Language of document : ECLI:EU:C:2018:859

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

25 de outubro de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Artigo 5.o — Medidas que visam prevenir a utilização abusiva de contratos ou relações de trabalho a termo sucessivos — Legislação nacional que exclui a aplicação destas medidas no setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas»

No processo C‑331/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma, Itália), por decisão de 15 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de junho de 2017, no processo

Martina Sciotto

contra

Fondazione Teatro dell’Opera di Roma,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de presidente da Décima Secção, F. Biltgen (relator), e E. Levits, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. Sciotto, por F. Andretta, M. Speranza, V. De Michele e S. Galleano, avvocati,

–        em representação da Fondazione Teatro dell’Opera di Roma, por D. De Feo, M. Marazza e M. Marazza, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e G. Gattinara, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o do Acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Martina Sciotto à Fondazione Teatro dell’Opera di Roma, a propósito de um pedido no sentido de que os seus contratos de trabalho a termo sucessivos celebrados para prestações efetuadas entre os anos de 2007 e 2011 sejam convertidos em relação de trabalho sem termo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Em conformidade com o artigo 1.o da Diretiva 1999/70, esta «tem como objetivo a aplicação do acordo‑quadro […], celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

4        Os segundo e terceiro parágrafos do preâmbulo do acordo‑quadro têm a seguinte redação:

«As partes signatárias deste acordo reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores. Reconhecem ainda que os contratos de trabalho a termo respondem, em certas circunstâncias, às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores.

O presente acordo estabelece os princípios gerais e os requisitos mínimos relativos aos contratos de trabalho a termo, reconhecendo que a sua aplicação pormenorizada deve ter em conta a realidade e especificidades das situações nacionais, setoriais e sazonais. Afirma ainda a vontade dos parceiros sociais em estabelecerem um quadro geral que garanta a igualdade de tratamento em relação aos trabalhadores contratados a termo, protegendo‑os contra discriminações e a utilização dos contratos de trabalho a termo numa base aceitável tanto para empregadores como para trabalhadores.»

5        Os pontos 6 a 8 e 10 das considerações gerais do acordo‑quadro têm a seguinte redação:

«6.      Considerando que os contratos de trabalho de duração indeterminada constituem a forma comum da relação laboral, contribuindo para a qualidade de vida dos trabalhadores e a melhoria do seu desempenho;

7.      Considerando que a utilização de contratos a termo com base em razões objetivas constitui uma forma de evitar abusos;

8.      Considerando que os contratos a termo constituem uma característica do emprego em certos setores, ocupações e atividades, podendo ser da conveniência tanto dos empregadores como dos trabalhadores;

[…]

10.      Considerando que o presente acordo remete para os Estados‑Membros e para os parceiros sociais a definição das modalidades de aplicação dos seus princípios gerais, requisitos e disposições mínimas a fim de ser considerada a situação em cada Estado‑Membro e as circunstâncias de setores e ocupações concretos, incluindo as atividades de caráter sazonal.»

6        Nos termos do artigo 1.o do acordo‑quadro, este tem por objetivo, por um lado, melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação e, por outro, estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

7        O artigo 2.o do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«O presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções coletivas ou práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

8        O artigo 3.o do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente acordo, entende‑se por:

1.      “trabalhador contratado a termo” o trabalhador titular de um contrato de trabalho ou de uma relação laboral concluído diretamente entre um empregador e um trabalhador cuja finalidade seja determinada por condições objetivas, tais como a definição de uma data concreta, de uma tarefa específica ou de um certo acontecimento.

2.      “trabalhador permanente em situação comparável” um trabalhador titular de um contrato de trabalho ou relação laboral sem termo que, na mesma empresa realize um trabalho ou uma atividade idêntico ou similar, tendo em conta as qualificações ou competências.»

9        O artigo 4.o do acordo‑quadro, com a epígrafe «Princípio da não discriminação», prevê, no seu n.o 1:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber um tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

10      O artigo 5.o do acordo‑quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos», estabelece, no seu n.o 1:

«Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.»

