Language of document : ECLI:EU:C:2018:123

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 28 de fevereiro de 2018(1)

Processo C‑15/17

Bosphorus Queen Shipping Ltd Corp.

contra

Rajavartiolaitos

[pedido de decisão prejudicial do Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia)]

«Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar — Artigo 220.o, n.o 6 — Competências de jurisdição de um Estado costeiro — Competência do Tribunal de Justiça para interpretar disposições de direito internacional — Diretiva n.o 2005/35/CE — Poluição por navios — Artigo 7.o, n.o 2 — Convenção Marpol 73/78 — Descargas de hidrocarbonetos na zona económica exclusiva por parte de um navio estrangeiro em trânsito — Circunstâncias em que um Estado costeiro pode iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro — Liberdade de navegação — Proteção do meio marinho — Proximidade — Danos importantes ou ameaça de danos importantes para o litoral, interesses conexos ou quaisquer recursos no mar territorial ou na zona económica exclusiva — Prova manifesta e objetiva»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial prende‑se, em especial, com a interpretação correta do artigo 220.o, n.o 6, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (a seguir «CNUDM») (2) e do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35/CE (3), relativa à poluição por navios, disposição que reitera o conteúdo do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. Especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede orientações sobre as circunstâncias em que um Estado costeiro pode iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro que esteja na origem de uma descarga de hidrocarbonetos na zona económica exclusiva (a seguir «ZEE») do Estado costeiro em questão.

2.        O processo suscita uma importante questão de princípio que constitui um elemento central na interpretação dos princípios do Direito do Mar geralmente reconhecidos. Mais precisamente, ao responder às questões que lhe são submetidas, o Tribunal de Justiça terá a oportunidade de esclarecer, pela primeira vez (4), em que circunstâncias pode um Estado costeiro, nos termos do direito da União, exercer a sua competência na sua ZEE contra um navio estrangeiro, a fim de proteger o meio marinho, sem interferir indevidamente com a liberdade de navegação.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito internacional

1.      Convenção de 1969

3.        A Convenção Internacional sobre a Intervenção no Alto Mar em Caso de Acidente que Provoque ou Possa Vir a Provocar a Poluição por Hidrocarbonetos foi assinada em Bruxelas em 29 de novembro de 1969 (a seguir «Convenção de Intervenção»). O Panamá e a Finlândia são partes nessa convenção, ao passo que a União Europeia e alguns dos seus Estados‑Membros não são.

4.        De acordo com o artigo I, n.o 1, da Convenção de Intervenção, as partes dessa convenção «podem tomar [no] alto mar as medid[a]s consideradas necessári[a]s para impedir, atenuar ou eliminar os perigos graves e iminentes, que poderão representar para as suas costas, ou interesses relacionados, uma poluição ou uma ameaça de poluição das águas do mar por hidrocarbonetos como consequência de um acidente de mar, ou ações com ele relacionadas, suscetíveis de terem consequências perniciosas consideráveis».

5.        O artigo II, n.o 4, da convenção define «interesses relacionados» como «os interesses de um Estado ribeirinho diretamente afetados ou ameaçados pelo acidente de mar e que dizem respeito especialmente: a) Às atividades marítimas costeiras, portuárias ou de estuário, incluindo a atividade pesqueira, constituindo um modo de vida essencial das populações envolvidas; b) À atração turística da região considerada; c) À saúde das populações ribeirinhas e ao bem‑estar da região considerada, incluindo a conservação dos recursos biológicos marinhos, a fauna e a flora».

2.      Convenção Marpol 73/78

6.        A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios foi assinada em Londres em 2 de novembro de 1973 e complementada pelo Protocolo de 17 de fevereiro de 1978 (a seguir «Convenção Marpol 73/78»). Essa convenção cria normas destinadas a minimizar a poluição no meio marinho. Ao contrário de todos os Estados‑Membros da União, a União Europeia não é parte na Convenção Marpol 73/78.

7.        De acordo com o artigo 4.o, n.o 2, da Convenção Marpol 73/78, serão proibidas quaisquer violações aos requisitos da convenção e serão estabelecidas as correspondentes sanções. Esta disposição também especifica que sempre que tal violação ocorra, qualquer parte na convenção instaurará um processo de acordo com a sua lei ou fornecerá à administração do navio informações e provas, que estejam na sua posse, de que ocorreu uma violação.

8.        O anexo I da convenção contém as regras para a prevenção da poluição por hidrocarbonetos. A regra 1 do capítulo I do anexo I («Regras para a prevenção da poluição por hidrocarbonetos») define o mar Báltico como área especial para os fins desse anexo. Nessas áreas, por razões técnicas relativas às suas condições oceanográficas e ecológicas e ao tráfego marítimo, devem ser adotados métodos especiais obrigatórios para a prevenção da poluição do mar. Por força da Convenção Marpol 73/78, é conferido um maior nível de proteção às áreas especiais do que a outras áreas do mar.

9.        A regra 15A da parte C do capítulo 3 do anexo I da Convenção Marpol 73/78 respeita ao controlo de descarga de hidrocarbonetos. Estabelece, essencialmente, que qualquer descarga de um efluente com uma concentração de hidrocarbonetos superior a 15 partes por milhão (ppm) é proibida a navios de arqueação bruta igual ou superior a 400 t. A regra 15B, da parte C, do capítulo 3, do anexo I reproduz, no essencial, essa mesma regra em relação a áreas especiais.

3.      CNUDM

10.      Como todos os Estados‑Membros da União, a União Europeia é signatária da CNUDM.

11.      O artigo 1.o da CNUDM explica que, para efeitos da convenção:

«1) “Área” significa o leito do mar, os fundos marinhos e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional;

[…]

4) “Poluição do meio marinho” significa a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e à vida marinha, riscos à saúde do homem, entrave às atividades marítimas, incluindo a pesca e as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio;

[…]»

12.      O artigo 56.o da referida convenção estabelece a norma pela qual se rege a jurisdição dos Estados costeiros na ZEE. Tem a seguinte redação:

«1. Na [ZEE], o Estado costeiro tem:

a)      Direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos;

b)      Jurisdição, de conformidade com as disposições pertinentes da presente Convenção, no que se refere a:

[…]

(iii)      Proteção e preservação do meio marinho;

[…]»

13.      Os direitos e deveres de outros Estados na ZEE de um Estado costeiro estão previstos no artigo 58.o da convenção. Por força desta disposição, os outros Estados devem garantir que cumprem a convenção ao exercer os seus direitos na ZEE, que têm em devida conta os direitos e deveres do Estado costeiro e que cumprem as leis e os regulamentos adotados pelo Estado costeiro, em conformidade com a CNUDM e demais normas do direito internacional.

14.      A parte XII da CNUDM respeita à proteção e preservação do meio marinho.

15.      Nos termos do artigo 192.o da CNUDM, os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho.

16.      De acordo com o artigo 217.o da CNUDM, os Estados de bandeira devem zelar pela execução efetiva das regras e das normas internacionais aplicáveis relativas à prevenção, redução e controlo da poluição do meio marinho, proveniente de embarcações, independentemente do local onde tenha sido cometida a infração.

17.      O artigo 220.o, que trata das competências de jurisdição dos Estados costeiros, pertence a essa parte da convenção.

18.      O artigo 220.o, n.os 3 a 6, especifica as competências de jurisdição segundo as quais um Estado costeiro pode executar medidas contra um navio que tenha cometido uma violação das regras e das normas internacionais aplicáveis relativas a poluição por navios na sua ZEE. Esses números têm a seguinte redação:

«3. Quando um Estado tiver motivos sérios para acreditar que uma embarcação que navegue na sua [ZEE] ou no seu mar territorial cometeu, na [ZEE], uma violação das regras e normas internacionais aplicáveis para prevenir, reduzir e controlar a poluição proveniente de embarcações ou das leis e regulamentos desse Estado adotadas de conformidade com e que apliquem tais regras e normas, esse Estado pode exigir à embarcação que forneça informações sobre a sua identidade e o porto de registo, a sua última e próxima escala e outras informações pertinentes, necessárias para determinar se foi cometida uma infração.

4. Os Estados devem adotar leis e regulamentos e tomar outras medidas para que as embarcações que arvorem a sua bandeira deem cumprimento aos pedidos de informação feitos nos termos do n.o 3.

5. Quando um Estado tiver motivos sérios para acreditar que uma embarcação que navegue na sua [ZEE] ou no seu mar territorial cometeu, na [ZEE], uma das infrações referidas no n.o 3, que tenha tido como resultado uma descarga substancial que provoque ou ameace provocar uma poluição importante no meio marinho, esse Estado pode proceder à inspeção material da embarcação sobre questões relacionadas com a infração, se a embarcação se tiver negado a fornecer informações ou se as informações fornecidas pela mesma estiverem em manifesta contradição com a situação factual evidente e as circunstâncias do caso justificarem a referida inspeção.

