tal decisão do juiz nacional pode, através dos seus efeitos, constituir, em si, uma medida de auxílio na aceção do artigo 107.º, n.º 3, TFUE e que este auxílio é novo, o que implica uma obrigação de notificação conforme previsto no artigo 108.º, n.º 3, TFUE, chamo a atenção do Tribunal de Justiça para as dificuldades práticas resultantes de tal entendimento. Com efeito, tal conduzirá, logicamente, a que o juiz nacional suspenda a instância para notificar, eventualmente por intermédio do Governo do Estado‑Membro, o seu projeto de decisão que permite dar origem, através dos seus efeitos, a um auxílio novo. Acresce que o órgão jurisdicional nacional só poderia proferir a sua decisão após uma decisão de autorização da Comissão tomada, eventualmente, na sequência de um procedimento formal de exame, fazendo dele um processo verdadeiramente inexequível(46).

104. O artigo 108.º, n.º 3, TFUE não pode implicar, a meu ver, que a decisão de um órgão jurisdicional fique subordinada à intervenção da Comissão, quando tal puser em causa os princípios de independência e de imparcialidade da função de julgar, bem como o princípio do segredo da deliberação dos juízes. Com efeito, como alega o Governo neerlandês, a obrigação de notificar os projetos de auxílios incumbe apenas aos órgãos do Estado com capacidade para conceder auxílios, isto é, no caso vertente, o Governo neerlandês ou a administração neerlandesa.

105. Por último, observo que o órgão jurisdicional de reenvio, ao suscitar as questões prejudiciais, se refere ao Acórdão DEI (47). Apesar de este acórdão, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, poder dar a entender que uma decisão jurisdicional é suscetível, de modo geral, de constituir, em si, um auxílio novo porquanto tem por efeito alterar um auxílio existente, e que deve ser notificada nos termos do artigo 108.º, n.º 3, TFUE, não estou certo, porém, de que seja este o real alcance deste acórdão.

106. Assim, também se pode conceber que o Tribunal de Justiça se limitou a considerar, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a respeito de uma situação absolutamente peculiar e referente a uma medida provisória de um órgão jurisdicional nacional que se pronunciava em sede de um processo de medidas provisórias, que esta medida pode ter os mesmos efeitos que um auxílio de Estado e que o Tribunal Geral não podia declarar, de modo geral, que os órgãos jurisdicionais nacionais que se pronunciam em processos de medidas provisórias ficam desobrigados do cumprimento dos artigos 107.º e 108.º TFUE (48).

107. Em todo o caso, atendendo às dúvidas quanto ao real âmbito deste acórdão, convido o Tribunal de Justiça a aproveitar a oportunidade conferida pelo processo principal para alterar a sua jurisprudência decorrente do referido Acórdão DEI, se o âmbito deste acórdão for efetivamente o que foi indicado pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou para a clarificar.

108. Pelas razões acima referidas, proponho ao Tribunal de Justiça que, a título subsidiário, responda às questões submetidas que, no caso de um regime de auxílios existente relativamente ao qual a Comissão não se pronunciou, o direito em matéria de auxílios de Estado não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional dê provimento ao pedido apresentado por um beneficiário que se baseie na livre circulação de capitais no âmbito de litígio que lhe tenha sido submetido. Tal decisão não constitui, em si, um auxílio de Estado e dela não decorre nenhuma obrigação de órgãos jurisdicionais nacionais notificarem a Comissão.

b)      Quanto ao regime de auxílios novo

109. Na hipótese de a medida fiscal controvertida constituir um regime de auxílios novo na aceção do artigo 1.º, alínea c), do Regulamento n.º 659/1999, tratar‑se‑ia de um auxílio ilegal na aceção do artigo 1.º, alínea f), do referido regulamento, uma vez que este regime foi instituído em violação da obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, TFUE (49).

110. A questão que se coloca a seguir é a de saber se, não obstante a incompatibilidade do regime de auxílios com o artigo 63.º TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio pode ser obrigado a recusar a restituição do imposto sobre os dividendos ao A‑Fonds, para respeitar a proibição de execução prevista no artigo 108.º, n.º 3, TFUE.

111. Verifico que esta questão é especial no sentido de que as consequências a retirar de uma violação do artigo 63.º TFUE e as decorrentes do incumprimento da obrigação de notificação a que se refere o artigo 108.º, n.º 3, TFUE são, na realidade, contraditórias.

112. Ao passo que a violação do artigo 63.º TFUE conduz à inaplicabilidade das normas nacionais que lhe são contrárias (50), o que no caso em apreço significa, em princípio, conceder ao A‑Fonds a restituição do imposto sobre os dividendos devido à inaplicabilidade do requisito de residência, o incumprimento da obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, TFUE implica, pelo contrário, a ilegalidade e a invalidade do regime de auxílios, o que, no presente caso, impede que o A‑Fonds possa beneficiar dessa restituição.

113. Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à obrigação de notificação prevista no artigo 108.º, n.º 3, em caso de incumprimento desta obrigação, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a absterem‑se de aplicar as disposições nacionais que instituem os privilégios ilegais (51). Com efeito, quando medidas nacionais violem a proibição, a respetiva consequência jurídica é a respetiva ilegalidade (52) da qual, em princípio, decorre a sua invalidade (53).

114. No que diz mais especificamente respeito ao reembolso de um imposto constitutivo de uma medida de auxílio ilegal por ter sido concedida em violação da obrigação de notificação, o Tribunal de Justiça declarou que não é conforme com o interesse da União ordenar semelhante reembolso em benefício de outras empresas se essa decisão tiver por efeito alargar o círculo dos beneficiários do auxílio, ampliando assim os efeitos desse auxílio em vez de os eliminar (54). Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, os órgãos jurisdicionais nacionais não devem limitar‑se a alargar o auxílio a um grupo mais amplo de beneficiários (55).

115. Constato que a situação que deu origem à jurisprudência acima referida difere da situação do processo principal, na medida em que não se trata apenas de um auxílio ilegal, mas também de uma violação do artigo 63.º TFUE, à qual se põe, em princípio, termo através do dando provimento do pedido de restituição do imposto sobre os dividendos ao A‑Fonds.

116. No entanto, a meu ver, na referida situação não poderá ser de outra forma. Com efeito, os órgãos jurisdicionais nacionais devem respeitar de maneira geral e completa a proibição de execução. Importa proteger as partes afetadas pela distorção da concorrência gerada pela concessão do auxílio ilegal (56).

117. Enquanto a Comissão não tiver examinado a compatibilidade do auxílio com o mercado da União, não é, a meu ver, conforme com o direito da União que se ordene o auxílio em benefício de outras empresas se tal decisão tiver por efeito alargar o círculo de beneficiários do auxílio, aumentando assim os efeitos desse auxílio ilegal por este ter sido instituído sem autorização prévia, em vez de os eliminar (57).

118. Assim, na hipótese de um regime de auxílios novo e ilegal, a proibição de execução prevista no artigo 108.º, n.º 3, TFUE opõe‑se a que o órgão jurisdicional de reenvio dê provimento ao pedido de restituição do imposto sobre os dividendos a favor do A‑Fonds.

V.      Conclusão

119. Atendendo às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Gerechtshof ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Recurso de Hertogenbosch, Países Baixos), nos seguintes termos:

Os artigos 107.º e 108.º TFUE opõem‑se a que um órgão jurisdicional nacional proceda a uma apreciação da compatibilidade de um requisito de residência de um regime de auxílios existente com o artigo 63.º TFUE, se tal requisito, como o que está em causa no processo principal, for indissoluvelmente associado ao regime de auxílios por ser necessário para a realização dos objetivos ou para o funcionamento deste último.


1      Língua original: francês.


2      Por razões de clareza, referir‑me‑ei, nestas conclusões, às disposições do Tratado FUE, embora o Tratado CE fosse o Tratado em vigor durante o período controvertido de 2002 a 2008.


3      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51, a seguir «Acórdão Iannelli»).


4      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244).


5      Regulamento do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE (JO 1999, L 83, p. 1).


6      Trata‑se da única versão da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas citada pelo órgão jurisdicional de reenvio que não especificou o teor das alterações legislativas que possam ter ocorrido durante o período controvertido de 2002 a 2008.


7      O artigo 10.o, n.o 1, da Lei do imposto sobre os dividendos foi alterado por diversas vezes durante o período relevante para os factos no processo principal. Estas alterações não são pertinentes para o litígio no processo principal.


8      Acórdão de 15 de novembro de 2013, n.o 12/01866, NL:HR:2013:1128, BNB 2014/20.


9      Decisão da Comissão relativa ao regime de auxílios SA.25338 C(2013) 2372 final (E3/2008, ex CP 115/2004 e CP 120/2006).


10      A Comissão adotou, ao abrigo do artigo 18.o do Regulamento n.o 659/1999, uma decisão que propõe a adoção de medidas úteis para suprimir a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas concedida aos organismos públicos, para que as empresas públicas que desenvolvem atividades económicas e as empresas privadas fiquem sujeitas ao mesmo regime de tributação do rendimento das pessoas coletivas.


11      V. n.os 22 a 24 das presentes conclusões.


12      Decisão (UE) 2016/634 da Comissão, de 21 de janeiro de 2016, relativa à medida de auxílio SA.25338 (2014/C) (ex E 3/2008 e ex CP 115/2004) implementada pelos Países Baixos — Isenção do imposto sobre o rendimento das sociedades para as empresas públicas (JO 2016, L 113, p. 148). Nesta decisão, a Comissão considerou que, não obstante a reforma legislativa adotada nos Países Baixos em 2015 e que revogou, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas concedida à maioria das empresas públicas neerlandesas ao abrigo da Lei do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, o legislador neerlandês manteve, no entanto, a isenção do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas para determinados portos marítimos, a qual era constitutiva um auxílio estatal incompatível com o mercado da União.


