Language of document : ECLI:EU:T:2018:108

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

1 de março de 2018 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de oposição — Pedido de marca figurativa da União Europeia composta por duas listas paralelas num sapato — Marca figurativa anterior da União Europeia que representa três listas paralelas num sapato — Motivo relativo de recusa — Violação do renome — Artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento (UE) 2017/1001]»

No processo T‑629/16,

Shoe Branding Europe BVBA, com sede em Oudenaarde (Bélgica), representada por J. Løje, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Lukošiūtė e A. Söder, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

adidas AG, com sede em Herzogenaurach (Alemanha), representada por I. Fowler e I. Junkar, solicitors,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 8 de junho de 2016 (processo R 597/2016‑2), relativa a um processo de oposição entre a adidas e a Shoe Branding Europe,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise e K. Kowalik‑Bańczyk (relatora), juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de setembro de 2016,

vista a resposta do EUIPO depositada na Secretaria do Tribunal em 1 de dezembro de 2016,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de dezembro de 2016,

após a audiência de 6 de julho de 2017,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 1 de julho de 2009, a recorrente, a Shoe Branding Europe BVBA, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido, identificada pela recorrente como «outra» marca, é a seguir reproduzida:

Image not found

3        No pedido de registo, a marca é descrita da seguinte forma:

«A marca é uma marca de posição. A marca consiste em duas [listas] paralelas posicionadas na superfície exterior da parte superior de um sapato. As [listas] paralelas dispõem‑se desde a ponta da sola de um sapato e inclinam‑se para trás para o meio do peito do pé de um sapato. A linha ponteada marca a posição da marca e não faz parte da marca.»

4        Os produtos para os quais foi pedido o registo pertencem à classe 25 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços para o Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Artigos de sapataria».

5        O pedido de marca da União Europeia foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 107/2010, de 14 de junho de 2010.

6        Em 13 de setembro de 2010, a interveniente, adidas AG, deduziu oposição, nos termos do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 46.o do Regulamento n.o 2017/1001), ao registo da marca requerida para os produtos designados no pedido de registo.

7        A oposição baseava‑se, designadamente, nos seguintes registos anteriores:

–        a marca figurativa da União Europeia, registada em 26 de janeiro de 2006 sob o n.o 3517646, para os «artigos de calçado», abrangidos pela classe 25, com a descrição seguinte «A marca é composta por três [listas] paralelas com a mesma largura aplicadas em calçado; as [listas] estão posicionadas na face superior do calçado, entre os atacadores e a sola». Esta marca (a seguir «marca anterior») é a seguir reproduzida:

Image not found

–        a marca alemã de «outra marca», registada em 14 de dezembro de 1999 sob o n.o 39950559 e devidamente renovada, para os «artigos de sapataria, incluindo artigos de sapatos de desporto e de lazer», abrangidos pela classe 25, com a seguinte descrição: «A marca é composta por três listas que formam um contraste com a cor de base do sapato. A forma do sapato serve unicamente para representar a maneira como a marca comercial é aplicada e não faz parte, enquanto tal, da marca comercial». Esta marca (a seguir «marca alemã n.o 39950559») é reproduzida a seguir:

Image not found

8        Os fundamentos invocados em apoio da oposição eram, em especial, os referidos no artigo 8.o, n.o 1, alínea b), e no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 [atuais artigos 8.o, n.o 1, alínea b), e artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2017/1001, respetivamente].

9        Por Decisão de 22 de maio de 2012, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição.

10      Em 2 de julho de 2012, a interveniente interpôs no IHMI, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009 (atuais artigos 66.o a 71.o do Regulamento n.o 2017/1001), recurso contra a decisão da Divisão de Oposição.

11      Por Decisão de 28 de novembro de 2013, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso com fundamento, designadamente, no facto de que as marcas em conflito eram globalmente diferentes e de que essa circunstância era suficiente, por um lado, para excluir, no espírito do público pertinente, qualquer risco de confusão na aceção do artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e, por outro, para tornar improvável o estabelecimento, no espírito desse mesmo público, de uma ligação entre as marcas em conflito e o subsequente aparecimento de uma das violações referidas no artigo 8.o, n.o 5, do mesmo Regulamento (a seguir «Decisão de 28 de novembro de 2013»).

12      A interveniente contestou esta decisão no Tribunal Geral.

13      Por Acórdão de 21 de maio de 2015, adidas/IHMI — Shoe Branding Europe (Duas listas paralelas sobre um sapato) (T‑145/14, não publicado, a seguir «acórdão de anulação», EU:T:2015:303), o Tribunal Geral anulou a Decisão de 28 de novembro de 2013, com fundamento no facto de a Câmara de Recurso ter, erradamente, concluído pela inexistência de qualquer semelhança entre as marcas em conflito e que este erro de apreciação tinha falseado a apreciação feita pela Câmara de Recurso sobre a existência, no espírito do público, de um risco de confusão ou, a fortiori, de um risco de aproximação entre as marcas em conflito.

14      A recorrente interpôs recurso deste acórdão.

15      Por Despacho de 17 de fevereiro de 2016, Shoe Branding Europe/IHMI (C‑396/15 P, não publicado, a seguir «despacho proferido no recurso», EU:C:2016:95), o Tribunal de Justiça negou provimento a esse recurso.

16      Extraindo as consequências do acórdão de anulação e do despacho proferido no recurso, a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO reexaminou o recurso interposto pela interveniente contra a decisão da Divisão de Oposição.

17      Por Decisão de 8 de junho de 2016 (a seguir «decisão recorrida»), a Câmara de Recurso concedeu provimento a esse recurso e julgou procedente a oposição com fundamento no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Em especial, considerou que, tendo em conta uma certa semelhança entre as marcas em conflito, a identidade dos produtos designados por essas marcas e o elevado renome da marca anterior, havia o risco de o público pertinente estabelecer uma ligação entre as marcas em conflito e que o uso da marca pedida retirava indevidamente proveito do renome da marca anterior, sem que esse uso fosse, no caso vertente, justificado.

 Pedidos das partes

18      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Câmara de Recurso nas despesas.

19      Na audiência, a recorrida precisou que o seu segundo pedido devia ser entendido no sentido de que tinha por objeto a condenação do EUIPO nas despesas, facto que o Tribunal Geral consignou na ata da audiência.

20      O EUIPO e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

21      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, um fundamento único, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 e a uma «desvirtuação dos factos». Segundo a recorrente, a Câmara de Recurso concluiu, erradamente, que os requisitos de recusa do registo de uma marca previstas no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 estavam preenchidos no caso vertente.

22      Este fundamento divide‑se em três partes na medida em que a recorrente alega que a Câmara de Recurso cometeu vários erros de apreciação no que diz respeito, em primeiro lugar, à prova do renome da marca anterior, em segundo lugar, à existência de atentado ao renome ou ao caráter distintivo desta marca e, em terceiro lugar, à inexistência de justo motivo para o uso da marca pedida.

 Considerações gerais relativas ao artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009

23      Nos termos do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, após oposição do titular de uma marca anterior na aceção do artigo 8.o, n.o 2, do mesmo regulamento (atual artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001), será recusado o registo de uma marca se esta for idêntica ou apresentar semelhanças com a marca anterior e se se destinar a ser registada para produtos ou serviços que não tenham semelhanças com aqueles para os quais a marca anterior está registada, sempre que, no caso de uma marca da União Europeia anterior, esta goze de renome na União Europeia e, no caso de uma marca nacional anterior, esta goze de renome no Estado‑Membro em questão e sempre que o uso sem justo motivo da marca pedida retire proveito indevido do caráter distintivo ou do renome da marca anterior ou lhes cause prejuízo.

24      A proteção alargada conferida à marca anterior pelo artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 pressupõe, portanto, que estejam reunidos vários requisitos. Em primeiro lugar, a marca anterior deve estar registada. Em segundo lugar, esta última e aquela cujo registo é pedido devem ser idênticas ou semelhantes. Em terceiro lugar, a marca anterior deve gozar de renome na União, caso se trate de uma marca da União Europeia, ou no Estado‑Membro em questão, caso se trate de uma marca nacional. Em quarto lugar, o uso sem justo motivo da marca pedida deve conduzir ao risco de se poder retirar indevidamente proveito do caráter distintivo ou do renome da marca anterior ou de se poder causar prejuízo ao caráter distintivo ou ao renome da marca anterior. Dado que estes quatro requisitos são cumulativos, a ausência de um deles é suficiente para tornar inaplicável a referida disposição [v. Acórdão de 22 de março de 2007, Sigla/IHMI — Elleni Holding (VIPS), T‑215/03, EU:T:2007:93, n.o 34 e jurisprudência referida].

 Conceito de renome da marca anterior

25      Para beneficiar da proteção prevista no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, uma marca registada deve ser conhecida por uma parte significativa do público ao qual dizem respeito os produtos ou os serviços abrangidos por essa marca [Acórdão de 6 de fevereiro de 2007, Aktieselskabet af 21. november 2001/IHMI — TDK Kabushiki Kaisha (TDK), T‑477/04, EU:T:2007:35, n.o 48; ver, igualmente, por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 1999, General Motors, C‑375/97, EU:C:1999:408, n.o 26].

26      Ao examinar esta condição, importa tomar em consideração todos os elementos pertinentes da causa, a saber, designadamente, a parte de mercado detida pela marca, a intensidade, o alcance geográfico e a duração do seu uso, bem como a importância dos investimentos realizados pela empresa para a promover (Acórdão de 6 de fevereiro de 2007, TDK, T‑477/04, EU:T:2007:35, n.o 49; ver, igualmente, por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 1999, General Motors, C‑375/97, EU:C:1999:408, n.o 27).

27      No plano territorial, o requisito relativo ao renome deve, perante uma marca da União Europeia, ser considerado como estando preenchido quando essa marca goza de renome numa parte substancial do território da União (Acórdão de 6 de outubro de 2009, PAGO International, C‑301/07, EU:C:2009:611, n.o 27). Em certos casos, o território de um único Estado‑Membro pode ser considerado como constituindo uma parte substancial desse território (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2009, PAGO International, C‑301/07, EU:C:2009:611, n.o 28).

28      Além disso, o titular de uma marca registada pode, a fim de demonstrar o caráter distintivo particular e o renome desta, invocar provas da sua utilização sob uma forma diferente, enquanto parte de outra marca registada e de renome, desde que o público em questão continue a ter dos produtos em causa a perceção de que são provenientes da mesma empresa. Para determinar se é esse o caso, importa verificar que os elementos que diferenciam as duas marcas não obstam a que o público em questão continue a ter dos produtos a perceção de que são provenientes de uma empresa determinada [v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2015, Spa Monopole/IHMI — Orly International (SPARITUAL), T‑131/12, EU:T:2015:257, n.os 33 e 35].

 Necessidade de uma ligação entre as marcas em conflito

29      Importa recordar que as violações visadas no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, quando estas se produzem, são consequência de um certo grau de semelhança entre a marca anterior de renome e a marca pedida, em razão do qual o público pertinente faz uma aproximação entre essas marcas, isto é, estabelece uma ligação entre estas, embora as não confunda. Não se exige, portanto, que o grau de semelhança entre a marca anterior de renome e a marca pedida seja tal que exista, no espírito do público pertinente, um risco de confusão. Basta que o grau de semelhança entre a marca de renome e a marca pedida tenha por efeito o estabelecimento, por parte do público pertinente, de uma ligação entre essas marcas (Acórdão de 22 de março de 2007, VIPS, T‑215/03, EU:T:2007:93, n.o 41; v., igualmente, por analogia, Acórdãos de 23 de outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux, C‑408/01, EU:C:2003:582, n.o 29, e de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 36).

30      A existência dessa ligação deve ser apreciada globalmente tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso vertente, entre os quais figuram, designadamente, em primeiro lugar, a natureza e o grau de proximidade ou de dissemelhança dos produtos ou dos serviços em causa, em segundo lugar, o grau de semelhança entre as marcas em conflito, em terceiro lugar, a intensidade do renome da marca anterior, em quarto lugar, o grau de caráter distintivo, intrínseco ou adquirido pelo uso, da marca anterior ou ainda, se for caso disso, a existência de um risco de confusão no espírito do público pertinente (v., por analogia, Acórdão de 27 de novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.os 41 e 42).