6. Quando existir prova manifesta e objetiva de que uma embarcação que navegue na [ZEE] ou no mar territorial de um Estado cometeu, na [ZEE], uma das infrações referidas no n.o 3 que tenha tido como resultado uma descarga que provoque ou ameace provocar danos importantes para o litoral ou para os interesses conexos do Estado costeiro ou para quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE], esse Estado pode, tendo em conta o disposto na secção 7, e quando as provas o justificarem, iniciar procedimentos, incluindo a detenção da embarcação, de conformidade com o seu direito interno.»

B.      Direito da União

19.      A Diretiva 2005/35 trata da poluição por navios e da resposta adequada a adotar pelos Estados‑Membros para combater essa poluição.

20.      Em especial, resulta dos considerandos 2 e 3 que a diretiva visa melhorar a implementação da Convenção Marpol 73/78 ao harmonizar a sua aplicação a nível da União Europeia. A necessidade de harmonização foi considerada particularmente premente porque, por um lado, as regras da Convenção Marpol 73/78 são diariamente ignoradas por um grande número de navios que navegam nas águas da União, sem que sejam exercidas ações corretivas. Por outro lado, antes de a diretiva ter sido adotada, as práticas dos Estados‑Membros variavam consideravelmente a respeito da imposição de sanções por descargas de substâncias poluentes dos navios.

21.      O artigo 1.o da Diretiva 2005/35 descreve o seu objeto. Tem a seguinte redação:

«1.      O objeto da presente diretiva consiste em incorporar no direito comunitário as normas internacionais relativas à poluição provocada por navios e assegurar que as pessoas responsáveis por descargas de substâncias poluentes são sujeitas a sanções adequadas, incluindo sanções penais, a fim de melhorar a segurança marítima e de reforçar a proteção do meio marinho relativamente à poluição por navios.

2.      A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem medidas mais rigorosas contra a poluição provocada por navios, nos termos do direito internacional.»

22.      De acordo com o artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva:

«A presente diretiva é aplicável, nos termos do direito internacional, a descargas de substâncias poluentes:

[…]

b) No mar territorial de um Estado‑Membro;

c) Nos estreitos utilizados para a navegação internacional sujeitos ao regime de passagem em trânsito estabelecido na secção 2 da parte III da [CNUDM] na medida em que um Estado‑Membro exerça jurisdição sobre esses estreitos;

d) Na [ZEE] de um Estado‑Membro ou numa zona equivalente, estabelecida nos termos do direito internacional; e

e) No alto mar.»

23.      O artigo 7.o da Diretiva 2005/35 trata da aplicação de medidas pelos Estados costeiros em relação a navios em trânsito. Tem a seguinte redação:

«1. Se a alegada descarga tiver sido efetuada numa das zonas referidas nas alíneas b), c), d) ou e), do n.o 1, do artigo 3.o, e o navio suspeito de a ter efetuado não escalar um porto do Estado‑Membro que detém as informações relativas à alegada descarga, aplica‑se o seguinte:

a)      Se o porto de escala seguinte do navio se situar noutro Estado‑Membro, os Estados‑Membros em causa devem cooperar estreitamente na inspeção referida no n.o 1 do artigo 6.o e na decisão relativa às medidas adequadas a tomar relativamente à eventual descarga;

b)      Se o porto de escala seguinte do navio se situar num Estado que não pertença à Comunidade, o Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para garantir que esse porto seja informado da alegada descarga e solicita ao referido Estado que tome as medidas adequadas relativamente à eventual descarga.

2. Sempre que existam provas inequívocas e objetivas de que um navio a navegar nas zonas referidas nas alíneas b) ou d), do n.o 1, do artigo 3.o cometeu, na zona a que se refere a alínea d), do n.o 1, do artigo 3.o, uma infração resultante numa descarga que cause danos importantes, ou ameaça de danos importantes, no litoral ou em interesses afins do Estado‑Membro em questão, ou em quaisquer recursos das zonas referidas nas alíneas b) ou d), do n.o1, do artigo 3.o, esse Estado, sem prejuízo da secção 7 da parte XII, da [CNUDM] deve, desde que as provas o justifiquem, submeter a questão à apreciação das autoridades competentes a fim de iniciar procedimentos, incluindo a imobilização do navio, nos termos do seu direito interno.

3. As autoridades do Estado do pavilhão devem, em qualquer caso, ser informadas.»

C.      Direito finlandês

24.      O capítulo 3, § 1, da Merenkulun ympäristönsuojelulaki (1672/2009) (Lei da Proteção do Ambiente na Navegação Marítima) estabelece:

«A infração à proibição de descarga de hidrocarbonetos ou de misturas que contenham hidrocarbonetos nas águas ou na [ZEE] da Finlândia, estabelecida no capítulo 2, § 1, supra, é punida com coima (coima por descarga de hidrocarbonetos), desde que a descarga de hidrocarbonetos ou da mistura que contenha hidrocarbonetos não possa ser tida como despicienda, atendendo à sua dimensão ou aos seus efeitos. Porém, a infração à descarga de hidrocarbonetos cometida por um navio estrangeiro que esteja a atravessar a [ZEE] só é punida com coima se a descarga causar ou ameaçar causar danos graves ao litoral da Finlândia ou aos interesses com ele conexos ou aos recursos do mar territorial ou da [ZEE] da Finlândia.»

II.    Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

25.      O Bosphorus Queen é um navio de carga seca registado no Panamá. De acordo com o Rajavartiolaitos (Autoridade para a Proteção das Fronteiras, Finlândia; a seguir «Autoridade»), esse navio descarregou hidrocarbonetos no mar enquanto estava a atravessar a ZEE da Finlândia, em 11 de julho de 2011.

26.      A descarga ocorreu na faixa externa da zona económica exclusiva da Finlândia, a uma distância de cerca de 25 a 30 km do litoral finlandês. Os hidrocarbonetos descarregados dispersaram‑se numa faixa de 37 km de comprimento por 10 m de largura. A superfície da descarga foi calculada em cerca de 0,222 km2 e o seu volume entre 0,898 e 9,050 m3.

27.      Não foram tomadas medidas de combate aos hidrocarbonetos descarregados. Não se observou que os hidrocarbonetos descarregados tivessem alcançado o litoral, nem se verificou que os hidrocarbonetos descarregados tivessem causado danos concretos.

28.      Quando o Bosphorus Queen regressava de São Petersburgo através da ZEE finlandesa, a Autoridade, por decisão de fixação de 23 de julho de 2011, impôs à proprietária do navio, a Bosphorus Queen Shipping Ltd. Corp. (a seguir «Bosphorus»), a prestação de uma garantia, no montante de 17 112 EUR, para cumprimento da eventual obrigação de pagar uma coima por descarga de hidrocarbonetos. Após a prestação da garantia, em 25 de julho de 2011, o navio prosseguiu a sua rota.

29.      Em 26 de julho de 2011, a Suomen ympäristökeskus (Instituto finlandês do Ambiente; a seguir «Instituto») enviou um parecer à Autoridade sobre os riscos causados pela descarga de hidrocarbonetos. O impacto ambiental foi avaliado com base na quantidade mínima estimada de hidrocarbonetos descarregados. Segundo esse parecer:

–        Pelo menos parte dos hidrocarbonetos poderia alcançar a zona litoral finlandesa. Nesse caso, iria prejudicar a utilização dessa zona para fins de lazer;

–        Parte dos hidrocarbonetos também teve efeitos adicionais no alto mar, na proximidade da zona da descarga;

–        Os hidrocarbonetos descarregados foram prejudiciais para o bom desenvolvimento da situação do ambiente no mar Báltico;

–        Os hidrocarbonetos descarregados puseram em perigo as aves que se alimentam e descansam em alto mar;

–        Os hidrocarbonetos danificaram o fitoplâncton e o zooplâncton. Os compostos de hidrocarbonetos tinham‑se propagado na cadeia alimentar;

–        Provavelmente, os peixes‑espinhos das águas superficiais do mar aberto sofreram danos devido aos hidrocarbonetos descarregados, pelo que não se poderiam excluir efeitos negativos agudos nas populações de peixes;

–        A sedimentação era forte na zona e era provável que parte dos compostos de hidrocarbonetos alcançassem o leito do mar e causassem danos na fauna que aí vive;

–        Na proximidade da zona da descarga encontravam‑se muitos espaços naturais valiosos, pertencentes à Rede Natura 2000;

–        A data da descarga dos hidrocarbonetos foi particularmente prejudicial para as populações de aves marinhas, porque as aves tinham, nas águas que se estendem dos escolhos exteriores da península de Hanko (Hankoniemi) ao Saaristomeri (mar do Arquipélago) grandes bandos de juvenis incapazes de voar, e porque os juvenis dos êider‑edredões se moviam a grande distância da costa;

–        À data da descarga dos hidrocarbonetos haveria dezenas de milhares de êider‑edredões na zona da península de Hanko. A descarga tinha causado um grande perigo para as populações de aves marinhas do litoral finlandês.

30.      Em 16 de setembro de 2011, a Autoridade aplicou à Bosphorus uma coima de 17 112 EUR por descarga de hidrocarbonetos. A Autoridade, baseando‑se no parecer pericial, partiu do princípio de que a descarga tinha causado, ou ameaçava causar, danos importantes ao litoral da Finlândia ou aos interesses afins ou aos recursos do seu mar territorial ou da sua ZEE.

