Language of document : ECLI:EU:C:2019:348

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

2 de maio de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Harmonização das legislações fiscais — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Regime especial das pequenas empresas — Artigos 282.o a 292.o — Isenção do IVA em benefício das pequenas empresas cujo volume de negócios anual é inferior ao limite fixado — Entrega simultânea de dois bens imóveis através de uma única operação — Ultrapassagem do limite anual do volume de negócios tendo em conta o preço de venda de um dos dois bens — Obrigação de pagar o imposto sobre o valor total da operação»

No processo C‑265/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia), por decisão de 11 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de abril de 2018, no processo

Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos

contra

Akvilė Jarmuškienė,

sendo interveniente:

Vilniaus apskrities valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, E. Juhász (relator) e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo lituano, por R. Krasuckaitė e V. Vasiliauskienė, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 282.o a 292.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Autoridade Tributária Central do Estado junto do Ministério das Finanças da República da Lituânia, a seguir «Autoridade Tributária Central do Estado») a Akvilė Jarmuškienė, a propósito da recusa em lhe conceder uma isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) no âmbito de uma operação económica que implica a entrega de uma casa e do terreno em que esta está construída.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do considerando 49 da Diretiva IVA, «[n]o que diz respeito às pequenas empresas, importa permitir que os Estados‑Membros mantenham os seus regimes especiais em conformidade com disposições comuns e tendo em vista uma maior harmonização».

4        O capítulo 1, relativo às «[e]ntregas de bens», do título IV, sob a epígrafe «Operações tributáveis», desta diretiva inclui o seu artigo 14.o Este artigo dispõe, no seu n.o 1, que se entende por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

5        Na secção 2, intitulada «Isenções ou reduções degressivas», do capítulo 1, relativo ao «[r]egime especial das pequenas empresas», do título XII, sob a epígrafe «Regimes especiais», da referida diretiva figuram os seus artigos 282.o a 292.o

6        Nos termos do artigo 282.o da mesma diretiva, as isenções e as reduções previstas na referida secção são aplicáveis às entregas de bens e às prestações de serviços efetuadas pelas pequenas empresas (a seguir «regime especial das pequenas empresas»).

7        O artigo 287.o da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros que tenham aderido depois de 1 de janeiro de 1978 podem conceder uma isenção aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional dos seguintes montantes à taxa de conversão do dia da respetiva adesão:

[…]

11)      Lituânia: 29 000 [euros];

[…]»

8        O artigo 288.o desta diretiva prevê:

«O volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime previsto na presente secção é constituído pelos seguintes montantes, líquidos de IVA:

1)      O montante das entregas de bens e das prestações de serviços, desde que sejam tributadas;

2)      O montante das operações isentas com direito à dedução do IVA pago no estádio anterior por força do disposto nos artigos 110.o e 111.o, no n.o 1 do artigo 125.o, no artigo 127.o e no n.o 1 do artigo 128.o;

3)      O montante das operações isentas por força do disposto nos artigos 146.o a 149.o, 151.o, 152.o e 153.o;

4)      O montante das operações imobiliárias, das operações financeiras referidas nas alíneas b) a g) do n.o 1 do artigo 135.o e das prestações de serviços de seguros, a menos que tais operações tenham caráter de operações acessórias.

Todavia, as cessões de bens de investimento corpóreos ou incorpóreos da empresa não são tomadas em consideração na determinação do volume de negócios.»

9        Segundo o artigo 1.o da Decisão de Execução 2011/335/UE do Conselho, de 30 de maio de 2011, que autoriza a República da Lituânia a aplicar uma medida em derrogação ao artigo 287.o da Diretiva 2006/112 (JO 2011, L 150, p. 6), «[e]m derrogação ao artigo 287.o, [n.o] 11, da Diretiva [IVA], a República da Lituânia é autorizada a conceder uma isenção do IVA aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional de 45 000 euros à taxa de conversão do dia da sua adesão à União Europeia».