31      Deve igualmente tomar‑se em consideração o facto de o grau de atenção do público pertinente ser suscetível de variar em função da categoria de produtos ou de serviços em causa [v., por analogia, Acórdãos de 22 de junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, EU:C:1999:323, n.o 26, e de 13 de fevereiro de 2007, Mundipharma/IHMI — Altana Pharma (RESPICUR), T‑256/04, EU:T:2007:46, n.o 42]. É por essa razão que o grau de atenção do referido público é igualmente um fator pertinente para efeito da apreciação da existência de uma ligação entre as marcas em conflito [v., neste sentido, Acórdãos de 9 de março de 2012, Ella Valley Vineyards/IHMI — HFP (ELLA VALLEY VINEYARDS), T‑32/10, EU:T:2012:118, n.os 27, 28, 45 e 55 a 57; de 9 de abril de 2014, EI do Pont de Nemours/IHMI — Zueco Ruiz (ZYTeL), T‑288/12, não publicado, EU:T:2014:196, n.os 74 e 75, e de 19 de maio de 2015, Swatch/IHMI — Panavision Europe (SWATCHBALL), T‑71/14, não publicado, EU:T:2015:293, n.o 33].

32      Por outro lado, não pode ser excluído que a coexistência num mercado determinado de duas marcas possa eventualmente contribuir, juntamente com outros elementos, para diminuir o risco de aproximação entre estas duas marcas por força do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 [Acórdão de 26 de setembro de 2012, IG Communications/IHMI — Citigroup e Citibank (CITIGATE), T‑301/09, não publicado, EU:T:2012:473, n.o 128; v., igualmente, por analogia, Acórdãos de 3 setembro de 2009, Aceites del Sur‑Coosur/Koipe, C‑498/07 P, EU:C:2009:503, n.o 82, e de 11 de maio de 2005, Grupo Sada/IHMI — Sadia (GRUPO SADA), T‑31/03, EU:T:2005:169, n.o 86].

33      No entanto, essa eventualidade só pode ser tomada em consideração se for devidamente demonstrado que a referida coexistência assentava na inexistência de risco de aproximação, no espírito do público pertinente, entre as referidas marcas e sob reserva de estas últimas e as marcas em conflito serem idênticas (Acórdão de 26 setembro de 2012, CITIGATE, T‑301/09, não publicado, EU:T:2012:473, n.o 128; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 11 de maio de 2005, GRUPO SADA, T‑31/03, EU:T:2005:169, n.o 86) ou, no mínimo, suficientemente semelhantes.

34      A inexistência de risco de aproximação pode, em especial, ser inferida do caráter «pacífico» da coexistência das marcas no mercado (v., por analogia, Acórdão de 3 setembro de 2009, Aceites del Sur‑Coosur/Koipe, C‑498/07 P, EU:C:2009:503, n.o 82). A coexistência de duas marcas não pode, no entanto, ser qualificada de «pacífica» quando a utilização de uma dessas marcas tenha sido contestada pelo titular da outra marca perante instâncias administrativas ou perante ou órgãos jurisdicionais [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 3 setembro de 2009, Aceites del Sur‑Coosur/Koipe, C‑498/07 P, EU:C:2009:503, n.o 83, e de 8 dezembro de 2005, Castellblanch/IHMI — Champagne Roederer (CRISTAL CASTELLBLANCH), T‑29/04, EU:T:2005:438, n.o 74].

 Tipos de violações do renome ou do caráter distintivo da marca anterior

35      A existência de uma ligação entre as marcas em conflito no espírito do público pertinente constitui um requisito necessário, mas, só por si, não suficiente para que se conclua pela existência de uma das violações contra as quais o artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 assegura proteção em proveito das marcas de renome (v., por analogia, Acórdão de 18 junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 37 e jurisprudência referida).

36      Essas violações são, em primeiro lugar, o prejuízo causado ao caráter distintivo da marca, em segundo lugar, o prejuízo causado ao renome dessa marca e, em terceiro lugar, o proveito indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da referida marca (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 38 e jurisprudência referida).

37      Importa notar que, salvo se esse uso da marca pedida seja justificado por um justo motivo, basta um único destes três tipos de violações para que o artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 seja aplicável. Daqui resulta que o proveito retirado por um terceiro do caráter distintivo ou do renome da marca se pode revelar indevido, mesmo que o uso do sinal idêntico ou semelhante não cause prejuízo ao caráter distintivo nem ao renome da marca ou, mais geralmente, ao titular desta (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.os 42 e 43).

 Regras de prova e articulação entre a existência de uma violação e a existência de um justo motivo

38      A fim de poder beneficiar da proteção instaurada pelas disposições do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, o titular da marca anterior deve, num primeiro momento, apresentar prova de que, quer o uso da marca pedida retirava indevidamente proveito do caráter distintivo ou do renome da marca anterior, quer que esse uso prejudicava esse caráter distintivo ou ainda esse renome (v., por analogia, Acórdão de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 37).

39      A este respeito, o uso efetivo da marca pedida pode ser tido em conta como uma indicação, uma ilustração da probabilidade elevada de um risco de violação à marca anterior de renome. Assim, quando a marca pedida já tenha sido explorada e sejam apresentados elementos concretos destinados a provar a existência de uma ligação no espírito do público pertinente e da alegada violação, esses elementos terão manifestamente um peso significativo na apreciação do risco de violação à marca anterior [v., neste sentido, Acórdãos de 25 janeiro de 2012, Viaguara/IHMI — Pfizer (VIAGUARA), T‑332/10, não publicado, EU:T:2012:26, n.o 72, de 11 dezembro de 2014, Coca‑Cola/IHMI — Mitico (Master), T‑480/12, EU:T:2014:1062, n.os 88 e 89; e Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:370, n.o 84].

40      Todavia, o titular da marca anterior não é obrigado a demonstrar a existência de uma violação efetiva e atual à sua marca. Com efeito, quando seja previsível que essa violação resultará do uso que o titular da marca posterior possa ser levado a fazer da sua marca, o titular da marca anterior não pode ser obrigado a esperar a sua realização efetiva para mandar proibir o referido uso. O titular da marca anterior deve, porém, demonstrar a existência de elementos que permitam concluir, prima facie, por um risco sério de que essa violação se produza no futuro [Acórdão de 25 de maio de 2005, Spa Monopole/IHMI — Spa‑Finders Travel Arrangements (SPA‑FINDERS), T‑67/04, EU:T:2005:179, n.o 40; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 38].

41      Além disso, é possível, designadamente no caso de uma oposição baseada numa marca que beneficia de um renome excecionalmente elevado, que a probabilidade de um risco futuro não hipotético de prejuízo para a marca anterior ou de proveito indevidamente retirado dessa marca seja de tal modo evidente que o oponente não tenha necessidade de invocar e de provar nenhum outro elemento factual para esse fim (Acórdão de 22 de março de 2007, VIPS, T‑215/03, EU:T:2007:93, n.o 48).

42      Na hipótese de o titular da marca anterior ter conseguido demonstrar a existência quer de uma violação efetiva e atual à sua marca na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, quer, não o tendo feito, de um risco sério de que tal violação se produza no futuro, cabe, num segundo momento, ao titular da marca pedida demonstrar que o uso desse marca assenta num justo motivo (v., por analogia, Acórdão de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 39).

 Conceito de proveito indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da marca anterior

43      Recorde‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de proveito indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da marca anterior, igualmente designado sob os termos de «parasitismo» e de «free‑riding», está ligado à vantagem retirada do uso da marca pedida idêntica ou similar. Engloba, designadamente, os casos em que, graças a uma transferência da imagem da marca de renome ou das características projetadas por esta para produtos designados pela marca pedida, há uma exploração manifesta no rasto da marca de renome (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07 EU:C:2009:378, n.o 41).

44      Assim, quando um terceiro procura, através do uso de um sinal semelhante a um marca de renome, aproveitar‑se desta para beneficiar do seu poder de atração, da sua reputação e do seu prestígio, bem como para explorar, sem nenhuma compensação financeira e sem ter de despender esforços próprios para tal efeito, o esforço comercial despendido pelo titular da marca anterior para criar e manter a imagem dessa marca, considera‑se que o proveito resultante do referido uso é indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da referida marca (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 49).

45      Por conseguinte, o risco de que essa violação se venha a produzir pode, designadamente, ser admitido quando for apresentada a prova de uma associação da marca pedida com qualidades positivas da marca anterior idêntica ou semelhante [v., neste sentido, Acórdãos de 29 março de 2012, You‑Q/IHMI — Apple Corps (BEATLE), T‑369/10, não publicado, EU:T:2012:177, n.os 71 e 72; de 27 setembro de 2012, El Corte Inglés/IHMI — Pucci International (Emidio Tucci), T‑373/09, não publicado, EU:T:2012:500, n.os 66 e 68, e de 2 de outubro de 2015, The Tea Board/IHMI — Delta Lingerie (Darjeeling), T‑624/13, EU:T:2015:743, n.os 140 a 143 e 146].

46      No entanto, para determinar se, no caso vertente, o uso, sem justo motivo, da marca pedida retira indevidamente proveito do caráter distintivo ou do renome da marca anterior, importa proceder a uma apreciação global que tenha em conta todos os fatores pertinentes do caso vertente (v., por analogia, Acórdãos de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.os 68 e 79, e de 18 junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 44).

47      Entre esses fatores figuram, designadamente, a intensidade do renome e o grau de caráter distintivo da marca anterior, o grau de semelhança entre as marcas em conflito, bem como a natureza e o grau de proximidade dos produtos ou dos serviços em causa (v., por analogia, Acórdão de 18 junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 44).

48      No que diz respeito, em especial, à intensidade do renome e do grau de caráter distintivo da marca anterior, quanto mais o caráter distintivo e o renome dessa marca forem importantes, mais facilmente será admitida a existência de uma violação (v., por analogia, Acórdãos de 14 setembro de 1999, General Motors, C‑375/97, EU:C:1999:408, n.o 30; de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 69; e de 18 junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 44).

49      Do mesmo modo, quanto maior for a semelhança entre os produtos ou os serviços abrangidos pelas marcas em conflito, maiores serão as hipóteses da marca pedida retirar proveito de uma ligação estabelecida entre as duas marcas no espírito do público pertinente (v., por analogia, Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston, no processo Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:370, n.o 65).

50      Por outro lado, importa referir que, no âmbito da apreciação global mencionada no n.o 46 supra, a existência de um risco de diluição ou de enfraquecimento da marca e, portanto, de que um dos outros dois tipos de violações mencionados no n.o 36 supra, pode, se for caso disso, ser igualmente tomado em consideração (v., por analogia, Acórdão de 18 junho de 2009, L’Oréal e o., C‑487/07, EU:C:2009:378, n.o 45).

51      Por último, a existência da violação constituída pelo proveito indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da marca anterior deve ser apreciada atendendo ao consumidor médio dos produtos ou dos serviços designados pela marca pedida (v., por analogia, Acórdão de 27 novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, EU:C:2008:655, n.o 36).

 Conceito de justo motivo

52      Importa precisar que a existência de um justo motivo que permite a utilização de uma marca que viola uma marca de renome deve ser interpretada de maneira restritiva [Acórdão de 16 março de 2016, The Body Shop International/IHMI — Spa Monopole (SPA WISDOM), T‑201/14, não publicado, EU:T:2016:148, n.o 65].

53      No entanto, recorde‑se que o Regulamento n.o 207/2009 visa, de um modo geral, conciliar, por um lado, os interesses do titular de uma marca em salvaguardar as funções próprias desta e, por outro, os interesses de outros operadores económicos em dispor de sinais suscetíveis de designar os seus produtos e serviços (v., por analogia, Acórdãos de 27 de abril de 2006, Levi Strauss, C‑145/05, EU:C:2006:264, n.° 29, e de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.° 41).

54      No sistema de proteção das marcas instituído pelo Regulamento n.o 207/2009, os interesses de um terceiro em utilizar, na vida dos negócios, um sinal idêntico ou semelhante a uma marca anterior de renome e obter o seu registo enquanto marca da União Europeia são manifestamente tomados em consideração, no contexto do artigo 8.o, n.o 5, do referido regulamento, através da possibilidade de o utilizador da marca pedida invocar um «justo motivo» (v., por analogia, Acórdão de 6 fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.o 43).