31.      Posteriormente, a Bosphorus interpôs recurso no Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia), enquanto tribunal marítimo. Pedia a anulação das decisões sobre a prestação de uma garantia e sobre a aplicação de uma coima por descarga de hidrocarbonetos.

32.      Na sua sentença de 30 de janeiro de 2012, o tribunal marítimo considerou provado que o Bosphorus Queen tinha descarregado no mar uma quantidade mínima de aproximadamente 900 l de hidrocarbonetos. À luz da avaliação do impacto ambiental, o tribunal marítimo entendeu que a descarga de hidrocarbonetos ameaçava causar danos importantes, na aceção do capítulo 3, § 1, da Lei da Proteção do Ambiente na navegação marítima. Com estes fundamentos, negou provimento ao recurso.

33.      Por decisão de 18 de novembro de 2014, o Helsingin hovioikeus (Tribunal de Recurso de Helsínquia, Finlândia) negou provimento ao recurso interposto da sentença do tribunal marítimo.

34.      A Bosphorus interpôs, então, recurso para o órgão jurisdicional de reenvio e pediu a esse tribunal a revogação da decisão do Helsingin hovioikeus (Tribunal de Recurso de Helsínquia) e da sentença do tribunal marítimo, a anulação das decisões sobre a prestação de uma garantia e a aplicação de uma coima por descarga de hidrocarbonetos, e a revogação da coima aplicada por descarga de hidrocarbonetos.

35.      Por ter dúvidas quanto à correta interpretação das disposições pertinentes da CNUDM e da Diretiva 2005/35, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a expressão “litoral ou […] interesses conexos”, constante do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM], ou “litoral ou […] interesses afins”, constante do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35], ser interpretada com recurso à definição da expressão “interesses relacionad[o]s” do artigo II, n.o 4, da [Convenção de Intervenção]?

2)      Segundo a definição constante do artigo II, n.o 4, alínea c), da [Convenção de Intervenção] referida na primeira questão prejudicial, “interesses relacionad[o]s” são, entre outros, o bem‑estar da região considerada, incluindo a conservação dos recursos biológicos marinhos, a fauna e a flora. Esta disposição da Convenção aplica‑se também à conservação dos recursos vivos, da fauna e da flora na [ZEE], ou diz respeito unicamente à conservação dos interesses da zona litoral?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira questão: o que significa a expressão “litoral ou […] interesses conexos”, constante do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM], ou “litoral ou […] interesses afins”, constante do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35]?

4)      O que significa a expressão “recursos do seu mar territorial ou da sua zona económica exclusiva”, na aceção do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM], ou do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35]? Deve entender‑se por recursos vivos apenas as espécies úteis, ou também as espécies a elas associadas, na aceção do artigo 61.o, n.o 4, da [CNUDM], como espécies de plantas e de animais utilizadas como alimento pelas espécies úteis?

5)      Como se devem definir as expressões “ameace provocar danos”, constante do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM], ou “cause […] ameaça de danos”, constante do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35]? A ameaça de danos deve ser definida em função do conceito de perigo abstrato, do conceito de perigo concreto, ou de outra forma?

6)      Para efeitos da apreciação dos pressupostos estabelecidos no artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM] e no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35] para a competência do Estado costeiro, deve partir‑se do princípio de que os danos importantes causados, ou que ameaçam ser causados, são uma consequência mais grave do que uma poluição importante no meio marinho, na aceção do artigo 220.o, n.o 5, da referida Convenção? Como se define uma poluição importante no meio marinho, e como deve a mesma ser considerada para efeitos da valoração dos danos causados, ou que ameaçam ser causados?

7)      Que circunstâncias devem ser levadas em conta na valoração dos danos causados ou que ameaçam ser causados? Para efeitos dessa valoração deve, por exemplo, levar se em conta a duração e a extensão geográfica dos efeitos prejudiciais, que se manifestam como danos? Em caso de resposta afirmativa a esta questão: como devem ser valoradas a duração e a dimensão dos danos?

8)      A Diretiva 2005/35 estabelece preceitos mínimos e não obsta a que os Estados‑Membros tomem medidas mais rigorosas contra a poluição provocada por navios, nos termos do direito internacional (artigo [1.o, n.o 2]). A possibilidade de adotar normas mais rigorosas também se aplica ao artigo 7.o, n.o 2, da diretiva, em que se determina a competência do Estado costeiro para intervir contra um navio que esteja a atravessar o seu mar territorial ou a sua zona económica exclusiva?

9)      Podem as características geográficas e ecológicas especiais e a sensibilidade do mar Báltico ser relevantes para a interpretação do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM] e do artigo 7.o, n.o 2, da diretiva sobre os resíduos dos navios?

10)      Entende se por “prova manifesta e objetiva”, na aceção do artigo 220.o, n.o 6, da [CNUDM], ou “provas inequívocas e objetivas”, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva [2005/35], além da prova de que um navio cometeu as infrações a que essas disposições se referem, a prova das consequências da descarga? O que se deve exigir como meio de prova de que há ameaça de danos importantes para o litoral ou para os interesses conexos, ou para os recursos do mar territorial, ou para a [ZEE] — por exemplo, para as populações de aves ou de peixes, ou para o ambiente marinho na zona? O requisito da prova manifesta e objetiva/das provas inequívocas e objetivas significa, por exemplo, que a valoração dos efeitos prejudiciais dos hidrocarbonetos descarregados para o ambiente marinho tem sempre de se basear em pesquisas e estudos concretos sobre os efeitos de descargas de hidrocarbonetos ocorridas?»

36.      Foram apresentadas observações escritas pelos Governos belga, grego, francês, neerlandês e finlandês, bem como pela Comissão Europeia. Quase como se pretendessem comemorar o centésimo aniversário da Finlândia como nação marítima de pleno direito, a Bosphorus, os Governos finlandês, francês e neerlandês e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência realizada em 6 de dezembro de 2017.

III. Análise

37.      O órgão jurisdicional de reenvio submeteu diversas questões ao Tribunal de Justiça, que se prendem, em especial, com a interpretação correta, do ponto de vista do direito da União, do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM (e, por extensão, do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35/CE). Apesar de a matéria ser abordada sob vários ângulos, as questões prejudiciais respeitam, essencialmente, a duas questões inter-relacionadas relativas às circunstâncias em que um Estado costeiro pode reivindicar jurisdição na sua ZEE; a saber, os interesses abrangidos pela jurisdição do Estado costeiro e a prova exigida para justificar a aplicação de medidas de execução contra um navio em trânsito.

38.      Após algumas notas introdutórias, as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio serão tratadas por grupos temáticos: 1) Os interesses abrangidos pela jurisdição do Estado costeiro na ZEE, por força do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, e do artigo 7.o, n.o 2 da Diretiva 2005/35 (Questões 1 a 4); 2) A prova exigida pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM e pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35 para que o Estado costeiro possa iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro (Questões 5 a 7, 9 e 10); e 3) O poder de apreciação dos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2 da Diretiva 2005/35 (Questão 8).

A.      Notas introdutórias

39.      Para uma melhor compreensão das questões problemáticas subjacentes a este pedido de decisão prejudicial, considero útil iniciar a minha análise com algumas notas introdutórias. Em primeiro lugar, tendo em conta que o pedido de decisão prejudicial abrange uma série de acordos internacionais diferentes no domínio do Direito do Mar, devo recordar os princípios que regem as competências de jurisdição do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de reenvio prejudicial, para interpretar as disposições do direito internacional. Em segundo lugar, mapearei a arquitetura legal relativa à repartição de competências entre os Estados de bandeira e os Estados costeiros no âmbito do Direito do Mar. Nesse contexto, explicarei, em particular, de que forma a CNUDM aborda a necessidade de equilíbrio entre a liberdade de navegação e a proteção do meio marinho.

1.      A competência do Tribunal de Justiça para interpretar disposições de direito internacional

40.      O órgão jurisdicional de reenvio identifica três conjuntos de regras de direito internacional que são relevantes no caso em apreço. São eles a CNUDM, a Convenção Marpol 73/78 e a Convenção de Intervenção. Nos termos do direito da União, cada uma dessas convenções goza de um estatuto diferente.

41.      Em primeiro lugar, conforme reconhecem todas as partes, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições da CNUDM. É jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições do direito internacional que fazem parte da ordem jurídica da União Europeia (5). Uma vez que a União Europeia aderiu à CNUDM, essa convenção faz parte integrante da ordem jurídica da União. Assim, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições dessa convenção.

42.      Em segundo lugar, no que diz respeito à Convenção Marpol 73/78, todos os Estados‑Membros da União Europeia estão vinculados por essa convenção, ao passo que a União Europeia não está. Precisamente porque os Estados‑Membros estão vinculados por essa convenção, o Tribunal de Justiça aceitou que a Convenção Marpol 73/78 deveria ser tida em consideração ao interpretar, por um lado, a CNUDM e, por outro lado, as disposições de direito derivado, abrangidas pelo âmbito de aplicação da Convenção Marpol 73/78. É esse o caso, sobretudo, da Diretiva 2005/35 (6).