 Direito lituano

10      O artigo 4.o, n.o 1, ponto 1, da Lietuvos Respublikos pridėtinės vertės mokesčio įstatymas (Lei da República da Lituânia relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado), conforme alterada pela Lei n.o XI‑1817, de 20 de dezembro de 2011 (a seguir «Lei relativa ao IVA»), prevê:

«A entrega de bens consiste:

1)      na transferência de bens para outra pessoa quando, em conformidade com os termos da operação, essa pessoa ou um terceiro adquire o direito de dispor de tais bens como seu proprietário […]»

11      O artigo 71.o, n.os 1, 2 e 4, desta lei dispõe:

«1.      A obrigação de registo para efeitos de IVA, de apuramento do IVA e da respetiva entrega ao Estado incumbe aos sujeitos passivos que procedam a entregas de bens no território nacional […] Uma pessoa obrigada a registar‑se para efeitos de IVA deve apresentar um requerimento de registo para efeitos de IVA.

2.      Não obstante o disposto no n.o 1, um sujeito passivo estabelecido no território da República da Lituânia não está obrigado a apresentar um requerimento de registo para efeitos de IVA nem a apurar o IVA e a entregá‑lo ao Estado, nos termos previstos na presente lei, relativamente a entregas de bens […] e (ou) prestações de serviços no território do país, se o montante total anual da contraprestação recebida pelos bens entregues e (ou) serviços prestados no exercício de atividades económicas (nos últimos 12 meses) não excedeu 155 000 litas lituanas (LTL). O IVA começa a ser apurado a partir do mês em que tal limite seja excedido. Não será apurado IVA relativamente a entregas de bens e a prestações de serviços cuja contraprestação não exceda o montante estabelecido de 155 000 LTL. […]

[…]

4.      A falta de apresentação do requerimento de registo para efeitos de IVA não exonera o sujeito passivo da obrigação de apurar o IVA relativamente às entregas de bens e/ou às prestações de serviços que tenha efetuado.»

12      O artigo 92.o, n.o 1, da referida lei prevê:

«Um sujeito passivo que estava obrigado a apresentar um requerimento de registo para efeitos de IVA nos termos do artigo 71.o da [presente] lei […], mas não o fez, deve, segundo o procedimento previsto neste artigo, apurar e pagar ao Estado o IVA sobre os bens e serviços relativamente aos quais, nos termos das disposições da [presente lei], estaria obrigado a apurar e a pagar IVA como devedor de IVA. O montante do IVA devido sobre os bens entregues e (ou) serviços prestados será apurado em conformidade com a seguinte fórmula ([…] quanto às entregas de bens e aos serviços prestados cuja contrapartida não exceda o montante de 155 000 LTL previsto no artigo 71.o, n.o 2, desta lei, o IVA não será apurado, mas, quando o limite previsto tiver sido excedido, o IVA deve ser apurado sobre todos os bens entregues e (ou) serviços prestados relativamente aos quais o limite previsto tenha sido excedido):

o montante de IVA devido = contraprestação * T/(100 % + T),

em que: T é a taxa de IVA (%) estabelecida na presente lei para tais bens e/ou serviços; * é um sinal de multiplicação.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      Por contrato de compra e venda de 10 de fevereiro de 2011, A. Jarmuškienė adquiriu, em copropriedade com outra pessoa singular, uma parcela de terreno agrícola. Em 4 de julho de 2011, obteve uma licença de construção para esse bem. Em seguida, foram construídos uma casa de habitação e dois edifícios de turismo rural na parcela adquirida.

14      Em 28 de dezembro de 2012, A. Jarmuškienė e o coproprietário venderam a casa de habitação com uma parte da parcela do terreno pela quantia de 450 000 LTL (cerca de 130 329 euros) (a seguir «operação em causa»). Desse preço de venda, A. Jarmuškienė recebeu 112 500 LTL (cerca de 32 437 euros), a título de uma parte da parcela do terreno, e 150 000 LTL (cerca de 43 443 euros), a título de uma parte da casa de habitação construída nessa parcela.