55      Daqui resulta que o conceito de «justo motivo» não pode ser interpretado no sentido de que se limita a razões objetivamente imperiosas, mas pode igualmente ligar‑se aos interesses subjetivos de um terceiro que já use um sinal idêntico ou semelhante à marca anterior de renome e que pretenda registá‑lo enquanto marca da União Europeia (v., por analogia, Acórdão de 6 fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.os 45 e 48).

56      Por esse motivo, o Tribunal de Justiça considerou que o titular de uma marca pode ver‑se obrigado, com base num «justo motivo», a tolerar o uso por um terceiro, de um sinal semelhante à referida marca para um produto ou serviço idêntico àquele para o qual esta marca foi registada, quando, por um lado, se verifique que esse sinal foi usado antes do depósito da marca e, por outro, que o uso do referido sinal foi feito de boa‑fé (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.o 60).

57      O Tribunal de Justiça precisou que, para apreciar, em especial, se o terceiro em questão tinha utilizado de boa‑fé o sinal semelhante à marca de renome, importava ter em conta, designadamente, em primeiro lugar, a implantação e a reputação do referido sinal junto do público pertinente, em segundo lugar, o grau de proximidade entre os produtos e serviços para os quais o referido sinal tinha sido originariamente utilizado e os produtos e serviços para os quais a marca de renome tinha sido registada, em terceiro lugar, a cronologia da primeira utilização do referido sinal para um produto idêntico ao da referida marca e a aquisição pela mesma marca do seu renome e, em quarto lugar, a pertinência económica e comercial do uso do sinal semelhante a essa marca (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 6 fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.os 54 a 60).

58      Consequentemente, o uso anterior por um terceiro de um sinal ou de uma marca pedida idêntica ou semelhante a uma marca anterior de renome é suscetível de ser qualificado de «justo motivo» na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 e de permitir a esse terceiro não só continuar a utilizar esse sinal mas também de o fazer registar enquanto marca da União Europeia, mesmo que o uso da marca pedida seja suscetível de retirar proveito do renome da marca anterior [v., neste sentido, Acórdão de 5 julho de 2016, Future Enterprises/EUIPO — McDonald’s International Property (MACCOFFEE), T‑518/13, EU:T:2016:389, n.o 113].

59      No entanto, para que seja esse o caso, o uso da marca pedida deve preencher vários requisitos que permitam confirmar a realidade desse uso, bem como a boa‑fé do titular da marca pedida.

60      Em especial, em primeiro lugar, o sinal correspondente à marca pedida deve ter sido objeto de um uso real e efetivo.

61      Em segundo lugar, o uso desse sinal deve, em princípio, ter começado numa data anterior ao depósito da marca anterior de renome ou, no mínimo, à aquisição, por essa marca, do seu renome (v., neste sentido, Acórdãos de 6 fevereiro de 2014, Leidseplein Beheer e de Vries, C‑65/12, EU:C:2014:49, n.os 56 a 59, e de 5 julho de 2016, MACCOFFEE, T‑518/13, EU:T:2016:389, n.o 114).

62      Em terceiro lugar, o sinal correspondente à marca pedida deve ter sido utilizado em todo o território para o qual a marca anterior de renome estava registada. Daqui decorre que, quando a marca anterior de renome for uma marca da União Europeia, o sinal correspondente à marca pedida deve ter sido utilizado em todo o território da União (v., neste sentido, Acórdãos de 16 abril de 2008, CITI, T‑181/05, EU:T:2008:112, n.o 85, e de 5 julho de 2016, MACCOFFEE, T‑518/13, EU:T:2016:389, n.o 115).

63      Em quarto lugar, esse uso não deve, em princípio, ter sido objeto de contestação da parte do titular da marca anterior de renome. Noutros termos, a marca pedida e a marca anterior de renome devem ter coexistido de forma pacífica no território em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 16 abril de 2008, CITI, T‑181/05, EU:T:2008:112, n.o 85, e de 5 julho de 2016, MACCOFFEE, T‑518/13, EU:T:2016:389, n.o 114).

64      É à luz destas considerações que importa examinar o fundamento único da recorrente.

 Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de renome da marca anterior

65      No âmbito da primeira parte do fundamento, a recorrente sustenta que a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação ao considerar que os elementos de prova produzidos pela interveniente eram suficientes para demonstrar que a marca anterior gozava de renome na União.

66      A este propósito, importa, previamente, recordar que, como foi referido nos n.os 23 e 24, supra, uma marca da União Europeia, como a marca anterior, só pode beneficiar da proteção concedida pelo artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 se gozar de renome na União.

67      No caso vertente, a interveniente apresentou, no decurso do processo de oposição, diferentes documentos destinados a provar o uso sério das suas marcas anteriores, bem como o renome destas quando estas são aplicadas em vestuário ou em calçado de desporto. Entre esses documentos figuravam, designadamente, um memorando sobre a prova do uso de várias marcas alemãs e de um registo internacional, uma declaração sob juramento relativa ao volume de negócios da «marca adidas», inquéritos sobre as partes de mercado da empresa e sobre o renome das suas marcas, decisões de tribunais nacionais, catálogos, recortes da imprensa e anúncios publicitários.

68      Tanto a Divisão de Oposição, na sua Decisão de 22 de maio de 2012 (páginas 3 e 4), como a Câmara de Recurso, primeiro na Decisão de 28 de novembro de 2013 (n.o 66), depois, novamente, na decisão recorrida (n.os 33 a 42 e 59), consideraram que estes elementos de prova, considerados na sua globalidade, demonstravam que a marca figurativa composta por três listas paralelas aplicadas num sapato gozava de renome na União.

69      Entre os elementos invocados pela interveniente e mencionados pela Divisão de Oposição e a Câmara de Recurso, o Tribunal Geral considera que alguns são particularmente pertinentes, na medida em que, designadamente, dizem respeito ao renome de marcas anteriores da interveniente aplicadas num sapato.

70      Em primeiro lugar, a Divisão de Oposição e a Câmara de Recurso recordaram que a marca figurativa composta por três listas paralelas tinha sido aplicada pela interveniente em calçado desde 1949 e que figurava hoje em 70% do calçado comercializado pela interveniente. Estas instâncias mencionaram igualmente os resultados de um estudo realizado em 2004 do qual resultava que, no mercado alemão, as partes de mercado da interveniente para os sapatos de desporto estavam compreendidas, nos anos de 2000 a 2004, entre 23,1 e 25,7%. Por outro lado, a interveniente apresentou no EUIPO uma declaração sob juramento que detalhava, para os anos de 2005 a 2009, o montante das suas vendas de sapatos e o das suas despesas de publicidade nos treze Estados‑Membros, a saber, a Dinamarca, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a França, a Itália, a Áustria, Portugal, a Finlândia, a Suécia, bem como, considerados globalmente, os três Estados do Benelux. Resulta desta declaração sob juramento, que não é desprovida de valor probatório, que a interveniente realiza um volume de negócios significativo nos Estados‑Membros acima mencionados e aí efetua importantes despesas de publicidade. Consequentemente, o Tribunal Geral considera que estes diferentes elementos, globalmente considerados, são de natureza a demonstrar a enorme difusão, num período longo, dos sapatos da interveniente revestidos de uma marca figurativa composta por três listas paralelas.

71      Em segundo lugar, as instâncias acima mencionadas indicaram nas suas decisões que vários inquéritos de opinião tinham revelado um grande conhecimento, pelo público pertinente, da marca constituída por três listas paralelas, designadamente quando esta se encontrava aplicada num sapato. A este propósito, o Tribunal Geral constata que a interveniente apresentou no EUIPO vários inquéritos destinados a determinar, de entre uma amostra de pessoas interrogadas, a proporção de pessoas que, vendo um sapato sobre o qual está aplicada uma marca semelhante à marca anterior e constituída por três listas paralelas, consideram que se trata de um produto da interveniente ou, pelo menos, associam esse sapato a esta última. Resulta, assim, por exemplo, de um inquérito realizado em 2008 em Espanha que, neste Estado‑Membro, 61,3% das pessoas interrogadas reconhecem o referido sapato como sendo um produto da interveniente ou associam‑no a esta última, atingindo mesmo essa proporção 83,3% entre as pessoas com idades compreendidas entre 15 e 34 anos, que constituem o núcleo do público visado pela interveniente. Do mesmo modo, segundo um inquérito realizado em Itália em 2005, 42% das pessoas interrogadas — e até 55% das que pertencem ao público destinatário dos sapatos de desporto — associam espontaneamente esse sapato à interveniente. A taxa de associação espontânea à interveniente atinge mesmo 71% na Suécia, segundo um inquérito realizado neste Estado‑Membro em 2003. Por último, outros estudos, realizados, designadamente, na Alemanha em 1983, em Liverpool (Reino Unido) em 1995 e na Finlândia em 2005, demonstram que, também nestes últimos Estados‑Membros, o grande público conhece a marca da interveniente que consiste em três listas paralelas quando ela se encontra aplicada num sapato.

72      Em terceiro lugar, a Divisão de Oposição e a Câmara de Recurso mencionaram o facto de que várias decisões de tribunais nacionais tinham constatado o renome da marca da interveniente constituída por três listas paralelas. A este propósito, o Tribunal Geral constata que a interveniente apresentou efetivamente no EUIPO várias decisões de tribunais nacionais declarando que esta marca, quando aplicada em calçado, gozava de um importante renome ou notoriedade. É esse, em especial, o caso de um Acórdão de 12 fevereiro de 1987 do Korkein oikeus (Supremo Tribunal, Finlândia), de uma Sentença de 1 de outubro de 1998 da Audiencia Provincial de Valencia (Tribunal da Província de Valência, Espanha), de uma Sentença de 20 de maio de 2002 do Juzgado de lo Mercantil de Madrid (Tribunal de Comércio de Madrid, Espanha), de uma Sentença de 24 de janeiro de 2003 do Oberlandesgericht Köln (Tribunal Regional Superior de Colónia, Alemanha), de várias decisões proferidas em 2004 pelo Polymeles Protodikeio Athinon (Tribunal de Grande Instância de Atenas, Grécia) e pelo Polymeles Protodikeio Thessaloniki (Tribunal de Grande Instância de Tessalónica, Grécia), de uma Dentença de 31 de agosto de 2005 do Helsingin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia, Finlândia), de uma Decisão de 19 de outubro de 2005 do Landesgericht Graz (Tribunal Regional de Graz, Áustria), de uma Decisão de 31 julho de 2009 do Juzgado de lo Mercantil de Zaragoza (Tribunal de Comércio de Zaragoça, Espanha) e de uma Sentença de 7 de outubro de 2010 do Tribunale civile di Roma (Tribunal Cível de Roma, Itália). Por outro lado, resulta dos elementos apresentados pela interveniente que, em Espanha e no Reino Unido, as autoridades administrativas nacionais competentes em matéria de direito das marcas chegaram igualmente à mesma conclusão.

73      Em quarto lugar, as instâncias acima mencionadas do EUIPO tiveram igualmente em conta a importante atividade de patrocínio da interveniente. Em especial, esta encontrava‑se presente em manifestações desportivas de prestígio, tais como o Campeonato do Mundo de Futebol de 1998 em França, o Campeonato da Europa de Futebol de 2000 na Bélgica e nos Países Baixos ou o Campeonato do Mundo de Futebol de 2002 na Coreia do Sul e no Japão, e é o fornecedor oficial de equipamentos a várias equipas de futebol, como o FC Bayern ou o Real Madrid. Deste modo, através desta atividade de patrocínio, numerosos jogadores de futebol e de ténis usam, designadamente, sapatos sobre os quais está aplicada a marca constituída por três listas paralelas.

74      A recorrente contesta, no entanto, a apreciação feita pela Câmara de Recurso e, antes desta, pela Divisão de Oposição, formulando três séries de objeções.

75      Em primeiro lugar, a recorrente queixa‑se de que os documentos apresentados pela interveniente são, na maior parte, relativos não à marca anterior, mas a outras marcas da interveniente, utilizadas principalmente na Alemanha e, no que diz respeito a algumas, aplicadas em vestuário. Ora, a prova do uso na Alemanha, destas diferentes marcas não permite demonstrar o renome, em toda a União, da marca anterior.