 Direito italiano

11      O artigo 3.o da legge n. 426 ‑ Provvedimenti straordinari a sostegno delle attività musicali (Lei n.o 426, que estabelece medidas extraordinárias de apoio às atividades musicais), de 22 de julho de 1977 (GURI n.o 206, de 28 de julho de 1977) proíbe, sob pena de nulidade, «a renovação das relações laborais que, com base em disposições legislativas ou contratuais, impliquem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo».

12      O artigo 1.o do decreto legislativo n. 368 ‑ Attuazione della direttiva 1999/70/CE relativa all’accordo quadro sul lavoro a tempo determinato concluso dall’UNICE, dal CEEP e dal CES (Decreto Legislativo n.o 368 que transpõe a Diretiva 1999/70/CE respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo), de 6 de setembro de 2001 (GURI n.o 235, de 9 de outubro de 2001), na sua versão aplicável à data dos factos do processo principal (a seguir «Decreto Legislativo n.o 368/2001»), prevê, no seu n.o 01, que o contrato de trabalho sem termo constitui a forma comum da relação laboral, no seu n.o 1, que pode ser fixado um termo por razões de caráter técnico, relativas à produção, à organização ou a uma substituição, e, no seu n.o 2, que essas razões devem estar previstas por escrito.

13      O artigo 4.o do Decreto Legislativo n.o 368/2001 prevê que o contrato a termo só pode ser prorrogado, com consentimento do trabalhador, quando a duração inicial do contrato for inferior a três anos. A prorrogação é admitida por uma única vez e desde que se justifique por razões objetivas e seja para a mesma atividade. O ónus da prova das razões objetivas cabe ao empregador.

14      Em conformidade com o artigo 5.o do Decreto Legislativo n.o 368/2001, quando, por efeito de contratos sucessivos, a relação de trabalho exceda a duração total de 36 meses, considera‑se que a relação de trabalho é sem termo.

15      Por força do artigo 11.o, n.o 4, do Decreto Legislativo n.o 368/2001, as regras enunciadas nos artigos 4.o e 5.o deste decreto não se aplicam ao pessoal artístico e técnico das fundações de produção musical.

16      O artigo 3.o, n.o 6, do decreto‑legge n. 64 — recante disposizioni urgenti in materia di spettacolo e attività culturali (Decreto‑Lei n.o 64, que estabelece disposições urgentes em matéria de espetáculos e atividades culturais), de 30 de abril de 2010 (GURI n.o 100, de 30 de abril de 2010), convertido, com alterações, na legge n. 100 (Lei n.o 100) de 29 de junho de 2010 (GURI n.o 150, de 30 de junho de 2010, p. 2), dispõe, por um lado, que o artigo 3.o, n.os 4 e 5 da Lei n.o 426, de 22 de julho de 1977, que estabelece medidas extraordinárias de apoio às atividades musicais, continua a aplicar‑se às fundações lírico‑sinfónicas, não obstante a sua transformação em pessoas de direito privado, e, por outro, que as disposições do artigo 1.o, n.os 01 e 2, do Decreto Legislativo n.o 368/2001 não são aplicáveis às fundações lírico‑sinfónicas.

 Matéria de facto do processo principal e questão prejudicial

17      M. Sciotto foi contratada como bailarina pela Fondazione Teatro dell’Opera di Roma ao abrigo de vários contratos a termo que foram renovados no âmbito de diferentes representações artísticas programadas durante o período compreendido entre 26 de junho de 2007 e 30 de outubro de 2011.

18      Considerando que figurava de maneira permanente nos quadros de pessoal do teatro e que exercia as mesmas funções que as atribuídas ao pessoal contratado sem termo, a recorrente no processo principal intentou, em 20 de abril de 2012, uma ação no Tribunale di Roma (Tribunal de Roma, Itália), alegando que os seus contratos de trabalho não evidenciavam a existência de exigências técnicas, de organização ou de produção específicas que justificassem a sua celebração a termo. No âmbito dessa ação, pediu a declaração de ilegalidade dos termos fixados nos referidos contratos, a conversão da sua relação de trabalho em contrato sem termo e a indemnização pelos danos sofridos.