43.      Em terceiro lugar, nem a União Europeia nem os seus Estados‑Membros estão vinculados pela Convenção de Intervenção. As partes que apresentaram observações escritas expuseram posições divergentes quanto ao alcance da competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições dessa convenção. Enquanto os Governos belga e francês parecem considerar que o Tribunal de Justiça pode interpretar as disposições dessa convenção, a Comissão, bem como os Governos neerlandês e finlandês, consideram que tal interpretação deverá ser excluída do âmbito de competência do Tribunal de Justiça. Questionada sobre esse ponto na audiência, a Comissão apresentou uma nuance à sua posição: admitiu que a Convenção de Intervenção pode efetivamente ser uma fonte de inspiração para o Tribunal de Justiça na interpretação do artigo 220.o da CNUDM.

44.      Parece‑me que todas as partes que abordaram a questão estão corretas.

45.      Por um lado, o Tribunal de Justiça não tem, por princípio, competência para interpretar, com autoridade na matéria, em processos de decisão prejudicial, acordos internacionais celebrados entre Estados‑Membros e países terceiros. Este ponto de vista é confirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça nessa matéria (7). De facto, sem prejuízo do caso particular de convenções como a Convenção Marpol 73/78 acima referida e situações em que a União Europeia tenha assumido os poderes previamente exercidos pelos Estados‑Membros no domínio regulado pelo acordo internacional em questão (8), a competência interpretativa do Tribunal de Justiça estende‑se apenas às regras que fazem parte da ordem jurídica da União.

46.      Este princípio foi reafirmado no Acórdão Manzi (9) do Tribunal de Justiça, relativo a um protocolo posterior à Convenção Marpol 73/78, ao qual alguns Estados‑Membros não aderiram. Nesse caso, o Tribunal de Justiça declarou que não era possível interpretar disposições de direito derivado à luz de uma obrigação imposta por um acordo internacional que não vincula todos os Estados‑Membros. Caso contrário, o alcance dessa obrigação seria alargado aos Estados‑Membros que não são partes contratantes de tal acordo (10).

47.      Ainda que, na prática, tal possa ter resultado das circunstâncias subjacentes ao processo Manzi, a afirmação do Tribunal de Justiça não pode, em minha opinião, significar que o Tribunal de Justiça não pode ter em consideração, ao interpretar disposições da legislação da União, regras do direito internacional que não vinculam a União Europeia ou todos os seus Estados‑Membros.

48.      Tal como é comummente admitido, a interpretação judicial não ocorre no vazio. Embora seja claro que o Tribunal de Justiça não tem competência para interpretar, com autoridade na matéria, regras que não fazem parte da ordem jurídica da União, acho difícil aceitar que não possam ser retiradas lições de tais regras — quando pertinentes — para efeitos de interpretação de disposições da legislação da União. Isso acontece, nomeadamente, quando a génese legislativa de um acordo internacional que vincula a União Europeia ou os seus Estados‑Membros sugere um elo de ligação com um acordo que não os vincula.

49.      Dito de outra forma, não decorre da clara falta de competência para interpretar a Convenção de Intervenção que não se possa retirar inspiração dessa convenção para interpretar conceitos similares da CNUDM. Por outras palavras, não é impossível que o Tribunal de Justiça possa interpretar a CNUDM de uma forma que coincida com a terminologia utilizada na Convenção de Intervenção. Como ilustrarei no contexto da análise da primeira, da segunda, da terceira e da quarta questões prejudiciais, as disposições pertinentes da Convenção de Intervenção podem fornecer uma ajuda útil para a interpretação, nos termos do direito da União, do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM (11).

50.      Porém, antes de abordar essa questão, devem ser analisados os princípios fundamentais do quadro jurídico que rege a repartição da competência entre os Estados de bandeira e os Estados costeiros, no contexto específico da CNUDM.

2.      Os princípios que regem as competências de jurisdição dos Estados costeiros: a liberdade de navegação e a proteção do meio marinho

51.      Como o Tribunal de Justiça tem entendido, a CNUDM procura estabelecer um justo equilíbrio entre os interesses dos Estados costeiros e os dos outros Estados, que podem estar em conflito (12). Esses interesses estão relacionados, entre outros, com o interesse legítimo na navegação, independentemente da localização geográfica do Estado, da exploração dos recursos naturais e da necessidade de preservar o meio marinho.

52.      Neste enquadramento, a liberdade de navegação reveste‑se de especial importância. De facto, enquanto emanação do antigo princípio da liberdade dos mares (13), a liberdade de navegação constitui o fundamento do Direito do Mar internacional. Para evitar a fragmentação do mar para fins protecionistas, a liberdade de navegação assegura que tudo o que ficar além do mar territorial permanece aberto com vista ao bem comum (14).

53.      Esse princípio está refletido na CNUDM: como corolário da liberdade de navegação, os Estados costeiros apenas têm, em regra, competência sobre os navios que navegam nas suas águas territoriais, limitadas a 12 milhas marítimas a partir da linha de base (15). Mesmo assim, essa competência é limitada pela obrigação de garantir passagem livre aos navios em trânsito (16). Além dessa área, o princípio é o da competência do Estado de bandeira sobre os navios que arvorem a sua bandeira. Mais precisamente, cabe ao Estado de bandeira estabelecer os padrões de segurança, sociais e ambientais a aplicar e impor o cumprimento dessa regulamentação aos navios que arvorem a sua bandeira, de acordo com as regras e normas internacionais aplicáveis (17). Não só, mas também: o Estado de bandeira deve, de acordo com o artigo 217.o da CNUDM, aplicar efetivamente as regras e normas sobre poluição por navios, independentemente do local em que a infração tenha sido cometida.

54.      No entanto, por força do regime de competências estabelecido pela CNUDM, a competência do Estado de bandeira além do mar territorial do Estado costeiro tem exceções importantes. Uma dessas exceções respeita à competência do Estado costeiro na ZEE.

55.      A ZEE é definida no artigo 57.o da CNUDM como uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, que não se estenderá além de 200 milhas marítimas da linha de base. A ZEE está sujeita ao regime jurídico específico previsto na parte V da CNUDM (artigos 55.o a 75.o da mesma). Em virtude do artigo 56.o da convenção, o Estado costeiro tem, entre outras coisas, jurisdição (limitada) naquela zona, com o objetivo de proteger adequadamente o meio marinho. Por outro lado, de acordo com o artigo 58.o da CNUDM, os outros Estados devem assegurar que cumprem a convenção ao exercer os seus direitos na ZEE, que têm em conta os direitos e os deveres do Estado costeiro e que cumprem as regras e os regulamentos adotados pelo Estado costeiro, em conformidade com a CNUDM e outras normas do direito internacional.

56.      De certa forma, esses princípios refletem o amplo consenso internacional existente em relação à necessidade de proteger o meio marinho da poluição (por navios). Nomeadamente, as competências de jurisdição conferidas aos Estados costeiros em conformidade com o artigo 220.o, n.os 3 a 6, da CNUDM, na ZEE, com vista a tomar medidas contra navios em trânsito, podem ser entendidas como uma expressão concreta dessa preocupação.

57.      Mais precisamente, na segunda metade do século XX foram assinados alguns tratados como resposta à crescente preocupação com a poluição marinha(18). Por exemplo, a Convenção de Intervenção foi assinada em 1969 na sequência do devastador desastre do Torrey Canyon. Esta concedeu a todas as partes da convenção o poder de intervir no alto mar nos casos em que a poluição por hidrocarbonetos ameace o mar ou o litoral em resultado de um acidente marítimo. Esse princípio do direito de intervenção foi reafirmado no artigo 221.o da CNUDM (19).

58.      De facto, parece ser aceite por todos que a competência do Estado de bandeira só por si é insuficiente para combater a poluição por navios (20). Deste ponto de vista, os poderes conferidos aos Estados costeiros no artigo 220.o da CNUDM — que, de certa forma, acrescem aos poderes conferidos aos Estados costeiros pela Convenção de Intervenção e pelo artigo 221.o da CNUDM, na medida em que permitem ao Estado costeiro iniciar procedimentos mesmo nos casos em que não ocorram acidentes marítimos — podem, na minha opinião, ser vistos como a manifestação do desejo da comunidade internacional de criar ferramentas que combatam mais eficazmente a poluição por navios e protejam o meio marinho como um bem comum. A esse respeito, saliento que a Convenção de Intervenção não só influiu na elaboração da redação do artigo 221.o da CNUDM, mas também na do artigo 220.o da mesma (21).

59.      Nesta fase, um ponto que deve ser enfatizado é o de que o artigo 220.o, n.os 3 a 6, da CNUDM apenas confere competências de jurisdição aos Estados costeiros num conjunto de circunstâncias claramente definidas, de modo adicional à competência do Estado de bandeira. Confere competência (limitada) ao Estado costeiro a fim de proteger o meio marinho em caso de violação das regras e normas internacionais aplicáveis relativas à poluição por navios. As regras substantivas constantes da Convenção Marpol 73/78 relativamente à prevenção da poluição por hidrocarbonetos constituem um conjunto dessas regras. Com efeito, deve recordar‑se que a CNUDM constitui uma convenção‑quadro que foi complementada por outros acordos internacionais, tais como a Convenção Marpol 73/78 (22).