76      Em primeiro lugar, quanto à circunstância de alguns elementos de prova dizerem respeito a marcas da interveniente diferentes da marca anterior, recorde‑se que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 28, supra, o titular de uma marca registada pode, a fim de comprovar o renome desta, invocar elementos que provem o seu renome sob uma forma diferente, designadamente sob a forma de uma outra marca registada, desde que o público em questão continue a ter dos produtos em causa a perceção de que provêm da mesma empresa.

77      Ora, no caso vertente, resulta do n.o 42 da decisão recorrida que a Câmara de Recurso considerou, acertadamente, que, embora as provas apresentadas pela interveniente dissessem respeito ao conjunto das marcas anteriores, as relativas à própria marca anterior e à marca alemã n.o 39950559 eram especialmente pertinentes.

78      Com efeito, tendo em conta a enorme proximidade visual existente entre estas duas marcas, ambas compostas por três listas paralelas aplicadas, na mesma posição, em calçado, não há dúvida nenhuma de que, confrontado com uma ou com outra das referidas marcas, o público pertinente terá, dos produtos em causa, a perceção de que estes provêm da mesma empresa. Consequentemente, os elementos de prova relativos à marca alemã n.o 39950559 são pertinentes a fim de comprovar o renome da marca anterior. De resto, o mesmo é válido no que diz respeito aos elementos de prova relativos a outras marcas constituídas por três listas paralelas aplicadas, na mesma posição, em calçado, como, por exemplo, as marcas alemãs n.os 944623 e 944624.

79      Seguidamente, no que diz respeito à circunstância de alguns elementos de prova se referirem a marcas aplicadas em vestuário, importa, é certo, afastá‑las por não serem pertinentes no caso vertente. Todavia, refira‑se que resulta do n.o 77, supra, que a Câmara de Recurso não se baseou a título principal em tais elementos e que, pelo contrário, os elementos mais pertinentes apresentados pela interveniente, enumerados nos n.os 70 a 73, supra, dizem respeito a marcas aplicadas em calçado e não em vestuário.

80      No que diz respeito, por último, ao facto de que certas marcas da interveniente são utilizadas principalmente na Alemanha, importa recordar que, por força da jurisprudência referida nos n.os 25 a 27, supra, para beneficiar da proteção prevista no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a marca anterior, que é uma marca da União Europeia, deve ser conhecida de uma parte significativa do público pelos produtos ou pelos serviços por ela abrangidos, numa parte substancial do território da União, que pode, em certos casos, ser constituída pelo território de um só Estado‑Membro.

81      Ora, nas circunstâncias do caso vertente, o território da Alemanha pode ser considerado como constituindo uma parte substancial do território da União.

82      Quanto ao resto, há que salientar que certos elementos de prova fornecidos, designadamente aqueles que são mencionados nos n.os 71 e 72, supra, são de molde a comprovar o renome da marca anterior em vários outros Estados‑Membros, entre os quais a Espanha, a Finlândia, a Itália e a Suécia. Ora, evidentemente, estes Estados‑Membros, globalmente considerados, constituem uma parte substancial do território da União, a fortiori se lhes acrescentar a Alemanha, Estado‑Membro a partir do qual a interveniente desenvolveu a sua atividade.

83      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que as peças relativas à atividade da interveniente e à notoriedade do seu nome são desprovidas de pertinência para efeitos de comprovar o uso e o renome da marca anterior, bem como os da marca alemã n.o 39950559.

84      A este propósito, importa referir que o Tribunal Geral enumerou, nos n.os 70 a 73, supra, os elementos mais pertinentes apresentados pela interveniente e tomados em conta pela Câmara de Recurso. Impõe‑se constatar que estes elementos não têm por objeto a atividade em geral da interveniente e a notoriedade do nome adidas e que alguns de entre eles são, quando muito, relativos à sua atividade de produção de calçado de desporto e à difusão desses produtos revestidos de uma marca figurativa composta por três listas paralelas. Na medida em que os elementos mencionados supra, globalmente considerados, são, só por si, suficientes a fim de demonstrar o uso e o renome de certas marcas anteriores da interveniente aplicadas em calçado, designadamente da própria marca anterior e da marca alemã n.o 39950559, a recorrente não pode invocar utilmente o facto de que, entre o conjunto de peças apresentadas pela interveniente, algumas apresentam um caráter mais geral e são relativas à atividade desta última e à notoriedade do seu nome.

85      Em terceiro lugar, a recorrente alega que os documentos que mencionam especificamente a marca anterior são pouco numerosos e consistem quer em inquéritos realizados sobre um número reduzido de participantes em zonas geográficas limitadas, quer em decisões judiciais não assentes em provas do renome desta marca.

86      A este propósito, refira‑se que, por um lado, os inquéritos mencionados no n.o 71, supra, foram realizados em vários Estados‑Membros e junto de amostras significativas, a saber, 319 pessoas para o inquérito efetuado na Finlândia, 330 pessoas para o inquérito realizado em Espanha — e não só na cidade de Saragoça —, 500 pessoas para o inquérito realizado em Itália, 675 pessoas para o efetuado na Alemanha e 18 000 pessoas para o realizado na Suécia. A amostra de 82 pessoas, correspondente ao inquérito conduzido em Liverpool, afigura‑se, só por si, insuficiente para demonstrar, com segurança, o renome da marca anterior em todo o Reino Unido, ainda que este confirme um certo renome desta marca numa das cidades principais deste Estado‑Membro.

87      Por outro lado, a recorrente não contesta utilmente o valor probatório das decisões de tribunais nacionais que mencionam o renome da marca anterior ao se limitarem a alegar que não assentam em provas do renome.

88      Nestas condições, as objeções formuladas pela recorrente devem ser afastadas e os elementos mencionados nos n.os 70 a 73, supra, afiguram‑se suficientes para demonstrar que a marca anterior era conhecida de uma parte significativa do público pertinente, e isso numa parte substancial do território da União.

89      Por conseguinte, há que ratificar a apreciação feita pela Divisão de Oposição e depois pela Câmara de Recurso quanto à existência do renome da marca anterior.

90      Resulta das considerações precedentes que a primeira parte do fundamento deve ser afastada.

 Quanto à segunda parte, relativa à inexistência de violação do renome ou do caráter distintivo da marca anterior

91      No âmbito da segunda parte do fundamento, a recorrente sustenta, em substância, que, contrariamente ao que a Câmara de Recurso considerou, o uso da marca pedida não retira proveito indevido do caráter distintivo ou do renome da marca anterior e também não lhes causa prejuízo.

92      Esta parte divide‑se em quatro acusações, na medida em que a recorrente alega que o raciocínio da Câmara de Recurso está viciado por vários erros de apreciação que consistem, em primeiro lugar, numa má aplicação do «critério do consumidor médio», em segundo lugar, numa falta de apreciação global do grau de semelhança entre as marcas em conflito, em terceiro lugar, na falta de tomada em conta do reduzido caráter distintivo intrínseco da marca anterior e, em quarto lugar, na falta de apreciação autónoma e, de qualquer modo, numa apreciação errada do risco de violação do caráter distintivo ou do renome da marca anterior.

 Quanto à primeira acusação, relativa à má aplicação do «critério do consumidor médio»

93      A recorrente considera que a Câmara de Recurso aplicou mal o «critério do consumidor médio» e que, a este respeito, feriu a sua decisão de vários erros de análise, os quais, na sua maioria, já foram cometidos pelo Tribunal Geral no acórdão de anulação.

94      Acusa, em primeiro lugar, a Câmara de Recurso de ter considerado, erradamente, que o vestuário e o calçado de desporto eram bens de consumo corrente, quando, na realidade, se trata de bens especializados. Seguidamente, alega que a Câmara de Recurso ignorou o facto de que certas partes do vestuário e sapatos de desporto tinham uma função publicitária e ou de anúncio e que era, em especial, muito frequente que marcas ou sinais figurativos como listas fossem aplicadas sobre esses produtos. Explica que o consumidor médio de calçado de desporto está habituado a confiar nesses sinais no momento da escolha dos bens que compra e que, por essa razão, é geralmente capaz de distinguir diferentes marcas de sapatos de desporto, ainda que semelhantes. Sustenta, por fim, que a Câmara de Recurso ignorou o facto de que o consumidor médio prestava uma atenção especialmente elevada à parte lateral dos sapatos de desporto e às marcas figurativas que aí estavam aplicadas. Em consequência, a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação ao considerar que o consumidor médio de sapatos de desporto não demonstrava um nível de atenção elevado, mas apenas de um nível de atenção baixo.

95      Vista esta argumentação, afigura‑se que a primeira acusação da recorrente visa, em substância, pôr em causa a apreciação feita pela Câmara de Recurso no que diz respeito ao grau de atenção do público pertinente e reivindicar a tomada em conta de um grau de atenção elevado.

96      A este propósito, importa salientar que a Câmara de Recurso não definiu expressamente na decisão recorrida o grau de atenção do público pertinente.

97      No entanto, por um lado, a Câmara de Recurso mencionou, no n.o 10 da decisão impugnada, o facto de que tinha considerado, no n.o 51 da sua decisão anterior de 28 novembro de 2013, que o grau de atenção acordado pelo consumidor médio aos produtos em causa não era superior à média. Por outro lado, recordou, no n.o 57 da decisão impugnada, que o Tribunal Geral tinha igualmente considerado, no n.o 40 de acórdão de anulação, que a atenção prestada pelo consumidor médio dos referidos produtos era de um nível médio. Nestas condições, deve considerar‑se que a Câmara de Recurso considerou, na decisão impugnada, que o grau de atenção era médio, em conformidade com o acórdão de anulação.

98      Importa, consequentemente, examinar se é admissível que a recorrente impugne a apreciação feita pela Câmara de Recurso quanto ao grau de atenção do público pertinente e, sendo o caso, se a impugnação tem fundamento.

99      Com efeito, o EUIPO e a interveniente alegam que a questão do grau de atenção do público pertinente foi definitivamente resolvida pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça, respetivamente, no acórdão de anulação e no despacho proferido no recurso. O EUIPO precisa que estas decisões judiciais estão revestidas de autoridade do caso julgado.

100    A este propósito, importa salientar que, para declarar que a Câmara de Recurso tinha cometido erros na sua apreciação da semelhança dos sinais em conflito e para anular a Decisão de 28 de novembro de 2013, o Tribunal Geral baseou‑se, designadamente, nos n.os 33 e 40 do acórdão de anulação, na dupla circunstância, por um lado, de que as «sapatilhas de desporto» eram bens de consumo corrente e, por outro, que o público pertinente, constituído pelo consumidor médio normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, prestava um grau de atenção médio ao comprar as referidas «sapatilhas de desporto». A recorrente tentou contestar estas apreciações factuais no Tribunal de Justiça mas este último rejeitou a sua argumentação por ser, em parte, inadmissível e, em parte, manifestamente infundada (despacho proferido no recurso, n.os 11 a 18). Resulta daqui que acórdão de anulação da Decisão de 28 novembro de 2013 se tornou definitivo.

101    Ora, resulta de jurisprudência constante que um acórdão de anulação, uma vez tornado definitivo, fica revestido da autoridade absoluta de caso julgado (v. Acórdão de 29 abril de 2004, Itália/Comissão, C‑372/97, EU:C:2004:234, n.o 36 e jurisprudência referida). Essa autoridade está ligada quer ao dispositivo do acórdão quer aos fundamentos que constituem a base necessária desse dispositivo e que são, por essa razão, indissociáveis deste último [v. Acórdão de 1 de junho de 2006, P & O European Ferries (Vizcaya) e Diputación Foral de Vizcaya/Comissão, C‑442/03 P e C‑471/03 P, EU:C:2006:356, n.o 44 e jurisprudência referida].

102    Além do mais, por força do artigo 65.o, n.o 6, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001), o IHMI é obrigado a adotar as medidas que a execução do acórdão do Tribunal da União Europeia implica. A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, para dar cumprimento ao acórdão de anulação e executá‑lo plenamente, a instituição de que emana o ato anulado deve respeitar não só o dispositivo do acórdão, mas igualmente os fundamentos que a ele conduziram e que constituem a sua base necessária. São, com efeito, esses fundamentos que, por um lado, identificam a disposição exata considerada ilegal e, por outro, revelam as razões exatas da ilegalidade declarada no dispositivo, e que a instituição em questão deverá ter em consideração ao substituir o ato anulado [v. Acórdãos de 25 março de 2009, Kaul/IHMI — Bayer (ARCOL), T‑402/07, EU:T:2009:85, n.o 22 e jurisprudência referida, e de 13 abril de 2011, Safariland/IHMI — DEF‑TEC Defense Technology (FIRST DEFENSE AEROSOL PEPPER PROJECTOR), T‑262/09, EU:T:2011:171, n.o 41].