19      Por decisão de 22 de novembro de 2013, o Tribunale di Roma (Tribunal de Roma) julgou essa ação improcedente com o fundamento de que a legislação nacional específica aplicável às fundações lírico‑sinfónicas exclui a aplicação a estas das regras que regulam os contratos de trabalho de direito comum e obsta por isso à conversão dos contratos de trabalho celebrados por essas fundações em contratos de trabalho sem termo.

20      No seu recurso interposto para a Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma, Itália), M. Sciotto alega, com base no Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo (C‑238/14, EU:C:2015:128), que a legislação nacional específica aplicável às fundações lírico‑sinfónicas não está em conformidade com o direito da União.

21      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a regulamentação própria do setor de atividade dos organismos líricos e sinfónicos se reveste de grande complexidade e atravessou três períodos, durante os quais esses organismos mudaram de natureza jurídica, passando sucessivamente da qualidade de pessoa coletiva de direito público à de organismo público económico e posteriormente à de pessoa coletiva de direito privado sob a forma de fundação.

22      Ora, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Decreto Legislativo n.o 368/2001, aprovado no decurso do terceiro período, dispõe, no seu artigo 11.o, n.o 4, que as regras enunciadas nos artigos 4.o e 5.o desse decreto legislativo não se aplicam ao pessoal artístico e técnico das fundações de produção musical. Além disso, o artigo 11.o do decreto‑legge n. 91 — recante Disposizioni urgenti per la tutela, la valorizzazione e il rilancio dei beni e delle attivita’ culturali e del turismo (Decreto‑Lei n.o 91, que estabelece disposições urgentes para a proteção, a valorização e o relançamento dos bens e das atividades culturais e do turismo), de 8 de agosto de 2013 (GURI n.o 186, de 9 de agosto de 2003), convertido em lei, com alterações, pela legge n. 112 (Lei n.o 112), de 7 de outubro de 2013 (GURI n.o 236, de 8 de outubro de 2013, p. 1), sob a epígrafe «Disposições urgentes para a reabilitação das fundações lírico‑sinfónicas e o relançamento do sistema nacional musical de excelência», dispõe, no seu n.o 19, que o contrato de trabalho sem termo nas fundações líricas e sinfónicas é celebrado exclusivamente mediante procedimentos públicos de seleção.

23      O órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão de saber se a proteção dos trabalhadores que celebraram contratos de trabalho a termo sucessivos com as fundações lírico‑sinfónicas por um período total superior a três anos responde às exigências do direito da União, uma vez que a legislação nacional aplicável a este setor não exige que sejam indicadas razões objetivas que justifiquem a renovação dos contratos, não contém indicações quanto à duração máxima dos contratos, não especifica o número máximo de renovações de contratos a termo, não contém medidas legais equivalentes e não limita a celebração de contratos a termo no referido setor a casos de substituição.

24      Nestas condições, a Corte d’appello di Roma (Tribunal da Relação de Roma) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma legislação nacional (em particular, o artigo 3.o, n.o 6, do Decreto‑Lei n.o 64, de 30 de abril de 2010 [que estabelece disposições urgentes em matéria de espetáculos e atividades culturais], convertido, com alterações, na Lei n.o 100, de 29 de junho de 2010, na parte em que dispõe que “[e]m qualquer caso, não se aplica às fundações lírico‑sinfónicas o disposto no artigo 1.o, n.os 01 e 2, do Decreto Legislativo [n.o 368/2001]”) é contrária ao artigo 5.o do [acordo‑quadro]?»

 Quanto à questão prejudicial

25      Com a sua questão, tal como se encontra formulada, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a conformidade de certas disposições do direito nacional com o direito da União.

26      A recorrida no processo principal alega que esse pedido é inadmissível uma vez que o Tribunal de Justiça não tem competência para se pronunciar sobre a interpretação do direito nacional.

27      A este respeito, há que recordar que o sistema de cooperação estabelecido pelo artigo 267.o TFUE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo instaurado ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar‑se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional quaisquer elementos de interpretação do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação da União (Acórdão de 15 de outubro de 2015, Iglesias Gutiérrez e Rion Bea, C‑352/14 e C‑353/14, EU:C:2015:691, n.o 21 e jurisprudência referida).