15      Na sequência de uma fiscalização relativa ao IVA respeitante ao período de 2012‑2013, a Autoridade Tributária local declarou, na sua Decisão de 23 de outubro de 2015, que a operação em causa não tinha sido realizada a título pontual nem ocasional, mas que A. Jarmuškienė exercia uma atividade económica, na aceção da Lei relativa ao IVA. Assim, segundo essa Autoridade Tributária, devia ter declarado, a jusante, um montante de 45 558 LTL (cerca de 13 195 euros) a título de IVA, calculado sobre o montante total que tinha recebido da operação em causa, a saber, 262 500 LTL (cerca de 76 025 euros). Todavia, uma vez que o IVA pago a montante relativamente às obras de construção da casa de habitação era de 21 000 LTL (cerca de 6 082 euros), a Autoridade Tributária local considerou que A. Jarmuškienė deveria ter deduzido esse montante da quantia acima referida de 45 558 LTL (cerca de 13 195 euros), de modo que continuava a ser devedora de um montante de 24 558 LTL (7 112 euros), a título de IVA devido a jusante no âmbito da operação em causa. Em suma, atendendo à existência de uma entrega posterior distinta, a Autoridade Tributária local decidiu que, para o período de 2012‑2013, A. Jarmuškienė estava obrigada ao pagamento de um montante de 21 915,55 euros a título de IVA, acrescido de 5 034 euros de juros de mora, bem como de uma coima de 2 192 euros.

16      A. Jarmuškienė apresentou uma reclamação desta decisão junto da Autoridade Tributária Central do Estado, que confirmou, por Decisão de 2 de fevereiro de 2016, os montantes de IVA impostos pela Autoridade Tributária local.

17      A. Jarmuškienė apresentou, por isso, um requerimento à Mokestinių ginčų komisija (Comissão de Contencioso Tributário, Lituânia) (a seguir «CLF»), que, por Decisão de 9 de maio de 2016, anulou a Decisão da Autoridade Tributária Central do Estado de 2 de fevereiro de 2016 e remeteu a esta última o processo para reapreciação. Em apoio da sua decisão, a CLF considerou que A. Jarmuškienė tinha vendido, através da operação em causa, dois bens distintos, a saber, uma parte da parcela do terreno e uma parte da casa de habitação, e que, por conseguinte, a Autoridade Tributária local considerou erradamente que a venda de bens imóveis por ocasião dessa operação era constitutiva de uma única e mesma entrega de bens. Segundo a CLF, no momento dos factos, apenas estavam sujeitas a IVA as entregas de bens cujo preço ultrapassasse o limite previsto na Lei relativa ao IVA. Ora, no caso em apreço, só uma das vendas de bens objeto da operação em causa teria permitido que esse limite fosse ultrapassado.

18      A Autoridade Tributária Central do Estado intentou uma ação relativa à Decisão da CLF de 9 de maio de 2016, alegando que A. Jarmuškienė, através da operação em causa, tinha efetuado uma única entrega de bens, dado que os bens em questão não podiam ser entregues separadamente, estavam intrinsecamente ligados e constituíam um todo de um ponto de vista económico.

19      Tendo o tribunal de primeira instância julgado improcedente a ação, a Autoridade Tributária Central do Estado interpôs recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia).

20      Este último precisa que, para resolver o litígio que lhe foi submetido, importa saber como deve ser interpretado o regime das pequenas empresas previsto nos artigos 282.o a 292.o da Diretiva IVA, em circunstâncias como as que estão em causa neste litígio, em que dois bens são objeto de uma entrega aquando de uma mesma operação, mas em que o limite anual do volume de negócios, definido no artigo 287.o desta diretiva, só é ultrapassado quanto à entrega de um desses bens.

21      Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que seria lógico considerar que os sujeitos passivos abrangidos por este regime especial das pequenas empresas só estão obrigados ao pagamento do IVA a partir do momento em que os montantes previstos no artigo 287.o da Diretiva IVA forem ultrapassados. Refere que, no direito lituano, a entrega de um imóvel é possível sem transferência do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em que esse imóvel está implantado e que, no caso em apreço, os referidos bens imóveis eram mencionados separadamente no contrato, com os seus próprios preços de venda. Além disso, segundo esse órgão jurisdicional, não permitir a A. Jarmuškienė beneficiar da isenção de IVA relativamente a um dos bens objeto da operação em causa implicaria uma desigualdade de tratamento em relação a outro sujeito passivo que teria chegado ao mesmo resultado, mas através de duas transações distintas, e que só ultrapassaria o limite anual relativamente a operações posteriores. Acrescenta ainda que o Acórdão de 8 de junho de 2000, Breitsohl (C‑400/98, EU:C:2000:304), não é, no seu entender, transponível para o presente processo.

