Language of document : ECLI:EU:C:2019:917

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 31 de outubro de 2019(1)

Processo C715/17

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

Processo C718/17

Comissão Europeia

contra

República da Hungria

Processo C719/17

Comissão Europeia

contra

República Checa

«Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Incumprimento de Estado — Decisões (UE) 2015/1523 e (UE) 2015/1601 — Medidas provisórias a favor da República Helénica e da República Italiana no domínio da proteção internacional — Situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros ao território de determinados Estados‑Membros — Recolocação desses nacionais no território de outros Estados‑Membros — Procedimento de recolocação — Obrigação de os Estados‑Membros indicarem periodicamente, e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podem ser recolocados rapidamente no seu território — Obrigação daí decorrente de recolocação efetiva — Artigo 72.o TFUE e segurança interna»






1.        Em circunstâncias normais, o Regulamento n.o 604/2013 (a seguir «Regulamento Dublim III») (2) regula a repartição, entre os Estados‑Membros, dos requerentes de proteção internacional na União Europeia. No entanto, a continuação do conflito na Síria levou a um aumento dramático do número total de requerentes dessa proteção (3). A perigosa travessia marítima do Mediterrâneo era, e continua a ser, a principal rota dessas pessoas (e de outros potenciais refugiados) para entrarem no território da União Europeia (4). Essa via impõe uma enorme pressão sobre dois Estados‑Membros, a Itália e a Grécia (a seguir «Estados‑Membros da primeira linha»), que têm ambos longas costas mediterrânicas que, na prática, são impossíveis de controlar. Em circunstâncias normais, esses Estados‑Membros deveriam, nos termos do artigo 13.o do Regulamento Dublim III (5), ser responsáveis pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados por pessoas que entraram na União Europeia pelo seu território (6). Os dois foram ultrapassados pelo número considerável de potenciais requerentes (7).

2.        Em 14 e 22 de setembro de 2015, respetivamente, o Conselho adotou duas decisões que instituíram medidas provisórias a favor dos Estados‑Membros da primeira linha: Decisão (UE) 2015/1523 do Conselho (8) e Decisão (UE) 2015/1601 (9). Ambas as decisões utilizaram o artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica. Estas duas decisões instauraram um dispositivo detalhado para a recolocação de, respetivamente, 40 000 e 120 000 requerentes de proteção internacional. A seguir, referir‑me‑ei a essas duas decisões em conjunto por «decisões de recolocação», só me referirei a elas individualmente se necessário.

3.        Foi negado provimento aos recursos que contestavam a legalidade da Decisão 2015/1601 (10).

4.        A Comissão intentou, entretanto, ações por incumprimento contra três Estados‑Membros: a Polónia (processo C‑715/17), a Hungria (processo C‑718/17) e a República Checa (processo C‑719/17). Referir‑me‑ei a estes Estados‑Membros conjuntamente, se necessário, como os «três Estados‑Membros demandados».

5.        Nestes processos paralelos, a Comissão alega que os três Estados‑Membros demandados violaram, no caso da Polónia e da República Checa, o artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1523 e da Decisão 2015/1601 («requisito de assunção de compromissos») e, no caso da Hungria, apenas o artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601, bem como as obrigações daí decorrentes que lhes incumbem por força do artigo 5.o, n.os 4 a 11, dessas duas decisões, como tal não ajudando a Grécia e a Itália na recolocação de requerentes de proteção internacional nos respetivos territórios para aí proceder à apreciação quanto ao fundo dos pedidos individuais (11).

6.        A Polónia, a Hungria e a República Checa contestam a admissibilidade das ações. A título subsidiário, alegam que podem invocar o artigo 72.o TFUE para justificar a não aplicação dessas decisões (cuja validade agora não contestam), uma vez que as medidas da União Europeia adotadas nos termos do título V da parte III do TFUE (de que faz parte o artigo 78.o TFUE, em que se baseiam as decisões de recolocação) «não prejudica[m] o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna».

7.        Os três processos foram apensados pelo que apresentarei conclusões conjuntas que abrangem as três ações por incumprimento.

 Quadro legal

8.        As decisões de recolocação não podem ser consideradas isoladamente. Foram adotadas no contexto de um conjunto (altamente complexo) de obrigações e de acordos de direito internacional e de direito da União Europeia subsequentes bem como da cuidadosa e detalhada decisão do Tribunal de Justiça no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho. Procurarei expor esse contexto de forma tão concisa quanto possível.

 Declaração Universal dos Direitos do Homem

9.        O artigo 14.o, n.o 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (12) prevê, em termos gerais, que «[t]oda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países». No entanto, o seu artigo 14.o, n.o 2, prevê que «[e]ste direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas» (13).

 Convenção de Genebra

10.      O artigo 1.o, ponto A, n.o 2, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (14) prevê, no primeiro parágrafo, que o termo «refugiado» aplicar‑se‑à a qualquer pessoa que «receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país». O seu segundo parágrafo esclarece, adicionalmente, que, no caso dos apátridas, «aquele país» se refere ao país de residência habitual.

11.      No entanto, o artigo 1.o, ponto F, prevê que as disposições da Convenção de Genebra «não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar: (a) Que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, segundo o significado dos instrumentos internacionais elaborados para prever disposições relativas a esses crimes; (b) Que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites como refugiados; (c) Que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas».

 Tratado da União Europeia

12.      O artigo 4.o, n.o 2, TUE prevê que «[a] União respeita a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, bem como a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional. A União respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado‑Membro.»

 Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

13.      O artigo 72.o faz parte do capítulo 1 («Disposições Gerais») do título V do TFUE («O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça»; a seguir «ELSJ»). Prevê sucintamente que «[o] presente título não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna».

14.      O artigo 78.o, n.o 1, TFUE, que faz parte do capítulo 2 («Políticas relativas aos controlos nas fronteiras, ao asilo e à imigração») dispõe que a União «desenvolve uma política comum em matéria de asilo, de proteção subsidiária e de proteção temporária, destinada a conceder um estatuto adequado a qualquer nacional de um país terceiro que necessite de proteção internacional e a garantir a observância do princípio da não repulsão. Esta política deve estar em conformidade com a [Convenção de Genebra] e com os outros tratados pertinentes». O artigo 78.o, n.o 2, TFUE constitui a base jurídica das medidas adotadas para a construção do sistema europeu comum de asilo (a seguir «SECA») (15).

15.      O artigo 78.o, n.o 3, TFUE dispõe que «[n]o caso de um ou mais Estados‑Membros serem confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão, pode adotar medidas provisórias a favor desse ou desses Estados‑Membros. O Conselho delibera após consulta ao Parlamento Europeu».

16.      O artigo 80.o TFUE prevê que «[a]s políticas da União referidas no presente capítulo e a sua execução são regidas pelo princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre os Estados‑Membros, inclusive no plano financeiro. Sempre que necessário, os atos da União adotados por força do presente capítulo conterão medidas adequadas para a aplicação desse princípio».

 Carta dos Direitos Fundamentais

17.      O artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (16) dispõe que «[é] garantido o direito de asilo, no quadro [da Convenção de Genebra], e nos termos do [TUE] e do [TFUE]».

 Elementos pertinentes do acervo da União em matéria de asilo

18.      O SECA resulta de abundante direito derivado da União que estabelece regras processuais e substantivas uniformes que os Estados‑Membros devem aplicar na análise e na decisão dos pedidos de proteção internacional.

 Diretiva Qualificação

19.      A Diretiva 2011/95 (a seguir «Diretiva Qualificação») (17) contém normas uniformes que devem ser aplicadas ao decidir se os nacionais de um país terceiro ou os apátridas são elegíveis para o estatuto de refugiado ou a proteção subsidiária. Contém, igualmente, disposições que regulam a exclusão desses estatutos e que permitem aos Estados‑Membros revogar, suprimir ou recusar a renovação desses estatutos em determinadas circunstâncias.

20.      O artigo 2.o, alínea a), define «[p]roteção internacional» como «o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g)»; o artigo 2.o, alínea d), define «refugiado» em conformidade com o artigo 1.o, ponto A, n.o 2, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra; o artigo 2.o, alínea e), estabelece que «[e]statuto de refugiado» significa «o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado»; e o artigo 2.o, alínea f), prevê uma definição de «[p]essoa elegível para proteção subsidiária».

21.      O artigo 2.o, alíneas h) e i), respetivamente, define «[p]edido de proteção internacional» como «um pedido de proteção apresentado […] por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária»; e «[r]equerente» como «um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva».

22.      Em seguida, a Diretiva Qualificação trata sucessivamente da apreciação do pedido de proteção internacional (capítulo II, artigos 4.o a 8.o) e das condições para o reconhecimento como refugiado (capítulo III, artigos 9.o a 12.o) O artigo 12.o, sob a epígrafe «Exclusão», prevê uma lista detalhada de motivos obrigatórios de exclusão de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida da elegibilidade para o estatuto de refugiado. Neste contexto, importa salientar que o artigo 12.o, n.o 2, enuncia motivos que correspondem, em substância, aos previstos no artigo 1.o, ponto F, da Convenção de Genebra (18).

23.      O capítulo IV, sob a epígrafe «Estatuto de refugiado», contém uma longa disposição (artigo 14.o) que enuncia as circunstâncias em que o estatuto de refugiado, uma vez concedido, pode, no entanto, ser suprimido ou não ser renovado. Estas incluem a circunstância de a pessoa dever ter sido excluída desse estatuto nos termos do artigo 12.o [artigo 14.o, n.o 3, alínea a)]; de uma anterior deturpação de factos ter sido decisiva para receber o estatuto de refugiado [artigo 14.o, n.o 3, alínea b)]; de existirem motivos razoáveis para considerar que a pessoa em causa representa «um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra» [artigo 14.o, n.o 4, alínea a)] e de, «[t]endo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, [o refugiado em causa] represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro» [artigo 14.o, n.o 4, alínea b)] (19).

24.      No capítulo V, sob a epígrafe «Condições de elegibilidade para proteção subsidiária», o artigo 17.o prevê disposições para excluir um nacional de um país terceiro ou um apátrida da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária que são, em substância, semelhantes às previstas no artigo 12.o a respeito do estatuto de refugiado. Os motivos obrigatórios de exclusão enunciados também incluem, além dos previstos no artigo 12.o da diretiva, que refletem o artigo 1.o, ponto F, da Convenção de Genebra, a circunstância em que «[um requerente] [r]epresenta um perigo para a comunidade ou para a segurança do Estado‑Membro onde se encontra» [artigo 17.o, n.o 1, alínea d)]. O artigo 17.o, n.o 2, amplia o âmbito de aplicação da exclusão obrigatória prevista nesta disposição para abranger as «pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou atos […] referidos [no artigo 17.o, n.o 1]». Acresce que o artigo 17.o, n.o 3, confere aos Estados‑Membros a possibilidade de excluir um nacional de um país terceiro ou um apátrida da qualidade de pessoa elegível para proteção subsidiária «se, antes de ter sido admitida no Estado‑Membro em causa, essa pessoa tiver cometido um ou mais crimes não abrangidos pelo âmbito de aplicação do [artigo 17.o, n.o 1], que seriam puníveis com pena de prisão caso tivessem sido praticados no Estado‑Membro em causa, e tiver deixado o seu país de origem unicamente com o objetivo de evitar sanções decorrentes desses crimes».

25.      O capítulo VI, sob a epígrafe «Estatuto de proteção subsidiária», contém, no artigo 19.o, uma disposição equivalente ao artigo 14.o, relativo ao estatuto de refugiado, que enuncia as circunstâncias em que o estatuto de proteção subsidiária, uma vez concedido, pode, no entanto, ser suprimido ou não ser renovado. Tal é possível, inter alia, se a pessoa em causa puder deixar de ser elegível (20) para essa proteção nos termos do artigo 17.o, n.o 3 (artigo 19.o, n.o 2), ou devesse ter sido ou tenha sido excluída nos termos do artigo 17.o, n.os 1 ou 2 [artigo 19.o, n.o 3, alínea a)], e se uma anterior deturpação de factos tiver sido decisiva para receber o estatuto [artigo 19.o, n.o 3, alínea b)].

26.      Por último, no capítulo VII, sob a epígrafe «Conteúdo da proteção internacional», o artigo 21.o trata da proteção contra a repulsão. Embora determine que os Estados‑Membros «devem respeitar o princípio da não repulsão, de acordo com as suas obrigações internacionais» (artigo 21.o, n.o 1), o n.o 2 deste artigo prevê expressamente que, «[n]os casos em que as obrigações internacionais mencionadas no [artigo 21.o, n,.° 1,] não o proíbam, os Estados‑Membros podem repelir um refugiado, formalmente reconhecido ou não, quando: a) [h]aja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra; ou b) [t]endo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro».

 Diretiva Procedimentos

27.      A Diretiva 2013/32 (a seguir «Diretiva Procedimentos») (21) estabelece procedimentos uniformes para o tratamento dos pedidos de proteção internacional. O considerando 51 desta diretiva prevê expressamente que, «[d]e harmonia com o artigo 72.o [TFUE], [esta] diretiva não prejudica o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna».

28.      A definição de «requerente» no artigo 2.o, alínea c), dessa diretiva reflete o artigo 2.o, alínea i), da Diretiva Qualificação.

29.      Uma vez que os menores não acompanhados figuravam entre os numerosos requerentes a recolocar nos termos das decisões de recolocação, há que referir o artigo 25.o, n.o 6, alínea a), iii), e o artigo 25.o, n.o 6, alínea b), iii), da Diretiva Procedimentos, que permite aos Estados‑Membros derrogar regras processuais normalmente aplicáveis se o menor não acompanhado em causa «puder ser considerado, por razões justificadas, uma ameaça para a segurança nacional ou ordem pública do Estado‑Membro, ou tiver sido objeto de uma decisão executória de expulsão por razões graves de segurança e de ordem pública nos termos da lei nacional» (22).

30.      Em termos mais gerais, o artigo 31.o da Diretiva Procedimentos, sob a epígrafe «Procedimento de apreciação», autoriza expressamente os Estados‑Membros a acelerar o procedimento de apreciação e/ou a conduzir esse procedimento na fronteira ou em zonas de trânsito se, inter alia, «[o] requerente puder, por razões justificadas, ser considerado uma ameaça para a segurança pública ou para a ordem pública do Estado‑Membro; ou […] tiver sido objeto de uma decisão executória de expulsão por razões justificadas de segurança pública ou de ordem pública, por força do direito interno» [artigo 31.o, n.o 8, alínea j)] (23).

 Diretiva Acolhimento

31.      A Diretiva 2013/33 (a seguir «Diretiva Acolhimento») (24) complementa a Diretiva Procedimentos através de disposições detalhadas relativas ao tratamento («acolhimento») a conceder aos requerentes de proteção internacional enquanto os seus pedidos são analisados. A definição de «requerente» no artigo 2.o, alínea b), dessa diretiva reflete o artigo 2.o, alínea i), da Diretiva Qualificação.

32.      No capítulo II, sob a epígrafe «Disposições gerais relativas às condições de acolhimento», o artigo 7.o, n.o 1, estabelece o princípio de que os requerentes podem circular livremente no território do Estado‑Membro de acolhimento ou no interior de uma área que lhes for fixada por esse Estado‑Membro. No entanto, por derrogação a este princípio, o artigo 7.o, n.o 2 permite expressamente ao Estados‑Membros «decidir da residência do requerente por razões de interesse público, de ordem pública ou, sempre que necessário, para o rápido tratamento e acompanhamento eficaz do seu pedido de proteção internacional».

33.      O artigo 8.o regula a detenção de requerentes. O artigo 8.o, n.o 2, dispõe que, «[q]uando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas». A lista exaustiva dos fundamentos de detenção autorizados inclui, no artigo 8.o, n.o 2, alínea e), «[s]e a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem».

 Diretiva Regresso

34.      Por último, se um requerente a quem não foi concedida proteção internacional continuar em situação irregular no território de um Estado‑Membro, a Diretiva 2008/115 (a seguir «Diretiva Regresso») (25) prevê normas uniformes para o seu afastamento e repatriamento.

35.      O artigo 1.o esclarece que a diretiva «estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito [da União] e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem».

36.      O artigo 2.o dispõe que a diretiva é aplicável, salvo determinadas exceções (26), a nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro.

37.      O artigo 6.o, n.o 1, impõe aos Estados‑Membros o dever de emitir uma decisão de regresso (27) relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território. Se for necessária a partida imediata de um nacional de um país terceiro por razões de ordem pública ou de segurança nacional, a referida decisão pode ser emitida ainda que essa pessoa seja detentora de um título de residência válido ou de outro título, emitido por outro Estado‑Membro e que lhe confira direito de permanência (artigo 6.o, n.o 2). Normalmente, é previsto um prazo adequado, entre sete e trinta dias, para a partida voluntária (artigo 7.o, n.o 1), mas «[s]e houver risco de fuga […], ou se a pessoa em causa constituir um risco para a ordem ou segurança pública ou para a segurança nacional, os Estados‑Membros podem não conceder um prazo para a partida voluntária ou podem conceder um prazo inferior a sete dias» (artigo 7.o, n.o 4). Como último recurso, podem ser utilizadas medidas coercivas para o afastamento (artigo 8.o, n.o 4).

38.      O artigo 11.o trata da imposição de uma proibição de entrada que acompanha o afastamento. Esta proibição é obrigatória sempre que não tenha sido concedido qualquer prazo para a partida voluntária [artigo 11.o, n.o 1, alínea a)]. A duração da proibição de entrada «é determinada tendo em devida consideração todas as circunstâncias relevantes do caso concreto, não devendo em princípio exceder cinco anos. Essa duração pode, contudo, ser superior a cinco anos se o nacional de país terceiro constituir uma ameaça grave para a ordem pública, a segurança pública ou a segurança nacional» (artigo 11.o, n.o 2). Em circunstâncias específicas, quando esse tratamento coercivo for proporcionado e devidamente justificado, os Estados‑Membros podem manter detido um nacional de um país terceiro para efeitos de afastamento (v. disposições detalhadas do artigo 15.o).

 Decisões de Recolocação

39.      Antes da adoção das decisões de recolocação, a União Europeia tomou medidas para fazer face a uma situação que foi reconhecida como uma crise migratória global. Na sequência da Recomendação da Comissão de 8 de junho de 2015 (28), vinte e sete Estados‑Membros (com exceção da Hungria), juntamente com a Islândia, o Listenstaine, a Noruega e a Suíça (a seguir «Estados Dublim») acordaram, em 20 de julho de 2015, proceder à reinstalação, através de regimes multilaterais e nacionais, de 22 504 pessoas deslocadas de fora da UE que tinham uma clara necessidade de proteção internacional (29). O número de lugares destinados a pessoas a reinstalar foi repartido entre os Estados‑Membros e os Estados Dublim, em conformidade com os compromissos estabelecidos no anexo da Resolução de 20 de julho de 2015 (30).

40.      Em 14 e 22 de setembro de 2015, respetivamente, o Conselho adotou a Decisão 2015/1523 e a Decisão 2015/1601, utilizando o artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica para instituir medidas provisórias destinadas a lidar com a situação de emergência enfrentada pelos Estados‑Membros da primeira linha. As duas decisões foram adotadas na sequência de uma proposta da Comissão, após consulta ao Parlamento Europeu. A Decisão 2015/1523 foi adotada por consenso (31), ao passo que a Decisão 2015/1601 foi adotada por maioria qualificada (32). O texto das duas decisões de recolocação não é totalmente idêntico. No termos da Decisão 2015/1523, deviam ser recolocados 40 000 requerentes de proteção internacional a partir da Itália e da Grécia, em conformidade com o acordo alcançado entre os Estados‑Membros através da Resolução de 20 de julho de 2015. Nos termos da Decisão 2015/1601, deviam ser recolocados 120 000 requerentes de proteção internacional a partir da Itália e da Grécia. Os anexos dessa decisão estabeleciam o número específico de pessoas que deviam ser recolocadas em cada Estado‑Membro.

41.      Em 15 de dezembro de 2015, a Comissão adotou uma Recomendação relativa a um regime voluntário de admissão por motivos humanitários com a Turquia, que propunha que os Estados participantes admitissem pessoas deslocadas devido ao conflito na Síria que necessitavam de proteção internacional e que tinham sido registadas pelas autoridades turcas antes de 29 de novembro de 2015. Este regime deveria constituir uma medida de acompanhamento dos compromissos mútuos previstos no plano de ação conjunto entre a UE e a Turquia, de 29 de novembro de 2015 (33).

 Decisão 2015/1523

42.      Os considerandos da Decisão 2015/1523 continham as seguintes afirmações (34):

«(1)      Em conformidade com o artigo 78.o, n.o 3, do [TFUE], no caso de um ou mais Estados‑Membros serem confrontados com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, pode adotar medidas provisórias a favor desse ou desses Estados‑Membros.

(2)      Em conformidade com o artigo 80.o do TFUE, as políticas da União no domínio dos controlos nas fronteiras, do asilo e da imigração e a sua execução são regidas pelo princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades entre Estados‑Membros, e os atos da União adotados neste domínio devem conter medidas adequadas para a aplicação desse princípio.

(3)      A recente situação de crise no Mediterrâneo levou as instituições da União a reconhecerem imediatamente o caráter excecional dos fluxos migratórios nesta região e a apresentarem medidas concretas de solidariedade para com os Estados‑Membros mais diretamente afetados. Em especial, numa reunião conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e do Interior, realizada em 20 de abril de 2015, a Comissão Europeia apresentou um plano de ação de dez pontos com medidas de resposta imediata a esta crise, incluindo o compromisso de examinar opções visando adotar um mecanismo de recolocação de emergência.