28      Embora o teor literal das questões submetidas a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio convide o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de uma disposição de direito interno com o direito da União, nada impede o Tribunal de Justiça de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, fornecendo‑lhe os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (Acórdão de 15 de outubro de 2015, Iglesias Gutiérrez e Rion Bea, C‑352/14 e C‑353/14, EU:C:2015:691, n.o 22 e jurisprudência referida).

29      Por conseguinte, importa compreender a questão submetida no sentido de que, em substância, se pretende saber se o artigo 5.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as regras de direito comum que regem as relações de trabalho e que visam sancionar o recurso abusivo aos contratos a termo sucessivos através da conversão automática do contrato a termo em contrato sem termo quando a relação de trabalho perdura para além de uma data precisa não são aplicáveis ao setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas.

30      Importa recordar que o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro tem por objeto implementar um dos objetivos prosseguidos por este último, ou seja, regular o recurso sucessivo aos contratos ou às relações laborais a termo, considerados uma fonte potencial de abusos em detrimento dos trabalhadores, prevendo um determinado número de disposições mínimas de proteção destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores por conta de outrem (Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 63; de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 72; e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 25).

31      Com efeito, como resulta do segundo parágrafo do preâmbulo do acordo‑quadro e dos pontos 6 e 8 das considerações gerais do referido acordo‑quadro, o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores, ao passo que só em determinadas circunstâncias os contratos de trabalho a termo são suscetíveis de responder às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 73; de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 36; e de 14 de setembro de 2016, Pérez López, C‑16/15, EU:C:2016:679, n.o 27).

32      Por conseguinte, o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros, com o fim de prevenir os abusos resultantes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a adoção efetiva e vinculativa de uma ou várias das medidas que enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legislativas equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.o 1, alíneas a) a c), do referido artigo, que são três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses contratos de trabalho ou relações laborais sucessivos e ao número de renovações dos mesmos (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 74; de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 37, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 26).

33      Os Estados‑Membros dispõem, a este respeito, de uma margem de apreciação, uma vez que têm a escolha de recorrer a uma ou várias das medidas enunciadas no referido artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) a c), ou ainda a medidas legais existentes equivalentes (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 75; de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 38; e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 27).

34      Desta forma, o artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro impõe aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, deixando‑os, no entanto, escolher os meios para o alcançar, desde que não ponham em causa o objetivo ou o efeito útil do acordo‑quadro (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.º 76; de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 39, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 28).

35      Por outro lado, conforme resulta do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro e em conformidade com o terceiro parágrafo do preâmbulo e com os pontos 8 e 10 das suas considerações gerais, é no âmbito da aplicação do acordo‑quadro que os Estados‑Membros têm a faculdade, desde que isso seja objetivamente justificado, de ter em conta as necessidades particulares dos setores de atividades específicas e/ou das categorias de trabalhadores em causa (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 70 e jurisprudência referida, e de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 40).

36      No caso em apreço, é pacífico que a legislação nacional em causa no processo principal permite, no setor das fundações lírico‑sinfónicas, contratar trabalhadores através de contratos de trabalho a termo, sem prever nenhum dos limites referidos no artigo 5.o, n.o 1, alíneas b) e c), do acordo‑quadro quanto à duração máxima total desses contratos ou ao número de renovações dos mesmos. Em especial, resulta da decisão de reenvio que os contratos de trabalho no referido setor estão expressamente excluídos do âmbito de aplicação da disposição nacional que permite a conversão de contratos de trabalho a termo sucessivos para além de uma determinada duração em relação de trabalho sem termo.

37      Na medida em que resulta igualmente da decisão de reenvio que a referida regulamentação nacional não inclui, no que diz respeito ao pessoal contratado sem termo no setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas, nenhuma medida legal equivalente às enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, importa verificar se o recurso, nesse setor, a contratos de trabalho a termo sucessivos pode ser justificado por uma razão objetiva na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro.

38      Com efeito, como resulta do ponto 7 das considerações gerais desse acordo‑quadro, as partes signatárias deste consideraram que a utilização de contratos de trabalho a termo por razões objetivas é um meio de evitar os abusos (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 86 e jurisprudência referida, e de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 43).