22      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que as disposições do regime especial das pequenas empresas, enquanto derrogação ao regime geral previsto pela Diretiva IVA, devem ser interpretadas de forma estrita. Afirma ainda que, de acordo com a redação do artigo 288.o, n.o 1, desta diretiva, «[o] montante das entregas de bens» que constitui o volume de negócios, previsto no artigo 287.o da mesma, se refere especificamente ao montante total da entrega em causa, independentemente do número de bens que componham essa entrega. Referindo‑se ao n.o 70 do Acórdão de 26 de outubro de 2010, Schmelz (C‑97/09, EU:C:2010:632), esse órgão jurisdicional considera que tal abordagem está em conformidade com o objetivo desse regime especial que visa encorajar exclusivamente as pequenas empresas. Observa ainda que o sujeito passivo deve saber, antes mesmo de efetuar uma operação relativa a vários bens, se essa operação composta beneficiará da isenção de IVA aplicável às pequenas empresas.

23      Nestas condições, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 282.o a 292.o da Diretiva [IVA] ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias, como as do caso em apreço, em que são entregues dois bens através da mesma operação mas o limite anual do volume de negócios (o volume de atividade) estabelecido no artigo 287.o da Diretiva [IVA] (e na correspondente disposição da legislação nacional) só é excedido quanto à entrega de um desses bens, o sujeito passivo (o fornecedor) está obrigado, designadamente, a apurar e a pagar o imposto sobre o valor acrescentado sobre o valor total da operação (sobre o valor da entrega de ambos os bens) ou apenas sobre a parte da operação relativamente à qual o referido limite (volume de atividade) é excedido (sobre o valor da entrega de um dos bens)?»

 Quanto à questão prejudicial

24      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 282.o a 292.o da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, quando uma entrega, a favor de um mesmo comprador, inclui dois bens imóveis, inter‑relacionados pela sua natureza e que fazem parte de um único contrato de compra e venda, e em que o limite anual do volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime especial das pequenas empresas previsto por esta diretiva é ultrapassado, o sujeito passivo está obrigado a pagar o imposto com base no valor total da entrega em causa, ou seja, tendo em conta o valor dos dois bens que são objeto dessa entrega, mesmo que a consideração do valor de um desses bens não ultrapasse o referido limite anual.

25      A este respeito, há que recordar que os artigos 282.o a 292.o da Diretiva IVA preveem a possibilidade de os Estados‑Membros concederem uma isenção de IVA às pequenas empresas.

26      Segundo o artigo 287.o desta diretiva, os Estados‑Membros que tenham aderido depois de 1 de janeiro de 1978 podem conceder uma isenção aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional dos montantes indicados, respetivamente, para os Estados‑Membros que ali estão enumerados. Em conformidade com a Decisão de Execução 2011/335, a República da Lituânia, que introduziu igualmente o euro após a sua entrada em vigor, está autorizada, em derrogação ao artigo 287.o, n.o 11, da Diretiva IVA, «a conceder uma isenção do IVA aos sujeitos passivos cujo volume de negócios anual seja, no máximo, igual ao contravalor em moeda nacional de 45 000 euros à taxa de conversão do dia da sua adesão à União Europeia». Esse volume de negócios é calculado aplicando o artigo 288.o da mesma diretiva.

27      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, como exceção ao sistema comum da Diretiva IVA, o regime especial das pequenas empresas só deve ser aplicado na medida necessária para alcançar o seu objetivo e deve ser interpretado de forma estrita (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 2006, Comissão/Áustria, C‑128/05, EU:C:2006:612, n.o 22).

