Language of document : ECLI:EU:C:2019:973

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 14 de novembro de 2019(1)

Processo C454/18

Baltic Cable AB

contra

Energimarknadsinspektionen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping, Suécia)]

«Reenvio prejudicial — Comércio transfronteiriço de eletricidade — Regulamento (CE) n.o 714/2009 — Empresa que apenas opera uma interligação — Conceito de “operador de redes de transporte” — Utilização de receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação»






1.        O presente processo tem por objeto a interpretação do Regulamento (CE) n.o 714/2009 (2), que regula o acesso à infraestrutura necessária ao comércio transfronteiriço de eletricidade e que prevê, nomeadamente, as regras relativas ao financiamento dessa infraestrutura.

2.        O litígio surge na sequência de uma decisão através da qual a entidade reguladora sueca, a saber, a Energimarknadsinspektionen (Inspeção do Mercado da Energia, Suécia) (a seguir «EI») (3), solicitou ao operador do Baltic Cable, um cabo elétrico de alta tensão, também designado por interligação, que liga a rede de transporte sueca de eletricidade à rede de transporte do Noroeste da Alemanha, que colocasse as suas receitas de congestionamento propriamente ditas numa linha de conta interna separada, impedindo assim esse operador, nomeadamente a Baltic Cable AB (a seguir «BCAB»), de utilizar livremente tais receitas.

3.        Entende‑se por congestionamento uma situação em que a capacidade de interconexão entre duas redes de transporte nacionais é insuficiente para suportar todas as transações resultantes do comércio internacional efetuado pelos operadores do mercado (4). O congestionamento ocorre devido à falta de capacidade das interconexões e/ou das redes de transporte nacionais em causa. Um estudo recente reiterou a necessidade urgente de intensificar a capacidade de interconexão na União (5).

4.        Para os problemas de congestionamento, devem ser encontradas soluções não discriminatórias baseadas no mercado (6). Por conseguinte, a capacidade disponível deve ser licitada (7). O preço da capacidade licitada corresponde, em princípio, à diferença nos preços grossistas da eletricidade entre as duas redes de transporte interligadas. Esta diferença, ou receita proveniente do congestionamento, reverte a favor do operador da interligação (8). Portanto, o congestionamento pode originar lucros substanciais para esse operador.

5.        As receitas provenientes do congestionamento não podem, contudo, ser utilizadas livremente pelo operador da interligação. Nos termos do artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009, tais receitas devem ser utilizadas para garantir a efetiva disponibilidade da capacidade atribuída ou para manter ou aumentar as capacidades de interligação através de investimentos na rede, nomeadamente através de novas interligações. Se não puderem ser utilizadas para nenhum destes dois objetivos, as receitas de congestionamento podem ser utilizadas, até um montante máximo a decidir pelas entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa, para reduzir as tarifas da rede. As restantes receitas devem ser colocadas numa linha de conta interna separada até poderem ser utilizadas para as duas finalidades supracitadas.

6.        No caso em apreço, a EI decidiu que a BCAB não podia utilizar as receitas provenientes do congestionamento para cobrir os custos de funcionamento e manutenção do Baltic Cable, uma vez que as despesas resultantes não foram efetuadas para garantir a efetiva disponibilidade da capacidade atribuída nem para manter ou aumentar as capacidades de interligação através de investimentos na rede. Por conseguinte, foi solicitado à BCAB que colocasse essas receitas numa linha de conta interna separada até poderem ser utilizadas para esse efeito.

7.        O Tribunal de Justiça é chamado a interpretar, pela primeira vez, o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 (9) no quadro de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping, Suécia). O órgão jurisdicional de reenvio pretende que o Tribunal de Justiça decida se as receitas associadas ao congestionamento podem ser utilizadas para cobrir os custos decorrentes do funcionamento e da manutenção de uma interligação ou para distribuir os lucros pelos acionistas do operador dessa interligação. Esta questão é tão mais importante se tivermos em consideração que, no caso em apreço, a BCAB se dedica exclusivamente à exploração da interligação. Esta empresa alega que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação constituem a sua única fonte de rendimento, pelo que, caso o Tribunal de Justiça responda no sentido de que as receitas de congestionamento não podem ser utilizadas para cobrir os custos de funcionamento e manutenção, a BCAB não poderá recuperar esses custos e muito menos obter lucros. Por este motivo, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 deva ser interpretado no sentido de que se opõe à utilização das receitas provenientes do congestionamento para cobrir os custos de funcionamento e manutenção e para obter rendimentos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda ao Tribunal de Justiça se tal disposição é válida e, em especial, conforme com o princípio da proporcionalidade.