39      A este respeito, o conceito de «razão objetiva» deve ser entendido como visando circunstâncias precisas e concretas que caracterizam uma atividade determinada e, portanto, suscetíveis de justificar, nesse contexto específico, a utilização de sucessivos contratos de trabalho a termo. Essas circunstâncias podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para cuja realização esses contratos foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, tal sendo o caso, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 87 e jurisprudência referida, e de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 44).

40      Em contrapartida, uma disposição nacional que se limite a autorizar, de maneira geral e abstrata, através de uma norma legislativa ou regulamentar, o recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo não respeita as exigências especificadas no número anterior do presente acórdão. Com efeito, tal disposição, de natureza puramente formal, não permite deduzir critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos corresponde efetivamente a uma verdadeira necessidade, se permite atingir o objetivo prosseguido e se é necessária para esse efeito. Essa disposição comporta, portanto, um risco real de levar a um recurso abusivo a esse tipo de contratos e não é, por isso, compatível com o objetivo nem com o efeito útil do acordo‑quadro (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 88 e jurisprudência referida, e de 26 de fevereiro de 2015, Comissão/Luxemburgo, C‑238/14, EU:C:2015:128, n.o 45).

41      O Governo italiano considera que a legislação nacional em causa no processo principal não institui uma autorização geral e abstrata de recorrer a contratos de trabalho a termo sucessivos, pelo contrário, prevê disposições especiais e precisas na matéria.

42      O Governo italiano sublinha, desde logo, em substância, que as fundações lírico‑sinfónicas como a recorrida no processo principal, não obstante o facto de serem constituídas sob a forma de pessoas coletivas de direito privado, são equiparáveis a entidades públicas. Apoia‑se, em seguida, no facto de os contratos de trabalho no setor de atividade dessas fundações serem tradicionalmente celebrados a termo, e põe especialmente em relevo, nesse contexto, o objetivo, constitucionalmente protegido, de desenvolvimento da cultura italiana e da proteção do património histórico e artístico italiano. Além disso, salienta as particularidades inerentes a esse setor, na medida em que cada representação artística apresenta um caráter especial e que os contratos de trabalho celebrados para efeitos de uma representação artística se distinguem necessariamente dos celebrados para efeitos de representações artísticas anteriores. Por último, o Governo italiano explica que a proibição legal de transformar contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo no referido setor é motivada por duas considerações estritamente ligadas ao caráter intrinsecamente público de entidades como a recorrida no processo principal, uma relativa à necessidade de conter as despesas públicas ligadas ao financiamento de tais entidades, a outra visando evitar o desvio da regra segundo a qual a contratação de trabalhadores mediante contratos sem termo está subordinada à organização de concursos. O Governo italiano considera que a proteção dos trabalhadores está suficientemente assegurada pela imputação de responsabilidade aos dirigentes das fundações lírico‑sinfónicas quando recorrem a contratos contrários a disposições legais aplicáveis.

43      No que diz respeito, em primeiro lugar, ao argumento relativo ao caráter público das fundações lírico‑sinfónicas como a recorrida no processo principal, há que sublinhar que tal caráter é irrelevante para a proteção de que beneficia um trabalhador nos termos do artigo 5.o do acordo‑quadro. Com efeito, segundo jurisprudência constante, a Diretiva 1999/70 e o acordo‑quadro são igualmente aplicáveis aos contratos de trabalho a termo celebrados com as administrações e as outras entidades do setor público (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 54, e de 7 de setembro de 2006, Vassallo, C‑180/04, EU:C:2006:518, n.o32), a definição de «trabalhador contratado a termo» na aceção do acordo‑quadro, enunciada no seu artigo 3.o, n.o 1, abrange todos os trabalhadores, sem fazer distinção de acordo com a natureza pública ou privada da respetiva entidade patronal (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 56; de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 67; e de 14 de setembro de 2016, Pérez López, C‑16/15, EU:C:2016:679, n.o 24).