60.      Pelo contrário, o artigo 220.o, n.os 3 a 6, da CNUDM não impõe, por exemplo, normas relativas à poluição mais rigorosas do que aquelas que seriam de outro modo aplicáveis. Nem essas regras conferem competência aos Estados costeiros para intervir contra navios estrangeiros além da competência do Estado de bandeira. Com efeito, conforme resulta do artigo 228.o, n.o 1, da CNUDM, o Estado de bandeira pode suspender os procedimentos no prazo de seis meses após ter sido informado pelo Estado costeiro das medidas tomadas contra um navio que arvore a sua bandeira (23).

61.      Tal como todos os outros Estados, os Estados de bandeira também devem, de acordo com o artigo 192.o da CNUDM, proteger e preservar o meio marinho. Devem ainda velar pela execução efetiva de normas e regras internacionais relativas à poluição por navios com base no artigo 217.o da CNUDM. No entanto, segundo o princípio da proximidade, o artigo 220.o, n.os 3 a 6, da CNUDM também atribui competência ao Estado que tem o interesse mais evidente em fazê‑lo, ou seja, o Estado costeiro. Na realidade, o Estado costeiro é indiscutivelmente o mais bem colocado para identificar uma violação das regras internacionais relevantes em relação à poluição por navios e, se for caso disso, aplicar medidas contra o navio em questão.

62.      Deste ponto de vista, os fundamentos da competência prevista no artigo 220.o, n.os 3 a 6, da CNUDM, relativos à competência dos Estados costeiros na sua ZEE, destinam‑se a assegurar que as regras dessa convenção, relativas à proteção e preservação do meio marinho, possam ser executadas de modo efetivo.

63.      Resumindo, a competência do Estado de bandeira continua a ser a regra geral por força da CNUDM. Todavia, ao atribuir competência concorrente ao Estado costeiro na ZEE, em caso de violação das regras internacionais pertinentes, a CNUDM reflete a reconhecida necessidade de proteção efetiva dos interesses do Estado costeiro e de proteção e preservação — numa era de crescente exploração dos mares — do meio marinho como um bem comum da humanidade (24).

64.      Estas considerações devem ser tidas em mente na apreciação das questões submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo.

B.      Questões 1 a 4: os interesses abrangidos pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM

65.      A título preliminar, verifico que o Tribunal de Justiça não tem competência para responder à segunda questão prejudicial, uma vez que a mesma procura, especificamente, obter uma interpretação sobre a Convenção de Intervenção. Como expus acima, o Tribunal de Justiça não pode responder a essa questão por falta de competência legal para o fazer (25).

66.      No entanto, entendo que com essa questão, colocada no seu contexto, juntamente com a primeira, a terceira e a quarta questões, pretende saber‑se, em substância, como é que os interesses abrangidos pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM — e reproduzidos no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35 — devem ser interpretados. Deve recordar‑se que, além dos outros elementos referidos no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, o Estado costeiro tem competência para iniciar procedimentos apenas na medida em que os interesses que pretende proteger ao afirmar a sua competência coincidam com os referidos nessa disposição.

67.      Para saber se é assim no caso que tem pendente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que clarifique o significado dos conceitos de «interesses conexos do Estado costeiro» e «quaisquer recursos no mar territorial ou na [ZEE]». De facto, pode entender‑se do despacho de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio não está seguro de que os interesses identificados no parecer pericial emitido pelo Instituto estão abrangidos por esses conceitos (26).

68.      Como expliquei anteriormente, o artigo 220, n.o 6, da CNUDM destina‑se a assegurar uma eficaz proteção e preservação do meio marinho. É à luz desse objetivo que os interesses referidos nessa disposição devem ser interpretados.

1.      O conceito de «interesses conexos do Estado costeiro»

69.      No que respeita, em primeiro lugar, ao conceito de «litoral ou interesses conexos do Estado costeiro», o facto de o Tribunal de Justiça não ter competência para interpretar as disposições da Convenção de Intervenção não significa que as disposições desta convenção devam ser inteiramente ignoradas — ou que não se possa chegar à mesma interpretação que resulta dessa convenção — no que respeita à interpretação do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. Ao mesmo tempo, não existe, obviamente, nenhuma obrigação de transpor diretamente a definição de «interesses relacionados», constante do artigo II, n.o 4, da Convenção de Intervenção, para o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.

70.      Mais precisamente, decorre da génese legislativa do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM que as partes contratantes se inspiraram na Convenção de Intervenção ao instituírem que os Estados costeiros também deverão ter competência para tomar medidas contra os navios estrangeiros que tenham cometido uma violação na ZEE (27). É verdade que não existe nenhuma indicação de que também as definições adotadas na Convenção de Intervenção se destinavam a ser transpostas para a CNUDM, que não contém nenhuma definição de «interesses conexos do Estado costeiro», ou de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]».

71.      Acresce que, como indicado acima, a Convenção de Intervenção constitui, indubitavelmente, uma parte do contexto legislativo mais amplo em que se insere o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. Tendo presente que as regras da CNUDM parecem destinar‑se a complementar e ampliar as da Convenção de Intervenção em relação à competência do Estado costeiro para intervir em caso de acidente marítimo, o significado atribuído a «interesses relacionados» na Convenção de Intervenção constitui uma referência útil para a definição dos interesses abrangidos pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.

72.      A este respeito, constato que a definição de «interesses relacionados» adotada pela Convenção de Intervenção tem um sentido amplo. Nos termos do artigo II, n.o 4, da Convenção de Intervenção, «interesses relacionados» incluem os interesses de um Estado costeiro [N. do T.: naquele artigo designado por «Estado ribeirinho»]. diretamente afetados ou ameaçados pelo acidente de mar, tais como atividades marítimas costeiras, portuárias ou de estuário, incluindo a atividade pesqueira, constituindo um modo de vida essencial das pessoas envolvidas, atrações turísticas da região considerada, saúde das populações ribeirinhas e o bem‑estar da região considerada, incluindo a conservação dos recursos biológicos marinhos, a fauna e a flora.

73.      Não consigo identificar razões que possam suportar o ponto de vista de que uma leitura diferente deve ser adotada no contexto da CNUDM. Com efeito, deve recordar‑se que o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM procura assegurar uma proteção adequada ao meio marinho. Para tanto, essa disposição atribui competência ao Estado costeiro para intervir na ZEE. Claramente, a possibilidade de intervir seria extremamente prejudicada se os interesses aí referidos fossem suportados por uma interpretação restritiva.

74.      Não existe qualquer indicação de que apenas alguns aspetos do meio sejam considerados ou de que apenas alguns interesses do Estado costeiro no mar territorial devam ser abrangidos. Por estas razões, considero que a expressão «interesses conexos» deve ser interpretada de modo que inclua todos os interesses do Estado costeiro no mar territorial e na ZEE diretamente relacionados com a exploração do mar e um ambiente saudável.

2.      Conceito de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]»

75.      No que concerne, em segundo lugar, ao conceito de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]», constato que, em qualquer caso, o facto de o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM também mencionar especificamente «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]» parece refletir a vontade de incluir, no âmbito de aplicação do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, todos os aspetos do meio marinho que possam ser afetados pela poluição por navios.

76.      A respeito da questão específica submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, as razões seguintes levam‑me a considerar que os interesses abrangidos pelo conceito de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]» devem incluir espécies de plantas e de animais que são utilizadas como alimento por espécies úteis.

77.      Em primeiro lugar, a utilização da palavra «quaisquer» para descrever os recursos em questão sugere que deve ser adotada uma interpretação ampla, de acordo com o sentido habitual do termo; ou seja, deve entender‑se como respeitante a todos os recursos vivos e não vivos, independentemente de serem diretamente explorados ou não.

78.      Em segundo lugar, uma interpretação de «quaisquer recursos» de acordo com a qual espécies de plantas e de animais que são utilizadas como alimento por espécies úteis devem ser abrangidas pelo conceito de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua [ZEE]» enquadra‑se na abordagem ecossistémica da política para o meio marinho e da política comum das pescas, aprovadas pela União Europeia (28). Essa abordagem reconhece as interações dentro de um ecossistema, incluindo as que acontecem entre espécies, em vez de considerar espécies isoladas do ecossistema mais vasto (29). Essas ligações também são claramente reconhecidas na CNUDM, nomeadamente no artigo 61.o, n.o 4, da mesma (30), a que o órgão jurisdicional de reenvio também se refere.

79.      Em terceiro lugar, e mais importante, deve recordar‑se que o artigo 220.o da CNUDM se destina a assegurar proteção e preservação efetivas do meio marinho como um todo. A verdade é que seria contrário a esse objetivo limitar o âmbito de aplicação dessa disposição a recursos que não sejam diretamente explorados pelo Estado costeiro.