I.      Quadro jurídico

8.        O artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 prevê:

«As receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação devem ser utilizadas para as seguintes finalidades:

a)      Garantia da efetiva disponibilidade da capacidade atribuída; e/ou

b)      Manter ou aumentar as capacidades de interligação através de investimentos na rede, nomeadamente através de novas interligações.

Se não puderem ser utilizadas eficazmente para os objetivos estabelecidos nas alíneas a) e/ou b) do primeiro parágrafo, as receitas podem ser utilizadas, sob reserva da aprovação das entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa, até um montante máximo a decidir por essas entidades reguladoras, como rendimento a ser tido em conta pelas entidades reguladoras ao aprovarem a metodologia para o cálculo das tarifas da rede e/ou para a fixação das tarifas da rede.

As restantes receitas devem ser colocadas numa linha de conta interna separada até ao momento de poderem ser utilizadas para as finalidades enunciadas nas alíneas a) e/ou b) do primeiro parágrafo. A entidade reguladora deve informar a Agência da decisão de aprovação a que se refere o segundo parágrafo.»

II.    Matéria de facto, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

9.        Conforme referido anteriormente, a BCAB é uma empresa sueca cuja única atividade consiste na exploração do Baltic Cable, de que é proprietária. A BCAB não cobra qualquer encargo pelo acesso ao Baltic Cable.

10.      Em conformidade com o ponto 6.5 do anexo I do Regulamento n.o 714/2009, a EI publica anualmente um relatório sobre o montante e a utilização das receitas associadas ao congestionamento. Para esse efeito, por carta de 27 de maio de 2014, a EI solicitou à BCAB que fornecesse informações relativas ao montante e à utilização das suas receitas provenientes dos procedimentos de gestão de congestionamentos para o período compreendido entre 1 de julho de 2013 e 30 de junho de 2014. Em 1 de julho de 2014, a BCAB indicou que as suas receitas de congestionamento para o período em causa ascendiam a 159 542 374 coroas suecas (SEK) e que tinham sido utilizadas principalmente «para garantir a acessibilidade e a atribuição da capacidade de transporte da interligação» (10).

11.      No seu relatório de 2014 sobre as receitas de congestionamento, a EI declarou que a utilização dessas receitas pela BCAB deveria ser analisada de forma circunstanciada.

12.      Por carta de 29 de maio de 2015, a EI solicitou à BCAB que fornecesse informações sobre o montante e a utilização das suas receitas provenientes do congestionamento para o período compreendido entre 1 de julho de 2014 e 30 de junho de 2015. Em 1 de julho de 2015, a BCAB indicou que as suas receitas de congestionamento para o período em causa ascendiam a 177 939 624 coroas suecas (SEK) e que tinham sido utilizadas para os mesmos fins que no ano anterior (11).

13.      No seu relatório de 2015 sobre as receitas de congestionamento, a EI declarou que tinha começado a investigar a utilização dessas receitas pela BCAB e que o inquérito estava em curso.

14.      Por decisão de 9 de junho de 2016 (a seguir «decisão da EI de 9 de junho de 2016»), a EI solicitou à BCAB que colocasse numa linha de conta interna separada parte das suas receitas de congestionamento para os períodos compreendidos entre 1 de julho de 2013 e 30 de junho de 2014 e entre 1 de julho de 2014 e 30 de junho de 2015.

15.      Segundo a EI, a utilização das receitas de congestionamento pela BCAB (num montante de 61 016 510 coroas suecas (SEK) no período de 1 de julho de 2013 a 30 de junho de 2014 e de 48 995 127 coroas suecas (SEK) no período de 1 de julho de 2014 a 30 de junho de 2015) para assegurar a firmeza física (12) era conforme com o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 714/2009, que permite a utilização das receitas provenientes do congestionamento com a finalidade de garantir a efetiva disponibilidade da capacidade atribuída.

16.      Contudo, segundo a EI, a utilização das receitas de congestionamento pela BCAB (num montante de 98 480 864 coroas suecas (SEK) para o período de 1 de julho de 2013 a 30 de junho de 2014 e de 128 944 497 coroas suecas (SEK) para o período de 1 de julho de 2014 a 30 de junho de 2015) para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção do Baltic Cable não é conforme com o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009. Tal deve‑se ao facto de as receitas de congestionamento utilizadas para operar e manter uma interligação existente não serem utilizadas para manter ou aumentar as capacidades de interligação, pelo que, face ao disposto no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, não é permitida a utilização das receitas de congestionamento para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção da interligação.