13      A Comissão salienta que a Lei do imposto sobre os dividendos sucedeu a uma decisão relativa ao imposto sobre os dividendos datada de 1941 e que, de acordo com os documentos parlamentares, a Lei do imposto sobre os dividendos destinava‑se apenas a efetuar uma «revisão técnica» desta decisão. Porém, tanto o limite do montante para poder beneficiar da restituição como o círculo de beneficiários deste regime foram posteriormente alterados por diversas vezes. Assim, segundo a Comissão, há que apreciar se tais alterações transformaram este regime de auxílio existente num regime de auxílio novo.


14      V. Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Vervloet e o. (C‑76/15, EU:C:2016:975, n.os 56 e 57); de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania (C‑74/16, EU:C:2017:496, n.os 24 e 25); e de 7 de março de 2018, flightright e o. (C‑274/16, C‑447/16 e C‑448/16, EU:C:2018:160, n.o 46).


15      V. Acórdãos de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania (C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 26); de 9 de novembro de 2017, Ispas (C‑298/16, EU:C:2017:843, n.o 22); e de 20 de dezembro de 2017, Asociación Profesional Elite Taxi (C‑434/15, EU:C:2017:981, n.o 24).


16      V. Acórdãos de 11 dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 «Spezzino» e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 48); de 28 de janeiro de 2016, CASTA e o. (C‑50/14, EU:C:2016:56, n.o 48); de 27 de outubro de 2016, Audace e o. (C‑114/15, EU:C:2016:813, n.o 38); e de 8 de dezembro de 2016, Undis Servizi (C‑553/15, EU:C:2016:935, n.o 25).


17      V., nomeadamente, Acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598, n.o 29).


18      V., nomeadamente, Acórdão de 18 de julho de 2013, P (C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 41).


19      V. n.o 37 das presentes conclusões.


20      V. secção IV.C.3.a) das presentes conclusões.


21      No entanto, sublinho que o Governo neerlandês contesta esta apreciação do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, este governo considera que o A‑Fonds, devido às suas atividades bancárias (v., a este respeito, n.o 15 das presentes conclusões), deve ser comparado a empresas de direito público sujeitas ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, conforme sucede com outros bancos detidos pelas autoridades públicas. Segundo o Governo neerlandês, esta comparação permite concluir que o A‑Fonds e os outros bancos detidos pelas autoridades públicas são tratados de forma idêntica, visto que nenhum deles tem direito à restituição do imposto sobre os dividendos.


22      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51).


23      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244).


24      V. Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C‑354/90, EU:C:1991:440, n.o 8); de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 37); e de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa (C‑284/12, EU:C:2013:755, n.o 27).


25      V. Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C‑354/90, EU:C:1991:440, n.os 9 a 13); de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.os 36 a 38); e de 21 de novembro de 2013, Deutsche Lufthansa (C‑284/12, EU:C:2013:755, n.os 27 a 29).


26      V. Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C‑354/90, EU:C:1991:440, n.o 14); de 16 de dezembro de 1992, Lornoy e o. (C‑17/91, EU:C:1992:514, n.o 30); de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598, n.os 26 a 29); de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.os 50 e 51); e de 18 de julho de 2013, P (C‑6/12, EU:C:2013:525, n.o 38).


27      Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 41).


28      Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 42).


29      V., nomeadamente, Acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, EU:C:2001:598, n.os 27 e 29).


30      V., nomeadamente, Acórdão de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, EU:C:2007:434, n.o 61).


31      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51).


32      Anterior artigo 30.o CEE. Para maior clareza, referir‑me‑ei na parte seguinte das presentes conclusões apenas aos artigos do Tratado FUE.


33      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51, n.os 10 a 14).


34      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51, n.o 14). Desde este acórdão, o Tribunal de Justiça voltou a pronunciar‑se sobre as relações entre os artigos 34.o TFUE e 107.o TFUE, no âmbito de ações por incumprimento, designadamente, nos Acórdãos de 7 de maio de 1985, Comissão/França (18/84, EU:C:1985:175, n.o 13), e de 5 de junho de 1986, Comissão/Itália (103/84, EU:C:1986:229, n.o 19), bem como no Acórdão de 20 de março de 1990, Du Pont de Nemours Italiana (C‑21/88, EU:C:1990:121, n.os 19 a 21). Estes acórdãos poderiam levantar dúvidas sobre o alcance do Acórdão Iannelli, porquanto o Tribunal de Justiça não estabeleceu uma distinção entre modalidades de auxílio indissoluvelmente ligadas ao objeto do auxílio e modalidades que não são indissoluvelmente ligadas. No entanto, sobre este ponto, o Acórdão Iannelli foi posteriormente confirmado pelo Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244).