44      Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento relativo ao facto de os contratos de trabalho no setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas serem tradicionalmente celebrados a termo, importa constatar que o facto de se permitir a um Estado‑Membro invocar a continuidade das regras no tempo a fim de poder prescindir do respeito da obrigação geral que lhe incumbe por força do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, a saber a adoção efetiva e vinculativa de pelo menos uma das medidas aí enumeradas para prevenir a utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos, não só não encontra nenhum fundamento legal nas disposições desse acordo‑quadro, mas vai claramente contra um dos objetivos prosseguidos pelo acordo‑quadro, recordado no n.o 31 do presente acórdão, a saber, a estabilidade do emprego, concebida como um elemento da maior importância na proteção dos trabalhadores, e reduziria consideravelmente as categorias de pessoas suscetíveis de beneficiar das medidas protetoras previstas neste artigo.

45      Além disso, cumpre salientar que, ainda que o desenvolvimento da cultura italiana bem como a proteção do património histórico e artístico italiano possam ser considerados objetivos dignos de proteção constitucional, o Governo italiano não expõe em que medida a prossecução desses objetivos exige que os empregadores do setor cultural e artístico contratem unicamente pessoal a termo. Com efeito, não se afigura que esse setor, ao contrário de outros serviços de utilidade pública, como a saúde ou a educação nacional, exija uma adequação constante entre o número de trabalhadores aí empregados e o número de utilizadores potenciais, ou que deva fazer face a serviços de apoio que devam ser assegurados de forma permanente ou outros fatores dificilmente previsíveis.

46      Em terceiro lugar, quanto ao argumento relativo às particularidades inerentes ao setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas, é verdade que a programação anual de espetáculos artísticos implica, necessariamente, para a entidade patronal, necessidades provisórias em matéria de contratação de pessoal.

47      Assim, a contratação temporária de um trabalhador a fim de satisfazer necessidades temporárias e específicas da entidade patronal em termos de pessoal pode, em princípio, constituir uma «razão objetiva» na aceção do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 91, e de 14 de setembro de 2016, Pérez López, C‑16/15, EU:C:2016:679, n.o 44).

48      Com efeito, as exigências artísticas ou técnicas ligadas à representação de um espetáculo podem tornar necessária uma contratação temporária. O mesmo sucede quando se deva proceder à substituição de um artista ou de um técnico indisponível, designadamente em caso de doença ou maternidade.

49      Em contrapartida, não se pode admitir que os contratos de trabalho a termo possam ser renovados para efeitos de execução, de modo permanente e duradouro, de tarefas nos estabelecimentos culturais em causa inseridas na atividade normal do setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas.

50      A este respeito, o cumprimento do artigo 5.o, n.o 1, alínea a), do acordo‑quadro exige que se verifique em concreto que a renovação de contratos ou de relações de trabalho a termo sucessivos visa cobrir necessidades provisórias.

51      Ora, por um lado, a legislação nacional em causa no processo principal não faz depender de nenhuma condição dessa natureza a derrogação que introduz às regras de direito comum aplicáveis aos contratos de trabalho e que visam sancionar o recurso abusivo aos contratos a termo sucessivos.

52      Por outro lado, a celebração dos contratos de trabalho sucessivos em causa no processo principal não parece ter respondido a meras necessidades provisórias da entidade patronal, mas parece antes decorrer de necessidades da sua programação normal.

53      Embora a programação anual de diferentes espetáculos possa exigir a contratação de trabalhadores específicos ou adicionais, não resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça em que medida as representações artísticas para as quais foram celebrados os contratos da recorrente no processo principal eram específicos nem por que razão deram lugar a uma necessidade unicamente provisória em termos de pessoal.

54      Além disso, os diferentes contratos de trabalho a termo pelos quais a recorrente foi contratada deram lugar à realização de tarefas semelhantes durante vários anos, pelo que essa relação de trabalho pode ter satisfeito uma necessidade que não era provisória, mas, pelo contrário, duradoura, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

55      Em quarto lugar, quanto a argumentos relativos às considerações de ordem orçamental, importa recordar que, embora tais considerações possam estar na base das opções de política social de um Estado‑Membro e influenciar a natureza ou o alcance das medidas que este pretenda adotar, não constituem todavia, em si mesmas, um objetivo prosseguido por essa política e, portanto, não podem justificar a inexistência de medidas preventivas do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo sucessivos na aceção do artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 110, e Despacho de 21 de setembro de 2016, Popescu, C‑614/15, EU:C:2016:726, n.o 63).