103    No caso vertente, há que constatar que os fundamentos do acórdão de anulação, recordados no n.o 100, supra, relativos ao grau de atenção do público pertinente constituem o apoio necessário do dispositivo deste acórdão. Consequentemente, estes fundamentos são, eles próprios, revestidos de autoridade absoluta de caso julgado e a Câmara de Recurso era obrigada a dar‑lhes cumprimento.

104    Ora, impõe‑se constatar que, ao considerar, conforme salientado no n.o 97, supra, que o grau de atenção era médio, a Câmara de Recurso deu efetiva e plenamente cumprimento aos fundamentos acima mencionados do referido acórdão de anulação.

105    Daqui resulta que é inadmissível a contestação pela recorrente do mérito da apreciação feita pela Câmara de Recurso no que diz respeito ao grau de atenção do público pertinente.

106    Quanto ao resto, note‑se que, contrariamente ao que a recorrente afirma, a Câmara de Recurso, na decisão impugnada, não qualificou de baixo o grau de atenção do público pertinente. Com efeito, resulta dos n.os 97 e 104, supra, que a Câmara de Recurso, na realidade, considerou que o grau de atenção era médio.

107    Além do mais, nenhum elemento dos autos é suscetível de pôr em causa essa apreciação e de justificar que o grau de atenção do consumidor médio dos produtos em causa seja qualificado de elevado. A este respeito, note‑se que, na sua anterior Decisão de 28 novembro de 2013, a Câmara de Recurso já tinha considerado, com razão, que esse consumidor não demonstrava um grau de atenção superior à média, porque os produtos em causa, abrangidos pela classe 25 (calçado e vestuário) eram produtos de grande consumo, que o consumidor da União compra e utiliza frequentemente, que não eram caros nem raros, que a sua compra e utilização não necessitavam de conhecimentos específicos e que não tinham impacto grave na saúde ou na vida do consumidor. Além disso, o Tribunal Geral já por várias vezes considerou que os produtos abrangidos pela classe 25, e em especial os «artigos de sapataria», as «sapatilhas de desporto» ou ainda os «sapatos», eram bens de consumo corrente aos quais o público pertinente presta um grau de atenção médio [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 2013, Zoo Sport/IHMI — K‑2 (zoo sport), T‑455/12, não publicado, EU:T:2013:531, n.os 28, 30, 36, 39 e 42, e de 25 fevereiro de 2016, Puma/IHMI — Sinda Poland (Representação de um animal), T‑692/14, não publicado, EU:T:2016:99, n.o 25]. Daqui resulta que, de qualquer modo, deve ser corroborada a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual o consumidor médio dos produtos designados pela marca pedida, a saber, os «artigos de sapataria» abrangidos pela classe 25, presta um grau de atenção médio.

108    Por conseguinte, a primeira acusação da segunda parte do fundamento é inadmissível e, de qualquer modo, infundada, pelo que deve ser afastada.

 Quanto à segunda acusação, baseada na falta de apreciação global do grau de semelhança entre as marcas em conflito

109    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso não apreciou corretamente, na decisão impugnada, o grau de semelhança entre as marcas em conflito. Com efeito, limitou‑se a adotar a conclusão do Tribunal Geral no acórdão de anulação, segundo a qual as marcas em conflito são, em certa medida, semelhantes, em vez de fazer a sua própria análise das semelhanças e das diferenças entre as referidas marcas. A recorrente precisa que a Câmara de Recurso deveria, em especial, ter tido em conta certas diferenças, relativas ao comprimento e à cor das listas, não mencionadas na Decisão de 28 novembro de 2013 e, por essa razão, não examinadas pelo Tribunal Geral no acórdão de 21 maio de 2015. Acrescenta quea Divisão de Oposição, por sua vez, procedeu a uma comparação aprofundada das marcas em conflito, baseando‑se, designadamente, na circunstância de que a marca pedida é uma «marca de posição», ao passo que a marca anterior é uma marca figurativa.

110    A este propósito, importa previamente registar que a Câmara de Recurso efetivamente considerou, nos n.os 58, 60 e 62 da decisão impugnada, que as marcas em conflito eram, em certa medida, semelhantes sobre o plano visual.

111    No entanto, resulta igualmente dos termos da decisão impugnada, designadamente, dos seus n.os 18, 20 e 57, que, para chegar a essa conclusão, a Câmara de Recurso baseou‑se na circunstância de que, no acórdão de anulação, o Tribunal Geral tinha analisado as semelhanças e as diferenças entre as marcas em conflito (acórdão de anulação, n.os 34, 35, 39 e 40) e tinha concluído que estas marcas eram, até certo grau, semelhantes sobre o plano visual (acórdão de anulação, n.o 43).

112    Ora, o EUIPO alega, acertadamente, que a questão da semelhança das marcas em conflito foi definitivamente resolvida através dos fundamentos do acórdão de anulação revestidos de autoridade de caso julgado.

113    Com efeito, os fundamentos deste acórdão que concluem pela existência de uma certa semelhança das marcas em conflito constituem o apoio necessário do dispositivo deste acórdão que anula a Decisão de 28 novembro de 2013. Importa, a este respeito, salientar que a anulação proferida pelo referido acórdão assenta no facto de que a apreciação errada feita pela Câmara de Recurso quanto à semelhança das marcas em conflito tinha influenciado, designadamente, a apreciação feita pela Câmara de Recurso quanto ao risco de que o público estabeleça uma ligação entre as marcas e que se verifique uma das violações referidas no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 (acórdão de anulação, n.os 51 a 54).

114    Daqui resulta que, em conformidade com a jurisprudência mencionada nos n.os 101 e 102, supra, a Câmara de Recurso não podia, ao proceder ao exame do mérito da oposição à luz das disposições do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, afastar‑se da apreciação efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão de anulação quanto à semelhança das marcas em conflito.

115    Por conseguinte, a recorrente não pode contestar os fundamentos da decisão impugnada retomando a conclusão do Tribunal Geral relativa à semelhança das marcas em conflito. Assim, não pode utilmente acusar a Câmara de Recurso de se ter limitado a adotar a referida conclusão em vez de fazer a sua própria análise do grau de semelhança entre as marcas em conflito.

116    Esta conclusão e a apreciação feita pelo Tribunal Geral e depois pela Câmara de Recurso não podem, de qualquer modo, ser postas em causa pelos restantes argumentos da recorrente mencionados no n.o 109, supra.

117    Com efeito, em primeiro lugar, embora seja exato que, como a recorrente realça, o Tribunal Geral indicou, no n.o 44 do acórdão de anulação, que alguns elementos perante ele invocados pelo EUIPO e pela recorrente, destinados a demonstrar que as marcas em conflito eram diferentes devido à cor e ao comprimento das listas paralelas aplicadas nos produtos da recorrente e da interveniente, «[não eram] pertinentes na medida em que [não tinham sido] mencionados pela Câmara de Recurso na Decisão [de 28 novembro de 2013]». O Tribunal Geral acrescentou igualmente, no n.o 44 do referido acórdão, que «[e]stes novos elementos não podem completar a fundamentação da Decisão [de 28 novembro de 2013] e não influenciam a apreciação da validade desta».

118    No entanto, refira‑se, por um lado, que o Tribunal Geral considerou igualmente, sempre no n.o 44 do acórdão de anulação, que, no que diz respeito ao argumento relativo à diferença de comprimento das listas que resulta da sua diferente inclinação, essa diferença insignificante entre as marcas em conflito não é percetível para o consumidor médio, na medida em que este demonstra um grau de atenção médio, e que não influencia a impressão de conjunto produzida pelas marcas em conflito resultante da presença de listas oblíquas largas sobre a parte lateral do sapato. Assim, verifica‑se que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o Tribunal Geral tomou efetivamente em consideração o facto de que as listas constitutivas das marcas em conflito podiam apresentar uma diferença de comprimento.

119    Por outro lado, embora seja verdade que o Tribunal Geral não tomou expressamente em consideração a cor das listas, precise‑se, em primeiro lugar, que incumbia à recorrente, se para tal considerasse ter razão, contestar, no recurso que interpôs contra o acórdão de anulação, essa falta de tomada em consideração. Seguidamente, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 59 do despacho proferido no recurso, que, tendo em conta, designadamente, o facto de que aí se tinha pronunciado sobre o argumento relativo à diferença de comprimento entre as listas, o Tribunal Geral tinha efetivamente feito, no acórdão de anulação, uma apreciação global das semelhanças e das diferenças entre as marcas em conflito. Por último, não resulta dos autos que a recorrente e a interveniente tenham solicitado o registo, respetivamente, da marca pedida e da marca anterior com uma indicação de cor, em conformidade com a regra 3, n.o 5, do Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO 1995, L 303, p. 1) [atual artigo 3.o, n.o 3, alíneas b) e f), do Regulamento de Execução (UE) 2017/1431 da Comissão, de 18 de maio de 2017, que estabelece as normas de execução de certas disposições do Regulamento (CE) n. o 207/2009 (JO 2017, L 205, p. 39)]. Quanto ao restante, embora as listas da marca pedida sejam de cor cinzenta ao passo que as da marca anterior são de cor preta, as marcas em conflito comportam, ambas, listas de cor escura, pelo que a pequena diferença de cor entre estas marcas não se afigura suscetível de invalidar a apreciação feita pelo Tribunal Geral e depois pela Câmara de Recurso quanto à existência de um certo grau de semelhança entre as marcas em conflito.

120    Em segundo lugar, a circunstância de a Divisão de Oposição ter, por sua vez, procedido a uma comparação aprofundada das marcas em conflito é, em si, irrelevante para o mérito da apreciação feita pelo Tribunal Geral e depois pela Câmara de Recurso a propósito da semelhança das marcas. Importa, além disso, salientar que a Divisão de Oposição não só considerou, na página 5 da sua Decisão de 22 de maio de 2012, que as diferenças visuais entre as marcas em conflito contrabalançavam as semelhanças entre estas, mas indicou igualmente, nas páginas 2, 5, 7 e 8 desta decisão, que as marcas em conflito apresentavam semelhanças e eram, por conseguinte, até certo grau, semelhantes.

121    Por outro lado, quanto ao argumento relativo ao facto de que a marca pedida é uma «marca de posição», ao passo que a marca anterior é uma marca figurativa, importa salientar que, como alegou o EUIPO na audiência, a marca anterior, reproduzida no n.o 7, supra, poderia igualmente ser qualificada de «marca de posição». Com efeito, a exemplo da marca pedida, a marca anterior compõe‑se unicamente por três listas paralelas aplicadas num sapato, cujo contorno é representado por uma linha tracejada, o que constitui um indício de que não faz parte da marca.

122    De qualquer modo, a recorrente não esclarece, e o Tribunal Geral não vê, como é que a diferença alegada entre as marcas em conflito é suscetível de reduzir o grau de semelhança dessas marcas.

123    A este propósito, refira‑se que, contrariamente ao Regulamento 2017/1431, o Regulamento n.o 207/2009 e o Regulamento n.o 2868/95 não mencionam as «marcas de posição» enquanto categoria especial de marcas. Além disso, as «marcas de posição» estão próximas das categorias de marcas figurativas e tridimensionais, dado que visam a aplicação de elementos figurativos ou tridimensionais à superfície de um produto [Acórdão de 15 junho de 2010, X Technology Swiss/IHMI (Peúga com a extremidade cor de laranja), T‑547/08, EU:T:2010:235, n.o 20; v., igualmente neste sentido, Acórdão de 26 fevereiro de 2014, Sartorius Lab Instruments/IHMI (Arco de círculo amarelo na parte inferior de um ecrã), T‑331/12, EU:T:2014:87, n.o 14].

124    Além disso, a própria recorrente indica, baseando‑se nas diretrizes do EUIPO, que a diferença entre estes dois tipos de marcas está ligada ao facto de que uma marca figurativa confere proteção global à marca, no seu todo, ao passo que uma marca de posição apenas confere proteção ao modo como a marca é apresentada.