(4)      Na sua reunião de 23 de abril de 2015, o Conselho Europeu decidiu, nomeadamente, reforçar a solidariedade e a responsabilidade interna e comprometeu‑se, em especial, a aumentar a ajuda de emergência a favor dos Estados‑Membros mais diretamente afetados e a analisar opções visando a organização da recolocação de emergência entre os Estados‑Membros numa base voluntária, bem como o destacamento de equipas do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO) para os Estados‑Membros mais diretamente afetados para o tratamento conjunto dos pedidos de proteção internacional, incluindo o registo e a recolha das impressões digitais.

(5)      Na sua resolução de 28 de abril de 2015, o Parlamento Europeu reiterou a necessidade de a União basear a sua resposta às recentes tragédias no Mediterrâneo na solidariedade e partilha equitativa das responsabilidades, e de intensificar os seus esforços neste domínio para com esses Estados‑Membros que acolhem o maior número de refugiados e de requerentes de proteção internacional, tanto em termos absolutos como relativos.

[…]

(9)      Entre os Estados‑Membros que se encontram confrontados com situações de considerável pressão, e tendo em conta os trágicos acontecimentos recentemente ocorridos no Mediterrâneo, a Itália e a Grécia, em especial, registaram um afluxo sem precedentes de migrantes, incluindo requerentes de proteção internacional que dela manifestamente necessitam, e que chegam aos seus territórios gerando uma pressão significativa sobre os respetivos sistemas de migração e de asilo.

(10)      Segundo dados da Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (Frontex), as rotas do Mediterrâneo Central e Oriental foram as principais zonas de passagem irregular das fronteiras da União em 2014. No último ano, mais de 170 000 migrantes chegaram a Itália de forma irregular, o que representa um aumento de 277 % em relação a 2013. Na Grécia foi também verificado um aumento constante, com mais de 50 000 migrantes irregulares a entrar no país, o que representa um aumento de 153 % em relação a 2013. O número global aumentou ainda mais no decurso de 2015. Nos primeiros seis meses de 2015, a Itália registou um aumento de 5 % nas passagens irregulares das fronteiras, em comparação com o mesmo período do ano anterior. A Grécia viu‑se confrontada com um aumento acentuado do número de passagens irregulares das fronteiras durante o mesmo período, correspondendo a um aumento de seis vezes face ao primeiro semestre de 2014 (mais de 76 000 no período de janeiro a junho de 2015, em comparação com 11 336 no período de janeiro a junho de 2014). Uma percentagem significativa do número total de migrantes irregulares detetados nestas duas regiões incluía migrantes de nacionalidades que, com base nos dados do Eurostat, beneficiam de uma taxa elevada de reconhecimento de proteção internacional a nível da União.

[…]

(13)      Devido à atual instabilidade e aos conflitos na vizinhança imediata da Itália e da Grécia, é muito provável que uma pressão importante e crescente continue a ser exercida sobre os respetivos sistemas de migração e asilo, com uma parte significativa dos migrantes a necessitarem provavelmente de proteção internacional. Esta situação revela que é absolutamente necessário demonstrar solidariedade para com a Itália e a Grécia e complementar as ações adotadas até à data com medidas provisórias de apoio no domínio do asilo e da migração.

[…]

(16)      Se qualquer Estado‑Membro se vir confrontado com uma situação de emergência similar, caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros, o Conselho, sob proposta da Comissão, e após consulta ao Parlamento Europeu, pode adotar medidas provisórias a favor do Estado‑Membro em causa, com base no artigo 78.o, n.o 3, do TFUE. Tais medidas podem incluir, se necessário, a suspensão das obrigações desse Estado‑Membro previstas na presente decisão.

(17)      Em conformidade com o artigo 78.o, n.o 3, do TFUE, as medidas previstas a favor da Itália e da Grécia deverão ter natureza provisória. Um período de 24 meses é razoável para assegurar que as medidas previstas na presente decisão têm um impacto real no apoio a favor da Itália e da Grécia para fazer face aos importantes fluxos migratórios nos seus territórios.

(18)      As medidas de recolocação a partir da Itália e da Grécia, previstas na presente decisão, implicam uma derrogação temporária da regra estabelecida no artigo 13.o, n.o 1, do [Regulamento Dublim III] segundo a qual a Itália e a Grécia ficariam responsáveis pela análise de um pedido de proteção internacional baseado nos critérios definidos no capítulo III do referido regulamento bem como uma derrogação temporária das medidas processuais, incluindo os prazos fixados nos artigos 21.o, 22.o e 29.o do referido regulamento. As outras disposições do [Regulamento Dublim III], assim como as normas de execução estabelecidas no Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão (35) e no Regulamento de Execução (UE) n.o 118/2014 da Comissão (36) permanecem aplicáveis, incluindo as regras neles contidas relativas à obrigação de os Estados‑Membros que efetuam a transferência suportarem os custos da transferência de um requerente para o Estado‑Membro de recolocação e relativas à cooperação em matéria de transferências entre Estados‑Membros, bem como sobre a transmissão de informações através da rede de comunicação eletrónica DubliNet.

A presente decisão implica igualmente uma derrogação do consentimento do requerente de proteção internacional referido no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho (37).

(19)      As medidas de recolocação não isentam os Estados‑Membros de aplicar na íntegra o [Regulamento Dublim III], incluindo as disposições relativas ao reagrupamento familiar, à proteção especial dos menores não acompanhados e à cláusula discricionária por razões humanitárias.

[…]

(21)      As medidas provisórias visam aliviar a considerável pressão em matéria de asilo exercida sobre a Itália e a Grécia, em especial graças à recolocação de um significante número de requerentes com manifesta necessidade de proteção internacional que tenham chegado ao território da Itália e da Grécia após a data em que a presente decisão se torne aplicável. Com base no número total de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2014, bem como no número de pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional, haverá que recolocar a partir de Itália e da Grécia um total de 40 000 requerentes com necessidade manifesta de proteção internacional. Este número corresponde a cerca de 40 % do número total de nacionais de países terceiros com clara necessidade de proteção internacional que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2014. Assim, a medida de recolocação proposta na presente decisão constitui uma partilha equitativa do ónus entre a Itália e a Grécia, por um lado, e os outros Estados‑Membros, por outro. Tendo por base os mesmos dados totais disponíveis em 2014 e nos primeiros quatro meses de 2015 para a Itália em comparação com a Grécia, 60 % desses requerentes deverão ser recolocados a partir de Itália e 40 % a partir da Grécia.

[…]

(24)      Com vista à aplicação do princípio da solidariedade e da partilha equitativa de responsabilidades, e tendo em conta que a presente decisão constitui um novo desenvolvimento político neste domínio, será conveniente assegurar que os Estados‑Membros que recoloquem requerentes com manifesta necessidade de proteção internacional a partir de Itália ou da Grécia ao abrigo da presente decisão recebam um montante fixo por cada pessoa recolocada, idêntico ao montante previsto no artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 516/2014, nomeadamente de 6 000 EUR, aplicando os mesmos procedimentos. Tal implica uma derrogação limitada e temporária ao artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 516/2014, uma vez que o montante fixo deverá ser pago relativamente a requerentes recolocados e não a beneficiários de proteção internacional. Este alargamento temporário do âmbito de aplicação no que respeita aos potenciais beneficiários do montante fixo representa, de facto, uma parte integrante do regime de emergência criado pela presente decisão.

(25)      Será necessário assegurar a instauração de um procedimento de recolocação rápido e acompanhar a aplicação das medidas provisórias através de uma estreita cooperação administrativa entre os Estados‑Membros e do apoio operacional prestado pelo EASO.

(26)      A segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até que a transferência do requerente esteja concluída. No pleno respeito dos direitos fundamentais do requerente, incluindo as regras aplicáveis em matéria de proteção de dados, sempre que um Estado‑Membro tenha motivos razoáveis para considerar que o requerente representa um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, deverá informar do facto os demais Estados‑Membros.

[…]

(32)      Deverão ser adotadas medidas a fim de evitar os movimentos secundários, entre o Estado‑Membro de recolocação e os outros Estados‑Membros, de pessoas que foram objeto de uma medida de recolocação, dado que esses movimentos seriam suscetíveis de criar entraves à correta aplicação da presente decisão. Em especial, os requerentes deverão ser informados das consequências de deslocações posteriores irregulares dentro dos Estados‑Membros e do facto de que, se o Estado‑Membro de recolocação lhes conceder proteção internacional, em princípio só beneficiarão dos direitos associados à proteção internacional nesse Estado‑Membro.

[…]

(41)      Dada a urgência da situação, a presente decisão entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.»

43.      O artigo 1.o dispunha que a Decisão 2015/1523 «estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia, a fim de ajudar estes Estados‑Membros a enfrentarem melhor uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros».

44.      O artigo 2.o previa as seguintes definições:

«a)      “Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção internacional na aceção do artigo 2.o, alínea h), da [Diretiva Qualificação];

b)      “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional que ainda não foi objeto de decisão definitiva;

c)      “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e de proteção subsidiária, tal como definidos, respetivamente, no artigo 2.o, alíneas e) e g), da [Diretiva Qualificação];

d)      “Membros da família”, os familiares na aceção do artigo 2.o, alínea g), do [Regulamento Dublim III];

e)      “Recolocação”, a transferência de um requerente do território do Estado‑Membro que os critérios enunciados no capítulo III do [Regulamento Dublim III] indicam como responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional para o território do Estado‑Membro de recolocação;

f)      “Estado‑Membro de recolocação”, o Estado‑Membro que se torna responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um requerente, em conformidade com o [Regulamento Dublim III], na sequência da sua transferência para o território desse Estado‑Membro».

45.      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, a recolocação para efeitos da Decisão 2015/1523 apenas se aplicou aos requerentes que apresentaram o respetivo pedido de proteção internacional na Itália ou na Grécia e em relação aos quais esses Estados teriam sido os responsáveis pela análise do pedido, em aplicação dos critérios de determinação do Estado‑Membro responsável estabelecidos no capítulo III do Regulamento Dublim III.

46.      O artigo 4.o dispunha:

«Na sequência do acordo alcançado entre os Estados‑Membros através da Resolução de 20 de julho de 2015, dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, relativa à recolocação a partir da Itália e da Grécia de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional:

a)      24 000 requerentes são recolocados a partir de Itália para o território de outros Estados‑Membros;

b)      16 000 requerentes são recolocados a partir da Grécia para o território de outros Estados‑Membros».

47.      O procedimento de recolocação foi estabelecido no artigo 5.o Esta disposição tinha uma redação muito semelhante à do artigo 5.o da Decisão 2015/1601, que cito integralmente mais adiante. Por conseguinte, não repetirei aqui o texto em causa.

48.      O artigo 10.o previa que «[o] Estado‑Membro de recolocação recebe um montante fixo de 6 000 EUR por cada pessoa recolocada nos termos da presente decisão. Esse apoio financeiro está sujeito à aplicação dos procedimentos previstos no artigo 18.o do Regulamento (UE) n.o 516/2014».

49.      Nos termos do artigo 12.o, com base nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros e pelas agências competentes, a Comissão devia apresentar ao Conselho, de seis em seis meses, relatórios sobre a aplicação da Decisão 2015/1523. A Comissão devia apresentar ao Conselho, também semestralmente, com base nas informações fornecidas pela Itália e pela Grécia, relatórios sobre a aplicação dos «roteiros» referidos no artigo 8.o (38).

50.      O artigo 13.o dispunha que a Decisão 2015/1523 entrava em vigor em 15 de setembro de 2015 e era aplicável até 17 de setembro de 2017.

 Decisão 2015/1601

51.      Os considerandos da Decisão 2015/1601 continham adicionalmente as seguintes afirmações (39):

«(11)      Em 20 de julho de 2015, e refletindo as situações específicas dos Estados‑Membros, foi adotada por consenso uma resolução dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, relativa à recolocação, a partir da Grécia e da Itália, de 40 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional. Ao longo de um período de dois anos serão recolocadas 24 000 pessoas a partir da Itália e 16 000 pessoas a partir da Grécia. Em 14 de setembro de 2015, o Conselho adotou a Decisão (UE) 2015/1523, que prevê um mecanismo de recolocação temporária e excecional a partir da Itália e da Grécia para outros Estados‑Membros de pessoas com clara necessidade de proteção internacional.

(12)      Nos últimos meses, a pressão migratória nas fronteiras terrestres e marítimas externas meridionais voltou a aumentar drasticamente, tendo prosseguido a transferência dos fluxos migratórios da rota do Mediterrâneo Central para a rota do Mediterrâneo Oriental e dos Balcãs Ocidentais, em resultado do crescente número de migrantes que chegam à Grécia e partem desse país. Atendendo a esta situação, deverão ser adotadas novas medidas provisórias para aliviar a pressão exercida sobre a Itália e a Grécia em matéria de asilo.

[…]

(18)      […] a Decisão (UE) 2015/1523 obriga a Itália e a Grécia a apresentarem soluções estruturais para fazer face às pressões excecionais exercidas sobre os respetivos sistemas de asilo e migração, mediante a criação de um quadro estratégico sólido para dar resposta à situação de crise e a intensificação do processo de reformas em curso neste domínio. Os roteiros que a Itália e a Grécia apresentaram para esse efeito deverão ser atualizados de modo a ter em conta a presente decisão.

[…]

(20)      A partir de 26 de setembro de 2016, 54 000 requerentes deverão ser recolocados, de modo proporcional, a partir da Itália e da Grécia noutros Estados‑Membros. O Conselho e a Comissão deverão acompanhar permanentemente a situação no que respeita ao afluxo maciço de nacionais de países terceiros aos Estados‑Membros. A Comissão deverá apresentar, se necessário, propostas de alteração da presente decisão, a fim de fazer face à evolução da situação no terreno e ao respetivo impacto no mecanismo de recolocação, assim como da pressão sobre os Estados‑Membros, nomeadamente os Estados‑Membros da primeira linha. Para o efeito, deverá ter em conta a opinião do provável Estado‑Membro beneficiário.

[…]

(26)      As medidas provisórias visam aliviar a considerável pressão em matéria de asilo exercida sobre a Itália e a Grécia, em especial graças à recolocação de um número significativo de requerentes com clara necessidade de proteção internacional que tiverem chegado ao território da Itália ou da Grécia após a data de aplicação da presente decisão. Com base no número total de nacionais de países terceiros que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em 2015, bem como no número de pessoas que têm clara necessidade de proteção internacional, deverão ser recolocados a partir da Itália e da Grécia um total de 120 000 requerentes com clara necessidade de proteção internacional. Este número corresponde a cerca de 43 % do número total de nacionais de países terceiros com clara necessidade de proteção internacional que entraram irregularmente em Itália e na Grécia em julho e agosto de 2015. A medida de recolocação prevista na presente decisão constitui uma partilha equitativa do ónus entre a Itália e a Grécia, por um lado, e os outros Estados‑Membros, por outro, tendo em conta os dados disponíveis sobre as passagens irregulares das fronteiras em 2015. Considerando os dados em causa, 13 % desses requerentes deverão ser recolocados a partir de Itália, 42 % a partir da Grécia e 45 % deverão ser recolocados conforme previsto na presente decisão.

[…]

(44)      Atendendo a que os objetivos da presente decisão não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros mas podem, devido à dimensão e aos efeitos da ação prevista, ser mais bem alcançados a nível da União, a União pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o [TUE]. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, consagrado no mesmo artigo, a presente decisão não excede o necessário para alcançar esses objetivos.

[…]

(50)      Dada a urgência da situação, a presente decisão entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia» (40).

52.      O artigo 1.o, n.o 1, estava redigido em termos idênticos à frase única do artigo 1.o da Decisão 2015/1523 (estabelecimento de medidas provisórias). O artigo 1.o, n.o 2, exigia que a Comissão acompanhasse permanentemente a situação no que respeita ao afluxo maciço de nacionais de países terceiros e que apresentasse propostas de alteração dessa decisão a fim de ter em conta a evolução da situação no terreno e o seu impacto no mecanismo de recolocação (41).

53.      As definições no artigo 2.o refletiam as previstas no artigo 2.o da Decisão 2015/1523. Não as repetirei aqui.

54.      O artigo 3.o («Âmbito de aplicação») também estava redigido em termos semelhantes ao artigo 3.o da Decisão 2015/1523.

55.      O artigo 4.o tinha a epígrafe «Recolocação de 120 000 requerentes nos Estados‑Membros». O mesmo dispunha:

«1.      São recolocados nos outros Estados‑Membros 120 000 requerentes, do seguinte modo:

a)      15 600 requerentes que se encontram em Itália são recolocados no território de outros Estados‑Membros nos termos do quadro constante do anexo I;

b)      50 400 requerentes que se encontram na Grécia são recolocados no território de outros Estados‑Membros nos termos do quadro constante do anexo II;

c)      54 000 requerentes são recolocados no território de Estados‑Membros proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II, quer nos termos do n.o 2 do presente artigo, quer através da alteração da presente decisão, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2, e no n.o 3 do presente artigo. […]

2.      A partir de 26 de setembro de 2016, são recolocados 54 000 requerentes, tal como referido no n.o 1, alínea c), a partir da Itália e da Grécia, na proporção resultante do n.o 1, alíneas a) e b), no território de outros Estados‑Membros, proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II. [A Comissão apresenta uma proposta ao Conselho relativa aos valores a atribuir por Estado‑Membro].

3.      Se até 26 de setembro de 2016, a Comissão considerar que se justifica uma adaptação do mecanismo de recolocação devido à evolução da situação no terreno ou que um Estado‑Membro se encontra confrontado com uma situação de emergência caracterizada por um súbito afluxo de nacionais de países terceiros em virtude de uma forte mudança dos fluxos migratórios, e tendo em conta a opinião do provável Estado‑Membro beneficiário, pode apresentar, se necessário, propostas ao Conselho, conforme referido no artigo 1.o, n.o 2.

3‑A.      No que se refere à recolocação dos requerentes referidos no n.o 1, alínea c), os Estados‑Membros podem optar pelo cumprimento das suas obrigações através da admissão, no seu território, de nacionais sírios presentes na Turquia ao abrigo de regimes de admissão nacionais ou multilaterais legais de pessoas com clara necessidade de proteção internacional que não o regime de reinstalação que foi objeto das Conclusões dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, de 20 de julho de 2015. O número de pessoas assim admitidas por um Estado‑Membro conduz a uma redução correspondente da obrigação do Estado‑Membro em causa.

O artigo 10.o é aplicável, com as devidas adaptações, a cada admissão legal conducente a uma redução da obrigação de recolocação.

Os Estados‑Membros que escolherem a opção prevista no presente número devem apresentar mensalmente à Comissão um relatório sobre o número de pessoas admitidas legalmente para efeitos do presente número, indicando o tipo de regime ao abrigo do qual a admissão ocorreu e a forma de admissão legal utilizada» (42).

56.      O anexo I enunciava o contingente de requerentes de proteção internacional por Estado‑Membro proveniente da Itália. O anexo II enunciava o contingente desses requerentes por Estado‑Membro proveniente da Grécia.

57.      O artigo 5.o dispunha o seguinte:

«1.      Para efeitos da cooperação administrativa necessária à aplicação da presente decisão, cada Estado‑Membro nomeia um ponto de contacto nacional cujo endereço é comunicado aos demais Estados‑Membros e ao EASO. Os Estados‑Membros, em colaboração com o EASO e outras agências competentes, adotam todas as medidas adequadas para estabelecer vias diretas de cooperação e um intercâmbio de informações entre as autoridades competentes, nomeadamente sobre os motivos a que se refere o n.o 7.

2.      Os Estados‑Membros indicam periodicamente e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podem ser recolocados rapidamente no seu território e quaisquer outras informações pertinentes.

3.      Com base nessas informações, a Itália e a Grécia, com a assistência do EASO e, se for caso disso, dos agentes de ligação dos Estados‑Membros a que se refere o n.o 8, identificam cada um dos requerentes suscetíveis de serem recolocados noutros Estados‑Membros e, logo que possível, apresentam todas as informações pertinentes aos pontos de contacto desses Estados‑Membros. Para esse efeito, é dada prioridade aos requerentes vulneráveis, na aceção dos artigos 21.o e 22.o da Diretiva 2013/33/UE.

4.      Após aprovação do Estado‑Membro de recolocação, a Itália e a Grécia tomam, o mais rapidamente possível, a decisão de recolocar cada um dos requerentes identificados num Estado‑Membro específico de recolocação, em consulta com o EASO, e notificam cada requerente nos termos do artigo 6.o, n.o 4. O Estado‑Membro de recolocação só pode decidir não autorizar a transferência de um requerente se existirem motivos razoáveis para o fazer, tal como referido no n.o 7 do presente artigo.

5.      Os requerentes cujas impressões digitais tenham de ser recolhidas por força das obrigações estabelecidas no artigo 9.o do Regulamento (UE) n.o 603/2013 (43) só podem ser propostos para recolocação se as suas impressões digitais tiverem sido recolhidas e transferidas para o Sistema Central do Eurodac, nos termos do referido regulamento.

6.      A transferência do requerente para o território do Estado‑Membro de recolocação é realizada o mais rapidamente possível após a data da notificação à pessoa em causa da decisão de transferência a que se refere o artigo 6.o, n.o 4, da presente decisão. A Itália e a Grécia comunicam ao Estado‑Membro de recolocação a data e hora da transferência, bem como quaisquer outras informações pertinentes.

7.      Os Estados‑Membros só têm o direito de recusar a recolocação de um requerente se houver motivos razoáveis para considerar que este constitui um perigo para a sua segurança nacional ou ordem pública, ou se existirem motivos sérios para aplicar as disposições em matéria de exclusão previstas nos artigos 12.o e 17.oda Diretiva 2011/95/UE.