35      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244).


36      Anterior artigo 95.o CE.


37      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 55).


38      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 56).


39      Acórdão de 22 de março de 1977, Iannelli & Volpi (74/76, EU:C:1977:51).


40      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.os 57 e 58). A este respeito, o Tribunal constatou que, embora a análise da compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado da União incumba à Comissão, devido à análise que implica avaliações de ordem económica e social, é inegável que, para a análise da repartição do produto de uma imposição parafiscal nacional, são os órgãos jurisdicionais nacionais que estão mais bem colocados para coligir as informações necessárias e para proceder às avaliações que se impõem a este respeito, com base em dados que deveriam normalmente resultar da contabilidade e dos outros documentos relativos à gestão dos organismos que cobram a imposição e que atribuem as subvenções ou outras vantagens, v. n.o 61 do acórdão.


41      V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 62).


42      Além disso, saliento que um entendimento contrário conduz a uma situação peculiar como sucede no litígio no processo principal, na qual, ao dar provimento ao pedido apresentado ao abrigo do artigo 63.o TFUE, esta decisão tem por efeito alargar o círculo de beneficiários de um regime de auxílio. Ora, de acordo com as regras da União em matéria de auxílios de Estado, nenhuma empresa pode alegar ter o direito a receber um auxílio de Estado, v., no mesmo sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:102, n.o 79). Por outras palavras, não se pode considerar que um Estado‑Membro é obrigado a conceder um auxílio de Estado a uma empresa, sendo a decisão de conceder um auxílio uma escolha política dos órgãos legislativos e administrativos nacionais. Se o direito da União pudesse, todavia, por força de outras disposições tais como o artigo 63.o TFUE, obrigar os órgãos jurisdicionais nacionais a proferir decisões que, pelos seus efeitos, conduzissem a alargar o âmbito de aplicação dos regimes de auxílio, contrariamente à intenção do legislador, parece‑me que tal conduziria a uma situação paradoxal.


43      V. n.o 36 das presentes conclusões.


44      V. n.o 49 das presentes conclusões.


45      V., nomeadamente, Acórdão de 27 de março de 1980, Denkavit italiana (61/79, EU:C:1980:100, n.o 31).


46      Noto, aliás, que o formulário de notificação que figura no anexo I do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo 93.o do Tratado CE, deve ser utilizado para notificar os novos auxílios. Embora esta notificação deva ser transmitida à Comissão pelo Representante Permanente do Estado‑Membro em causa, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, saliento contudo que as informações que devem ser prestadas no formulário de notificação que figura no anexo I, parte I, do Regulamento, são informações que os juízes dos órgãos jurisdicionais nacionais não são necessariamente capazes de prestar.


47      Acórdão de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados (C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.os 59 e 108).


48      V., a este respeito, nomeadamente, Acórdão de 26 de outubro de 2016, DEI e Comissão/Alouminion tis Ellados (C‑590/14 P, EU:C:2016:797, n.os 59 e 60 e n.os 103 a 108).


49      V. n.o 50 das presentes conclusões.


50      V., nomeadamente, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, A (C‑101/05, EU:C:2007:804, n.o 27).


51      V., nomeadamente, Acórdão de 16 de abril de 2015, Trapeza Eurobank Ergasias (C‑690/13, EU:C:2015:235, n.o 53).


52      V. Acórdãos de 27 de outubro de 2005, Distribution Casino France e o. (C‑266/04 a C‑270/04, C‑276/04 e C‑321/04 a C‑325/04, EU:C:2005:657, n.o 30), e de 8 de dezembro de 2011, Residex Capital IV (C‑275/10, EU:C:2011:814, n.o 28).


53      V., nomeadamente, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Féderation nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon (C‑354/90, EU:C:1991:440, n.os 16 e 17); de 21 de outubro de 2003, van Calster e o. (C‑261/01 e C‑262/01, EU:C:2003:571, n.o 63); de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 41); e de 12 de fevereiro de 2008, CELF e ministre de la Culture e de la Communication (C‑199/06, EU:C:2008:79, n.o 40).


54      V., nomeadamente, Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 49).


55      V., nomeadamente, Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644, n.o 50).


56      Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, CELF e ministre de la Culture et de la Communication (C‑199/06, EU:C:2008:79, n.o 38).


57      V., igualmente, neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Finanzamt Linz (C‑66/14, EU:C:2015:242, n.os 27 a 30). Verifico que, ao julgar a primeira questão prejudicial neste processo inadmissível, o Tribunal de Justiça não se pronunciou diretamente sobre esta questão.