125    Assim, supondo que está demonstrada, a diferença alegada entre as marcas em conflito, que consistem, ambas, em listas paralelas aplicadas num sapato, apenas pode afetar, no caso vertente, o alcance dos elementos protegidos por estas marcas e, consequentemente, não se afigura suscetível de ter incidência no grau de semelhança entre as referidas marcas, nem tão pouco na perceção que o público pertinente pode ter das referidas marcas.

126    De resto, assinale‑se que não resulta da decisão da Divisão de Oposição que esta última tenha retirado consequência alguma da diferença de qualificação entre as marcas em conflito quando da sua apreciação do grau de semelhança das referidas marcas.

127    Nestas condições, a recorrente não pode utilmente acusar a Câmara de Recurso de não ter tido em conta esta diferença entre as marcas em conflito.

128    Por conseguinte, a segunda acusação da segunda parte do fundamento deve ser afastada por ser inadmissível e, de qualquer modo, por ser infundada.

 Quanto à terceira acusação, relativa à falta de tomada em conta do diminuto caráter distintivo intrínseco da marca anterior

129    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso cometeu um erro de apreciação ao não se pronunciar, na decisão impugnada, sobre o grau de caráter distintivo da marca anterior e, em especial, ao não tomar em consideração o facto de que esta marca apresentava um caráter distintivo intrínseco diminuto. Com efeito, o grau de caráter distintivo, designadamente intrínseco, da marca anterior constitui um critério especialmente importante para efeito de apreciar, por um lado, o risco de que o público pertinente confunda, associe ou aproxime as marcas em conflito e, por outro, a probabilidade de que se verifique uma das violações visadas pelo artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009. Além do mais, mesmo perante uma marca de renome, o grau de caráter distintivo de uma marca depende do caráter distintivo intrínseco desta marca. Por outro lado, o facto de a marca pedida ser, como a marca anterior e em conformidade com uma prática frequente, aplicada em artigos de sapataria e de, portanto, as marcas em conflito serem utilizadas em produtos idênticos torna a marca anterior ainda menos única do que se as marcas em conflito tivessem sido utilizadas para produtos diferentes.

130    Resulta desta argumentação que a recorrente, por um lado, acusa a Câmara de Recurso de não ter examinado e definido o grau de caráter distintivo, designadamente intrínseco, da marca anterior e, por outro, alega que o grau de caráter distintivo desta marca é pouco elevado em razão, designadamente, do diminuto caráter distintivo intrínseco da referida marca.

131    Importa, em primeiro lugar, salientar que é exato que a Câmara de Recurso não tomou expressamente posição, na decisão impugnada, quanto ao grau de caráter distintivo, intrínseco ou adquirido pelo uso, da marca anterior.

132    No entanto, a Câmara de Recurso tinha precisado, nos n.os 65, 67 e 83 da sua precedente Decisão de 28 novembro de 2013, que, se as marcas anteriores da interveniente, designadamente a marca anterior e a marca alemã n.o 39950559, apresentavam um diminuto caráter distintivo intrínseco, esse caráter diminuto era compensado por um uso constante ao longo do tempo e a grande escala dessas marcas, pelo que estas tinham adquirido, no mínimo, um caráter distintivo normal. Esta apreciação do grau de caráter distintivo das referidas marcas anteriores não foi posta em causa pelo Tribunal Geral no acórdão de anulação. Além disso, o n.o 10 da decisão impugnada, que resume o raciocínio seguido pela Câmara de Recurso na Decisão de 28 de novembro de 2013, faz alusão à referida apreciação. Nestas condições, deve considerar‑se que a Câmara de Recurso manteve, na decisão impugnada, a sua precedente apreciação do grau de caráter distintivo da marca anterior.

133    Por conseguinte, a recorrente não tem razão em sustentar que a Câmara de Recurso omitiu totalmente, na decisão impugnada, tomar em consideração o grau de caráter distintivo da marca anterior.

134    Em segundo lugar, recorde‑se que resulta do exame da primeira parte do fundamento (v. n.os 65 a 90, supra) que a marca anterior goza de renome na União. Além do mais, no n.o 162, infra, será referido que esse renome pode ser qualificado de elevado.

135    Ora, sempre que o renome de uma marca estiver demonstrado, deixa de ter pertinência comprovar o caráter distintivo intrínseco dessa marca para que se considere que esta possui caráter distintivo (despacho proferido no recurso, n.os 75 e 76). Com efeito, uma marca anterior pode possuir um caráter distintivo particular não só intrínseco, mas igualmente graças à notoriedade que goza junto do público (v., por analogia, Acórdão de 11 novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, EU:C:1997:528, n.o 24), pelo que, quando uma marca adquiriu um caráter distintivo particular graças à sua notoriedade, um argumento baseado no facto de que essa marca possui um caráter distintivo intrínseco apenas diminuto é inoperante no quadro da apreciação da existência de uma ligação entre as marcas em conflito e, por conseguinte, de uma violação na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 (v., por analogia, Acórdão de 17 julho de 2008, L & D/IHMI, C‑488/06 P, EU:C:2008:420, n.os 67 e 68).

136    Nestas condições, a apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual a marca anterior possui, em razão do seu uso extensivo, um caráter distintivo normal pode apenas ser confirmada.

137    Por conseguinte, a recorrente não pode sustentar, em primeiro lugar, que a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta, na decisão impugnada, o grau de caráter distintivo intrínseco da marca anterior e, em segundo lugar, que, devido ao diminuto caráter distintivo intrínseco, o grau de caráter distintivo da marca anterior deveria ter sido reduzido.

138    A terceira acusação da segunda parte do fundamento deve, em consequência, ser afastada.

 Quanto à quarta acusação, baseada na falta de apreciação autónoma e, de qualquer modo, na apreciação errada do risco de violação do caráter distintivo ou do renome da marca anterior

139    A recorrente sustenta, em substância, que o uso da marca pedida não retira proveito indevido do caráter distintivo ou do renome da marca anterior e também não causa prejuízo.

140    Mais precisamente, a recorrente formula duas subacusações contra a decisão impugnada. Por um lado, a Câmara de Recurso não apreciou «de forma autónoma» se o uso da marca pedida retira indevidamente proveito do caráter distintivo ou do renome da marca anterior ou se lhes causa prejuízo. Por outro lado, a Câmara de Recurso não teve em conta o facto de que a interveniente não demonstrou, ao longo dos processos de oposição e depois de recurso, a existência de um proveito indevido ou de um prejuízo, apesar de as marcas em conflito terem coexistido pacificamente no mercado durante um número grande de anos e que, nestas condições, a violação alegada deveria ter aparecido claramente no mercado.

141    Importa, consequentemente, examinar se estas duas subacusações são procedentes, atentos os fundamentos da decisão recorrida, bem como todos os elementos pertinentes que figuram nos autos.

 Quanto à primeira subacusação, baseada na falta de exame autónomo da existência de uma violação ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior

142    Importa, previamente, apresentar brevemente o raciocínio seguido pela Câmara de Recurso na decisão impugnada.

143    No caso vertente, a Câmara de Recurso, em primeiro lugar, reconheceu, em substância, no n.o 61 da decisão impugnada, que, se a marca pedida estava registada, o grau de associação entre, por um lado, a marca anterior, a qual evoca um «goodwill», uma imagem de prestígio e uma boa reputação, e, por outro, a interveniente ficaria debilitada, pelo que a exclusividade da marca anterior ver‑se‑ia «diluída». A este propósito, a decisão recorrida faz referência a um «goodwill» substancial, resultante de várias décadas de promoção desta marca, de publicidade intensiva e de manutenção de uma grande presença no mercado.

144    A Câmara de Recurso referiu seguidamente, nos n.os 60, 62 e 63 da decisão impugnada, que a marca anterior gozava de um renome significativo e mundial, que as marcas em conflito eram semelhantes, que os produtos em causa eram idênticos e que, por conseguinte, os públicos pertinentes eram igualmente idênticos. No n.o 63 da decisão impugnada, acrescentou que, nestas condições, era inevitável que os clientes da recorrente conhecessem a marca anterior e estabelecessem um «ligação de associação» com a marca pedida.

145    Por último, tendo em conta estes elementos, a Câmara de Recurso considerou, no n.o 65 da decisão impugnada, que, no caso vertente, era muito provável que o uso da marca pedida retirava, intencionalmente ou não, indevidamente proveito do renome consagrado da marca anterior e do investimento considerável feito pela interveniente para alcançar este renome.

146    Resulta dos termos assim consagrados na decisão recorrida que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a Câmara de Recurso apreciou efetivamente, ela própria, se, no caso vertente, o uso da marca pedida poderia retirar indevidamente proveito do renome da marca anterior. Neste quadro, a Câmara de Recurso teve em conta, no n.o 61 da decisão recorrida e de modo incidental, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.o 50, supra, a possibilidade de que esse uso tenha violado o caráter distintivo da marca anterior, em razão da «diluição» da exclusividade da marca anterior.

147    Em contrapartida, a Câmara de Recurso, por um lado, não se pronunciou de forma indireta sobre a existência de um prejuízo causado ao renome da marca anterior e, por outro, apenas se pronunciou de forma indireta sobre a existência de um prejuízo causado ao caráter distintivo da marca anterior. Com efeito, para declarar a oposição procedente com fundamento no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, a Câmara de Recurso baseou‑se, antes de mais, no fundamento segundo o qual o uso da marca pedida retira indevidamente proveito do renome da marca anterior, fundamento ele próprio assente apenas parcialmente e indiretamente no risco de enfraquecimento ou de «diluição» do caráter distintivo desta marca.

148    No entanto, tendo em conta o caráter alternativo, recordado no n.o 37, supra, dos três tipos de violações previstos no artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, o argumento de que o uso da marca pedida retira indevidamente proveito do renome da marca anterior, se tivesse efetivamente fundamento, bastava para justificar uma recusa de registo, na condição que não tenha existido um justo motivo para o uso da marca pedida. Daqui resulta que a recorrente não pode utilmente acusar a Câmara de Recurso de não se ter pronunciado sobre a existência ou não de um outro tipo de violação, diferente do que foi declarado. Consequentemente, os argumentos da recorrente relativos à falta de exame pela Câmara de Recurso da existência de um prejuízo causado ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior são inoperantes.

149    Por conseguinte, a primeira subacusação da quarta acusação da segunda parte do fundamento deve ser afastada.

 Quanto à segunda subacusação, baseada na falta de demonstração da existência de uma violação ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior

150    Como salientado no n.o 140, supra, a recorrente sustenta, em substância, que a interveniente não demonstrou que o uso da marca pedida poderia, no futuro, violar o renome ou o caráter distintivo da marca anterior. Com efeito, a semelhança entre as marcas em conflito não é suficiente para que o público pertinente estabeleça uma ligação entre as marcas em conflito. Além disso, no passado, a marca pedida foi utilizada durante muitos anos juntamente com a marca anterior sem que, apesar disso, e até ao momento, tenha sido posto em evidência no mercado qualquer proveito indevidamente retirado do renome ou do caráter distintivo da marca anterior, nem se tenha causado qualquer prejuízo a essa marca.

151    A título preliminar, recorde‑se que, conforme salientado nos n.os 147 e 148, supra, por um lado, a decisão recorrida assenta, antes de mais, no fundamento segundo o qual o uso da marca pedida poderia retirar indevidamente proveito do renome da marca anterior e, por outro, o risco de que se verifique essa violação é, só por si, suficiente para basear uma recusa de registo, desde que não exista um justo motivo para o uso da marca pedida. Consequentemente, a acusação relativa à falta de demonstração pela interveniente da existência de uma violação visada pelo artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009 só é operante na medida em que se destina a contestar a existência de um risco de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior. Daqui resulta que não será necessário examinar se o uso da marca pedida é suscetível de causar prejuízo ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior.

152    Como foi indicado nos n.os 30 e 46, supra, a existência ou não, por um lado, de uma ligação entre as marcas em conflito e, por outro, de um risco de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior deve ser apreciada de forma global, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso concreto.

153    Alguns desses fatores, designadamente os mencionados nos n.os 30, 31 e 47, supra, implicam uma análise prévia da parte dos órgãos competentes do EUIPO, a saber, a Divisão de Oposição e, se for caso disso, a Câmara de Recurso. Trata‑se, designadamente, do grau de atenção do público pertinente, do grau de proximidade dos produtos em causa, do grau de semelhança entre as marcas em conflito, da intensidade do renome da marca anterior e do grau de caráter distintivo desta última marca.