56      Em quinto lugar, há que recordar que uma legislação nacional que permita a renovação de contratos de trabalho a termo sucessivos para substituir pessoal enquanto se aguarda pelo resultado de concursos organizados para contratar trabalhadores sem termo não é, em si mesma, contrária ao acordo‑quadro e pode ser justificada por uma razão objetiva.

57      A aplicação concreta dessa razão deve todavia, tendo em conta as particularidades da atividade em causa e as condições do seu exercício, ser conforme com as exigências do acordo‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.os 91 e 99, e Despacho de 21 de setembro de 2016, Popescu, C‑614/15, EU:C:2016:726, n.o 64).

58      Ora, no caso em apreço, os autos remetidos ao Tribunal de Justiça não contêm nenhuma informação quanto à possibilidade de a recorrente no processo principal participar em concursos organizados pela sua entidade patronal, ou mesmo quanto à própria existência de tais processos.

59      Em último lugar, estando em causa a proibição ditada pela legislação nacional de converter, no setor das fundações lírico‑sinfónicas, os contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, importa recordar que o acordo‑quadro não estabelece uma obrigação geral de os Estados‑Membros preverem a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo. Com efeito, o artigo 5.o, n.o 2, do acordo‑quadro deixa, em princípio, aos Estados‑Membros a incumbência de determinar quais as condições em que os contratos ou as relações laborais a termo são considerados celebrados sem termo. Daqui resulta que o acordo‑quadro não estabelece as condições em que se pode fazer uso dos contratos a termo (Acórdão de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 80, e Despacho de 11 dezembro de 2014, León Medialdea, C‑86/14, não publicado, EU:C:2014:2447, n.o 47).

60      Todavia, para que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que proíbe, apenas no setor das fundações lírico‑sinfónicas, a conversão de contratos de trabalho a termo sucessivos em contratos de trabalho sem termo, possa ser considerada conforme com o acordo‑quadro, a ordem jurídica interna do Estado‑Membro em causa deve prever, para o setor em questão, outra medida eficaz para evitar e, sendo caso disso, sancionar a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos (v., por analogia, Acórdãos de 14 de setembro de 2016, Martínez Andrés e Castrejana López, C‑184/15 e C‑197/15, EU:C:2016:680, n.o 41, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 34).

61      Ora, é pacífico que os trabalhadores do setor das fundações lírico‑sinfónicas não têm direito, mesmo em caso de abuso, à conversão dos seus contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo e também não beneficiam de outras formas de proteção, como a fixação de um limite à possibilidade de recorrer aos contratos a termo.

62      Daqui decorre que a ordem jurídica italiana não inclui, no setor das fundações lírico‑sinfónicas, nenhuma medida efetiva, na aceção da jurisprudência referida no n.o 60 do presente acórdão, que sancione a utilização abusiva de contratos a termo, mesmo que o pessoal desse setor possa, ao contrário dos trabalhadores em causa no processo que levou à prolação do Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro (C‑494/16, EU:C:2018:166, n.os 35 e 36), exigir o pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos.

63      Quanto à responsabilização dos dirigentes, invocada pelo Governo italiano como medida efetiva, importa recordar que a legislação nacional obriga as administrações a recuperar, junto dos dirigentes responsáveis, as quantias pagas aos trabalhadores a título de reparação do prejuízo sofrido em razão da violação das disposições relativas ao recrutamento e ao emprego, quando a referida violação seja intencional ou decorra de culpa grave. Ora, essa obrigação que incumbe às administrações constitui apenas uma medida entre outras destinadas a prevenir e a sancionar o recurso abusivo a contratos de trabalho a termo e compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa responsabilização é suficientemente efetiva e dissuasora para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do acordo‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.os 52 e 53).

64      A este respeito, quando o direito da União não prevê sanções específicas para a hipótese de se verificarem abusos, incumbe às autoridades nacionais adotar medidas, que se devem revestir de caráter não só proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do acordo‑quadro (Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13, C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:166, n.o 77, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 29 e jurisprudência referida).