8.      Para efeitos da aplicação de todo o procedimento de recolocação descrito no presente artigo, os Estados‑Membros podem decidir nomear agentes de ligação para a Itália e a Grécia, após terem trocado todas as informações pertinentes.

9.      Nos termos do acervo da União, os Estados‑Membros devem cumprir integralmente as suas obrigações. Por conseguinte, a identificação, o registo e a recolha de impressões digitais para o procedimento de recolocação são garantidos pela Itália e pela Grécia. Para assegurar que o procedimento se mantém eficiente e gerível, as instalações e medidas de acolhimento devem ser devidamente organizadas de forma a alojar temporariamente as pessoas, em conformidade com o acervo da União, até ser tomada uma decisão rápida sobre a sua situação. Os requerentes que se eximam ao procedimento de recolocação são excluídos da recolocação (44).

10.      O procedimento de recolocação previsto no presente artigo é concluído o mais rapidamente possível e, o mais tardar, dois meses a contar da data da indicação dada pelo Estado‑Membro de recolocação, como referido no n.o 2, exceto se a aprovação pelo Estado‑Membro de recolocação a que se refere o n.o 4 ocorrer menos de duas semanas antes do termo desse prazo de dois meses. Nesse caso, o prazo para a conclusão do procedimento de recolocação pode ser prorrogado por um período não superior a duas semanas. Além disso, o prazo pode também ser prorrogado por mais quatro semanas, consoante adequado, se a Itália ou a Grécia justificarem a existência de obstáculos práticos objetivos que impeçam a transferência.

Se o procedimento de recolocação não tiver sido concluído dentro desses prazos, e salvo se a Itália e a Grécia acordarem com o Estado‑Membro da recolocação numa prorrogação razoável do prazo, a Itália e a Grécia continuam a ser responsáveis pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do [Regulamento Dublim III].

11.      Na sequência da recolocação do requerente, o Estado‑Membro da recolocação recolhe e transmite ao Sistema Central do Eurodac as impressões digitais do requerente, nos termos do artigo 9.o do [Regulamento Eurodac], e atualiza os conjuntos de dados nos termos do artigo 10.o e, quando aplicável, do artigo 18.o do mesmo regulamento».

58.      Nos termos do artigo 10.o, os Estados‑Membros de recolocação recebiam um montante fixo de 6 000 euros por cada pessoa recolocada, ao passo que a Itália ou a Grécia (consoante o caso) recebiam um montante fixo mínimo de 500 euros.

59.      Nos termos do artigo 12.o, com base nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros, a Comissão devia apresentar ao Conselho de seis em seis meses relatórios sobre a aplicação da Decisão 2015/1601.

60.      Nos termos do artigo 13.o, a Decisão 2015/1601 entrou em vigor em 25 de setembro de 2015 e foi aplicável até 26 de setembro de 2017.

61.      A Comissão publicou desde então quinze relatórios sobre recolocação e reinstalação, nos termos do artigo 12.o das decisões de recolocação e do n.o 6 da Comunicação da Comissão, de 4 de março de 2016 [Restab[e]lecer Schengen — Um roteiro, COM(2016) 120 final] (45).

 Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho

62.      Em 2 e 3 de dezembro de 20015, respetivamente, a Eslováquia e a Hungria interpuseram recursos contra o Conselho destinados à anulação da Decisão 2015/1601 (46). A Eslováquia invocou seis fundamentos, enquanto a Hungria invocou dez fundamentos.

63.      O Tribunal de Justiça examinou os fundamentos invocados agrupando os mesmos por subtítulos. Começou por apreciar a alegação relativa à inadequação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE como base jurídica da Decisão 2015/1601. Essa apreciação foi repartida pelos seguintes elementos: (i) a natureza legislativa da referida decisão; (ii) se a decisão tinha caráter provisório e se o seu período de aplicação era excessivo; e (iii) se a referida decisão preenchia os requisitos de aplicação do artigo 78.o, n.o 3, TFUE.

64.      Em seguida, o Tribunal de Justiça apreciou a regularidade do processo de adoção da Decisão 2015/1601. Ao fazê‑lo, examinou: (i) se o legislador tinha violado o artigo 68.o TFUE; (ii) se tinha havido uma violação de formalidades essenciais, designadamente se a obrigação de consultar o Parlamento Europeu tinha sido respeitada; (iii) se, nos termos do artigo 293.o, n.o 1, TFUE, era permitido ao Conselho não deliberar por unanimidade; (iv) se o direito dos parlamentos nacionais de emitir um parecer tinha sido violado; e (v) se o Conselho tinha respeitado as regras do direito da União em matéria de uso das línguas quando da adoção da Decisão 2015/1601.

65.      O último conjunto de fundamentos que o Tribunal de Justiça examinou dizia respeito aos fundamentos de mérito invocados pela Eslováquia e pela Hungria. Estes incluíam: (i) a alegada violação do princípio da proporcionalidade; (ii) o facto de alegadamente não terem sido tomados em conta os efeitos produzidos por essa decisão em relação à Hungria; e (iii) a alegada violação do princípio da segurança jurídica e da Convenção de Genebra.

66.      Numas longas e cuidadosas conclusões, com 344 números, o meu estimado e muito saudoso colega e amigo, o falecido advogado‑geral Y. Bot, recomendou ao Tribunal de Justiça que negasse provimento a esses recursos (47).

67.      Em 6 de setembro de 2017, num acórdão igualmente longo e cuidadoso, composto por 347 números, a Grande Secção julgou improcedentes todos os fundamentos e negou provimento aos recursos.

68.      Os processos pré‑contenciosos relativos às três ações por incumprimento ora em apreço começaram no verão de 2017, ou seja, antes da prolação do Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho (48). No entanto, as ações foram intentadas no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2017 (Comissão/Polónia) e em 22 de dezembro de 2017 (Comissão/Hungria e Comissão/República Checa), respetivamente, ou seja, depois de o Tribunal de Justiça ter confirmado a validade da Decisão 2015/1601. Por conseguinte, no momento em que se iniciou a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, a validade desta decisão já era incontestável.

69.      A questão essencial nas três ações por incumprimento ora em apreço pode assim ser reformulada do seguinte modo: uma vez que a Decisão 2015/1601 é válida e que, por conseguinte, sempre foi vinculativa para todos os Estados‑Membros a que se dirigia, será que existem argumentos jurídicos que os três Estados‑Membros demandados possam invocar que os isentem das obrigações que lhes incumbem por força das decisões de recolocação (49)?

 Matéria de facto

70.      Em 16 de dezembro de 2015, a Polónia assumiu junto da Comissão o compromisso de aceitar a recolocação de 100 requerentes (65 requerentes a partir da Grécia e 35 requerentes a partir da Itália). Por conseguinte, a Grécia e a Itália identificaram, respetivamente, 73 e 36 requerentes para recolocação na Polónia. No entanto, a Comissão alega (sem que a Polónia conteste) que nenhum desses requerentes foi recolocado na Polónia e que a Polónia não assumiu junto da Comissão compromissos adicionais para aceitar requerentes.

71.      A Comissão alega (sem que a Hungria conteste) que a Hungria não assumiu junto da Comissão qualquer compromisso de aceitar requerentes nos termos das decisões de recolocação.

72.      Em 8 de julho de 2015 — ou seja, antes das Conclusões da reunião do Conselho JAI [Justiça e Assuntos Internos] de 20 de julho de 2015 (50) — a República Checa adotou a Resolução n.o 556 relativa à recolocação a partir da Grécia e da Itália (51). Em 5 de fevereiro de 2016, a República Checa assumiu junto da Comissão o compromisso de aceitar a recolocação de 30 requerentes nos termos da Decisão 2015/1523. Em 13 de maio de 2016, declarou, por acréscimo a esse compromisso, que aceitava 20 requerentes adicionais nos termos da Decisão 2015/1601. Por conseguinte, a Grécia e a Itália identificaram, respetivamente, 30 e 10 requerentes para recolocação na República Checa. A Comissão alega (novamente, sem que o Estado‑Membro conteste) que dos requerentes propostos para recolocação nestes termos, a República Checa concordou aceitar 15 requerentes a partir da Grécia, dos quais 12 foram efetivamente recolocados, não tendo sido aceites nem recolocados quaisquer requerentes a partir da Itália.

73.      Por cartas paralelas de 10 de fevereiro de 2016 enviadas à Polónia, à Hungria e à República Checa, a Comissão convidou estes três Estados‑Membros a darem início à recolocação de migrantes o mais rapidamente possível e a garantirem a rápida aplicação do processo de recolocação.

74.      Em 4 de março de 2016, a Comissão publicou uma Comunicação (com base no artigo 12.o das decisões de recolocação) intitulada «Restab[e]lecer Schengen — Um roteiro» (52). As seguintes afirmações constantes dos vários relatórios da Comissão sobre recolocação e reinstalação, bem como as afirmações constantes de correspondência trocada com os Estados‑Membros, esclarecem o curso dos acontecimentos que se seguiram.

75.      No primeiro relatório sobre recolocação e reinstalação de 16 de março de 2016, a Comissão salientou que «apenas 937 pessoas foram recolocadas a partir da Itália e da Grécia» e que «[o] nível insatisfatório de aplicação de ambos os regimes [é] devido a uma série de fatores, entre os quais a falta de vontade política dos Estados‑Membros de cumprirem plenamente e em tempo útil as suas obrigações legais de recolocação» (53).

76.      No quarto relatório sobre recolocação e reinstalação de 15 de junho de 2016, a Comissão salientou que «[c]inco Estados‑Membros (Áustria, Croácia, Hungria, Polónia e Eslováquia) ainda não recolocaram um único requerente» e que «sete (Bélgica, Bulgária, República Checa, Alemanha, Lituânia, Roménia e Espanha) recolocaram apenas 1 % da sua afetação» (54).

77.      Por cartas paralelas de 5 de agosto de 2016 enviadas à Polónia e à República Checa, a Comissão pediu aos referidos Estados‑Membros «que mant[ivessem] os compromissos que [tinham assumido] nos termos das [decisões de recolocação] e que, com urgência, d[essem] uma resposta adequada através de uma participação mais ativa e regular na recolocação a partir da Itália e da Grécia». Por carta de 5 de agosto de 2016, a Comissão recordou igualmente à Hungria as suas obrigações em termos semelhantes.

78.      Durante a Presidência maltesa do Conselho (janeiro a junho de 2017), o ministro maltês dos Assuntos Internos e a Comissão enviaram uma carta conjunta em 28 de fevereiro de 2017 aos ministros dos Assuntos Internos dos restantes Estados‑Membros (55). Essa carta referia: «em especial, instamos os Estados‑Membros que ainda não recolocaram ninguém ou que não recolocaram na proporção do contingente que lhes foi atribuído a intensificar imediatamente os seus esforços, ao mesmo tempo que encorajamos os Estados‑Membros que têm cumprido as suas obrigações a manter os seus esforços».

79.      Em 1 de março de 2017, a República Checa respondeu à Comissão que considerava a sua proposta inicial de recolocação suficiente. Em 5 de junho de 2017, a República Checa adotou a Resolução n.o 439 relativa «à importante deterioração da segurança na União Europeia e ao disfuncionamento do sistema de recolocação», que suspendeu a sua anterior Resolução n.o 556 relativa à recolocação a partir da Grécia e da Itália nos termos da Decisão 2015/1523. Por conseguinte, a Resolução n.o 439 também suspendia a recolocação nos termos da Decisão 2015/1601 e impunha ao ministro do Interior a cessação das atividades nesse domínio. A Resolução n.o 439 fazia referência, enquanto justificação das medidas adotadas, a um «disfuncionamento do sistema de [recolocação]».

80.      No décimo relatório sobre recolocação e reinstalação de 2 de março de 2017, a Comissão salientou que «[a] Hungria, a Áustria e a Polónia continuam a recusar‑se a participar no regime de recolocação. Desde maio de 2016 que a República Checa não assume qualquer compromisso e não recoloca migrantes desde agosto de 2016» (56).

81.      No décimo quinto relatório sobre recolocação e reinstalação de 6 de setembro de 2017, a Comissão salientou que «a Hungria e a Polónia continuam a ser os únicos Estados‑Membros que não recolocaram qualquer pessoa, não tendo esta última assumido qualquer compromisso desde 16 de dezembro de 2015. Além disso, desde maio de 2016 que a República Checa não assume compromissos, não tendo recolocado qualquer pessoa desde agosto de 2016. Estes países devem começar imediatamente a assumir compromissos e a efetuar recolocações» (57).

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

82.      Nos termos do procedimento previsto no artigo 258.o TFUE, a Comissão enviou notificações para cumprir aos três Estados‑Membros demandados (58). À luz das suas respostas, enviou pareceres fundamentados aos três Estados‑Membros em 26 de julho de 2017, estabelecendo o dia 23 de agosto de 2017 como prazo final para os Estados‑Membros em causa procederem em conformidade com os pareceres fundamentados. Não o fizeram.

83.      Por cartas de 19 de setembro de 2017, a Comissão recordou a Polónia, a Hungria e a República Checa de que «o Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou recentemente a legalidade das medidas de recolocação» no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho. A Comissão convidou os três Estados‑Membros demandados a «iniciar[em] rapidamente os passos necessários para contribuír[em] para a recolocação em tempo útil dos restantes requerentes elegíveis, começando por indicar as pessoas que tenciona[vam] recolocar no seu território».

84.      Nenhum dos três Estados‑Membros demandados respondeu à Comissão.

85.      A Comissão intentou então as presentes ações em 21 de dezembro de 2017 (processo C‑715/17, Comissão/Polónia) e em 22 de dezembro de 2017 (processo C‑718/17, Comissão/Hungria, e processo C‑719/17, Comissão/República Checa).

86.      No processo C‑715/17, Comissão/Polónia, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação, no sentido de indicar periodicamente, e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podem ser recolocados no seu território e quaisquer outras informações pertinentes; e que, consequentemente, violou as demais obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 4 a 11, dessas decisões.

87.      No processo C‑718/17, Comissão/Hungria, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601 e que, consequentemente, ocorreu uma violação das demais obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 4 a 11, dessa decisão.

88.      No processo C‑719/17, Comissão/República Checa, o pedido da Comissão está formulado em termos idênticos ao pedido no processo C‑715/17, Comissão/Polónia.

89.      Os três processos incluíram uma fase escrita completa.

90.      Em 15 de maio de 2019, foi realizada uma audiência de alegações comum. A Polónia, a Hungria, a República Checa e a Comissão participaram nessa audiência, durante a qual foram ouvidas as suas alegações.

 Admissibilidade

91.      Os três Estados‑Membros demandados contestam a admissibilidade das ações por incumprimento contra si intentadas. Em substância, invocam quatro categorias de argumentos: (i) falta de objeto das presentes ações, falta de interesse em agir para intentar as presentes ações e violação do princípio da boa administração da justiça; (ii) violação do princípio da igualdade de tratamento; (iii) violação dos direitos de defesa, na medida em que não lhes foi concedido um período de tempo adequado para responder durante o processo pré‑contencioso e que a petição da Comissão está formulada de modo insuficientemente preciso; e (iv) (no processo C‑719/17, Comissão/República Checa) insuficiente precisão do pedido (petitum) constante da petição da Comissão.

92.      Analisarei assim estas quatro categorias de argumentos para determinar a admissibilidade das ações intentadas pela Comissão nestes processos por incumprimento.

 Falta de objeto, falta de interesse em agir para intentar as ações e violação do princípio da boa administração da justiça

93.      Os três Estados‑Membros demandados alegam que as ações contra si intentadas pela Comissão são inadmissíveis por falta de objeto, uma vez que as obrigações decorrentes do artigo 5.o, n.o 2, e do artigo 5.o, n.os 4 a 11, da Decisão 2015/1523 e da Decisão 2015/1601 se extinguiram definitivamente em 17 e 26 de setembro de 2016, respetivamente.

94.      A Polónia (processo C‑715/17) salienta que o alegado incumprimento deixou de se verificar, respetivamente, a partir de 18 e 27 de setembro de 2017, no que se refere a cada uma das decisões de recolocação. Embora reconhecendo que, no âmbito de uma ação intentada com base no artigo 258.o TFUE, a existência de um incumprimento deve ser apreciada à luz da legislação da União em vigor no termo do prazo que a Comissão concedeu ao Estado‑Membro em causa para proceder em conformidade com o seu parecer fundamentado (59) (neste caso, 23 de agosto de 2017), a Polónia considera que o objeto dessa ação deve ser pôr termo ao incumprimento. A Polónia alega que, uma vez que as decisões de recolocação caducaram e que os Estados‑Membros em causa já não podem sanar o seu incumprimento, a presente ação é desprovida de objeto. A Polónia alega ainda que, não sendo possível sanar o alegado incumprimento, a decisão do Tribunal de Justiça apenas pode ter efeito declarativo.

95.      A Hungria e a República Checa adotaram uma abordagem semelhante nos seus articulados e na audiência.

96.      Segundo a Hungria (processo C‑718/17), semelhante utilização das ações por incumprimento é desapropriada, abusiva e contrária ao princípio da boa administração da justiça, dado que apenas pode levar a uma declaração de princípio sem quaisquer efeitos jurídicos efetivos. A República Checa (processo C‑719/17) acrescenta que o objeto das ações por incumprimento não é ter uma «discussão académica» sobre a questão de saber se, no passado, um Estado‑Membro violou ou não o direito da União.

97.      Na mesma linha, os três Estados‑Membros demandados alegam que a Comissão não demonstrou um interesse em agir suficiente para intentar as presentes ações e que a sua atuação prossegue um objetivo meramente político, designadamente o de «estigmatizar» os Estados‑Membros que contestaram abertamente o mecanismo de recolocação estabelecido pelas decisões de recolocação (60). Alegam que, ao fazê‑lo, a Comissão não respeitou o espírito do artigo 258.o TFUE.

98.      Considero essas alegações improcedentes.

99.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o processo previsto no artigo 258.o TFUE assenta na verificação objetiva do incumprimento, por um Estado‑Membro, das obrigações que lhe são impostas pelo direito da União (61).

100. Os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça nos termos dessa disposição têm, em substância, natureza declarativa (62). Por conseguinte, o objeto do processo perante o Tribunal de Justiça não é, em si mesmo, eliminar o alegado incumprimento. O Tribunal de Justiça limita‑se a declarar que o Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem ou a julgar a ação improcedente. Uma vez verificado o incumprimento, o Tribunal de Justiça não emite uma injunção destinada ao Estado‑Membro em causa. Cabe a este último, se for caso disso, adotar medidas adequadas para garantir que cumpre o direito da União, nos termos do artigo 260.o, n.o 1, TFUE.

101. É igualmente jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, pelo que as alterações que se verificaram posteriormente não podem ser tidas em conta pelo Tribunal de Justiça (63). Por conseguinte, a Comissão pode intentar uma ação no Tribunal de Justiça mesmo que o alegado incumprimento tenha virtualmente cessado (64).

102. A jurisprudência invocada a este respeito pela Polónia nos seus articulados não é pertinente. O processo C‑365/97, Comissão/Itália (65), dizia respeito a uma situação em que o direito da União aplicável tinha sido alterado no decurso do processo pré‑contencioso. No presente processo, as decisões de recolocação permaneceram inalteradas até ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado. O facto de essas decisões terem posteriormente caducado não afeta o facto de os três Estados‑Membros demandados não terem cumprido (conforme efetivamente admitido por estes) as exigências dessas decisões. No processo C‑177/03, Comissão/França (66), a legislação nacional em causa tinha sido alterada entre o termo do prazo fixado para o cumprimento do parecer fundamentado e a propositura da ação por incumprimento, de modo que o acórdão a proferir poderia ter sido «privado de uma parte da sua utilidade». O Tribunal de Justiça considerou que, numa situação deste tipo, pode ser preferível que a Comissão não intente uma ação, mas formule «um novo parecer fundamentado precisando as acusações que pretend[e] manter dadas as alterações das circunstâncias» (67). É evidente que esse acórdão não é aplicável às circunstâncias do presente processo.

103. Uma vez que não é contestada a existência de um incumprimento das decisões de recolocação quando do termo do prazo fixado no parecer fundamentado (23 de agosto de 2017), a Comissão tem a faculdade de intentar uma ação por incumprimento dessas decisões e de pedir ao Tribunal de Justiça que declare a existência desse incumprimento. Na medida em que entretanto as decisões de recolocação caducaram, não será necessário os Estados‑Membros adotarem medidas específicas para cumprirem o direito da União. Isso não significa que as ações sejam desprovidas de objeto.

104. Em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Comissão não tem de demonstrar a existência de um interesse em agir nem indicar os motivos que a levaram a propor uma ação por incumprimento (68). É certo que o Tribunal de Justiça já declarou que, no caso de um incumprimento ocorrido no passado, deve examinar «se a Comissão ainda tem um interesse suficiente em agir» para intentar as ações (69). Na presente situação — como salientou com razão a Comissão — o litígio entre a Comissão e os três Estados‑Membros demandados suscita questões fundamentais, designadamente a questão de saber se é possível invocar o artigo 72.o TFUE para isentar os Estados‑Membros de obrigações normalmente vinculativas que lhes incumbem por força do direito derivado da União.

105. De forma mais geral, estas ações suscitam questões legítimas e importantes sobre o respeito do Estado de direito, o princípio da solidariedade, a política comum em matéria de asilo e a missão da Comissão de guardiã dos Tratados. Quer tenha ou não ocorrido no passado, essas questões mantêm toda a pertinência. Não é de modo algum — como a República Checa procurou sugerir — um debate «académico». Infelizmente, é bem possível que a gestão futura das migrações maciças dê origem a problemas semelhantes aos que levaram à adoção das decisões de recolocação. Em minha opinião, o interesse da Comissão em que seja verificado o incumprimento e em esclarecer as obrigações dos Estados‑Membros é assim incontestável (70).