154    Além disso, o titular da marca anterior pode apresentar, e os órgãos competentes do EUIPO ter em conta, outros elementos pertinentes a fim de demonstrar, mais especificamente, a existência ou não de um risco de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior.

155    Nestas condições, importa começar, num primeiro momento, por recordar e, se for caso disso, fiscalizar as apreciações feitas pela Câmara de Recurso acerca dos fatores pertinentes mencionados no n.o 153, supra. Depois, num segundo e num terceiro momentos, haverá que fiscalizar tendo em conta os referidos fatores, os restantes elementos apresentados pela interveniente na Câmara de Recurso ou que esta teve em conta na decisão recorrida e a eventual relevância da coexistência das marcas em conflito invocada pela recorrente, e se a Câmara de Recurso cometeu ou não um erro de apreciação ao concluir, no caso vertente, pela existência de uma ligação entre as marcas em conflito e de um risque de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior.

 Apreciações prévias sobre os fatores pertinentes

 Quanto ao grau de atenção do público pertinente

156    Resulta do exame da primeira acusação da segunda parte do fundamento (v. n.os 93 a 108, supra) que foi acertadamente que a Câmara de Recurso considerou, na decisão impugnada, que o público pertinente, ou seja, o consumidor médio dos produtos designados pela marca pedida, prestava um grau de atenção médio.

 Grau de proximidade dos produtos em causa

157    No n.o 53 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso constatou que a marca anterior e a marca pedida designavam, ambas, dois dos «artigos de sapataria», pelo que os produtos em causa eram idênticos.

158    A recorrente não contesta de modo nenhum a identidade, evidente, dos produtos em causa, reafirmada nos n.os 60 e 62 a 64 da decisão impugnada. Pelo que importa confirmar a apreciação feita, sobre este ponto, pela Câmara de Recurso.

 Grau de semelhança entre as marcas em conflito

159    Resulta do exame da segunda acusação da segunda parte do fundamento (v. n.os 109 a 128, supra) que foi acertadamente que a Câmara de Recurso considerou, na decisão impugnada, que as marcas em conflito eram, até certo grau, semelhantes.

 Intensidade do renome da marca anterior

160    Importa, previamente, recordar que resulta do exame da primeira parte do fundamento (v. n.os 65 a 90, supra) que a Câmara de Recurso considerou, acertadamente, na decisão recorrida, que a marca anterior gozava de renome na União.

161    Quanto à intensidade desse renome, resulta dos n.os 33 e 36 a 38 da decisão recorrida que a Câmara de Recurso considerou que a marca anterior gozava de renome elevado. Precisou igualmente, nos n.os 41 e 62 da decisão impugnada, que esse renome era antigo, persistente, significativo e mundial. Em contrapartida, não fez sua a argumentação da interveniente que sustentava, na página 11 da sua oposição, que a sua marca beneficiava de um renome excecional.

162    A recorrente, que contesta a própria existência do renome da marca anterior, não formula nenhuma crítica específica contra a apreciação feita pela Câmara de Recurso a propósito da intensidade desse renome. Ora, os elementos de prova examinados no âmbito da primeira parte do fundamento afiguram‑se suficientes para demonstrar, para além da própria existência de renome, o nível elevado desta. Além do mais, no n.o 47 do acórdão de anulação, o Tribunal Geral fez referência, sem a pôr em causa, a conclusão retirada pela Câmara de Recurso no n.o 66 da Decisão de 28 de novembro de 2013, segundo a qual a marca anterior gozava de um renome elevado («importante» segundo o Tribunal Geral).

163    Nestas condições, importa confirmar a apreciação feita pela Câmara de Recurso quanto à intensidade do renome da marca anterior.

 Quanto à alegada alteração do caráter distintivo da marca anterior

164    Resulta do exame da terceira acusação da segunda parte do fundamento (v. n.os 129 a 138, supra) que a Câmara de Recurso considerou, acertadamente, na decisão recorrida que a marca anterior possuía, em razão do seu uso extensivo, um caráter distintivo normal.

 Apreciação global sobre a existência de uma ligação entre as marcas em conflito

165    Como foi referido no n.o 144, supra, a Câmara de Recurso, baseando‑se designadamente na semelhança, ainda que «menor», das marcas em conflito, na identidade dos produtos em causa e na intensidade do renome da marca anterior, concluiu, no n.o 63 da decisão impugnada, pela existência, no espírito do público pertinente, de uma ligação entre as marcas em conflito.

166    A recorrente contesta esta conclusão alegando que a Câmara de Recurso apreciou mal o grau de atenção do público pertinente, o grau de semelhança das marcas em conflito, bem como a importância do renome, e, por conseguinte, do caráter distintivo da marca anterior.

167    Importa, todavia, salientar, por um lado, que a argumentação da recorrente relativa a pretensos erros da Câmara de Recurso na apreciação desses fatores já foi afastada no âmbito da primeira parte do fundamento e das três primeiras acusações da segunda parte do referido fundamento.

168    Por outro lado, os fatores tidos em conta pela Câmara de Recurso estão entre os que são julgados pertinentes a fim de demonstrar a existência dessa ligação (v. jurisprudência mencionada nos n.os 30 e 31, supra). Em especial, foi acertadamente que a Câmara de Recurso salientou, no n.o 63 da decisão impugnada, que, no âmbito do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009, um grau de semelhança «menor» entre as marcas em conflito podia ser suficiente para que o público pertinente estabeleça uma ligação entre estas (v. jurisprudência mencionada no n.o 29, supra).

169    A recorrente não apresenta outra argumentação especificamente dirigida contra a conclusão da Câmara de Recurso segundo a qual o público pertinente poderia estabelecer uma ligação entre as marcas em conflito.

170    No entanto, para contestar a existência de um risco de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior, a recorrente faz referência à coexistência pacífica das marcas em conflito no mercado durante um grande número de anos e da inexistência de confusão, no espírito do público, quanto à origem dos seus produtos. Além do mais, para sustentar que tinha um justo motivo para utilizar a marca pedida, a recorrente precisa que existe uma possibilidade de que essa coexistência reduza o risco de que uma ligação seja estabelecida no espírito dos consumidores entre as duas marcas.

171    Ora, segundo a jurisprudência recordada nos n.os 32 a 34, supra, a coexistência passada das marcas em conflito no mercado pode contribuir para reduzir o risco de aproximação, no futuro, entre estas marcas e, por conseguinte, a probabilidade de que seja estabelecida, no espírito do público pertinente, uma ligação entre estas, na condição, todavia, de que, designadamente, essa coexistência tenha apresentado um caráter pacífico e, por conseguinte, tenha, ela própria, repousado na ausência de risco de aproximação.

172    Nestas condições, importa apreciar se esta condição está preenchida.

173    No caso vertente, para justificar a coexistência das marcas em conflito, a recorrente faz referência ao uso da marca pedida e de várias outras marcas ou sinais semelhantes que consistem em duas listas paralelas aplicadas num sapato.

174    Não é necessário, nesta fase, examinar o conjunto dos argumentos apresentados pelas partes, essencialmente no âmbito da terceira parte do fundamento, relativamente a essa coexistência. Em especial, não é útil, para efeitos do que a seguir será exposto, apreciar se, e em que medida, a recorrente apresenta prova da realidade e do alcance do uso da marca pedida, o que a interveniente contesta igualmente.

175    Com efeito, é pacífico, em primeiro lugar, que a interveniente contestou num tribunal alemão, o Landgericht München (Tribunal Regional de Munique, Alemanha), o uso pela sociedade Patrick International SA, apresentada como o antecessor da recorrente, de uma marca que consiste em duas listas paralelas aplicadas num sapato e que, por Decisão de 12 novembro de 1990, o referido tribunal proibiu a essa sociedade a comercialização dos produtos que contenham essa marca com fundamento no facto de que existia um risco de confusão com certas marcas nacionais da interveniente. A marca então impugnada apresentava‑se do seguinte modo:

Image not found

176    É verdade que a marca utilizada pela sociedade Patrick International não era idêntica à marca pedida e, no litígio que teve de resolver, o tribunal alemão acima mencionado considerou que a marca em questão dava a impressão de uma marca com três listas. No entanto, independentemente da apreciação feita por esse tribunal, a marca em questão é suficientemente próxima da marca pedida para que a contestação, pela interveniente, do seu uso possa ser tomada em consideração a fim de apreciar o caráter pacífico ou conflituoso da coexistência alegada entre, por um lado, as marcas com duas listas da recorrente e, por outro, as marcas com três listas da interveniente quando essas diferentes marcas são aplicadas em calçado.

177    Em segundo lugar, refira‑se que o presente litígio não é o primeiro que opõe a recorrente à interveniente a propósito do registo, pela recorrente, de uma marca da União Europeia que consiste em duas listas paralelas aplicadas num sapato.

178    Com efeito, quando a recorrente solicitou, em 1 de julho de 2009, o registo da marca pedida, a interveniente já tinha deduzido oposição ao registo de uma marca depositada pela recorrente e que apresentava as mesmas características que a marca pedida, visto que se tinha oposto, em 30 de julho de 2004, ao registo de uma marca com duas listas semelhante à marca pedida para produtos abrangidos pelas classes 18, 25 e 28.

179    Consequentemente, tendo em conta o litígio desencadeado na Alemanha em 1990 e a oposição anterior deduzida em 2004, a alegada coexistência no mercado entre, por um lado, a marca pedida ou outras marcas semelhantes da recorrente e, por outro, a marca anterior ou outras marcas semelhantes da interveniente não pode ser qualificada de pacífica. Consequentemente, esta coexistência não assentava, ela própria, na ausência de risco de aproximação entre as marcas em conflito.

180    Nestas condições, deve ser confirmada a apreciação feita pela Câmara de Recurso quanto à existência de uma ligação entre as marcas em conflito.

 Apreciação global sobre o risco de ser indevidamente retirado proveito do renome da marca anterior

181    Em primeiro lugar, resulta dos n.os 60 a 65 da decisão recorrida que, para concluir no caso vertente pela existência de um risco de proveito ser indevidamente retirado do renome da marca anterior, a Câmara de Recurso baseou‑se mais especificamente, por um lado, no grau elevado do renome da marca anterior, e, por outro, na identidade dos produtos em causa.

182    Embora seja verdade, como foi realçado no n.o 161, supra, que a Câmara de Recurso não qualificou de excecional o renome da marca anterior, pelo que a existência de uma violação não pode, por essa simples razão, ser presumida em aplicação da jurisprudência mencionada no n.o 41, supra. No entanto, a Câmara de Recurso considerou, acertadamente, que a marca anterior gozava de um renome elevado, antigo e persistente.

183    Ora, importa recordar que, quanto mais importante for o renome da marca anterior, mais provável é que o uso de uma marca semelhante a essa marca retirará proveito do renome da marca anterior (v. jurisprudência referida no n.o 48, supra).

184    Do mesmo modo, quanto mais importante for a semelhança entre os produtos ou os serviços abrangidos pelas marcas em conflito, mais provável é que esse proveito se verifique (v. n.o 49, supra). Foi, portanto, acertadamente que a Câmara de Recurso salientou, no n.o 64 da decisão impugnada, que, na medida em que, no caso vertente, os produtos em causa eram idênticos, era lógico que um proveito indevido tivesse maior probabilidade de se verificar do que nos casos em que os produtos em causa eram diferentes.

185    Daqui resulta que a dupla circunstância, referida pela Câmara de Recurso relativa, por um lado, ao facto de que a marca anterior goza de um renome elevado, antigo e persistente e, por outro, de que os produtos designados pelas marcas em conflito são idênticos, é suscetível de aumentar fortemente a probabilidade de que um proveito indevido se verifique.

186    Em segundo lugar, como já foi salientado no n.o 143, supra, a Câmara de Recurso admitiu, no n.o 61 da decisão impugnada, que a marca anterior evocava um «goodwill» substancial, uma imagem de prestígio e uma boa reputação e que esse «goodwill» tinha sido adquirido graças a décadas de promoção desta marca, de publicidade intensiva e de manutenção de uma grande presença no mercado. Fez igualmente referência, no n.o 65 da decisão impugnada, ao investimento considerável efetuado pela interveniente para alcançar o renome de que gozava a marca anterior.