80.      Por conseguinte, sugiro que a resposta à primeira, segunda, terceira e quarta questões prejudiciais seja que o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35 devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, o conceito de «litoral e interesses conexos» se refere aos interesses do Estado costeiro no mar territorial e na ZEE diretamente relacionados com a exploração do mar e um ambiente saudável e, por outro lado, que o conceito de «recursos de seu mar territorial ou da sua [ZEE]» inclui tanto os recursos biológicos — tais como as espécies de plantas e de animais que são utilizadas como alimento por espécies úteis — como os recursos não biológicos.

C.      Questões 5 a 7, 9 e 10: a prova exigida pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM para a aplicação de medidas por parte de um Estado costeiro

81.      Com a quinta, sexta, sétima, nona e décima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, clarificação sobre a prova exigida para que o Estado costeiro possa iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro que esteja a atravessar a sua ZEE, de acordo com o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM e com o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35.

82.      Para dar orientações sobre estas questões, procederei em duas etapas. Em primeiro lugar, será analisada a inter‑relação entre os n.os 3, 5 e 6 do artigo 220.o, da CNUDM. Em segundo lugar, será tratado o elemento «ameaça de dano importante» referido no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.

1.      Interrelação entre os n.os 3, 5 e 6 do artigo 220.o da CNUDM: três critérios de competência diferentes

83.      Para melhor entendimento da lógica interna do artigo 220.o da CNUDM e do modo como o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM opera, é útil começar por analisar a inter‑relação entre os n.os 3, 5 e 6 do artigo 220.o da CNUDM, tendo os dois últimos merecido atenção aprofundada na audiência.

84.      A título preliminar, refira‑se que é geralmente aceite que o artigo 220.o da CNUDM se funda numa abordagem gradual.

85.      De especial relevância no contexto do presente processo são os critérios de atribuição de competência previstos nos n.os 3, 5 e 6 do artigo 220.o da CNUDM, que atribuem jurisdição ao Estado costeiro sobre os navios estrangeiros que navegam na sua ZEE. De facto, como a seguir se verá, cada uma dessas disposições contém um critério diferente de atribuição de competência ao Estado costeiro. Esses critérios são aplicáveis em circunstâncias diferentes e diferem significativamente em relação às medidas que o Estado costeiro pode tomar com base em cada um deles. Por conseguinte, os elementos relevantes de cada critério de atribuição de competência devem ser analisados de forma independente, à luz das circunstâncias do processo em apreço.

86.      A abordagem gradual resulta do nível de intervenção que cada uma dessas disposições permite. Em primeiro lugar, o artigo 220.o, n.o 3, da CNUDM confere ao Estado costeiro o direito de exigir informações a um navio estrangeiro para determinar se houve violação das normas e regras internacionais relativas à poluição por navios. Em segundo lugar, o artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM confere ao Estado costeiro o direito de proceder a uma inspeção de um navio estrangeiro. Em terceiro lugar, o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM confere ao Estado costeiro o direito de iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro.

87.      Os critérios de atribuição de competência previstos nos n.os 3 e 5 do artigo 220.o estão claramente relacionados. Por um lado, ambas as disposições dizem respeito a circunstâncias em que o Estado costeiro suspeita (ou seja, o Estado tem motivos sérios para acreditar) que um navio estrangeiro violou normas e regras internacionais em matéria de poluição por navios. As medidas previstas nessas disposições visam apurar se o navio é a fonte da violação em questão. Por outro lado, de acordo com o artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM, o Estado costeiro só pode proceder a uma inspeção de um navio estrangeiro — que se recusou a cooperar com as autoridades do Estado costeiro relativamente aos pedidos de informação efetuados ao abrigo do artigo 220.o, n.o 3 — quando a violação a ser investigada tenha tido como resultado uma descarga substancial que provoque ou ameace provocar uma poluição importante no meio marinho.

88.      Por outras palavras, a recusa de cooperação não significa automaticamente que o Estado costeiro possa proceder a uma inspeção ao abrigo do artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM. Pelo contrário, uma inspeção só é possível em condições estritas, quando o volume da descarga e a poluição resultante dessa descarga forem de certa importância.

89.      Diferentemente dos n.os 3 e 5 do artigo 220.o, o n.o 6 do artigo 220.o da CNUDM refere‑se a uma situação em que o Estado costeiro tem uma prova manifesta e objetiva da violação (31). Além disso, para que o Estado costeiro possa iniciar procedimentos, a violação deve ter tido como resultado uma descarga que provoque ou ameace provocar danos importantes aos interesses protegidos por essa disposição.

90.      É importante salientar que, contrariamente ao disposto nos n.os 3 e 5 do artigo 220.o da CNUDM, não há qualquer indicação de que a aplicação do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM dependa da aplicação prévia do artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM. Essas disposições aplicam‑se, unicamente, a circunstâncias distintas.

91.      Efetivamente, é perfeitamente plausível que uma inspeção na aceção do artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM possa fornecer a prova manifesta e objetiva da violação exigida para a aplicação do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. No entanto, esse não é necessariamente o caso. De facto, o Estado costeiro pode ter à sua disposição, por exemplo, provas fotográficas (aéreas) que demonstrem que o navio estrangeiro em questão violou normas e regras internacionais relativas à poluição por navios. O presente caso é ilustrativo nesta matéria: foi explicado na audiência que a Autoridade dispunha de imagens aéreas que confirmam que a Bosphorus Queen estava na origem da descarga em questão.

92.      No entanto, tal como referido acima, a existência de provas manifestas e objetivas de uma violação por um navio estrangeiro específico só por si não é suficiente para justificar o início de procedimentos contra esse navio, em conformidade com o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. Essa violação deve ter resultado numa descarga que provoque ou ameace provocar danos importantes.

93.      Segundo creio, o órgão jurisdicional de reenvio não tem a certeza se, nas circunstâncias do processo em apreço, existe uma «ameaça de dano importante» na aceção do n.o 6 do artigo 220.o da CNUDM. Em especial, não tem a certeza sobre o tipo de prova dessa ameaça que o Estado costeiro deve possuir para invocar competência ao abrigo do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM (e do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35).

94.      Sem mais delongas, posso agora passar a apreciar como deve esse elemento ser interpretado nas circunstâncias específicas do caso em apreço.

2.      A ameaça de danos importantes referida no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM: uma análise concreta com base na Convenção Marpol 73/78

95.      Desde logo, é útil recordar que o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM prevê um critério de atribuição de competência que permite a um Estado costeiro iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro que navegue na sua ZEE. De acordo com a abordagem gradual do artigo 220.o, o n.o 6 dessa disposição é o que confere ao Estado costeiro os poderes mais abrangentes em relação a navios estrangeiros.

96.      Do mesmo modo, é importante salientar que a prova exigida para impor sanções a um navio estrangeiro nos procedimentos a que se refere o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, como a coima por descarga de hidrocarbonetos aplicada no caso em apreço, não é regulada por esta disposição. Pelo contrário, a prova exigida para a imposição de sanções nesses procedimentos, bem como o seu montante, continuam a ser matéria do direito nacional do Estado costeiro em causa (32).

97.      Neste contexto, a questão que se suscita é a forma como o órgão jurisdicional de reenvio deve avaliar se existe uma ameaça de dano importante para efeitos de iniciar procedimentos, nos termos do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.

98.      Em primeiro lugar, ao definir a «ameaça de danos importantes» referida no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM deve resistir‑se à tentação de comparar esse conceito com o conceito de «ameaça de poluição importante» referido no artigo 220.o, n.o 5, da CNUDM. Como já foi referido, as circunstâncias em que um Estado costeiro pode invocar competência com base nos critérios de atribuição de competência previstos nessas disposições são diferentes e os elementos nelas contidos devem ser analisados de forma independente. Em especial, deve recordar‑se que «poluição» e «dano» são dois conceitos distintos. Dependendo das circunstâncias, uma poluição importante pode — ou não — causar (uma ameaça de) danos importantes a interesses específicos. Por outras palavras, a ligação entre os dois conceitos não é automático.

99.      Em segundo lugar, o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM exige prova manifesta e objetiva de violação das normas e regras internacionais em matéria de poluição por navios. Como acima expliquei brevemente, a Convenção Marpol 73/78 estabelece as regras internacionais substantivas que regem a poluição por hidrocarbonetos. Tanto o artigo 220.o, n.o 3, da CNUDM como a Diretiva 2005/35 se referem especificamente a essa convenção.

100. De acordo com a regra 15 da parte C do capítulo 3 do anexo I da Convenção Marpol 73/78, no que respeita a navios de arqueação bruta igual ou superior a 400 t, é proibida qualquer descarga de efluentes com uma concentração de hidrocarbonetos superior a 15 ppm. Por outras palavras, qualquer descarga para além dessa concentração constitui uma violação da Convenção Marpol 73/78, sendo aplicável uma sanção de acordo com o artigo 4.o, n.o 2, dessa convenção.

101. Quando, como no presente caso, a descarga de hidrocarbonetos é visível a olho nu, esse limite foi significativamente excedido (33). No entanto, se isso é suficiente para causar uma ameaça de dano importante, conforme exigido pelo artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, depende, a meu ver, das circunstâncias específicas em que a descarga ocorreu.