106. Considero, por conseguinte, que as ações intentadas pela Comissão nestes processos não são desprovidas de objeto. A Comissão tem um interesse suficiente em agir para intentar as ações e a sua abordagem não pode ser considerada contrária ao princípio da boa administração da justiça.

 Violação do princípio da igualdade de tratamento

107. A Hungria (processo C‑718/17) alega que ao intentar ações por incumprimento apenas contra os três Estados‑Membros demandados, não obstante a grande maioria dos Estados‑Membros não ter cumprido integralmente as obrigações previstas nas decisões de recolocação, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 4.o, n.o 2, TUE e abusou do poder de apreciação de que dispõe nos termos do artigo 258.o TFUE.

108. A Hungria alega, em especial, que a Comissão escolheu o grupo de Estados‑Membros objeto de ações por incumprimento de modo arbitrário e discriminatório. A ter seguido uma abordagem objetiva, a Comissão teria iniciado esses processos contra todos os Estados‑Membros que não tinham cumprido integralmente as obrigações que lhes incumbiam por força das decisões de recolocação, uma vez que todos esses Estados‑Membros se encontravam numa situação comparável. Ao invocar este argumento, a Hungria adota, por conseguinte, uma abordagem binária. Apenas haveria que considerar dois grupos: os Estados que cumpriram integralmente as suas obrigações e os que não o fizeram, independentemente da maior ou menor gravidade do incumprimento (71). Ao visar a Polónia, a Hungria e a República Checa, a Comissão tenta transformar esses Estados‑Membros em (cito) «bodes expiatórios», destinados a expiar o «fiasco» do sistema de recolocação instituído pelas decisões de recolocação.

109. A Polónia (processo C‑715/17) adota uma posição semelhante à da Hungria em relação a estas questões.

110. Considero esta argumentação improcedente.

111. Segundo jurisprudência constante, a Comissão goza de uma ampla margem de apreciação ao intentar ações por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE: «cabe à Comissão decidir da oportunidade de agir contra um Estado‑Membro, determinar as disposições por este violadas e escolher o momento em que dará início ao processo por incumprimento contra ele, não podendo as considerações que determinam essa escolha afetar a admissibilidade da ação» (72).

112. Por conseguinte, o facto de não ter sido intentada uma ação por incumprimento contra um Estado‑Membro não é pertinente para apreciar a admissibilidade da ação por incumprimento intentada contra outro Estado‑Membro (73).

113. O Tribunal de Justiça também já declarou claramente que «um Estado‑Membro não pode justificar o incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força do [TFUE] invocando o facto de outros Estados‑Membros também não cumprirem as respetivas obrigações». Na ordem jurídica da União, a aplicação do direito da União pelos Estados‑Membros não pode estar sujeita a uma condição de reciprocidade. Os artigos 258.o e 259.o TFUE preveem os meios processuais adequados para fazer face aos incumprimentos pelos Estados‑Membros das obrigações que decorrem do TFUE (74).

114. A Hungria e a Polónia declararam que, com o recurso a estes argumentos, não pretendem invocar o incumprimento de outros Estados‑Membros das obrigações que lhes incumbem por força do direito da União para justificar o seu incumprimento dessas mesmas obrigações. Essas declarações frugais não me convencem de modo algum. Os articulados dos dois Estados‑Membros indicam que estes pretendem invocar, em especial, deficiências generalizadas na aplicação do sistema de recolocação para contestar a admissibilidade das ações contra si intentadas e justificar a respetiva recusa em aplicar as decisões de recolocação. Essas deficiências generalizadas, a serem demonstradas, afetariam (por hipótese) a capacidade de cumprir as decisões de recolocação de todos os Estados‑Membros. Além disso, tanto a Hungria como a Polónia invocam (através do seu argumento relativo à discriminação) o facto de muitos outros Estados‑Membros não terem cumprido integralmente as obrigações que lhes incumbem por força dessas decisões.

115. A Comissão abusou da sua margem de apreciação ao exercer as suas competências? Mais precisamente, é razoável afirmar que os três Estados‑Membros demandados se encontravam numa situação comparável à dos outros Estados‑Membros e que a Comissão exerceu de forma manifestamente abusiva a sua margem de apreciação, praticando assim uma diferença de tratamento injustificada em detrimento dos três Estados‑Membros em causa?

116. Em minha opinião, a resposta a esta questão é «não».

117. Como salientado pela Comissão nos seus articulados e alegações, os três Estados‑Membros demandados foram os únicos que não assumiram formalmente nenhum compromisso em matéria de recolocação (Hungria) ou que não assumiram nenhum compromisso em matéria de recolocação durante pelo menos um ano (Polónia e República Checa) nos termos do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação, apesar de reiterados pedidos da Comissão nesse sentido. O décimo segundo e o décimo terceiro relatório sobre recolocação e reinstalação demonstram claramente estes factos.

118. Daqui resulta que os três Estados‑Membros demandados se encontram numa situação que se distingue, em razão da gravidade e da persistência do respetivo incumprimento, da situação dos outros Estados‑Membros, que pelo menos assumiram o compromisso de recolocar um determinado número de requerentes de proteção internacional, ainda que (lamentavelmente), na prática, esses compromissos não se tenham sistematicamente concretizado através de recolocações efetivas (75).

119. Considero, por conseguinte, que a Comissão não ultrapassou os limites da margem de apreciação conferida pelo artigo 258.o TFUE ao intentar ações por incumprimento contra a Polónia, a Hungria e a República Checa sem intentar essas ações contra outros Estados‑Membros que não cumpriram integralmente as obrigações estabelecidas pelas decisões de recolocação.

120. Por último, importa referir aqui um argumento adicional invocado pela Hungria nos seus articulados. Este Estado‑Membro questiona se é efetivamente possível exigir o cumprimento das obrigações que decorrem da Decisão 2015/1601 sem que sejam integralmente cumpridas as obrigações impostas nos termos da Decisão 2015/1523. Vindo da Hungria, este argumento parece‑me manifestamente desprovido de pertinência. A Hungria apenas foi abrangida pela Decisão 2015/1601 e a ação por incumprimento contra si intentada apenas respeita ao incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força desta decisão.

121. Por conseguinte, concluo que os argumentos relativos à admissibilidade com base na violação do princípio da igualdade de tratamento devem ser julgados improcedentes.

 Violação dos direitos de defesa

122. A Hungria (processo C‑718/17) alega que a Comissão violou os seus direitos de defesa durante a fase pré‑contenciosa: (i) ao conceder‑lhe apenas quatro semanas para responder à notificação para cumprir e ao parecer fundamentado e (ii) ao não definir claramente o alegado incumprimento, na medida em que a Comissão não esclareceu de forma adequada a ligação entre a alegada violação do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601 e a alegada violação do artigo 5.o, n.os 4 a 11, desta decisão.

 Prazos para responder à correspondência précontenciosa da Comissão

123. A Hungria reconhece que, no âmbito dos processos por incumprimento, a Comissão dispõe indubitavelmente de uma ampla margem de discricionariedade na fixação dos prazos das várias etapas processuais. No entanto, considera que a Comissão abusou do seu poder discricionário no presente processo. A Hungria alega que a Comissão impôs prazos «extremamente curtos» no meio do verão, não tomando em consideração o facto de que a Hungria enfrentava outros processos por incumprimento durante esse mesmo período. A Hungria sugere que esse modus operandi se destinava a tornar impossível o exercício dos seus direitos de defesa.

124. A Hungria alega, além disso, que a Comissão não podia invocar uma situação de urgência que a própria tinha criado ao não agir mais cedo e que a Comissão reduziu os prazos apenas para garantir a admissibilidade das ações por incumprimento que, em todo o caso, a mesma estava determinada a intentar no Tribunal de Justiça antes do final do ano (76).

125. Por último, a Hungria alega que os prazos curtos não podem ser justificados pelo facto de ter pleno conhecimento do alegado incumprimento.

126. Concordo com a posição da Comissão de que os direitos de defesa da Hungria não foram violados em razão dos prazos curtos fixados durante o procedimento pré‑contencioso.

127. O Tribunal de Justiça já precisou que o procedimento pré‑contencioso previsto no artigo 258.o TFUE tem um duplo objetivo. Visa dar ao Estado‑Membro em causa a oportunidade, por um lado, de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União e, por outro, de apresentar os seus meios de defesa face às acusações formuladas pela Comissão (77). A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo TFUE, não só para a proteção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o processo contencioso eventual tenha por objeto um litígio claramente definido (78). O procedimento pré‑contencioso (notificação para cumprir, seguida do parecer fundamentado) tem assim por finalidade circunscrever o objeto do litígio e permitir ao Estado‑Membro preparar a sua defesa, bem como (de modo relevante) permitir a este último cumprir as suas obrigações antes da propositura de uma ação no Tribunal de Justiça.

128. Por conseguinte, a Comissão deve conceder aos Estados‑Membros um prazo razoável para responderem à notificação para cumprir e procederem em conformidade com o parecer fundamentado, bem como, eventualmente, para prepararem a sua defesa. Para apreciar a razoabilidade do prazo fixado, há que tomar em consideração todas as circunstâncias do caso. Assim, podem justificar‑se prazos muito curtos em circunstâncias especiais, designadamente quando é urgente dar solução a um incumprimento ou quando o Estado‑Membro em causa tem pleno conhecimento da posição da Comissão muito antes de se iniciar o processo (79).

129. Recordo, igualmente, que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, cabe à Comissão «escolher o momento em que dará início ao processo por incumprimento [contra o Estado‑Membro], não podendo as considerações que determinam essa escolha afetar a admissibilidade da ação» (80).

130. No que se refere à urgência, saliento que as decisões de recolocação foram adotadas em resposta a uma situação especialmente crítica e urgente de migração maciça, que justificou a adoção das medidas provisórias previstas nessas decisões.

131. A Comissão esclareceu que adotou uma abordagem cooperativa, destinada a encorajar a aplicação voluntária pelos Estados‑Membros das medidas previstas nas decisões de recolocação. A Comissão também procurou ter em conta o tempo necessário a cada Estado‑Membro para preparar o processo de recolocação, que envolvia — como a mesma acertadamente salientou — procedimentos administrativos complexos que exigiam uma estreita cooperação entre os Estados‑Membros.

132. Os relatórios sobre recolocação e reinstalação da Comissão chamaram periodicamente a atenção dos Estados‑Membros para as suas obrigações.

133. Por conseguinte, é lógico que, tendo a Comissão optado por encorajar os Estados‑Membros a cumprirem voluntariamente as decisões de recolocação, esta não tenha, precisamente por esse motivo, iniciado processos por incumprimento mais cedo no decurso do período de 24 meses disponível para a aplicação das decisões de recolocação. Em maio de 2017, tornou‑se efetivamente urgente ponderar a possibilidade de iniciar processos por incumprimento. Esse facto ficou a dever‑se não à Comissão, mas à persistente recusa dos três Estados‑Membros demandados em cumprir as suas obrigações. Por conseguinte, a Comissão não pode ser acusada de «invocar uma urgência que a própria tinha criado» ao não iniciar o procedimento pré‑contencioso mais cedo. Por esse motivo, a referência pela Hungria ao processo 293/85, Comissão/Bélgica (81), é desprovida de pertinência.

134. Recordo, igualmente, que no processo C‑20/09, Comissão/Portugal, o Tribunal de Justiça declarou que incumbe à Comissão velar oficiosamente e no interesse geral pela aplicação do direito da União pelos Estados‑Membros e obter a declaração da existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objetivo a sua cessação (82). Daqui resulta ter sido legítimo a Comissão garantir — neste contexto, fixando prazos adequados (curtos) para o procedimento pré‑contencioso — a responsabilização dos três Estados‑Membros demandados em causa perante o Tribunal de Justiça em razão da sua vontade deliberada de não aplicar as decisões de recolocação (83).

135. Os prazos curtos fixados pela Comissão também se afiguram justificados na medida em que os três Estados‑Membros demandados em causa tiveram pleno conhecimento da opinião da Comissão muito antes do início formal do processo por incumprimento (84). Antes de enviar a notificação para cumprir, a Comissão convidou a Hungria a cumprir as obrigações que lhe incumbiam por força da Decisão 2015/1601 através do envio separado de várias cartas e da sua série de relatórios mensais. O décimo segundo relatório sobre recolocação e reinstalação (publicado em 16 de maio de 2017) indicou claramente a todos os Estados‑Membros a intenção da Comissão de iniciar processos por incumprimento em caso de persistência do incumprimento (85).

136. Por último, o argumento segundo o qual há que tomar em consideração o facto de o procedimento pré‑contencioso ter ocorrido durante o período de verão, quando a Hungria também apresentava os seus meios de defesa no âmbito de outros processos por incumprimento, parece‑me desprovido de fundamento. Os Estados‑Membros devem dispor dos recursos administrativos necessários para poderem defender‑se no âmbito de processos pré‑contenciosos em qualquer momento do ano, caso seja necessário. Tal aplica‑se, a fortiori, no presente caso em que a intenção da Comissão no sentido de iniciar processos por incumprimento era conhecida há semanas.

137. Concluo que os prazos fixados pela Comissão na fase pré‑contenciosa dos presentes processos por incumprimento não foram excessivamente curtos nem suscetíveis de prejudicar o exercício dos direitos de defesa pela Hungria.

 Definição do alegado incumprimento

138. A Hungria acusa a Comissão de não ter definido o alegado incumprimento em tempo útil e, em especial, de não ter esclarecido por que razão, além de alegar a violação do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601, também alega a violação do artigo 5.o, n.os 4 a 11, desta decisão.

139. Em especial, a Hungria alega neste contexto que não estava em condições de perceber a ligação entre a violação do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601 (compromissos relativos ao número de requerentes que podiam ser recolocados) e a violação do artigo 5.o, n.os 4 a 11, desta decisão (posterior execução da recolocação). A Hungria acusa a Comissão de não ter esclarecido de forma detalhada a relação entre essas violações no seu parecer fundamentado e, por conseguinte, de não ter definido claramente o incumprimento que imputava à Hungria. Essa falta de clareza foi alegadamente agravada pelo facto de o parecer fundamentado enviado à Hungria conter referências erradas à Decisão 2015/1523, que a Hungria considera desprovida de pertinência (tal ficou provavelmente a dever‑se à redação em paralelo dos pareceres fundamentados relativos à Polónia e à República Checa e à imputação de violações da Decisão 2015/1523 e da Decisão 2015/1601 a estes dois Estados‑Membros).

140. Saliento que a parte final da notificação para cumprir e do parecer fundamentado que foram enviados à Hungria referiam o artigo 5.o, n.os 4 a 11, e o artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601. Correndo o risco de afirmar o óbvio: as decisões de recolocação tinham por objetivo permitir a recolocação efetiva de requerentes que chegavam ao território da Itália e da Grécia. Assumir compromissos no sentido de aceitar um determinado número de requerentes era certamente obrigatório, mas era apenas o primeiro passo do processo de recolocação; por si só, não era suficiente. Isso também resulta muito claramente da série de relatórios sobre recolocação e reinstalação. Por conseguinte, o argumento de que a violação do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601 também implicava ipso facto a violação do artigo 5.o, n.os 4 a 11 desta decisão, deveria ter sido evidente para um leitor de boa‑fé (86).

141. Os três Estados‑Membros demandados alegaram expressamente — em especial na audiência — que tinham o estatuto de «rebeldes» que queriam resistir e opor‑se à aplicação do mecanismo de recolocação. A Comissão não contesta esta apresentação dos factos que deram origem aos presentes processos. No entanto, a posição que estes Estados‑Membros escolheram adotar implica igualmente que dificilmente pode ser considerada fidedigna a alegação da Hungria segundo a qual, de algum modo, não tinha tido conhecimento da amplitude do incumprimento da Decisão 2015/1601 que era suscetível de lhe ser imputado.

142. Por último, é evidentemente lamentável que o parecer fundamentado enviado à Hungria tenha incluído, por inadvertência, referências à Decisão 2015/1523 que eram desprovidas de pertinência. Afigura‑se provável que os erros tenham resultado da utilização do «copiar‑colar» durante a preparação simultânea dos três pareceres fundamentados destinados à Polónia, à Hungria e à República Checa. Não considero que esses erros sejam suscetíveis de tornar incompreensíveis os factos imputados à Hungria no parecer fundamentado. Por conseguinte, não considero que o exercício dos direitos de defesa pela Hungria tenha sido prejudicado.

143. Assim, concluo que o argumento da Hungria deve ser julgado totalmente improcedente na medida em que respeita à violação dos direitos de defesa.

 Processo C719/17, insuficiente precisão do pedido (petitum)

144. Na notificação para cumprir e no parecer fundamentado enviados à República Checa, a Comissão indicou que o incumprimento tinha começado em 13 de agosto de 2016. Na petição, a Comissão salientou que, desde a notificação de 13 de maio de 2016, a República Checa não tinha dado qualquer indicação adicional em relação ao número de requerentes que podiam ser recolocados, não obstante a tal estar obrigada, pelo menos, uma vez de três em três meses. A Comissão concluiu, por conseguinte, que a República Checa não tinha cumprido as suas obrigações a partir de 13 de agosto de 2016 (87). No entanto, o petitum constante da petição não especifica a data em que começou o incumprimento (88). Numa peça processual posterior, a Comissão também indicou o dia 13 de agosto de 2016 como a data em que o incumprimento tinha começado.

145. A República Checa alega que o texto do petitum não permite determinar o alcance do incumprimento que lhe é imputado (89). Alega, igualmente, que os articulados da Comissão são ambíguos no que respeita à questão de saber se o incumprimento começou em 13 de maio de 2016 ou em 13 de agosto de 2016.

146. Em minha opinião, as acusações formuladas pela República Checa são improcedentes.

147. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, «a petição inicial deve conter o objeto do litígio, os fundamentos e os argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daqui resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia uma ação devem resultar, de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição e que os pedidos desta última devem ser formulados de forma inequívoca, a fim de evitar que o Tribunal de Justiça decida ultra petita ou que não se pronuncie sobre uma acusação» (90).

148. Em minha opinião, resulta claramente do texto da petição que a última notificação efetuada pela República Checa nos termos do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação ocorreu em 13 de maio de 2016. Uma vez que esta disposição obrigava os Estados‑Membros a efetuar as referidas notificações, pelo menos, de três em três meses, poder‑se‑á logicamente deduzir que o incumprimento começou três meses após essa data — ou seja, em 13 de agosto de 2016. Com efeito, a Comissão tinha indicado essa data com exatidão na notificação para cumprir e no parecer fundamentado e confirmou a mesma nos seus articulados posteriores apresentados no Tribunal de Justiça. A relação lógica entre 13 de maio de 2016 e 13 de agosto de 2016 resulta expressamente da petição da Comissão (91).

149. É evidentemente lamentável que o próprio petitum não se refira expressamente a 13 de agosto de 2016. Dito isto, o texto da petição contém, no entanto, os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia a ação. Esses elementos estão formulados de modo coerente e compreensível e não são contrariados pela correspondência trocada durante o procedimento pré‑contencioso (92). Nestas circunstâncias, não obstante a omissão do petitum, não considero que exista um risco real de o Tribunal de Justiça decidir ultra petita ou de não se pronunciar sobre uma acusação.

150. Também não partilho da opinião da República Checa, segundo a qual as alegações da Comissão relativas à data em que começou o incumprimento estão redigidas de modo ambíguo ou contraditório. As datas indicadas pela Comissão nos seus articulados são coerentes e não são suscetíveis de criar confusão no espírito de um leitor atento e de boa‑fé.

151. Concluo que o argumento da República Checa (processo C‑719/17) assente na insuficiente precisão do petitum deve ser julgado improcedente.

 Conclusão sobre a admissibilidade

152. À luz das considerações precedentes, concluo que as ações por incumprimento intentadas contra os três Estados‑Membros demandados são admissíveis.

 Quanto ao mérito

 Observações preliminares

153. A análise exaustiva da Decisão 2015/1601 efetuada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho levou a que fosse negado provimento aos recursos de anulação desta medida. Não foi interposto nenhum recurso tempestivo contra a Decisão 2015/1523. O exame efetuado pela Grande Secção da Decisão 2015/1601 implica necessariamente que, a ter sido interposto um recurso da Decisão 2015/1523 em que fossem invocados argumentos análogos, este teria tido o mesmo resultado.

154. As decisões de recolocação devem assim ser consideradas como relevando incontestavelmente da competência da Comissão e como sendo válidas. Os três Estados‑Membros demandados aceitam esta conclusão nos presentes processos (93).

155. As duas decisões de recolocação eram medidas provisórias adotadas nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE. Como o Tribunal de Justiça esclareceu no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, «[…] as medidas suscetíveis de serem adotadas com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE devem ser qualificadas como “atos não legislativos”, porque não são adotadas na sequência de um processo legislativo» (94).

156. O artigo 288.o TFUE dispõe que «[a] decisão é obrigatória em todos os seus elementos. Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes». As decisões de recolocação não designam destinatários. Estas eram obrigatórias em todos os seus elementos e manifestamente criaram obrigações legais para os três Estados‑Membros demandados.

157. O incumprimento ou, a fortiori, a recusa de um Estado‑Membro em cumprir as obrigações legais que lhe incumbem por força das decisões de recolocação tem necessariamente um efeito negativo na eficácia global da operação de recolocação de emergência, que foi instaurada por estas decisões para fazer face a um súbito afluxo de migrantes. Deixa os Estados‑Membros beneficiários (Itália e Grécia) a braços com um número considerável de requerentes de proteção internacional que chegam dia e noite ao seu território. Dificulta e/ou impede esses Estados‑Membros e as instituições da União de cumprirem as suas próprias obrigações nos termos das decisões de recolocação.