187    A este propósito, resulta das páginas 12 a 14 da oposição que a interveniente tinha feito referência, na Divisão de Oposição, não só ao renome da sua marca anterior, à semelhança das marcas em conflito e à semelhança dos produtos em causa, mas igualmente ao facto de que a marca anterior beneficiava de um poder de atração, ligado a uma imagem de qualidade e de prestígio e adquirido na sequência de várias décadas de investimento, de inovação e de publicidade. Nessa ocasião, a interveniente tinha explicado que, em caso de uso da marca pedida, as qualidades positivas associadas aos produtos da marca anterior seriam transferidas para os produtos da recorrente.

188    É, portanto inexato afirmar, como faz a recorrente, que a interveniente não apresentou nenhum elemento pertinente a fim de demonstrar a existência de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior.

189    Além do mais, a recorrente não contesta a realidade e a importância dos efeitos comerciais desenvolvidos pela interveniente durante várias décadas para criar e manter a imagem da sua marca, acumular «goodwill» e aumentar, assim, o valor económico intrínseco desta marca.

190    Ora, a importância dos esforços assim desenvolvidos pelo titular da marca anterior de renome torna ainda mais plausível o risco de que terceiros sejam tentados, através do uso de uma marca semelhante à referida marca, de se colocarem no rasto desta última para beneficiar do seu poder de atração, da sua reputação e do seu prestígio e, deste modo, explorar, sem nenhuma compensação financeira e sem ter de fazer esforços próprios, os esforços comerciais feitos pelo titular da marca anterior.

191    Em terceiro lugar, o EUIPO e a interveniente alegam que a recorrente, ou pelo menos o seu alegado antecessor, fez claramente alusão à marca anterior, que comporta três listas, ao utilizar o slogan «two stripes are enough» (duas listas bastam) numa campanha de publicidade feita em 2007 em Espanha e em Portugal destinada a promover os seus próprios produtos, vendidos sob uma marca composta por duas listas.

192    A recorrente não nega que o slogan «two stripes are enough» foi efetivamente utilizado para promover alguns dos seus produtos. Ora, é manifesto que a utilização desse slogan se destinava a evocar a marca anterior, conhecida do consumidor em razão do seu renome, e a sugerir que os produtos vendidos pela recorrente sob uma marca com duas listas apresentavam qualidades equivalentes aos produtos vendidos pela interveniente sob uma marca com três listas. Nestas condições, a campanha de publicidade feita em 2007 em Espanha e em Portugal deve ser analisada como uma tentativa de exploração do renome da marca anterior. Tal comportamento, constatado quando do uso efetivo de uma marca semelhante à marca pedida, constitui um elemento concreto especialmente pertinente para demonstrar a existência de um risco de proveito indevidamente retirado do renome da marca anterior (v. jurisprudência referida no n.o 39, supra).

193    Em quarto lugar, para contestar o risco de que o uso da marca pedida retira indevidamente proveito do renome da marca anterior, a recorrente limita‑se a sustentar que esse risco não se concretizou no passado, enquanto as marcas em conflito coexistiam no mercado.

194    Ora, resulta dos n.os 174 a 179, supra, que não se pode considerar que a coexistência alegada das marcas em conflito apresenta um caráter pacífico. Além disso, foi salientado no n.o 192, supra, que a utilização da marca pedida já deu lugar a, pelo menos, uma tentativa no sentido de retirar indevidamente proveito do renome da marca anterior.

195    Daqui resulta que a alegada coexistência, no passado, das marcas em conflito no mercado não permite excluir o aparecimento, no futuro, da violação ao renome da marca anterior declarada pela Câmara de Recurso.

196    Nestas condições, e tendo em conta o conjunto dos fatores pertinentes, os elementos apresentados pela interveniente na Câmara de Recurso e os considerados por esta bastam para demonstrar a existência de um risco sério de parasitismo. Consequentemente, a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que era provável que o uso da marca pedida retirou indevidamente proveito do renome da marca anterior.

197    Por conseguinte, a segunda subacusação da quarta acusação da segunda parte do fundamento e, portanto, esta acusação e esta parte na íntegra devem ser afastadas.

 Quanto à terceira parte, baseada na existência de um justo motivo para o uso da marca pedida

198    No âmbito da terceira parte do fundamento, a recorrente sustenta que, contrariamente ao que a Câmara de Recurso considerou, a recorrente demonstrou a existência de justo motivo ao apresentar, ao longo do processo de oposição, elementos de prova que demonstram um uso, durante um longo período, da marca pedida.

199    Esta parte pode ser dividida em duas acusações, na medida em que a recorrente parece censurar à Câmara de Recurso, por um lado, o facto de não ter examinado os seus elementos de prova relativos ao uso da marca pedida e, por outro, o facto de não ter considerado que estes elementos de prova demonstravam a existência de um justo motivo.

 Quanto à primeira acusação, baseada na falta de exame dos elementos de prova relativos ao uso da marca pedida

200    Recorde‑se que, como foi referido no n.o 58, supra, o uso por um terceiro de uma marca pedida similar a uma marca anterior de renome é suscetível, sob determinadas condições, de ser qualificada de justo motivo na aceção do artigo 8.o, n.o 5, do Regulamento no 207/2009.

201    Assim, a recorrente pode utilmente invocar o uso da marca pedida e a Câmara de Recurso tinha o dever de examinar os elementos de prova apresentados para esse efeito no EUIPO pela recorrente.

202    A este propósito, a recorrente parece sustentar, baseando‑se no n.o 65 da decisão impugnada, que a Câmara de Recurso não examinou os seus elementos de prova relativos à existência de um justo motivo.

203    Ora, no caso vertente, a Câmara de Recurso não só indicou, no n.o 65 da decisão impugnada, que a recorrente não tinha fornecido razões que demonstrassem a existência de um justo motivo, mas precisou igualmente, no n.o 66 dessa mesma decisão, que a coexistência alegada das marcas em conflito não apresentava um caráter pacífico. Com isso, a Câmara de Recurso respondeu, como salienta o EUIPO na sua resposta, ao principal argumento adiantado pela recorrente para demonstrar a existência de um justo motivo. Nestas condições, a recorrente não pode sustentar que a Câmara de Recurso não teve em consideração os seus elementos de prova.

204    Por conseguinte, a primeira acusação da terceira parte do fundamento deve ser afastada.

 Quanto à segunda acusação, relativa ao erro de apreciação quanto à existência de um justo motivo

205    A recorrente insiste no facto de que as marcas em conflito coexistiram durante várias décadas, com o consentimento da interveniente. Censura igualmente à Câmara de Recurso o facto de esta não ter tido em conta os efeitos de uma eventual proibição de utilização da marca pedida.

206    A este propósito, importa observar que, para constituir um justo motivo, o uso da marca pedida deve preencher várias condições, recordadas nos n.os 59 a 63, supra.

207    Em especial, recorde‑se, em primeiro lugar, que, quando a marca anterior de renome é uma marca da União Europeia, a marca pedida deve ter sido utilizada em todo o território da União (v. n.o 62, supra, e jurisprudência referida).

208    Ora, no caso vertente, como salientam o EUIPO e a interveniente, a recorrente não demonstra, nem sequer alega, ter utilizado a marca pedida em todo o território da União. Deste modo, nas suas observações apresentadas em 14 junho de 2011 na Divisão de Oposição, fazia referência a uma coexistência das marcas em conflito unicamente no mercado alemão e não indicava ter efetivamente utilizado as suas marcas que consistem em duas listas paralelas aplicadas num sapato registadas nos restantes Estados‑Membros. Além do mais, os elementos de prova apresentados no EUIPO pela recorrente diziam respeito, no essencial, a um uso da marca pedida ou de outras marcas semelhantes na Alemanha ou em França.

209    Em segundo lugar, recorde‑se que, para constituir um justo motivo, o uso da marca pedida não deve, em princípio, ter sido objeto de contestação da parte do titular da marca anterior de renome. Deste modo, a coexistência alegada entre as marcas em conflito deve apresentar um caráter pacífico (v. jurisprudência mencionada no n.o 63, supra).

210    Ora, já foi referido nos n.os 179 e 194, supra, que, como alegam o EUIPO e a interveniente, a coexistência alegada das marcas em conflito não apresentava um caráter pacífico. Por conseguinte, a recorrente não tem razão em sustentar que a interveniente tolerou ou consentiu no uso da marca pedida.

211    Em terceiro lugar, de um modo mais geral, e como foi referido nos n.os 56 e 59, supra, o titular da marca pedida, ou o seu predecessor, devia estar de boa‑fé quando do uso da marca pedida.

212    Ora, no caso vertente, a conceção e a utilização do slogan «two stripes are enough» revela, como já foi salientado nos n.os 192 e 194, supra, que a utilização da marca pedida deu lugar a, pelo menos, uma tentativa destinada a retirar proveito do renome da marca anterior. Consequentemente, como alega a interveniente, não se pode considerar que o uso da marca pedida foi, no caso vertente, feito sempre de boa‑fé.

213    Nestas condições, o uso da marca pedida invocado pela recorrente não pode ser considerado um motivo suscetível de justificar que esta última possa registar esta marca como marca da União Europeia, visto o risco de retirar proveito do renome da marca anterior.

214    Esta conclusão não pode ser invalidada pelo argumento da recorrente baseado nos efeitos que para ela teria uma eventual proibição de utilização da marca pedida. Com efeito, por um lado, a recorrente não fornece precisão alguma quanto à natureza e à importância desses efeitos. Por outro lado, a decisão impugnada tem, de qualquer modo, por único objeto recusar o registo da marca pedida enquanto marca da União Europeia e não proibir a recorrente de utilizar esta marca no território de um ou de vários Estados‑Membros nos quais esta marca está registada ou mesmo simplesmente utilizada sob pretexto de um justo motivo na aceção do artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25).

215    Daqui resulta que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que a recorrente não tinha demonstrado a existência de um justo motivo para o uso da marca pedida.

216    Por conseguinte, a segunda acusação da terceira parte do fundamento único deve ser afastada, bem como, em consequência, esta terceira parte e o fundamento na íntegra.

217    Atento o que precede, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

218    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

219    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos dos pedidos do EUIPO e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Shoe Branding Europe BVBA é condenada nas despesas.

Gervasoni

Madise

Kowalik‑Bańczyk

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de março de 2018.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Pedidos das partes

Questão de direito

Considerações gerais relativas ao artigo 8. o, n.o 5, do Regulamento n.o 207/2009

Conceito de renome da marca anterior

Necessidade de uma ligação entre as marcas em conflito

Tipos de violações do renome ou do caráter distintivo da marca anterior

Regras de prova e articulação entre a existência de uma violação e a existência de um justo motivo

Conceito de proveito indevidamente retirado do caráter distintivo ou do renome da marca anterior

Conceito de justo motivo

Quanto à primeira parte, relativa à inexistência de renome da marca anterior

Quanto à segunda parte, relativa à inexistência de violação do renome ou do caráter distintivo da marca anterior

Quanto à primeira acusação, relativa à má aplicação do «critério do consumidor médio»

Quanto à segunda acusação, baseada na falta de apreciação global do grau de semelhança entre as marcas em conflito

Quanto à terceira acusação, relativa à falta de tomada em conta do diminuto caráter distintivo intrínseco da marca anterior

Quanto à quarta acusação, baseada na falta de apreciação autónoma e, de qualquer modo, na apreciação errada do risco de violação do caráter distintivo ou do renome da marca anterior

Quanto à primeira subacusação, baseada na falta de exame autónomo da existência de uma violação ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior

Quanto à segunda subacusação, baseada na falta de demonstração da existência de uma violação ao renome ou ao caráter distintivo da marca anterior

Apreciações prévias sobre os fatores pertinentes

Quanto ao grau de atenção do público pertinente

Grau de proximidade dos produtos em causa

Grau de semelhança entre as marcas em conflito

Intensidade do renome da marca anterior

Quanto à alegada alteração do caráter distintivo da marca anterior

Apreciação global sobre a existência de uma ligação entre as marcas em conflito

Apreciação global sobre o risco de ser indevidamente retirado proveito do renome da marca anterior

Quanto à terceira parte, baseada na existência de um justo motivo para o uso da marca pedida

Quanto à primeira acusação, baseada na falta de exame dos elementos de prova relativos ao uso da marca pedida

Quanto à segunda acusação, relativa ao erro de apreciação quanto à existência de um justo motivo

Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.