102. Por outras palavras, a gravidade da ameaça do dano não deve ser determinada em abstrato. De outra forma, como em substância argumenta o Governo francês, o Estado costeiro poderia iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro que navegasse na sua ZEE, de forma automática e em qualquer caso, desde que tivesse provas de que um navio tivesse descarregado hidrocarbonetos na ZEE desse Estado, em violação das regras pertinentes da Convenção Marpol 73/78. Efetivamente, esse governo argumenta que a ameaça de danos importantes pode ser assumida desde que existam provas de que o navio em questão está na origem de uma descarga que excede (significativamente) o limite previsto na regra 15 da parte C do capítulo 3 do anexo I da Convenção Marpol 73/78.

103. Tal abordagem estaria, sem dúvida, alinhada com o objetivo do artigo 220.o da CNUDM de garantir proteção efetiva e preservação do meio marinho. No entanto, como foi explicado acima, a principal regra da CNUDM continua a ser a da competência do Estado de bandeira. Com efeito, deve recordar‑se que, acima de tudo, os Estados de bandeira devem garantir que as normas e as regras internacionais pertinentes aplicáveis sejam respeitadas pelos navios que arvorem a sua bandeira e executem as medidas apropriadas no caso de o seu navio violar essas regras. Apenas em circunstâncias excecionais e claramente definidas o Estado costeiro tem, de acordo com o princípio da proximidade, o poder de aplicar medidas contra um navio estrangeiro na ZEE. Por conseguinte, para evitar que a exceção da competência do Estado costeiro se torne, em vez disso, regra geral, a ameaça de danos importantes não se deve simplesmente presumir.

104. Por essa razão, entendo que o elemento da «ameaça de dano importante» deve fundar‑se numa avaliação circunstancial concreta com base na qual se possa razoavelmente presumir que a descarga provoca uma ameaça de dano importante para os interesses do Estado costeiro referidos no artigo 220, n.o 6, da CNUDM. Os fatores relevantes para avaliar se há uma ameaça de dano importante podem, por exemplo, incluir a vulnerabilidade da área afetada pela descarga, o volume, a localização geográfica e a sua extensão, bem como a duração da descarga e as condições meteorológicas predominantes na área à época da descarga.

105. No caso presente, a descarga de hidrocarbonetos ocorreu no mar Báltico, mais especificamente no golfo da Finlândia. O mar Báltico é reconhecido internacionalmente como uma área especial, caracterizada por especificidades geográficas e um ecossistema particularmente vulnerável que precisa de proteção especial (34). Essa circunstância deve, sem dúvida, ser tida em consideração ao interpretar o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM: é relevante para determinar se a descarga causa uma ameaça de danos importantes nas circunstâncias do caso em apreço.

106. Conforme assinalado na audiência pela Comissão, uma ameaça abstrata de dano (importante) (isto é, a existência de uma descarga visível) converte‑se, um tanto paradoxalmente, numa ameaça concreta de danos importantes nas circunstâncias específicas de uma descarga numa área particularmente vulnerável. É tanto mais assim que, em tais circunstâncias, a simples existência de uma descarga do tipo em questão no processo principal pode razoavelmente presumir‑se que causa uma ameaça importante.

107. Dito de outro modo: as características geográficas e ecológicas específicas e a sensibilidade da área do mar Báltico não afetam o âmbito da competência do Estado costeiro nos termos do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, de modo a ampliar esse critério de atribuição de competência a situações em que uma violação das regras aplicáveis da Convenção Marpol 73/78 não causa uma ameaça de danos importantes. Essas características têm influência na confirmação de que existe uma ameaça de dano importante.

108. Nesta base, considero que a quinta, a sexta, a sétima, a nona e a décima questões prejudiciais devem ser respondidas no sentido de que um Estado costeiro pode exercer as competências de jurisdição previstas no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM e no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, nas circunstâncias em que, por um lado, esse Estado possua provas manifestas e objetivas de que um navio estrangeiro está na origem de uma descarga que viole as normas e as regras internacionais aplicáveis em matéria de poluição por navios e, por outro lado, a descarga possa, nas circunstâncias específicas do caso, razoavelmente presumir‑se como causadora de uma ameaça de danos importantes ao meio marinho. Para determinar se existe uma ameaça de dano importante, deve dar‑se especial importância à vulnerabilidade da área afetada pela descarga, ao volume, à localização geográfica e à extensão da mesma, bem como à duração da descarga e às condições meteorológicas predominantes na área em questão.

D.      Questão 8: o poder de apreciação dos EstadosMembros por força do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35

109. Por último, abordarei brevemente a oitava questão prejudicial. Através dessa questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, como deve o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35 influenciar a interpretação do artigo 7.o, n.o 2, dessa diretiva, que regula o poder do Estado costeiro de iniciar procedimentos contra um navio em trânsito. Isto porque o artigo 1.o, n.o 2, prevê que esta diretiva não impede os Estados‑Membros de tomarem medidas mais rigorosas contra a poluição provocada por navios, desde que essas medidas sejam tomadas nos termos do direito internacional.

110. Por um lado, não há indicações na Diretiva 2005/35 de que a possibilidade de aplicar regras mais rigorosas para combater a poluição não abrange todas as disposições dessa diretiva. Por conseguinte, em princípio, a possibilidade de aplicar regras mais rigorosas também diz respeito ao artigo 7.o, n.o 2, da referida diretiva.

111. Por outro lado, no entanto, na medida em que essas regras sejam conformes com o direito internacional, os Estados‑Membros não podem tomar medidas contra um navio estrangeiro por força do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, a menos que tal ação seja permitida por força do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM. Esta disposição define, como questão de direito internacional, o critério de atribuição de competência que permite a um Estado costeiro iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro. Na prática, isso significa que o artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, lido à luz das disposições pertinentes da Convenção Marpol 73/78, define os limites do poder de um Estado‑Membro de atuar contra um navio em trânsito, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35 (35). A verdade é que o poder de apreciação deixado ao Estado‑Membro, pela simples razão de a Diretiva 2005/35 prever poderes mais abrangentes em relação a navios estrangeiros para o combate à poluição por navios, é circunscrito pelas regras internacionais aplicáveis, que, nos termos do direito da União, não devem ser excedidas.

112. A este respeito, é, no entanto, importante realçar que, desde que não excedam esses limites, os Estados‑Membros podem ter em conta, ao invocar a sua competência ao abrigo do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM, e do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, as características específicas e, conforme o caso, a vulnerabilidade da área em que tenha ocorrido a descarga. Como foi exposto acima, essas características são relevantes para determinar se a violação das regras pertinentes da Convenção Marpol 73/78 causa (uma ameaça de) danos importantes aos interesses do Estado costeiro em causa na aceção do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM (36). Por outras palavras, mesmo dentro dos limites estabelecidos pelas regras internacionais aplicáveis, os Estados‑Membros conservam um considerável poder de apreciação ao avaliar em que medida é adequado iniciar procedimentos contra um navio estrangeiro em trânsito para os fins de proteção e preservação do meio marinho nas circunstâncias em causa.

113. Assim, a oitava questão prejudicial deve ser respondida no sentido de que, não obstante o disposto no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, os Estados‑Membros não podem alargar as suas competências de jurisdição, previstas no artigo 7.o, n.o 2, dessa diretiva, além do que é permitido por força do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.

IV.    Conclusão

114. À luz dos argumentos apresentados, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia) da seguinte forma:

O artigo 220.o, n.o 6, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay (CNUDM) em 10 de dezembro de 1982, e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa à poluição por navios e à introdução de sanções, incluindo sanções penais, por crimes de poluição, conforme alterada pela Diretiva 2009/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, o conceito de «litoral e interesses conexos» se refere aos interesses do Estado costeiro no mar territorial e na Zona Económica Exclusiva diretamente relacionados com a exploração do mar e um ambiente saudável, tanto no mar territorial, como na zona económica exclusiva e, por outro, que o conceito de «quaisquer recursos do seu mar territorial ou da sua zona económica exclusiva» inclui tanto os recursos biológicos — tais como as espécies de plantas e de animais que são utilizadas como alimento por espécies úteis — como os recursos não biológicos.

Um Estado costeiro pode exercer as competências de jurisdição previstas no artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM e no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, em circunstâncias em que, por um lado, esse Estado costeiro disponha de provas claras e objetivas de que um navio estrangeiro está na origem de uma descarga que viole as normas e as regras internacionais aplicáveis à poluição por navios e, por outro lado, essa descarga possa, nas circunstâncias específicas do caso, razoavelmente presumir‑se como causadora de uma ameaça de danos importantes ao meio marinho. Para determinar se existe uma ameaça de dano importante, deve dar‑se especial importância à vulnerabilidade da área afetada pela descarga, ao volume, à localização geográfica e à extensão da mesma, bem como à duração da descarga e às condições meteorológicas predominantes na área em questão.

Não obstante o disposto no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, os Estados‑Membros não podem estender as suas competências de jurisdição, previstas no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, além do que é permitido por força do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM.