 Petição da Comissão

158. O Tribunal de Justiça tem declarado de forma constante que, no âmbito de uma ação por incumprimento intentada contra um Estado‑Membro nos termos do artigo 258.o TFUE, a Comissão deve «apresentar as acusações de forma coerente e precisa, para permitir ao Estado‑Membro e ao Tribunal de Justiça apreenderem exatamente o alcance da violação do direito da União imputada, condição necessária para que esse Estado possa apresentar utilmente os seus meios de defesa e para que o Tribunal de Justiça possa verificar a existência do incumprimento alegado» (95).

159. A Comissão precisou que o alegado incumprimento consistiu, em substância, no facto de não terem sido assumidos compromissos nos termos do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação e, consequentemente, de não terem sido realizadas recolocações nos termos do artigo 5.o, n.os 4 a 11, das mesmas (96).

160. Dos três Estados‑Membros demandados, a Polónia e a República Checa tentam de alguma forma contestar (ou, mais precisamente, matizar) os factos alegados pela Comissão. A Hungria não contesta, em substância, os factos apresentados pela Comissão.

161. Assim, a Polónia alega que não era possível, nos termos das decisões de recolocação, verificar se as pessoas suscetíveis de serem transferidas tinham ligações com organizações extremistas ou criminosas de forma a poderem eventualmente constituir um risco para a segurança. A Polónia refere em termos gerais a ocorrência de incidentes noutros Estados‑Membros em que alguns requerentes a quem foi concedido o estatuto de refugiado se envolveram posteriormente em agressões e na prática de crimes. A Polónia alega que a falta de documentação fiável, o facto de as pessoas transferidas não se encontrarem na Polónia mas no estrangeiro, a brevidade do prazo de que dispunha o agente de ligação e, no que respeita a algumas pessoas suscetíveis de serem transferidas, a impossibilidade de realizar entrevistas de segurança antes da transferência a impediram efetivamente de cumprir os deveres que lhe incumbem por força do artigo 72.o TFUE e de aplicar as decisões de recolocação.

162. A República Checa alega que várias das pessoas suscetíveis de serem transferidas selecionadas pela Grécia e pela Itália não tinham documentos de identificação idóneos e que a cooperação desses dois Estados‑Membros nos termos das decisões de recolocação foi insuficiente. Consequentemente, considera a Itália e a Grécia responsáveis pelo facto de apenas um número muito reduzido de requerentes ter sido transferido.

163. Nenhum dos elementos de facto invocados pela Polónia e pela República Checa, ainda que fossem demonstrados, constitui uma resposta ao argumento da Comissão de que os três Estados‑Membros demandados não cumpriram o requisito de assunção de compromissos trimestral a que estavam obrigados nos termos do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação. Indicar o número de requerentes que se poderá eventualmente aceitar ao longo de um determinado período é, no plano conceptual, completamente diferente da questão de saber se existe um motivo válido para não aceitar uma determinada pessoa que foi proposta pela Itália ou pela Grécia para efeitos de transferência.

164. Do mesmo modo, os problemas específicos salientados pela Polónia e pela República Checa podem explicar, em relação a um caso concreto, porque um determinado requerente não pode ser aceite para efeitos de transferência, não obstante as disposições detalhadas  em matéria de ligação e de cooperação previstas nas decisões de recolocação. No entanto, estes são completamente insuficientes para fundamentar o incumprimento quase total (pelos três Estados‑Membros demandados) das obrigações previstas no artigo 5.o, n.os 4 a 11, dessas decisões.

165. Considero, por conseguinte, que a Comissão demonstrou os elementos de facto em que se baseiam as suas alegações contra os três Estados‑Membros demandados.

166. As duas decisões de recolocação diferem quanto à forma como os Estados‑Membros deviam participar no processo de recolocação. Assim, o artigo 4.o da Decisão 2015/1523 limitava‑se a especificar o número total de recolocações a atingir (24 000 a partir da Itália e 16 000 a partir da Grécia), deixando em aberto o número de requerentes que cada Estado‑Membro devia aceitar tendo em vista a recolocação. Em contrapartida, o artigo 4.o da Decisão 2015/1601, lido em conjugação com os seus anexos I e II, previa um mecanismo mais preciso e detalhado. O artigo 4.o, n.o 1, especificava que, dos 120 000 requerentes a recolocar, 66 000 deviam ser redistribuídos entre outros Estados‑Membros (o anexo I abrangendo 15 600 relocações a partir da Itália; e o anexo II abrangendo 50 400 relocações a partir da Grécia). O artigo 4.o, n.o 2, esclarecia em seguida que os restantes 54 000 requerentes deviam ser recolocados «proporcionalmente aos valores estabelecidos nos anexos I e II» (97).

167. Dito isto, o artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação exige claramente que os compromissos sejam assumidos, pelo menos, de três em três meses, enquanto o artigo 5.o, n.os 4 a 11, impõe a obrigação (nos termos do procedimento nele previsto) de aceitar as recolocações, salvo em caso de aplicação de exceções específicas, como a prevista no artigo 5.o, n.o 7, relativa a pessoas que constituam uma ameaça para a segurança interna.

168. Apesar da (diferente) margem de apreciação concedida aos Estados‑Membros pelas duas decisões de recolocação que identifiquei, não tenho qualquer hesitação em concluir que o facto de assumir o compromisso de aceitar 100 requerentes (Polónia) (98), 50 requerentes (República Checa) (99) ou, com efeito, de não assumir nenhum compromisso (Hungria) (100), não pode ser considerado conforme à letra ou ao espírito das obrigações impostas pelas decisões de recolocação.

169. E o que dizer quanto à alegação adicional da Comissão no sentido de que os três Estados‑Membros demandados também violaram as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 5.o, n.os 4 a 11, das decisões de recolocação?

170. Parece‑me que, de um ponto de vista lógico, a Comissão tem razão ao alegar que se um Estado‑Membro não assume o compromisso de aceitar um determinado número de requerentes, tal implica necessariamente que o mesmo também não aceitará recolocações com base nesses compromissos e que, por conseguinte, violará igualmente as obrigações daí decorrentes que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 4 a 11, das decisões de recolocação. De resto, os três Estados‑Membros demandados não alegam seriamente o contrário; o que é corroborado pelo facto de os três Estados‑Membros demandados não terem acolhido praticamente nenhuma (Polónia e República Checa) ou nenhuma pessoa transferida (Hungria).

171. Concluo que as alegações apresentadas pela Comissão são conformes com o exigido pelo artigo 258.o TFUE. A questão que se coloca é, por conseguinte, a de saber se os elementos invocados pelos três Estados‑Membros demandados constituem argumentos de defesa juridicamente procedentes no âmbito das ações por incumprimento. A este respeito, o ónus de demonstrar a procedência desses argumentos de defesa transfere‑se necessariamente para os Estados‑Membros em causa.

 Argumentos das partes

172. A Polónia alega que o cumprimento das decisões de recolocação a teria impedido de cumprir as suas responsabilidades ao abrigo do artigo 72.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2, TUE, relativas à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna, sobre as quais continua a ter competência exclusiva (101). Enquanto disposição de direito primário, o artigo 72.o TFUE prevalece sobre as decisões de recolocação e assegura aos Estados‑Membros um controlo total sobre a sua segurança interna e ordem pública. Não é um simples critério de fiscalização da legalidade no decurso do processo legislativo, mas uma regra de conflitos que privilegia a competência dos Estados‑Membros. Cabe aos Estados‑Membros apreciar, à luz das circunstâncias específicas em causa, a existência desse conflito. Um Estado‑Membro pode, por conseguinte, invocar o artigo 72.o TFUE para refutar argumentos relativos à privação de «effet utile» das decisões de recolocação ou para refutar apelos à solidariedade — não existe nenhuma obrigação no sentido de pôr em perigo a segurança interna de forma a demonstrar solidariedade para com outros Estados‑Membros. O Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho não priva (nem poderia privar) um Estado‑Membro do seu direito inalienável de invocar o artigo 72.o TFUE para revogar qualquer outra alegada obrigação decorrente de medidas de direito derivado da União adotadas nos termos do título V da parte III do TFUE. Por este motivo, a Polónia não pretende expressamente arguir, nos termos do artigo 277.o TFUE, uma exceção de ilegalidade.

173. A Hungria também invoca o artigo 72.o TFUE no sentido de este lhe conferir o direito de não aplicar uma decisão baseada no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, caso considere que essa decisão não prevê garantias suficientes para a sua segurança interna. A Hungria alega que o facto de as pessoas suscetíveis de serem transferidas nos termos da Decisão 2015/1601 deverem ser pessoas que possuam nacionalidades em relação às quais é concedida proteção internacional em pelo menos 75 % dos pedidos (artigo 3.o, n.o 1, da Decisão 2015/1601) limita a possibilidade de invocar motivos de exclusão do estatuto de proteção (enquanto refugiado ou pessoa que beneficia de proteção subsidiária) ligados à segurança nacional ou à ordem pública. O facto de o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho ter confirmado a validade da Decisão 2015/1601 é irrelevante. A questão que aqui se coloca é distinta e diferente: pode um Estado‑Membro invocar o artigo 72.o TFUE para excluir ou limitar a realização de recolocações nos termos da Decisão 2015/1601 quando tem reservas em relação ao efeito dessas recolocações sobre a segurança nacional e a ordem pública no seu território?

174. A República Checa alega, em substância, que o mecanismo de recolocação instaurado pelas decisões de recolocação é disfuncional e que adotou outras medidas mais eficazes para ajudar a lutar contra a crise migratória. Em especial, forneceu uma ajuda significativa aos países terceiros de onde proveio a maioria do êxodo e destacou um número significativo de efetivos da polícia para protegerem as fronteiras externas da União Europeia.

175. A Comissão salienta, em substância, do Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, a necessidade de dar um «effet utile» às decisões de recolocação e o princípio da solidariedade entre os Estados‑Membros. Insiste que as decisões de recolocação previam mecanismos adequados que permitiam aos Estados‑Membros de recolocação (102) adotar, a respeito de qualquer requerente, as medidas necessárias para proteger a segurança nacional e a ordem pública no seu território.

176. Para efeitos da análise que se segue, juntarei os argumentos invocados pelos três Estados‑Membros demandados do seguinte modo: (i) o facto de o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho ter confirmado a validade da Decisão 2015/1601 é irrelevante (Polónia e Hungria); (ii) os Estados‑Membros podiam não aplicar as decisões de recolocação (ainda que válidas) com base nas suas competências reservadas previstas no artigo 72.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2 TUE (Polónia e Hungria); e (iii) as decisões de recolocação criaram um sistema disfuncional (República Checa).

 (i) o facto de o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho ter confirmado a validade da Decisão 2015/1601 é irrelevante

177. Em resposta às notificações para cumprir e aos pareceres fundamentados, a Polónia e a Hungria alegaram que as decisões de recolocação eram inválidas. Estes argumentos foram apresentados antes do Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, no qual o Tribunal de Justiça confirmou a validade da Decisão 2015/1601. Uma nova impugnação da validade das decisões de recolocação nos termos do artigo 263.o TFUE, seria agora extemporânea.

178. Com base nos articulados, o Tribunal de Justiça pediu às partes que respondessem na audiência à questão de saber se um Estado‑Membro pode, no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, justificar a não aplicação de um ato da União quando um recurso para impugnar a validade desse ato (neste contexto, os recursos interpostos pela Eslováquia e pela Hungria que conduziram ao Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho) não implicaram a suspensão automática desse ato nos termos do artigo 278.o TFUE, não tendo o Tribunal de Justiça ordenado esta suspensão. O Tribunal de Justiça também perguntou às partes se um Estado‑Membro, no âmbito de um processo por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, pode justificar a não aplicação de um ato da União sem invocar uma exceção de ilegalidade nos termos do artigo 277.o TFUE, bem como se as decisões de recolocação podem ser consideradas atos de alcance geral nos termos do artigo 277.o TFUE.

179. Na audiência, os três Estados‑Membros demandados indicaram expressamente que não contestavam a validade das decisões de recolocação nem pretendiam arguir uma exceção de ilegalidade nos termos do artigo 277.o TFUE. A Hungria deixou à consideração do Tribunal de Justiça a possibilidade de apreciar a sua defesa com base nesse artigo, se assim o desejasse.

180. Parece‑me que, à luz da audiência, os elementos invocados a respeito do artigo 277.o TFUE deixaram, na prática, de ser «atuais». Embora no plano intelectual fosse interessante explorar os contornos deste artigo, abster‑me‑ei de o fazer. O assunto terá de aguardar por outro processo e por outro momento.

181. O argumento invocado pela Polónia e pela Hungria nos presentes processos é o de que o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho não é pertinente quanto à defesa que alegam no caso em apreço.

182. Para apreciar essa alegação, há que examinar o mencionado nesse acórdão no que respeita ao artigo 72.o TFUE e à forma como a Decisão 2015/1601 contemplou a competência dos Estados‑Membros para efeitos de cumprimento das suas responsabilidades em matéria de segurança nacional e ordem pública no seu território. A forma mais fácil de o fazer é incluindo esse exame no âmbito da análise da defesa apresentada pela Polónia e pela Hungria com base no artigo 72.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2 TUE. Analisarei esta questão em seguida.

 (ii) os EstadosMembros podiam não aplicar as decisões de recolocação (ainda que válidas) com base nas suas competências reservadas previstas no artigo 72.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2 TUE

183. Nas perguntas escritas que enviou às partes antes da audiência, o Tribunal de Justiça preparou o debate relativo a este argumento perguntando à Comissão se os conceitos de «ordem pública» e de «segurança interna» deviam ser interpretados da mesma forma que conceitos semelhantes, aplicáveis no âmbito das liberdades fundamentais, utilizados em disposições como o artigo 346.o TFUE.

184. A Comissão alega que o artigo 346.o TFUE diz respeito à questão específica do fornecimento de informações e do comércio de armas e que o conceito de segurança nele utilizado é desprovido de pertinência nos presentes processos.

185. O Tribunal de Justiça também perguntou à Comissão se um Estado‑Membro pode invocar o artigo 72.o TFUE para justificar a não aplicação de um ato da União adotado nos termos do título V da parte III do TFUE quando o ato em causa não prevê medidas suficientes para proteger a «ordem pública» e a «segurança interna», bem como se o artigo 72.o TFUE pode ser invocado num contexto mais amplo.

186. A Comissão alega que o artigo 72.o TFUE constitui um princípio que deve ser tomado em consideração quando da adoção de atos pelo legislador da União. Se o legislador assim não fizer, os Estados‑Membros podem interpor um recurso contra o ato do direito da União que foi adotado, nos termos das disposições dos Tratados relativas ao processo no Tribunal de Justiça.

187. Além disso, a Comissão alega que o artigo 72.o TFUE está sujeito a limitações semelhantes às previstas no artigo 36.o, no artigo 45.o, n.o 3, e no artigo 52.o, n.o 1, TFUE a respeito da livre circulação no mercado interno. Embora estas disposições permitam aos Estados‑Membros limitar a livre circulação, as restrições impostas continuam sujeitas ao controlo das instituições da União, designadamente à fiscalização do Tribunal de Justiça.

188. Neste contexto, analisarei em seguida as questões suscitadas.

–       Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 72.o TFUE

189. Tanto quanto é do meu conhecimento, até agora o Tribunal de Justiça examinou o artigo 72.o TFUE por três vezes.

190. Em primeiro lugar, no Acórdão Adil (103), o Tribunal de Justiça analisou a interpretação correta do artigo 21.o, alínea a), do Código das Fronteiras Schengen (104) à luz do artigo 72.o TFUE. Recordou que «o artigo 21.o, alínea a), do [Código das Fronteiras Schengen] dispõe que a supressão do controlo nas fronteiras internas não prejudica o exercício das competências de polícia pelas autoridades competentes do Estado‑Membro, ao abrigo do direito nacional, na medida em que o exercício dessas competências não tenha efeito equivalente a um controlo de fronteira, o mesmo se aplicando nas zonas fronteiriças. Esta disposição do [Código das Fronteiras Schengen] dispõe que o exercício das competências de polícia não pode considerar‑se equivalente ao exercício de controlos de fronteira, nomeadamente nos casos em que essas medidas policiais não tiverem como objetivo o controlo fronteiriço, se basearem em informações policiais de caráter geral e na experiência em matéria de possíveis ameaças à ordem pública e se destinarem particularmente a combater o crime transfronteiras, forem concebidas e executadas de forma claramente distinta dos controlos sistemáticos de pessoas nas fronteiras externas e forem aplicadas com base em controlos por amostragem» (105).

191. O Tribunal de Justiça concluiu que os controlos móveis em matéria de segurança em causa nesse processo não constituíam «controlos de fronteira» proibidos pelo artigo 20.o do Código das Fronteiras Schengen, mas controlos no interior do território de um Estado‑Membro, previstos no artigo 21.o do referido Código (106). Mais adiante no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça reafirmou que «as disposições do artigo 21.o, alíneas a) a d), do [Código das Fronteiras Schengen], bem como a redação do artigo 72.o TFUE confirmam que a supressão dos controlos nas fronteiras internas não prejudicou as responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna» (107).

192. Em seguida, no Acórdão A (108), o Tribunal de Justiça confirmou, em substância, o seu Acórdão Adil (desta vez, a respeito de um sistema semelhante de controlos móveis em matéria de segurança instituído na Alemanha).

193. Finalmente, no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, o Tribunal de Justiça examinou o argumento da Polónia neste processo segundo o qual «a decisão impugnada é contrária ao princípio da proporcionalidade, por não permitir que os Estados‑Membros assegurem o exercício efetivo das responsabilidades que lhes incumbem em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna a título do artigo 72.o TFUE» (109).

194. O Tribunal de Justiça salientou que o considerando 32 da Decisão 2015/1601 enuncia expressamente que «a segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até à conclusão da transferência do requerente», e que o artigo 5.o, n.o 7, conservou expressamente o direito dos Estados‑Membros de recusarem a recolocação de um requerente, embora apenas se houvesse motivos razoáveis para considerar que este constituía um perigo para a segurança nacional ou ordem pública. Embora esse mecanismo «fosse ineficaz porque obrigava os Estados‑Membros a fiscalizar muitas pessoas em pouco tempo, essas dificuldades de ordem prática não parecem inerentes ao referido mecanismo e devem, se for caso disso, ser resolvidas no espírito de cooperação e de confiança mútua entre as autoridades dos Estados‑Membros beneficiários da recolocação e as dos Estados‑Membros de recolocação, que deve prevalecer no âmbito da aplicação do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o [da Decisão 2015/1601]» (110).

195. Por conseguinte, o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho prefigura, em certa medida, os argumentos invocados pelos três Estados‑Membros demandados nos presentes processos. Dito isto, uma vez que a invocação das competências reservadas previstas no artigo 72.o TFUE é o elemento central da sua defesa, importa explorar agora este argumento de forma mais detalhada.

       Conceitos de ordem pública e de segurança

196. O conceito de ordem pública foi analisado no Acordão N. (111), em que o Tribunal de Justiça declarou que «o conceito de “ordem pública” pressupõe, em qualquer caso, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade».

197. Antes disso, no Acórdão Zh. e o. (112), o Tribunal de Justiça tinha declarado que, no que respeita aos direitos fundamentais dos nacionais de países terceiros, conceitos como o de segurança «não pode[m] ser determinado[s] unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros, sem controlo das instituições da União».

198. Estas duas citações serão o ponto de partida da análise que se segue.

199. Em termos gerais, parece‑me que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre as liberdades fundamentais — designadamente sobre a livre circulação de pessoas — constitui uma base sólida para abordar o conceito de ordem pública e o conceito de segurança no âmbito dos presentes processos. Recordo que o acervo da União em matéria de asilo — designadamente o Regulamento Dublim III (113) e a Diretiva Qualificação (114) — analisa estas questões do ponto de vista do requerente individual. Tal como o Tribunal de Justiça explicou há muito tempo no Acórdão Bouchereau, é o comportamento pessoal do indivíduo em causa que deve ser objeto de apreciação para determinar se o mesmo constitui uma ameaça para a comunidade do Estado‑Membro em causa (115).

200. Concordo com a opinião da Comissão de que o artigo 346.o TFUE é uma disposição específica do Tratado que regula uma situação específica. Por esta razão, não considero que a interpretação do mesmo possa utilmente ser alargada aos presentes processos.

201. No entanto, recordo igualmente que o artigo 78.o, n.o 3, TFUE existe especificamente para permitir ao Conselho adotar medidas provisórias para ajudar um Estado‑Membro «[confrontado] com uma situação de emergência, caracterizada por um súbito fluxo de nacionais de países terceiros». Na medida em que a entrada de um número considerável de pessoas num Estado‑Membro pode criar uma situação de emergência (expressão que interpreto como abrangendo, igualmente, uma situação que constitui uma ameaça para a ordem pública ou a segurança nacional), o artigo 78.o, n.o 3, TFUE constitui a base jurídica necessária para adotar medidas adequadas que respeitem simultaneamente as obrigações internacionais dos Estados‑Membros nos termos da Convenção de Genebra e todos os princípios fundamentais aplicáveis do direito da União. Estes princípios incluem o princípio da solidariedade e o princípio do respeito do Estado de direito, aos quais voltarei no fim das presentes conclusões.

       Função do artigo 72.o TFUE

202. O artigo 72.o TFUE faz parte do capítulo 1, intitulado «Disposições Gerais», do título V do TFUE («O Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça»). Ao reconhecer claramente aos Estados‑Membros competências e responsabilidades em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna, o artigo 72.o TFUE serve manifestamente para recordar ao legislador da União a necessidade de prever, no âmbito do direito derivado adotado nos termos do título V, disposições que permitam aos Estados‑Membros cumprir essas responsabilidades. Se o legislador da União não cumprir essa obrigação ao elaborar o direito derivado, o artigo 72.o TFUE fornece uma base jurídica clara para a interposição de um recurso de anulação pelos Estados‑Membros (nesta medida, concordo com o alegado pela Comissão). No entanto, esta omissão não se verificou no caso em apreço.