28      No caso vertente, não é contestado que, através da venda em causa no processo principal, o sujeito passivo ultrapassou o limite para além do qual já não é possível obter a isenção para as pequenas empresas. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, porém, sobre a questão de saber se apenas o valor de um dos componentes da operação que conduziu à ultrapassagem do referido limite deve estar sujeito a IVA.

29      Tendo em conta que apenas esta questão é objeto do litígio no processo principal, o Tribunal de Justiça não deve decidir, no caso vertente, a questão de saber se, uma vez ultrapassado o limite fixado no artigo 287.o da Diretiva IVA, o sujeito passivo está obrigado a submeter a IVA a totalidade das operações que realizou, incluindo todas as operações anteriores àquela cujo valor implicou a ultrapassagem do referido limite.

30      Resulta da decisão de reenvio que a venda da parte da casa e da parcela de terreno onde está implantada, em causa no processo principal, foi efetuada, a favor de um mesmo comprador, por um único contrato. Daí resulta igualmente que a contrapartida recebida pela entrega desses bens imóveis era um montante global.

31      É certo que, no caso em apreço, o contrato de compra e venda distinguia o preço da casa do preço do terreno. Não é menos certo que esses bens estão estreitamente ligados tanto pela sua natureza como pelos respetivos preços, que foram determinados conjuntamente.

32      A este respeito, importa referir que, segundo o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, entende‑se por «entrega de bens» a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.

33      Ora, no processo principal, a transferência do poder de dispor dos bens imóveis no seu conjunto foi realizada pelo mesmo ato jurídico.

34      No caso em apreço, só existe uma entrega, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, mesmo que esta tenha por objeto dois bens.

35      Com efeito, os componentes desta entrega única não podem ser decompostos, pois teria caráter artificial em relação ao sistema do IVA (v., por analogia, Acórdão de 18 de janeiro de 2018, Stadion Amsterdam, C‑463/16, EU:C:2018:22, n.o 22).

36      Daqui resulta que o IVA é devido sobre a totalidade do montante da operação em causa.

37      Esta conclusão é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo regime especial das pequenas empresas. Este último prevê, com efeito, simplificações administrativas que têm por objetivo reforçar a criação, a atividade e a competitividade das pequenas empresas, bem como manter um nexo razoável entre os encargos administrativos ligados ao controlo fiscal e as escassas receitas fiscais a cobrar. Assim, este regime tem por objetivo isentar tanto as pequenas empresas como as Administrações Fiscais desses encargos administrativos (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2010, Schmelz, C‑97/09, EU:C:2010:632, n.os 63 e 68).

38      Ora, há que sublinhar que os encargos administrativos que recaem sobre a autoridade fiscal em causa e sobre o sujeito passivo não seriam reduzidos se fosse necessário efetuar cálculos separados, relativamente aos diferentes bens de uma única e mesma entrega, abrangidos por um mesmo contrato de compra e venda.

39      Resulta do exposto que importa responder à questão submetida que os artigos 282.o a 292.o da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, quando uma entrega, a favor de um mesmo comprador, inclui dois bens imóveis, inter‑relacionados pela sua natureza e que fazem parte de um único contrato de compra e venda, e o limite anual do volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime especial das pequenas empresas previsto por esta diretiva é ultrapassado, o sujeito passivo está obrigado a pagar o imposto com base no valor total da entrega em causa, ou seja, tendo em conta o valor dos dois bens que são objeto dessa entrega, mesmo que a tomada em consideração do valor de um desses bens não conduza à ultrapassagem do referido limite anual.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

Os artigos 282.o a 292.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que, quando uma entrega, a favor de um mesmo comprador, inclui dois bens imóveis, interrelacionados pela sua natureza e que fazem parte de um único contrato de compra e venda, e o limite anual do volume de negócios que serve de referência para a aplicação do regime especial das pequenas empresas previsto por esta diretiva é ultrapassado, o sujeito passivo está obrigado a pagar o imposto com base no valor total da entrega em causa, ou seja, tendo em conta o valor dos dois bens que são objeto dessa entrega, mesmo que a tomada em consideração do valor de um desses bens não conduza à ultrapassagem do referido limite anual.

Assinaturas


*      Língua do processo: lituano.