1      Língua original: inglês.


2      Assinada em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, entrou em vigor em 16 de novembro de 1994. A convenção foi aprovada em nome da atual União Europeia pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994, relativo à aplicação da parte XI da convenção (JO 1998, L 179, p. 1).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de setembro de 2005, relativa à poluição por navios e à introdução de sanções, incluindo sanções penais, por crimes de poluição (JO 2005, L 255, p. 11), conforme alterada pela Diretiva 2009/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, (JO 2009, L 280, p. 52).


4      A novidade das questões submetidas ao Tribunal de Justiça é, além disso, marcada pela circunstância de, tanto quanto julgo saber, o Tribunal Internacional de Justiça nunca ter interpretado o artigo 220.o da CNUDM na sua jurisprudência.


5      V. Acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.os 4 a 6); de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.os 42 e 43); de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, EU:C:2010:243, n.o 60 e jurisprudência referida), e de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 30 e jurisprudência referida).


6      Acórdão de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 52).


7      Acórdãos de 4 de maio de 2010, TNT Express Nederland (C‑533/08, UE:C:2010:243, n.o 61 e jurisprudência referida), e de 17 de julho de 2014, Qurbani (C‑481/13, EU:C:2014:2101, n.o 22).


8      V., em especial, Acórdãos de 12 de dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72 a 24/72, UE:C:1972:115, n.o 18); de 14 de julho de 1994, Peralta (C‑379/92, EU:C:1994:296, n.o 16); de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, UE:C:2008:312, n.o 48), e Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre UE‑Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 248.


9      Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Manzi and Compagnia Naviera Orchestra (C‑537/11, EU:C:2014:19).


10      Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Manzi and Compagnia Naviera Orchestra (C‑537/11, EU:C:2014:19, n.os 47 e 48).


11      V.n.os 69 e segs, infra.


12      Acórdão de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 58).


13      O princípio da liberdade de navegação e o direito de todas as nações usarem o mar para o comércio tem origem no tratado Mare Liberum do académico neerlandês Hugo Grotius, publicado pela primeira vez em 1609.


14      Guilfoyle, D., «Part VII. High Seas’», in Proels, A. (ed.), The United Nations Convention on the Law of the Sea, A commentary, Verlag C., Beck H., Munique, 2017, p. 679.


15      A «linha de base» coincide, regra geral, com a linha da costa na baixa‑mar.


16      Resulta da leitura conjugada dos artigos 2.o, 3.o e 17.o da CNUDM.


17      V., em particular, o artigo 94.o da CNUDM.


18      De particular importância aqui são a Convenção Marpol 73/78 e a Convenção de Intervenção. Além disso, foram assinados, nesse período, diversos tratados regionais. Entre esses acordos está a Convenção para a Proteção do Ambiente Marinho na Zona do Mar Báltico, assinada em Helsínquia em 1992 (a seguir, «Convenção de Helsínquia»), que entrou em vigor em 17 de janeiro de 2000.


19      V. Divisão das Nações Unidas para os Assuntos do Oceano e do Direito do Mar e Gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Jurídicos, The Law of the Sea, Enforcement by Coastal States, Legislative History of Article 220 of the United Nations Convention on the Law of the Sea, United Nations Publication, Nova Iorque, 2005, p. 4, n.o 17.


20      V., a este respeito, o considerando 2 da Diretiva 2005/35, que afirma, especificamente, que as regras internacionais que regem a poluição por navios, estabelecidas na Convenção Marpol 73/78, têm vindo a ser diariamente ignoradas por um grande número de navios que navegam nas águas comunitárias.


21      V. Divisão das Nações Unidas para os Assuntos do Oceano e do Direito do Mar e Gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Jurídicos, The Law of the Sea, Enforcement by Coastal States, Legislative History of Article 220 of the United Nations Convention on the Law of the Sea, United Nations Publication, Nova Iorque, 2005, p. 4, n.o 17. V., também, a este respeito, Churchill, R.R., Lowe, A.V., The law of the sea, 3.a edição, Juris Publishing, Manchester University Press, Manchester, 1999, p. 354.


22      Churchill, R.R., Lowe, A.V., op.cit., p. 369.


23      Foi esclarecido na audiência que, no caso em apreço, as autoridades do Estado de bandeira (Panamá) foram informadas, de acordo com as disposições pertinentes da CNUDM, das medidas tomadas pelas autoridades finlandesas contra o Bosphorus Queen. Para além do artigo 228.o da CNUDM, é importante notar que, de um modo mais geral, as regras contidas na secção 7, da parte XII, da CNUDM, relativas a salvaguardas, garantem que os direitos do Estado de bandeira sejam adequadamente tidos em conta quando o Estado costeiro exerce a sua competência.


24      No artigo 136.o da CNUDM, o fundo do mar é definido especificamente como «património comum da humanidade».


25      V. n.o 45, supra.


26      V. n.o 29, supra.


27      V. n.o 58, supra.


28      V. considerando 44 da Diretiva n.o 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política para o meio marinho (Diretiva‑Quadro «Estratégia Marinha») (JO 2008, L 164, p. 19) e considerandos 13 e 22 do Regulamento (UE) n. o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas, que altera os Regulamentos (CE) n. o 1954/2003 e (CE) n. o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n. o 2371/2002 e (CE) n. o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22).


29      V., também, as minhas Conclusões apresentadas no processo Deutscher Naturschutzring, Dachverband der deutschen Natur‑ und Umweltschutzverbände e. V. (C‑683/16, EU:C:2018:38, n.os 18 a 31).


30      Por força do artigo 61.o, n.o 4, da CNUDM, o Estado costeiro, ao tomar medidas de conservação e gestão dos recursos vivos, deve ter em conta os seus efeitos sobre espécies associadas às espécies capturadas, ou delas dependentes, a fim de preservar ou restabelecer as populações de tais espécies associadas ou dependentes acima de níveis em que a sua reprodução possa ficar seriamente ameaçada.


31      A esse respeito, as versões oficiais em inglês e em francês do artigo 220.o, n.o 6, da CNUDM são diferentes. Enquanto a redação inglesa refere «clear objetive evidence» [prova manifesta e objetiva], a redação francesa refere simplesmente «prova manifesta» (preuve manifeste).


32      O artigo 4.o, n.o 2, da Convenção Marpol 73/78 obriga as partes na convenção a impor sanções, nos termos das correspondentes leis. No contexto da União, o artigo 8.o da Diretiva 2005/35 prevê que os Estados‑Membros deverão impor sanções que sejam efetivas, proporcionais e dissuasivas de descargas de substâncias poluentes.


33      Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à poluição por navios e à introdução de sanções, incluindo sanções penais, pelo crime de poluição [COM(2003) 92 final], Exposição de Motivos, n.o 4.2. V., também, Resolução MEPC.61(34) adotada em 9 de julho de 1993, Limites de Visibilidade das Descargas de Hidrocarbonetos do anexo I da Convenção Marpol 73/78. De acordo com essa resolução, a descarga de uma mistura de hidrocarbonetos com uma concentração de 15 ppm não pode, em nenhuma circunstância, ser observada, seja visualmente, seja com equipamento de teledeteção. A menor concentração de hidrocarbonetos presente na descarga de uma mistura em que os primeiros vestígios foram observados visualmente de uma aeronave foi de 50 ppm, independentemente de fatores relacionados, como configurações da instalação, velocidade do navio de descarga, vento e altura das ondas.


34      Isso não é apenas ilustrado pela Convenção regional de Helsínquia, que estabelece regras específicas destinadas a combater a poluição no mar Báltico. O mar Báltico também é reconhecido na regra 1 do capítulo 1 do anexo I da Convenção Marpol 73/78 como uma área especial em que é requerida a adoção de métodos especiais obrigatórios para a prevenção da poluição do mar por hidrocarbonetos. Além disso, a Organização Marítima Internacional (a seguir «OMI») designou, em 2005, o mar Báltico como uma «zona marítima particularmente sensível», o que significa que «precisa de proteção especial, através da ação da OMI, pela importância dos seus reconhecidos atributos ecológicos, socioeconómicos ou científicos, sempre que esses atributos possam ser vulneráveis a danos causados pelo tráfego marítimo internacional». V. Resolução A. 982 (24) da OMI, Diretrizes Revistas para a Identificação e Designação de Áreas Particularmente Sensíveis, adotadas em 1 de dezembro de 2005.


35      De facto, afigura‑se que a possibilidade de aplicar medidas mais rigorosas, referida no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2005/35, diz respeito, sobretudo, às sanções a aplicar em caso de violação das normas de poluição pertinentes estabelecidas na Convenção Marpol 73/78. A este respeito, o considerando 5 da Diretiva 2005/35 refere‑se especificamente à necessidade de harmonizar, em especial, a definição exata da infração em causa, dos casos de isenção e das normas mínimas em matéria de sanções, e de responsabilidade e competência jurisdicional.


36      Note‑se, também, que o artigo 237.o, n.o 1, da CNUDM estabelece expressamente que as disposições da CNUDM relativas à proteção e preservação do meio marinho não afetam as obrigações específicas contraídas pelos Estados em virtude de convenções e acordos especiais concluídos anteriormente sobre a proteção e preservação do meio marinho, nem os acordos que possam ser concluídos em aplicação dos princípios gerais enunciados na CNUDM.