203. Uma resposta imediata ao argumento central invocado pela Polónia e pela Hungria reside em duas disposições essenciais das próprias decisões de recolocação. O último período do artigo 5.o, n.o 4, destas decisões dispunha que «[o] Estado‑Membro de recolocação só pode decidir não autorizar a transferência de um requerente se existirem motivos razoáveis, tal como referido no n.o 7 do presente artigo». O artigo 5.o, n.o 7, destas decisões dispunha, em seguida, que «[o]s Estados‑Membros só conservam o direito de recusar a recolocação de um requerente se houver motivos razoáveis para considerar que esse requerente constitui um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, ou se existirem motivos sérios para [a] aplicação das disposições em matéria de exclusão estabelecidas nos artigos 12.o e 17.o da [Diretiva Qualificação]».

204. Acrescento, entre parêntesis, que o considerando 26 da Decisão 2015/1523 e o considerando 32 da Decisão 2015/1601 dispõem que «[a] segurança nacional e a ordem pública deverão ser tidas em conta ao longo de todo o procedimento de recolocação, até que a transferência do requerente esteja concluída», e que «sempre que um Estado‑Membro tenha motivos razoáveis para considerar que o requerente representa um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, deverá informar do facto os demais Estados‑Membros». Ao fazê‑lo, o potencial Estado‑Membro de recolocação demonstra a sua solidariedade para com os outros Estados‑Membros que — como este — têm a responsabilidade de salvaguardar a segurança nacional e a ordem pública nos respetivos territórios.

205. Lidos em conjugação, esses dois parágrafos essenciais das decisões de recolocação reconheceram expressamente que o Estado‑Membro de recolocação conservava o direito de recusar a recolocação de um determinado requerente se (i) existissem motivos razoáveis para considerar que essa pessoa constituía um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública ou (ii) existissem motivos sérios para considerar que essa pessoa podia ser legalmente excluída da proteção internacional requerida.

206. Na medida em que o Estado‑Membro de recolocação tivesse dúvidas razoáveis quanto à questão de saber se devia aceitar a recolocação de um requerente X, as decisões de recolocação previam assim uma base jurídica clara, manifesta e legal para o referido Estado‑Membro recusar a recolocação desse requerente em especial.

207. Numa perspetiva restritiva das questões suscitadas pelas presentes ações por incumprimento, tal pode ser considerado suficiente para afastar o principal argumento apresentado pelos Estados‑Membros demandados para justificar o seu comportamento. Estes podiam perfeitamente preservar a segurança e o bem‑estar dos seus cidadãos recusando (com base nas próprias decisões de recolocação) acolher o requerente X, exercendo assim «[as] responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna» (artigo 72.o TFUE).

208. Todavia, por uma questão de justiça para com os três Estados‑Membros em causa, há que não ficar por aqui. A remissão para a Diretiva Qualificação, prevista no artigo 5.o, n.o 7, das decisões de recolocação, proporciona uma ligação oportuna com a questão fundamental em causa nos processos em apreço. As competências reservadas dos Estados‑Membros previstas no artigo 72.o TFUE devem ser consideradas no contexto do extenso direito derivado da União que regula de forma uniforme o processo de apreciação dos pedidos de proteção internacional e os critérios substantivos de decisão destes pedidos (acervo da União em matéria de asilo). Neste contexto, pode um Estado‑Membro invocar o artigo 72.o TFUE (lido, segundo a Hungria, em conjugação com o artigo 4.o, n.o 2, TUE) para simplesmente não aplicar uma medida da União validamente adotada (116) nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE com a qual não concorda?

209. Ao analisar esta questão, opto assim deliberadamente por afastar os aspetos processuais (por exemplo, relativos aos prazos de interposição de ações e recursos diretos ou aos parâmetros da exceção de ilegalidade) para me concentrar na questão fundamental em causa.

210. Ao nível da União, as obrigações internacionais dos Estados‑Membros por força da Convenção de Genebra gozam de expressão uniforme através de um conjunto complexo de diretivas que abrangem a tramitação e a apreciação quanto ao fundo dos pedidos de proteção internacional, designadamente a Diretiva Qualificação, a Diretiva Procedimentos e a Diretiva Acolhimento. A base jurídica destas medidas é constituída pelo artigo 78.o, n.o 2, TFUE, que consta do capítulo 2 do título V, sob a epígrafe «Políticas relativas aos controlos nas fronteiras, ao asilo e à imigração». Encontramo‑nos assim claramente no âmbito de um domínio que é regulado de forma detalhada tanto pelo próprio TFUE como pelo direito derivado, com base no direito primário da União.

211. Nestas circunstâncias, se os Tratados reconhecerem que os Estados‑Membros continuam a ter uma determinada competência, dever ou obrigação, os mesmos devem exercer os seus poderes de uma forma que não seja contrária aos princípios pertinentes do direito da União.

212. Por conseguinte, o artigo 72.o TFUE não é — como alegam a Polónia e a Hungria — uma regra de conflitos que privilegia a competência dos Estados‑Membros em prejuízo das medidas adotadas pelo legislador ou pelo decisor da União; pelo contrário, é uma regra de coexistência. Os Estados‑Membros continuam a ter competência para atuar no domínio especificado (a competência não foi transferida para a União Europeia). No entanto, essa atuação deve respeitar os princípios superiores que os Estados‑Membros subscreveram ao aderirem à União e todas as regras pertinentes previstas nos Tratados e no direito derivado da União.

213. Dois exemplos serão suficientes para demonstrar esta afirmação.

214. No decurso dos acontecimentos que deram origem ao «contencioso Factortame» (117), o Reino Unido adotou o Merchant Shipping Act [Lei sobre a Marinha Mercante] de 1988. Esta lei alterou radicalmente o registo de navios britânico, como tal privando navios de pesca que eram propriedade espanhola do direito de figurar nesse registo, de utilizar (118) o pavilhão britânico e, por conseguinte, de pescar por conta da quota de pesca do Reino Unido (119). Ao fazê‑lo, o Reino Unido (posteriormente apoiado no Tribunal de Justiça pela Bélgica e pela Grécia) invocou a competência que o direito internacional público reconhece a cada Estado‑Membro para definir soberanamente as condições em que concede a um navio o direito de arvorar o seu pavilhão (120).

215. A primeira questão prejudicial submetida pela High Court of Justice [Tribunal Superior de Justiça, Reino Unido] era simplesmente a seguinte: «O direito [da União] afeta as condições em que um Estado‑Membro pode estabelecer regras para determinar que navios podem ser matriculados nesse Estado, arvorar o seu pavilhão e ter a sua nacionalidade?».

216. Na resposta a esta questão, o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que, «no estado atual do direito [da União], a competência para determinar as condições de matrícula dos navios pertence aos Estados‑Membros» (121), mas que «[n]ão obstante, convém recordar que os Estados‑Membros devem exercer as suas competências com respeito do direito [da União]» (122). O argumento do Reino Unido baseado no direito internacional público «somente podia ter algum mérito se as exigências do direito [da União] em relação ao exercício, pelos Estados‑Membros, dos poderes que lhes estão reservados em matéria de matrícula de navios estivessem em conflito com as normas de direito internacional» (123). O Tribunal de Justiça considerou claramente que esse conflito não existia no caso em apreço, uma vez que o número seguinte do acórdão refere que «[c]onsequentemente, a resposta à primeira questão deve ser no sentido de que, no estado atual do direito [da União], cabe aos Estados‑Membros determinar, de acordo com as normas gerais de direito internacional, as condições que devem ser preenchidas para que um navio possa ser matriculado nos seus registos e possa ser concedido a esse navio o direito de arvorar o seu pavilhão, mas que, ao exercer esse poder, o Estado‑Membro deve respeitar as normas de direito [da União]» (124).

217. O Tribunal de Justiça declarou em seguida que as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação, bem como o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, se opunham à condição da nacionalidade prevista na Lei sobre a Marinha Mercante de 1988.

218. Mais recentemente, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre uma série de processos relativos ao exercício da competência legislativa (inquestionável) dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta — um domínio que não está harmonizado ao nível da União. Todavia, a adoção de regras nacionais tem, por vezes, o efeito de prejudicar contribuintes que se encontram noutro Estado‑Membro. É desnecessário especificar aqui os pormenores técnicos desses processos. O Tribunal de Justiça declarou de forma constante que, embora os Estados‑Membros tenham competência em matéria de fiscalidade direta, essa competência deve ser exercida com observância do direito da União (125).

219. Em minha opinião, na situação em causa nas presentes ações por incumprimento, os Estados‑Membros também estão obrigados a exercer a competência que lhes é reconhecida pelo artigo 72.o TFUE em matéria de «manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna», de uma forma que respeite as demais disposições pertinentes do direito da União. Estas disposições incluem, por um lado, as próprias decisões de recolocação (que, como vimos, constituíam uma base jurídica adequada para os Estados‑Membros adotarem as medidas que se revelassem necessárias num caso concreto) e, por outro, a generalidade das disposições previstas no direito da União relativas à análise dos pedidos de proteção internacional e à decisão dos Estados‑Membros sobre o mérito desses pedidos, proferida no âmbito da respetiva determinação.

220. Assim, os artigos 12.o e 17.o da Diretiva Qualificação refletem a Convenção de Genebra, estabelecendo de forma detalhada os motivos de exclusão de um requerente do estatuto de refugiado ou da proteção subsidiária. Estas disposições são reforçadas pelos artigos 14.o e 19.o da referida diretiva (126), que permitem aos Estados‑Membros suprimir o estatuto de proteção se a pessoa em causa representar um perigo para a comunidade ou para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra. Nos termos da Diretiva Procedimentos, os pedidos de proteção internacional podem ser apreciados na fronteira ou em zonas de trânsito se, por razões justificadas, os requerentes puderem ser considerados uma ameaça para a segurança pública ou para a ordem pública do Estado‑Membro [artigo 31.o, n.o 8, alínea j)] (127), o que inclui os menores não acompanhados que podem, pelas mesmas razões, ser sujeitos a disposições mais rigorosas em matéria de análise do pedido de proteção internacional [artigo 25.o, n.o 6, alínea a), iii), e alínea b), iii)] (128). A Diretiva Acolhimento permite aos Estados‑Membros decidir da residência de um requerente (em derrogação à liberdade de circulação a que tem normalmente direito) por razões, inter alia, de interesse público e de ordem pública (artigo 7.o, n.o 2) (129). Um requerente pode ser detido se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem [artigo 8.o, n.o 3, alínea e)] (130). Adicionalmente, a Diretiva Regresso autoriza os Estados‑Membros a não conceder um prazo para a partida voluntária, a deter os requerentes cujo pedido de proteção internacional foi indeferido e a impor uma proibição de entrada mais alargada se estas medidas (mais coercivas) se justificarem por motivos de segurança nacional ou ordem pública (v. artigo 7.o, n.o 4, artigo 8.o, n.o 4, artigo 11.o, n.o 2, e artigo 15.o).

221. Em resumo, o direito derivado no âmbito do acervo da União em matéria de asilo oferece assim um quadro jurídico adequado para responder às legítimas preocupações dos Estados‑Membros em matéria de segurança nacional, de ordem pública e de proteção da comunidade a respeito de um determinado requerente de proteção internacional. Neste contexto, não vemos forma de acolher o argumento de que o artigo 72.o TFUE dá carta branca aos Estados‑Membros para não aplicarem uma medida válida de direito derivado da União com a qual não concordam plenamente.

222. A este respeito, a invocação pela Polónia do Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem («TEDH») no processo N c. Finlândia (38885/02) (131) não faz avançar o seu argumento. O TEDH declarou nesse acórdão que «os Estados Contratantes têm o direito, em conformidade com direito internacional assente e sem prejuízo das respetivas obrigações decorrentes dos tratados, incluindo as suas obrigações nos termos da Convenção, de controlar a entrada, residência e expulsão de estrangeiros». Isso é incontestável. No entanto, a forma como os Estados‑Membros exercem esse direito é limitada pelas obrigações livremente assumidas por estes no termos do direito internacional ao aderir à União Europeia, designadamente a obrigação de cumprir o direito da União.

223. Conforme demonstrei, o próprio direito da União prevê meios mais do que suficientes para os Estados‑Membros acautelarem as suas legítimas preocupações em matéria de segurança nacional ou ordem pública a respeito de um determinado requerente no quadro das suas obrigações decorrentes do direito da União. O direito da União não permite, no entanto, que um Estado‑Membro deixe de cumprir as suas obrigações de forma perentória e como que afixe uma placa de sinalização com a menção «chasse gardée» (o que significa, de forma aproximada, «entrada proibida»).

–       Artigo 4.o, n.o 2, TUE

224. Tanto a Polónia como a Hungria recordam que o artigo 4.o, n.o 2, TFUE menciona a «identidade nacional» e dispõe, no que se refere aos Estados‑Membros, que «[a] União respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado‑Membro». De forma variável, procuram invocar esta disposição, lida em conjugação com o artigo 72.o TFUE, no sentido de lhes permitir não aplicar as decisões de recolocação com o objetivo de garantir a coesão social e cultural, bem como evitar potenciais conflitos étnicos e religiosos.

225. Esta alegação é passível de uma análise abreviada.

226. No Acórdão Comissão/Luxemburgo (132), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se sobre um argumento semelhante relativo à aplicação aos notários de um requisito da nacionalidade. O Luxemburgo alegou, inter alia, que esse requisito se justificava pela necessidade de garantir o uso da língua luxemburguesa pelos notários no exercício das suas atividades. De forma a afastar este argumento, o Tribunal de Justiça declarou que «[e]mbora a salvaguarda da identidade nacional dos Estados‑Membros constitua um objetivo legítimo respeitado pela ordem jurídica da União, como reconhece, aliás, o artigo 4.o, n.o 2, TUE, o interesse invocado pelo Grão‑Ducado pode, no entanto, ser eficazmente salvaguardado por outros meios que não a exclusão, em termos gerais, dos nacionais dos outros Estados‑Membros».

227. Pela mesma razão, o artigo 4.o, n.o 2, TUE não pode justificar a simples recusa em recolocar requerentes nos termos das decisões de recolocação. O interesse legítimo dos Estados‑Membros em preservar a coesão social e cultural pode ser eficazmente salvaguardado por outros meios que sejam menos restritivos do que uma recusa unilateral e total de cumprir as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União.

 (iii) As decisões de recolocação criaram um sistema disfuncional

228. A Polónia e a Hungria salientaram os riscos de segurança inerentes ao tratamento de muitos requerentes de proteção internacional, alguns dos quais podiam efetivamente ter ligações ao terrorismo internacional. Neste contexto, a Polónia remete para a Análise de Risco Anual de 2016, publicada pela Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas (FRONTEX), em que se salienta que «assegurar o salvamento, segurança, registo e identificação de milhares de pessoas vulneráveis é uma missão extremamente onerosa que implica inerentemente um certo nível de risco e vulnerabilidade nas fronteiras externas» (133).

229. A República Checa invoca o mesmo argumento. Alega que a Grécia e a Itália designavam requerentes de recolocação que não possuíam documentos de identificação. A República Checa não teria podido apreciar o eventual risco que essas pessoas indocumentadas constituíam para a segurança nacional. Por conseguinte, teria sido inútil a República Checa indicar à Comissão o número de requerentes que estava disposta a acolher. O sistema instaurado pelas decisões de recolocação era, segundo alega, «disfuncional».

230. Considero improcedente o argumento segundo o qual os riscos inerentes ao tratamento de um elevado número de requerentes isentam os três Estados‑Membros demandados da sua obrigação jurídica de participar no dispositivo instaurado pelas decisões de recolocação.

231. Os considerandos destas decisões indicam expressamente que «sempre que um Estado‑Membro tenha motivos razoáveis para considerar que o requerente representa um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, deverá informar do facto os demais Estados‑Membros» (134). As disposições substantivas impunham, em seguida, obrigações específicas às autoridades gregas e italianas a respeito da identificação e tratamento de potenciais requerentes de recolocação (135).

232. Além disso, o artigo 5.o, n.o 7, das decisões de recolocação manteve expressamente o direito dos Estados‑Membros de recusar a recolocação de um determinado requerente se houvesse «motivos razoáveis para considerar que esse requerente constitu[ía] um perigo para a sua segurança nacional ou para a ordem pública, ou se existi[ssem] motivos sérios para [a] aplicação das disposições em matéria de exclusão estabelecidas nos artigos 12.o e 17.o da [Diretiva Qualificação]».

233. No Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, o Tribunal de Justiça declarou especificamente que as dificuldades de ordem prática devem «ser resolvidas no espírito de cooperação e de confiança mútua entre as autoridades dos Estados‑Membros beneficiários da recolocação e as dos Estados‑Membros de recolocação, que deve prevalecer no âmbito da aplicação do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o dessa decisão» (136).

234. Tal parece‑me responder por completo ao argumento invocado neste contexto. O direito aplicável (decisões de recolocação) previa um mecanismo adequado para responder à complexidade dos problemas e da logística inerentes à recolocação de numerosos requerentes de proteção internacional noutros Estados‑Membros, a partir dos Estados‑Membros da primeira linha. As próprias decisões de recolocação não podem, por conseguinte, ser razoavelmente qualificadas de «disfuncionais». No contexto de uma situação manifestamente urgente, a responsabilidade pelo funcionamento adequado desse mecanismo incumbia tanto aos Estados‑Membros da primeira linha como aos potenciais Estados‑Membros de recolocação, de forma a garantir que a recolocação fosse suficientemente numerosa para aliviar os Estados‑Membros da primeira linha de uma pressão insustentável. É disso que se trata quando falamos de solidariedade.

235. Por uma questão de rigor, acrescento que também resulta claramente de certos relatórios sobre a aplicação das decisões de recolocação que outros Estados‑Membros que tiveram dificuldades em cumprir as suas obrigações de recolocação, como a Áustria e a Suécia, pediram e obtiveram a suspensão temporária das obrigações que lhes incumbiam por força dessas decisões, nos termos do artigo 4.o, n.os 5 e 6, das decisões de recolocação (137). Se os três Estados‑Membros demandados se confrontaram efetivamente com dificuldades significativas, era manifestamente esse o comportamento adequado que deviam ter adotado para respeitar o princípio da solidariedade — em vez de decidir unilateralmente não cumprir as decisões de recolocação. Voltarei a esta questão no fim das minhas conclusões.

236. Saliento, igualmente, as diversas alegações dos Estados‑Membros demandados segundo as quais procuraram ajudar a Grécia e a Itália através de medidas distintas da recolocação. Este argumento é manifestamente desprovido de pertinência. As decisões de recolocação não contêm nenhuma regra jurídica que permita substituir o cumprimento do requisito de assunção de compromissos e das obrigações de recolocação daí decorrentes por medidas alternativas.

237. Considero assim improcedente a afirmação segundo a qual, dado que o sistema de recolocação era (alegadamente) disfuncional, os Estados‑Membros podiam suspender unilateralmente o cumprimento do requisito de assunção de compromissos e das obrigações impostas pelas decisões de recolocação.

 Observações finais

238. Para além das questões específicas previamente analisadas (designadamente as relativas ao âmbito de aplicação e à interpretação do artigo 72.o TFUE), as presentes ações por incumprimento suscitam questões fundamentais sobre os parâmetros da ordem jurídica da União e os deveres que incumbem aos Estados‑Membros. Nestas observações finais, analisarei assim três importantes elementos desta ordem jurídica: o «Estado de direito», o dever de cooperação leal e o princípio da solidariedade.

 Estado de direito

239. O preâmbulo do TUE salienta que o Estado de direito é um «valor universal» que faz parte do «património cultural, religioso e humanista da Europa» (138) — um valor em relação ao qual os Estados‑Membros confirmaram o seu apego (139). O artigo 2.oTUE confere efeito vinculativo a esses considerandos, esclarecendo que «[a] União funda‑se nos valores do respeito pel[o] […] Estado de direito […] Estes valores são comuns aos Estados‑Membros».

240. No Acórdão doutrinário Les Verts/Parlamento, o Tribunal de Justiça afirmou pela primeira vez o princípio de que a CEE (como então se designava) «é uma comunidade de direito, na medida em que nem os seus Estados‑Membros nem as suas instituições estão isentos da fiscalização da conformidade dos seus atos com a carta constitucional de base que é o Tratado» (140).

241. O Estado de direito é composto por vários elementos importantes, tais como o respeito de um equilíbrio de poderes adequado entre os diferentes órgãos de soberania (141) e a garantia da independência do poder judicial através da proteção da inamovibilidade (142). A um nível mais profundo, o respeito do Estado de direito implica o cumprimento das respetivas obrigações jurídicas. Não respeitar essas obrigações por, em determinadas circunstâncias, as mesmas serem indesejáveis ou impopulares constitui um perigoso primeiro passo no sentido de uma rutura da sociedade ordeira, estruturada e respeitadora do Estado de direito de cujo conforto e segurança beneficiamos enquanto cidadãos. O mau exemplo é especialmente pernicioso quando provém de um Estado‑Membro.

 Dever de cooperação leal

242. O artigo 4.o, n.o 3, TUE dispõe:

«Em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.

Os Estados‑Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União.

Os Estados‑Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm‑se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.»

243. O Acórdão Achmea do Tribunal de Justiça (Grande Secção) esclarece muito claramente o que isso implica: «O direito da União assenta assim na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham consigo, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como precisado no artigo 2.o TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento destes valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que os aplica. É precisamente neste contexto que compete aos EstadosMembros, designadamente, por força do princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, assegurar, nos respetivos territórios, a aplicação e o respeito do direito da União e tomar, para esse efeito, todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União» (143).