65      Daqui resulta que, quando tenha havido um recurso abusivo a contratos ou a relações laborais a termo sucessivos, uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União (v., nesse sentido, Acórdãos de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.o 79 e jurisprudência referida, e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.o 31).

66      Assim, se o órgão jurisdicional de reenvio verificar que não existe, na legislação nacional em causa no processo principal, qualquer outra medida efetiva para evitar e sancionar os abusos quanto ao pessoal do setor das fundações lírico‑sinfónicas, tal situação é suscetível de prejudicar o objetivo e o efeito útil do artigo 5.o do acordo‑quadro.

67      Em conformidade com jurisprudência constante, a obrigação decorrente de uma diretiva de os Estados‑Membros atingirem o resultado nela previsto, bem como o seu dever, resultante do artigo 4.o TUE, de tomarem todas as medidas gerais ou especiais capazes de assegurar o cumprimento dessa obrigação impõem‑se a todas as autoridades desses Estados, incluindo, no âmbito das suas competências, as autoridades jurisdicionais (Acórdão de 14 de setembro de 2016, Martínez Andrés e Castrejana López, C‑184/15 e C‑197/15, EU:C:2016:680, n.o 50 e jurisprudência referida).

68      Por conseguinte, compete às autoridades jurisdicionais do Estado‑Membro em causa assegurar o respeito pelo artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro, garantindo que os trabalhadores que tenham sofrido um abuso resultante da utilização de contratos de trabalho a termo sucessivos não são dissuadidos, na esperança de continuarem a ser contratados no setor público, de fazer valer junto das autoridades nacionais, incluindo jurisdicionais, os direitos que decorrem da implementação pela legislação nacional de todas as medidas preventivas previstas no artigo 5.o, n.o 1, do acordo‑quadro (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2016, Martínez Andrés e Castrejana López, C‑184/15 e C‑197/15, EU:C:2016:680, n.o 51 e jurisprudência referida).

69      Em especial, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio chamado a decidir, na medida do possível e quando tenha lugar uma utilização abusiva de contratos de trabalho a termo sucessivos, dar às disposições pertinentes de direito interno uma interpretação e uma aplicação de modo a sancionar devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União (Despacho de 11 de dezembro de 2014, León Medialdea, C‑86/14, não publicado, EU:C:2014:2447, n.o 56).

70      No caso em apreço, uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal contém regras aplicáveis aos contratos de trabalho de direito comum que visam sancionar o recurso abusivo aos contratos a termo sucessivos, prevendo a conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação de trabalho perdurar para além de uma data precisa, uma aplicação dessa regra no processo principal poderia constituir uma medida preventiva de tal abuso, na aceção do artigo 5.o do acordo‑quadro.

71      Em todo o caso, como a Comissão alega, uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal não permite em caso algum, no setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas, as conversões dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, é suscetível de causar uma discriminação entre trabalhadores a termo do referido setor e trabalhadores a termo de outros setores, podendo estes últimos, após a conversão do seu contrato de trabalho em caso de violação das normas relativas à celebração de contratos a termos, tornar‑se trabalhadores permanentes numa situação comparável, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do acordo‑quadro.

72      Em face de todas as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 5.o do acordo‑quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as regras de direito comum que regem as relações de trabalho e que visam sancionar o recurso abusivo aos contratos a termo sucessivos através da conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação de trabalho perdura para além de uma data precisa não são aplicáveis ao setor de atividade das fundações lírico‑sinfónicas, quando não exista qualquer outra medida efetiva na ordem jurídica interna que sancione os abusos constatados nesse setor.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 5.o do Acordoquadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura no anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordoquadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual as regras de direito comum que regem as relações de trabalho e que visam sancionar o recurso abusivo aos contratos a termo sucessivos através da conversão automática dos contratos a termo em contratos sem termo quando a relação de trabalho perdura para além de uma data precisa não são aplicáveis ao setor de atividade das fundações líricosinfónicas, quando não exista qualquer outra medida efetiva na ordem jurídica interna que sancione os abusos constatados nesse setor.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.