244. O Tribunal de Justiça também declarou claramente que o facto de um Estado‑Membro ter dúvidas sobre validade de uma medida da União ou estar convencido de que tem motivos plausíveis para adotar um comportamento em sentido contrário a essa medida não isenta o Estado‑Membro do seu dever de respeitar o princípio da cooperação leal (144).

245. Além disso, segundo o princípio da cooperação leal, cada Estado‑Membro tem o direito de esperar que os outros Estados‑Membros cumpram as suas obrigações com a devida diligência (145). Manifestamente, não foi o que sucedeu no caso em apreço.

 Solidariedade

246. Os fundadores do «projeto europeu» — Robert Schuman, Jean Monnet, Konrad Adenauer — eram homens de Estado originários de países que se tinham recentemente envolvido ao longo de seis anos (enquanto agressores e vítimas, vencedores e vencidos) num conflito devastador e destruidor. Não fora a sua clarividência e abertura de espírito, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e, seis anos mais tarde, a Comunidade Económica Europeia e a Euratom, nunca teriam visto a luz do dia.

247. A Declaração Schuman de 9 de maio de 1950 reconheceu, em termos célebres, que «[a] Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far‑se‑á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto» (146). Esta afirmação foi refletida no terceiro considerando do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — Tratado CECA (precursor do Tratado CEE, de que os atuais TUE e TFUE são descendentes diretos), que enunciava expressamente: «[c]onscientes de que a Europa só se construirá por meio de realizações concretas que criem, antes de mais, uma solidariedade efetiva e por meio de estabelecimento de bases comuns de desenvolvimento económico» (147).

248. O artigo 2.o TUE continua a recordar‑nos de que a União se funda em valores comuns e que «[e]stes valores são comuns aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres» (sublinhado nosso).

249. Ao longo dos anos, o Tribunal de Justiça fez eco deste apelo à solidariedade. Assim, logo em 1983, no contexto das quotas de aço, o Tribunal de Justiça explicou que «é de excluir que o conceito de estado de necessidade se possa aplicar a respeito do regime de quotas previsto no artigo 58.o do Tratado CECA, que se baseia na solidariedade entre todas as empresas siderúrgicas da Comunidade perante crise e visa uma repartição equitativa dos sacrifícios decorrentes de circunstâncias económicas inelutáveis» (148). Mutatis mutandis, esta afirmação pode ser facilmente transposta para o presente contexto.

250. Passado pouco tempo, no contexto dos complexos regimes existentes em matéria de escoamento dos excedentes de açúcar (149), o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar‑se, no Acórdão Eridania zuccherifici nazionali e o. (150), sobre a questão de saber se um sistema de quotas alegadamente mais oneroso, em termos financeiros, para os produtores italianos do que para os produtores dos outros Estados‑Membros era ilegal. A Comissão alegou, em defesa do sistema, que a fixação de quotas em função da produção efetiva das empresas estava em conformidade com o princípio da solidariedade entre os produtores. O Tribunal de Justiça declarou que «razão teve o Conselho ao distribuir as quotas fixadas a cada uma das empresas em função da sua produção efetiva […] [t]al critério, com efeito, está […] em conformidade com o princípio da solidariedade dos produtores, dado que a produção constitui um critério legítimo para avaliar, simultaneamente, a importância económica dos produtores e os benefícios que extraem do sistema» (151).

251. Ao decidir desta forma, o Tribunal de Justiça indicou claramente que o princípio da solidariedade implica necessariamente a aceitação de uma partilha ocasional de encargos.

252. Mais recentemente, no Acórdão Grzelczyk (152), o Tribunal de Justiça invocou a cidadania da União, em conjugação com a solidariedade, para fundamentar a obrigação incumbente à Bélgica de conferir a R. Grzelczyk, no último ano de estudos, o benefício da prestação (minimex) a que tinham acesso os seus colegas belgas. No Acórdão Bidar (153), o Tribunal de Justiça invocou o Acórdão Grzelczyk para declarar que, embora seja legítimo um Estado‑Membro exigir «um certo grau de integração» no Estado‑Membro de acolhimento antes de dar provas de solidariedade financeira, o mesmo não pode impor condições adicionais que coloquem os cidadãos da União provenientes de outros Estados‑Membros que cumprem as referidas condições de residência na impossibilidade de obter um empréstimo a estudante.

253. A solidariedade constitui a essência do projeto europeu. Através da participação neste projeto e da cidadania da União, os Estados‑Membros e os seus nacionais têm obrigações bem como benefícios, deveres bem como direitos. No âmago do «demos» europeu, partilhar não consiste em vasculhar os Tratados e o direito derivado em busca do que se pode pedir. Exige assumir responsabilidades e (sim) encargos coletivos para promover o bem comum.

254. Respeitar as «regras do jogo» e desempenhar de forma adequada o seu papel na demonstração de solidariedade para com os seus concidadãos europeus não pode assentar numa análise custo‑benefício própria de contas de merceeiro, ao estilo (próprio, infelizmente, do discurso dos apoiantes do Brexit) sobre «quanto é que a União Europeia me custa precisamente todas as semanas e, pessoalmente, o que é que eu ganho exatamente com isso?». Esse egocentrismo representa uma traição da visão dos fundadores do projeto europeu em prol de um continente próspero e pacífico. É a antítese de um Estado‑Membro leal e, enquanto pessoa, do ser‑se digno de uma cidadania europeia comum. Para que o projeto europeu possa prosperar e avançar, incumbe a todos nós fazer mais e melhor.

255. Tomo a liberdade de concluir recordando uma velha história oriunda da tradição judaica que merece ser divulgada. Um grupo de homens viaja em conjunto num barco. De repente, um deles pega numa verruma e começa a abrir um furo no casco por baixo dos seus pés. Os seus companheiros repreendem‑no. «Por que é que estás a fazer isso?», gritam eles. «De que é que vocês se estão a queixar?», diz ele. «Então, mas eu não estou a abrir o furo debaixo do meu próprio assento?». «Sim», respondem eles, «mas a água vai entrar e inundar o barco que é de todos!» (154).

 Despesas

256. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação de cada um dos três Estados‑Membros demandados nas despesas das ações por incumprimento e tendo cada um dos três Estados‑Membros demandados sido vencido nas suas ações, há que condenar a Polónia, a Hungria e a República Checa a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão.

257. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

 Conclusão

258. À luz das considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça:

 No processo C715/17, Comissão/Polónia

1)      Declare que, ao não indicar periodicamente, e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podiam ser recolocados rapidamente no território polaco e quaisquer outras informações pertinentes, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão (UE) 2015/1523 do Conselho, de 14 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional, e do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho, de 22 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o destas decisões.

Por conseguinte, a recolocação de requerentes estabelecida no artigo 4.o da Decisão 2015/1523 e no artigo 4.o da Decisão 2015/1601 não ocorreu nos termos do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o dessas decisões. A violação do artigo 5.o impediu a Itália e a Grécia, em especial, de identificar cada um dos requerentes suscetíveis de serem recolocados na Polónia nos termos do artigo 5.o, n.o 3, e de tomar as decisões de recolocar esses requerentes nos termos do artigo 5.o, n.o 4, como tal infringindo o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

Consequentemente, a Polónia também incumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 5 a 11, da Decisão 2015/1523 e da Decisão 2015/1601, designadamente a obrigação de concluir o procedimento de recolocação o mais rapidamente possível, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 10, destas decisões.

2)      Condene a República da Polónia nas despesas.

3)      Declare que a República Checa e a Hungria devem suportar as suas próprias despesas.

 No processo C718/17, Comissão/Hungria

1)      Declare que, ao não indicar periodicamente, e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podiam ser recolocados rapidamente no território húngaro e quaisquer outras informações pertinentes nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o desta decisão.

Por conseguinte, a recolocação de requerentes estabelecida no artigo 4.o da Decisão 2015/1601 não ocorreu nos termos do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o desta decisão. A violação do artigo 5.o impediu a Itália e a Grécia, em especial, de identificar cada um dos requerentes suscetíveis de serem recolocados na Hungria nos termos do artigo 5.o, n.o 3, e de tomar a decisão de recolocar esses requerentes nos termos do artigo 5.o, n.o 4, como tal infringindo o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

Consequentemente, a Hungria também incumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 5 a 11, da Decisão 2015/1601, designadamente a obrigação de concluir o procedimento de recolocação o mais rapidamente possível, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 10, desta decisão.

2)      Condene a Hungria nas despesas.

3)      Declare que a República Checa e a Polónia devem suportar as suas próprias despesas.

 No processo C719/17, Comissão/República Checa

1)      Declare que, ao não indicar periodicamente, e, pelo menos, de três em três meses, o número de requerentes que podiam ser recolocados rapidamente no território da República Checa e quaisquer outras informações pertinentes, nos termos do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1523 e do artigo 5.o, n.o 2, da Decisão 2015/1601, a República Checa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o destas decisões.

Por conseguinte, a recolocação de requerentes estabelecida no artigo 4.o da Decisão 2015/1523 e no artigo 4.o da Decisão 2015/1601 não ocorreu nos termos do procedimento de recolocação previsto no artigo 5.o dessas decisões. A violação do artigo 5.o impediu a Itália e a Grécia, em especial, de identificar cada um dos requerentes suscetíveis de serem recolocados na República Checa nos termos do artigo 5.o, n.o 3, e de tomar a decisão de recolocar esses requerentes nos termos do artigo 5.o, n.o 4, como tal infringindo o princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

Consequentemente, a República Checa também incumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.o, n.os 5 a 11, da Decisão 2015/1523 e da Decisão 2015/1601, designadamente a obrigação de concluir o procedimento de recolocação o mais rapidamente possível, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 10, destas decisões.

2)      Condene a República Checa nas despesas.

3)      Declare que a Hungria e a Polónia devem suportar as suas próprias despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31). O Regulamento Dublim III é a terceira medida do género destinada a determinar o Estado‑Membro que deverá assumir a responsabilidade pela análise de um pedido de proteção internacional, adotado na sequência da Convenção sobre a determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num Estado‑Membro das Comunidades Europeias — Convenção de Dublim (JO 1997, C 254, p. 1), que foi substituída pelo Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 50, p. 1; «Regulamento Dublim II»).


3      Para uma descrição mais detalhada destes acontecimentos, v. as minhas Conclusões nos processos A.S. e Jafari (C‑490/16 e C‑646/16, EU:C:2017:443, n.os 1 a 18).


4      Um número significativo de entradas também ocorreu pela rota dos «Balcãs Ocidentais», conforme descrito nas minhas Conclusões nos processos A.S. e Jafari (C‑490/16 e C‑646/16, EU:C:2017:443, n.os 7 a 18).


5      O artigo 13.o do Regulamento Dublim III prevê que, «Caso […] o requerente de asilo [tenha atravessado] ilegalmente a fronteira de um Estado‑Membro por via terrestre, marítima ou aérea e [entrado] nesse Estado‑Membro a partir de um país terceiro, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional». Em geral, a maioria das pessoas que entraram em Itália e na Grécia e que requereram proteção internacional estavam abrangidas por esta disposição.


6      Nas minhas Conclusões no processo Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:480, n.os 69 a 73), chamei a atenção para alguns dos problemas subjacentes à atribuição automática da responsabilidade, nos termos do artigo 13.o do Regulamento Dublim III, a um Estado‑Membro «costeiro» que recebe pessoas desembarcadas na sequência de uma operação de busca e salvamento marítimos «SAR». Estas (difíceis) questões continuam por resolver.


7      Em 2011, o Tribunal de Justiça já tinha reconhecido, no Acórdão de 21 de dezembro de 2011, N.S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.os 81 a 94), que podiam surgir circunstâncias em que um Estado‑Membro (in casu, o Reino Unido) não pudesse transferir um requerente de asilo para a Grécia por o sistema de análise dos pedidos de proteção internacional neste Estado‑Membro estar à beira da rutura.


8      Decisão de 14 de setembro de 2015 que estabelece medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da proteção internacional (JO 2015, L 239, p. 146).


9      Decisão de 22 de setembro de 2015 que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia (JO 2015, L 248, p. 80).


10      Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, a seguir «Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho»). V., igualmente, n.os 62 a 69, infra.


11      V. n.os 86 a 88, infra, no que se refere aos pedidos em cada uma das ações.


12      Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, na Resolução 217 A da Assembleia Geral.


13      Embora a Declaração Universal dos Direitos do Homem não seja juridicamente vinculativa, constituiu um elemento de referência para o direito internacional e o direito da União Europeia. V. Zamfir, I., The Universal Declaration of Human Rights and its relevance for the European Union, Parlamento Europeu, 2018, EPRS_ATA (2018) 628295_EN.


14      Assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951, com entrada em vigor em 22 de abril de 1954 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 137), conforme completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 606, p. 267), que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir, conjuntamente, «Convenção de Genebra»).


15      O considerando 2 do Regulamento Dublim III descreve a política comum em matéria de asilo, incluindo o SECA, como «parte integrante do objetivo da União Europeia que consiste em estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, forçadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente proteção na União [Europeia]».


16      JO 2012, C 326, p. 391.


17      Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9). A Diretiva Qualificação revogou a anterior Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12). A Diretiva 2004/83 também continha disposições que regulavam a exclusão do estatuto de refugiado (artigo 12.o) ou da proteção subsidiária (artigo 17.o) e disposições que permitiam, no caso de serem concedidos, a supressão ou a revogação desses estatutos [artigo 14.o (refugiados) e artigo 19.o (pessoas a quem foi concedida proteção subsidiária)] quando existissem motivos razoáveis para considerar a pessoa em causa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontrava.


18      As principais diferenças consistem no facto de o artigo 12.o, n.o 2, alínea b), se referir a um «crime grave de direito comum», dispondo que «podem ser classificados como crimes de direito comum graves os atos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objetivos alegadamente políticos», e no facto de o artigo 12.o, n.o 2, alínea c), se referir expressamente à prática de «atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.o e 2.o da Carta das Nações Unidas» como motivo de exclusão.


19      V., igualmente, o considerando 37, que esclarece que «[a]s noções de segurança nacional e de ordem pública abrangem também os casos em que um nacional de um país terceiro pertence a uma associação que apoia o terrorismo internacional ou que apoia uma associação desse tipo».


20      O texto do artigo 19.o, n.o 2, consiste, na realidade, em «tiver deixado de ser elegível […] nos termos do artigo 17.o, n.o 3» (sublinhado nosso). No entanto, uma vez que esta última disposição confere aos Estados‑Membros a possibilidade de excluir um requerente, em vez de exigir que o façam, utilizei a palavra «pudesse» — o que se afigura mais lógico — na redação das minhas conclusões.


21      Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).


22      A redação do artigo 25.o é, para ser gentil, intrincada; remeto os leitores interessados que pretendam aprofundar este ponto para o texto integral da Diretiva Procedimentos.


23      V. igualmente, neste contexto, o considerando 20: «Em circunstâncias bem definidas em que […] haja preocupações justificadas de segurança nacional ou ordem pública, os Estados‑Membros deverão poder acelerar o procedimento de análise, em especial fixando prazos mais curtos, embora razoáveis, para certos trâmites, sem prejuízo de uma apreciação completa e adequada e do acesso efetivo do requerente aos princípios e garantias básicos previstos na presente diretiva».


24      Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96).


25      Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98).


26      Os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar a diretiva a nacionais de países terceiros abrangidos por uma das duas exceções enunciadas no artigo 2.o, n.o 2, ou seja, a pessoas que «[s]ejam objeto de recusa de entrada nos termos do artigo 13.o do Código das Fronteiras Schengen ou sejam detidos ou intercetados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado‑Membro e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado‑Membro» ou que «[e]stejam obrigad[a]s a regressar por força de condenação penal ou em consequência desta, nos termos do direito interno, ou sejam objeto de processo de extradição». Além disso, a diretiva não é aplicável «aos titulares do direito [da União] à livre circulação a que se refere o n.o 5 do artigo 2.o do Código das Fronteiras Schengen» (uma exceção provavelmente sem pertinência neste contexto).


27      Definida no artigo 3.o, n.o 4, como «uma decisão ou ato administrativo ou judicial que estabeleça ou declare a situação irregular de um nacional de país terceiro e imponha ou declare o dever de regresso» (sendo este último termo definido mais detalhadamente no artigo 3.o, n.o 3).


28      Recomendação da Comissão, de 8 de junho de 2015, relativa a um regime de reinstalação europeu, C(2015) 3560 final.


29      V. exposição de motivos da proposta da Comissão de Decisão do Conselho, que altera a Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho, de 22 de setembro de 2015, que estabelece medidas provisórias no domínio da proteção internacional a favor da Itália e da Grécia [COM(2016) 171 final], p. 2. Os Estados Dublim participaram com os Estados‑Membros na iniciativa subsequente.


30      Documento do Conselho 11130/15: «Conclusões dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho, sobre a reinstalação, através de regimes multilaterais e nacionais, de 20 000 pessoas com clara necessidade de proteção internacional» (a seguir «Resolução de 20 de julho de 2015»).


31      V. documento do Conselho 11969/15, PRESSE 53, PR CO 45 sobre a sessão 3498 do Conselho. Nos termos dos Protocolos n.os 21 e 22 dos Tratados da União, a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido não participaram na adoção da Decisão 2015/1523.


32      V. Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.o 11. A proposta inicial da Comissão relativa a esta decisão foi alterada pelo Conselho, a pedido da Hungria, de forma a retirar todas as referências à Hungria como Estado‑Membro beneficiário. Na votação que se seguiu, a República Checa, a Hungria, a Roménia e a Eslováquia votaram contra a adoção da proposta alterada. A Finlândia absteve‑se. À semelhança da Decisão 2015/1523, nos termos dos Protocolos n.os 21 e 22 dos Tratados da União, a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido não participaram na adoção da Decisão 2015/1601.


33      COM(2016) 171 final, n.o 1.2, p. 2.


34      Os considerandos 1 a 5 da Decisão 2015/1601 refletem os considerandos 1 a 5 da Decisão 2015/1523. Por conseguinte, não os repetirei posteriormente no n.o 51, infra. Após o referido nos cinco primeiros considerandos, a numeração diverge mas o conteúdo é muitas vezes substancialmente idêntico.


35      Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão, de 2 de setembro de 2003, relativo às modalidades de aplicação do Regulamento n.o 343/2003 (JO 2003, L 222, p. 3).


36      Regulamento de Execução (UE) n.o 118/2014 da Comissão, de 30 de janeiro de 2014, que altera o Regulamento n.o 1560/2003 (JO 2014, L 39, p. 1).


37      Regulamento de 16 de abril de 2014, que cria o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, que altera a Decisão 2008/381/CE do Conselho e que revoga as Decisões n.o 573/2007/CE e n.o 575/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Decisão 2007/435/CE do Conselho (JO 2014, L 150, p. 168).


38      O artigo 8.o descrevia as medidas complementares a adotar pela Itália e pela Grécia, que deviam ser apresentadas à Comissão num «roteiro», até 16 de setembro de 2015, por cada um dos Estados‑Membros.


39      Os considerandos 1 a 5 da Decisão 2015/1601 repetem os considerandos 1 a 5 da Decisão 2015/1523, expostos no n.o 42, supra.


40      Os considerandos da Decisão 2015/1601, que correspondem aos da Decisão 2015/1523 expostos no n.o 42, supra, são os considerandos 10, 16, 21, 22, 23, 24, 30, 31, 32 e 38. Para evitar a repetição de texto, não os exponho uma segunda vez.


41      A Decisão 2015/1601 foi assim alterada pela Decisão (UE) 2016/1754 do Conselho: v. n.o 55 e nota 42, infra.


42      O artigo 4.o, n.o 3‑A, foi inserido pela Decisão (UE) 2016/1754 do Conselho, de 29 de setembro de 2016, que altera a Decisão (UE) 2015/1601 (JO 2016, L 268, p. 82). O objetivo dessa alteração consistiu na avaliação dos esforços já envidados pelos Estados‑Membros em termos de admissão de sírios presentes na Turquia através da reinstalação, da admissão humanitária ou de outras formas de admissão legal em relação ao número total de requerentes de proteção internacional que deviam ser recolocados no seu território nos termos da Decisão 2015/1601. No que se refere aos 54 000 requerentes referidos no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão 2015/1601, a alteração permitia aos Estados‑Membros subtrair do número de requerentes recolocados que lhes foi atribuído o número de sírios presentes na Turquia admitidos no seu território através da reinstalação, da admissão humanitária ou de outras formas de admissão legal ao abrigo de regimes nacionais ou multilaterais que não o regime de reinstalação estabelecido ao abrigo das Conclusões dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos no Conselho em 20 de julho de 2015. O artigo 10.o da Decisão (UE) 2015/1601 do Conselho era aplicável, o que significa que os Estados‑Membros que utilizaram esta possibilidade receberam 6 500 euros por requerente recolocado. V. COM(2016) 171 final, n.o 2.1.


43      Regulamento (UE) n.o 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento n.o 604/2013 e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados‑Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei e que altera o Regulamento (UE) n.o 1077/2011 que cria uma Agência europeia para a gestão operacional de sistemas informáticos de grande escala no espaço de liberdade, segurança e justiça (JO 2013, L 180, p. 1; a seguir «Regulamento Eurodac»). O seu artigo 9.o, n.o 1, prevê que «[c]ada Estado‑Membro recolhe sem demora as impressões digitais de todos os dedos de cada requerente de proteção internacional com, pelo menos, 14 anos de idade».


44      O artigo 5.o, n.o 9, da Decisão 2015/1601 é essencialmente uma versão mais elaborada do artigo 5.o, n.o 9, da Decisão 2015/1523.


45      V., igualmente, n.o 74, infra. Enuncio aqui esses relatórios para efeitos de consulta: primeiro relatório, de 16 de março de 2016, COM(2016) 165 final; segundo relatório, de 12 de abril de 2016, COM(2016) 222 final; terceiro relatório, de 18 de maio de 2016, COM(2016) 360 final; quarto relatório, de 15 de junho de 2016, COM(2016) 416 final; quinto relatório, de 13 de julho de 2016, COM(2016) 480 final; sexto relatório, de 28 de setembro de 2016, COM(2016) 636 final; sétimo relatório, de 9 de novembro de 2016, COM(2016) 720 final; oitavo relatório, de 8 de dezembro de 2016, COM(2016) 791 final; nono relatório, de 8 de fevereiro de 2017, COM(2017) 74 final; décimo relatório, de 2 de março de 2017, COM(2017) 202 final; décimo primeiro relatório, de 12 de abril de 2017, COM(2017) 212 final; décimo segundo relatório, de 16 de maio de 2017, COM(2017) 260 final; décimo terceiro relatório, de 13 de junho de 2017, COM(2017) 330 final; décimo quarto relatório, de 26 de julho de 2017, COM(2017) 405 final; e décimo quinto relatório, de 6 de setembro de 2017, COM(2017) 465 final. Posteriormente, com base na Comunicação COM(2015) 240 final da Comissão, de 13 de maio de 2015, relativa à Agenda Europeia da Migração, a Comissão publicou um primeiro relatório intercalar, de 15 de novembro de 2017, COM(2017) 669 final, um segundo relatório intercalar, de 14 de março de 2018, COM(2018) 250 final, um terceiro relatório intercalar, de 16 de maio de 2018, COM(2018) 301 final, e um quarto relatório intercalar, de 6 de março de 2019, COM(2019) 126 final.


46      A Polónia interveio em apoio da Eslováquia e da Hungria. A Bélgica, a França, a Alemanha, a Grécia, a Itália, o Luxemburgo, a Suécia e a Comissão apoiaram o Conselho em defesa da Decisão 2015/1601.


47      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot, República Eslovaca e Hungria/Conselho (C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:618).


48      V. n.os 82 a 90, infra, no que respeita aos processos pré‑contenciosos.


49      Por uma questão de precisão, recordo que o Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho ser referia apenas à Decisão 2015/1601. O prazo para impugnar a sua predecessora, a Decisão 2015/1523, há muito que expirou e, no essencial, o mecanismo das duas decisões é semelhante. A Polónia e a República Checa são os únicos Estados‑Membros cujo incumprimento da Decisão 2015/1523 está atualmente em causa perante o Tribunal de Justiça. Sob pena de ser pragmática em vez de purista, não vislumbro que se possa realisticamente supor — à luz do longo e cuidadoso Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho — que um destes Estados‑Membros possa invocar um qualquer argumento novo que consiga pôr em causa a validade da Decisão 2015/1523 (e, aliás, nenhum dos dois Estados‑Membros o procurou fazer).


50      V. n.o 39 e nota 29, supra.


51      Não foi apresentado ao Tribunal de Justiça qualquer elemento relativo ao conteúdo dessa resolução. V., igualmente, n.o 79, infra.


52      Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho, COM(2016) 120 final. Esta comunicação constituiu a base dos relatórios suprarreferidos na nota 45 e citados nos n.os 75, 76, 80 e 81 do corpo do texto.


53      V., supra, nota 45, secção 1, p. 2 desse relatório.


54      V., supra, nota 45, secção 2, p. 3 desse relatório.


55      Ref. Ares(2017)2738421‑31/05/2017.


56      V., supra, nota 45, secção 2, p. 4 desse relatório.


57      V., supra, nota 45, secção 2, p. 3 desse relatório.


58      As datas das respetivas notificações foram 15 de junho de 2017 (processo C‑718/17, Comissão/Hungria, e processo C‑719/17, Comissão/República Checa) e 16 de junho de 2017 (processo C‑715/17, Comissão/Polónia).


59      V. Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Grécia (C‑61/08, EU:C:2011:340, n.o 122 e jurisprudência referida).


60      V., igualmente, os n.os 107 a 110, infra, relativos à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento.


61      Acórdão de 24 de abril de 2007, Comissão/Países Baixos (C‑523/04, EU:C:2007:244, n.o 28).


62      V. von Bardeleben, E., Donnat, F. e Siritzky, D., La Cour de justice de l’Union européenne et le droit du contentieux européen, La Documentation française, Paris, 2012, p. 196.


63      V. Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 35 e jurisprudência referida).


64      Acórdão de 9 de julho de 1970, Comissão/França (26/69, EU:C:1970:67, n.os 9 e 10).


65      Acórdão de 9 de novembro de 1999, Comissão/Itália (C‑365/97, EU:C:1999:544).


66      Acórdão de 9 de dezembro de 2004, Comissão/França (C‑177/03, EU:C:2004:784).


67      Acórdão de 9 de dezembro de 2004, Comissão/França (C‑177/03, EU:C:2004:784, n.o 21).


68      Acórdãos de 3 de março de 2016, Comissão/Malta (C‑12/14, EU:C:2016:135, n.o 26), e de 6 de outubro de 2009, Comissão/Espanha (C‑562/07, EU:C:2009:614, n.o 25 e jurisprudência referida.


69      Acórdão de 9 de julho de 1970, Comissão/França (26/69, EU:C:1970:67, n.o 10). Sublinhado nosso.


70      Como salienta o Tribunal de Justiça no Acórdão de 15 de novembro de 2012, Comissão/Portugal (C‑34/11, EU:C:2012:712, n.o 36), citado pela Polónia nos seus articulados, a Comissão pode beneficiar desse esclarecimento, mesmo que este se refira a uma situação passada.


71      A Hungria invoca um argumento técnico adicional, próprio do seu caso, que analisarei brevemente no n.o 120, infra.


72      V. Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 34 e jurisprudência referida).


73      Acórdão de 3 de março de 2016, Comissão/Malta (C‑12/14, EU:C:2016:135, n.o 25).


74      V. Acórdão de 11 de julho de 2018, Comissão/Bélgica (C‑356/15, EU:C:2018:555, n.o 106 e jurisprudência referida).


75      Assim, por exemplo, o décimo terceiro relatório sobre recolocação e reinstalação indica que a Áustria assumiu formalmente o seu primeiro e último compromisso em matéria de recolocação em maio de 2017. Esse compromisso envolveu aparentemente a recolocação de cinquenta pessoas a partir da Itália, das quais quinze foram efetivamente recolocadas no território austríaco (v. anexo 2 do décimo terceiro relatório).


76      Nos seus articulados, a Polónia também critica os prazos curtos que lhe foram concedidos para responder à correspondência pré‑contenciosa, sem no entanto alegar que os seus direitos de defesa foram violados. Em meu entendimento, essa parte dos articulados da Polónia tem por objeto provar que a Comissão pretendia demonstrar o incumprimento dos três Estados‑Membros demandados a fim de os estigmatizar pela sua resistência ao mecanismo de recolocação imposto pelas decisões de recolocação.


77      V. Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 28 e jurisprudência referida).


78      V. Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 29 e jurisprudência referida).


79      Acórdão de 13 de dezembro de 2001, Comissão/França (C‑1/00, EU:C:2001:687, n.o 65 e jurisprudência referida). Sublinhado nosso.


80      V. Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 34 e jurisprudência referida).


81      Acórdão de 2 de fevereiro de 1988, Comissão/Bélgica (293/85, EU:C:1988:40).


82      Acórdão de 7 de abril de 2011, Comissão/Portugal (C‑20/09, EU:C:2011:214, n.o 41).


83      Recordo que, no caso da Hungria, apenas está em causa a Decisão 2015/1601.


84      V., igualmente, os n.os 138 a 143 destas conclusões no que respeita à definição do alegado incumprimento.


85      Por uma questão de exaustividade, saliento que os argumentos invocados no Tribunal de Justiça pelos três Estados‑Membros demandados (nas respetivas contestações, tréplicas e articulados de intervenção) são semelhantes aos invocados nas suas respostas às notificações para cumprir e aos pareceres fundamentados. Tal confirma a minha conclusão de que, não obstante a fixação de prazos relativamente curtos para responder à correspondência da Comissão durante o período pré‑contencioso, não ocorreu uma violação dos direitos de defesa dos Estados‑Membros.


86      V., igualmente, n.os 169 a 171, infra.


87      O n.o 21 da petição da Comissão esclarece a ligação entra as duas datas em causa (13 de maio e 13 de agosto de 2016).


88      Aviso publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2018, C 112, p. 19).


89      A República Checa salientou que o petitum constante da petição na ação contra a Hungria (processo C‑718/17) também não indica a data em que o incumprimento começou. A Hungria não suscitou este elemento na sua contestação. Saliento que, enquanto a Polónia e a República Checa efetuaram um número limitado de notificações nos termos do artigo 5.o, n.o 2, das decisões de recolocação, a Hungria nunca cumpriu, ainda que parcialmente, as obrigações que lhe incumbiam por força da Decisão 2015/1601. Por conseguinte, não era necessário (exceto por motivos puramente formais) especificar a data em que o incumprimento começou no que se refere à Hungria.


90      Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula) (C‑552/15, EU:C:2017:698, n.o 38 e jurisprudência referida).


91      V. n.os 21 e 33 da petição.


92      Reitero que «o objeto de uma ação por incumprimento […] é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso […] de forma que a ação deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado» (v. Acórdão de 8 de dezembro de 2005, Comissão/Luxemburgo, C‑33/04, EU:C:2005:750, n.o 36).


93      V. n.os 172 a 176, infra.


94      V. n.o 66. Em seguida, nos n.os 70 a 74, o Tribunal de Justiça examinou mais detalhadamente a natureza das «medidas provisórias» adotadas nos termos do artigo 78.o, n.o 3 TFUE e esclareceu que o n.o 2 e o n.o 3 do artigo 78.o constituem duas disposições de direito primário da União distintas, com objetivos diferentes. As medidas adotadas nos termos do artigo 78.o, n.o 3, TFUE são «medidas provisórias de caráter não legislativo a fim de dar resposta em curto prazo a uma dada situação de emergência com a qual os Estados‑Membros se confrontam» (n.o 73). V., igualmente, n.os 64 a 68 das Conclusões do advogado‑geral Y. Bot nesses processos (EU:C:2017:618).


95      V. Acórdãos de 22 de outubro de 2014, Comissão/Países Baixos (C‑252/13, EU:C:2014:2312, n.o 34); de 16 de janeiro de 2014, Comissão/Espanha (C‑67/12, EU:C:2014:5, n.o 42); e de 16 de julho de 2009, Comissão/Polónia (C‑165/08, EU:C:2009:473, n.o 43).


96      No que se refere às alegações e aos petitum exatos de cada uma das três ações por incumprimento, v. n.os 86 a 88, supra.


97      No que respeita aos efeitos do artigo 4.o, n.o 3‑A, da Decisão 2015/1601, inserido pela Decisão 2015/1754, v. nota 42.


98      V. n.o 70, supra.


99      V. n.o 72, supra.


100      V. n.o 71, supra.


101      A Polónia refere, a este respeito, o Acórdão de 9 de dezembro de 1997, Comissão/França (C‑265/95, EU:C:1997:595, n.o 33).


102      «Estado‑Membro de recolocação» é a expressão utilizada no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho para designar o Estado‑Membro em que ocorre a recolocação a partir de um Estado‑Membro da primeira linha. V., por exemplo, n.o 290.


103      Acórdão de 19 de julho de 2012 (C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508).


104      Regulamento (CE) n.o 562/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, que estabelece o código comunitário relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2006, L 105, p. 1).


105      Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil (C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.os 53 e 54).


106      Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil (C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 56).


107      Acórdão de 19 de julho de 2012, Adil (C‑278/12 PPU, EU:C:2012:508, n.o 66).


108      Acórdão de 21 de junho de 2017 (C‑9/16, EU:C:2017:483).


109      Argumento da Polónia, conforme exposto no n.o 306 desse acórdão.


110      Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho, n.o 309.


111      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016 (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 65).


112      Acórdão de 11 de junho de 2015 (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 48).


113      V. n.o 4 das minhas Conclusões nos processos A.S. e Jafari (C‑490/16 e C‑646/16, EU:C:2017:443).


114      V. n.o 19, supra.


115      V. (passim) Acórdão de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, C‑30/77, EU:C:1977:172 (processo relativo à interpretação dos artigos 2.o e 3.o da Diretiva 64/221/CEE). Atualmente, também no contexto da livre circulação de pessoas, v. artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77) («Diretiva relativa aos direitos dos cidadãos»).


116      A validade da Decisão 2015/1601 foi evidentemente confirmada pela Grande Secção no Acórdão República Eslovaca e Hungria/Conselho.


117      Os pedidos de decisão prejudicial apresentados ao Tribunal de Justiça no âmbito deste contencioso deram origem aos Acórdãos de 19 de junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, EU:C:1990:257 (relativo às medidas provisórias); de 25 de julho de 1991, Factortame e o., C‑221/89, EU:C:1991:320 (relativo ao mérito); e de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79 (relativo ao pedido de indemnização). As cuidadosas Conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Factortame e o. (C‑221/89, não publicadas, EU:C:1991:113), em especial, merecem ser estudadas. A Comissão também intentou uma ação por incumprimento contra o Reino Unido (Acórdão de 4 de outubro de 1991, Comissão/Reino Unido, C‑246/89, EU:C:1991:375) e, em paralelo, um pedido (procedente) de medidas provisórias (Despacho de 10 de outubro de 1989, Comissão/Reino Unido, C‑246/89 R, EU:C:1989:368).


118      Enquanto marinheira (da velha escola): tecnicamente, em inglês, um navio «utiliza» um pavilhão, não o arvora. No entanto, uma vez que a tradução oficial inglesa dos documentos do Tribunal de Justiça consagrou o verbo «arvorar», preservarei este termo nas citações literais.


119      O processo dizia respeito a 95 navios de pesca que até então estavam matriculados no registo de barcos britânico ao abrigo do Merchant Shipping Act [Lei sobre a Marinha Mercante] de 1894. Desses barcos, 53 estavam inicialmente matriculados em Espanha e tinham arvorado o pavilhão espanhol, mas em diversas datas a partir de 1980 foram matriculados no registo britânico. Os 42 barcos restantes tinham sempre estado matriculados no Reino Unido, mas foram adquiridos em diversas datas por sociedades espanholas. Uma das sociedades, a Rawlings Trawling — famosamente descrita como «pesca incidental» por Nicholas Forwood QC (então igualmente famoso) na audiência do processo relativo às medidas provisórias (processo C‑213/89) — embora não fosse espanhola viu‑se inexplicavelmente envolvida na batalha judicial que se seguiu. V., igualmente, Acórdão de 25 de julho de 1991, Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.os 3 a 10).


120      Os Estados‑Membros invocaram o artigo 5.o, n.o 1, da Convenção de Genebra sobre o Alto Mar, de 29 de abril de 1958 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 450, p. 11): «Cada Estado fixa as condições pelas quais concede a sua nacionalidade aos navios, e bem assim as condições de registo e o direito de arvorar o seu pavilhão. Os navios possuem a nacionalidade do Estado cujo pavilhão estão autorizados a usar. Deve existir uma ligação substancial entre o Estado e o navio; o Estado deve, nomeadamente, exercer a sua jurisdição efetiva e a sua fiscalização nos domínios técnico, administrativo e social sobre os navios que arvoram o seu pavilhão».


121      Acórdão de 25 de julho de 1991, Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.o 13). O Tribunal de Justiça já tinha declarado no Acórdão de 19 de janeiro de 1988, Pesca Valentia (C‑223/86, EU:C:1988:14, n.o 13), que o regulamento do Conselho que estabelecia uma política comum de estruturas no setor da pesca tinha deixado a definição das noções «com bandeira de um dos Estados‑Membros» e «matriculados» nele previstas às legislações nacionais dos Estados‑Membros.


122      Acórdão de 25 de julho de 1991, Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.o 14 e jurisprudência referida).


123      Acórdão de 25 de julho de 1991, Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.o 16).


124      Acórdão de 25 de julho de 1991, Factortame e o. (C‑221/89, EU:C:1991:320, n.o 17 e n.o 1 do dispositivo). Sublinhado nosso.


125      V. Acórdãos de 26 de maio de 2016, NN (L) International (C‑48/15, EU:C:2016:356, n.o 43), e de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria (C‑179/14, EU:C:2016:108, n.o 171 e jurisprudência referida).


126      Saliento, em especial, o artigo 14.o, n.o 4, alíneas a) e b) (v. n.o 23, supra), e o artigo 19.o, n.o 3, alínea a) (v. n.o 25, supra).


127      V. n.o 30, supra.


128      V. n.o 29, supra.


129      V. n.o 32, supra.


130      V. n.o 33, supra.


131      Acórdão de 26 de julho de 2005, CE:ECHR:2005:0726JUD003888502, n.o 158.


132      Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Luxemburgo (C‑51/08, EU:C:2011:336, n.o 124).


133      Análise de Risco Anual de 2016, Frontex, 2016, ISBN 978‑92‑95205‑47‑5, p. 5.


134      V. considerando 26 da Decisão 2015/1523 e considerando 32 da Decisão 2015/1601.


135      V., em especial, artigo 5.o, n.o 4, artigo 5.o, n.o 5, e artigo 5.o, n.o 9, das decisões de recolocação. Acresce que o artigo 5.o, n.o 8, autoriza a nomeação de agentes de ligação para facilitar o procedimento de recolocação.


136      V. n.o 309. O princípio da confiança mútua constitui atualmente um dos pilares do direito da União sobre o qual assenta grande parte da cooperação entre os Estados‑Membros no âmbito do ELSJ. V. Parecer 2/13 de 18 de dezembro de 2014 (Adesão da União Europeia à CEDH, EU:C:2014:2454 18.12.2014, n.o 191). O Tribunal de Justiça também indicou claramente que confiança mútua não é sinónimo de confiança cega: v. Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 78 a 82).


137      V. Decisão de Execução (UE) 2016/408 do Conselho, de 10 de março de 2016, relativa à suspensão temporária da recolocação de 30 % de requerentes do contingente atribuído à Áustria ao abrigo da Decisão (UE) 2015/1601 (JO 2016, L 74, p. 36), e Decisão (UE) 2016/946 do Conselho, de 9 de junho de 2016, que estabelece medidas provisórias a favor da Suécia no domínio da proteção internacional, nos termos do artigo 9.o da Decisão (UE) 2015/1523 e do artigo 9.o da Decisão (UE) 2015/1601 (JO 2016, L 157, p. 23).


138      V. segundo considerando.


139      V. quarto considerando.


140      Acórdão de 23 de abril de 1986 (C‑294/83, EU:C:1986:166, n.o 23).


141      Um exemplo marcante proveniente do meu Estado‑Membro é dado pelo UK Supreme Court (Supremo Tribunal, Reino Unido), no Acórdão R (Miller) c. The Prime Minister e Cherry c. Advocate General for Scotland, [2019], UKSC 41.


142      V. Acórdão de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531).


143      Acórdão de 6 de março de 2018 (C‑284/16, EU:C:2018:158, n.o 34 e jurisprudência referida). Sublinhado nosso. V., em termos semelhantes, Acórdão de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme (C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 47).


144      V. Acórdão de 27 de março de 2019, Comissão/Alemanha (C‑620/16, EU:C:2019:256), longo e detalhado, em especial as conclusões alcançadas nos n.os 98 a 100.


145      V., por exemplo, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2018, Altun e o. (C‑359/16, EU:C:2018:63, n.o 42), e de 3 de março de 2016, Comissão/Malta (C‑12/14, EU:C:2016:135, n.o 37).


146      O texto integral da Declaração está disponível no seguinte sítio Internet: https://europa.eu/europeanunion/abouteu/symbols/europeday/schumandeclaration_pt.


147      CELEX: 11951K.


148      Acórdão de 14 de dezembro de 1983, Klöckner‑Werke/Comissão (263/82, EU:C:1983:373, n.o 17). Sublinhado nosso. Os n.os 18 a 20 também merecem ser estudados.


149      Desde que assumi funções no Tribunal de Justiça, em 2006, tive o privilégio relativo de examinar certos aspetos desses regimes em várias conclusões, pelo que se remete o leitor interessado em obter mais esclarecimentos sobre o funcionamento do mercado do açúcar para as mesmas. V., por exemplo, as minhas Conclusões no processo Zuckerfabrik Jülich e o. (C‑5/06 e C‑23/06 a C‑36/06, EU:C:1007:346) e nos processos apensos Zuckerfabrik Jülich e o. (C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, EU:C:2011:701).


150      Acórdão de 22 de janeiro de 1986 (250/84, EU:C:1986:22).


151      Acórdão de 22 de janeiro de 1986, Eridania zuccherifici nazionali e o. (250/84, EU:C:1986:22, n.o 20).


152      Acórdão de 20 de setembro de 2001 (C‑184/99, EU:C:2001:458). V. a extensa e cuidadosa análise constante dos n.os 31 a 46 e, no n.o 44, a referência específica a «uma determinada solidariedade financeira dos nacionais desse Estado‑Membro [de acolhimento] com os dos outros Estados‑Membros».


153      Acórdão de 15 de março de 2005 (C‑209/03, EU:C:2005:169). V., em especial, n.os 56 a 63.


154      Extrato dos ensinamentos do rabino Shimon bar Yochai («Rashbi»: século II d.C.), citado em Midrash, Vayikra Rabbah 4:6.. V. https://www.sefaria.org/Vayikra_Rabbah.1.1?lang=bi&with=all&lang2=en. Alterei a tradução para tornar a leitura um pouco mais fácil.