17.      Consequentemente, na sua decisão de 9 de junho de 2016, a EI solicitou à BCAB que colocasse numa linha de conta interna separada a parte das receitas de congestionamento que foi utilizada, durante os períodos de 1 de julho de 2013 a 30 de junho de 2014 e de 1 de julho de 2014 a 30 de junho de 2015, para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção do Baltic Cable, até ser possível utilizar essas receitas para as finalidades enunciadas nas alíneas a) e b) do primeiro parágrafo do n.o 6 do artigo 16.o do Regulamento n.o 714/2009. Na mesma decisão, foi também pedido à BCAB que apresentasse um extrato das suas contas e uma certificação legal de contas de que as receitas em causa tinham sido colocadas numa linha de conta interna separada. Foi fixada uma sanção pecuniária compulsória de 5 milhões de coroas suecas (SEK) por incumprimento relativo à inobservância dessa decisão, por cada mês ou fração em que a decisão não fosse respeitada, três meses a contar do mês em que a BCAB foi notificada da decisão.

18.      A BCAB recorreu para o Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping), pedindo a anulação da decisão da EI de 9 de junho de 2016.

19.      Por decisão de 2 de novembro de 2017, a EI indeferiu o pedido de autorização da BCAB para utilizar as receitas de congestionamento como rendimento a ser tido em conta pela EI ao aprovar a metodologia para o cálculo e/ou a fixação das tarifas da rede.

20.      A BCAB interpôs recurso no Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping), alegando que as suas receitas de congestionamento podiam ser utilizadas em conformidade com o pedido referido no número anterior.

21.      O Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping) considera que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é suscetível de se aplicar não só às empresas que operam uma rede de transporte, mas também às empresas que, como a BCAB, apenas operam uma interligação. No entender desse órgão jurisdicional, resulta claramente da referida disposição que a BCAB não pode utilizar as receitas de congestionamento para obtenção de rendimentos. Além disso, segundo o órgão jurisdicional, só uma interpretação em sentido lato dessa disposição permitiria a utilização das receitas provenientes do congestionamento para cobrir os custos de funcionamento e de manutenção. Esse órgão jurisdicional considera ainda que a BCAB não pode utilizar as receitas de congestionamento para reduzir as tarifas, uma vez que não tem clientes que paguem tarifas.

22.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a interpretação do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 da forma descrita no número anterior teria consequências que podem ser consideradas desproporcionadas. Consequentemente, o referido órgão jurisdicional manifesta dúvidas quanto à validade dessa disposição, em especial no que se refere ao princípio da proporcionalidade.

23.      Por conseguinte, o Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      O artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação, independentemente das suas circunstâncias, ou é aplicável apenas quando a pessoa que recebe as receitas é um operador de redes de transporte, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da [Diretiva 2009/72]?

2.      Se a resposta à primeira questão for que o artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] só é aplicável aos operadores de redes de transporte, uma empresa que apenas opera uma interligação é um operador de redes de transporte?

3.      No caso de a resposta à primeira e à segunda questão ser que o artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] é aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação, podem os custos relacionados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação, em todo o caso, ser considerados como investimentos na rede para manter ou aumentar as capacidades de transporte, conforme referido no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b)?

4.      No caso de a resposta à primeira ou à segunda questão ser que o artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] é aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação, pode a entidade reguladora, nos termos do artigo 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do [Regulamento n.o 714/2009], aprovar que uma empresa que apenas opera uma interligação e que tem uma metodologia para a fixação de tarifas mas não tem clientes que efetuem pagamentos diretos de tarifas de rede que possam ser reduzidas utilize as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para obter um rendimento ou, caso a resposta à terceira questão seja negativa, para funcionamento e manutenção?

5.      Se a resposta à primeira ou à segunda questão for que o artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] é aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação, e a resposta à terceira e à quarta questão for que a empresa não pode utilizar as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para funcionamento ou manutenção ou para obtenção de lucro, ou que a empresa pode utilizar as receitas para funcionamento ou manutenção, mas não para obter lucro, a aplicação do artigo 16.o, n.o 6, do [Regulamento n.o 714/2009] a uma empresa que apenas opera uma interligação é contrária ao princípio da proporcionalidade ou a qualquer outro princípio do direito da União?»

24.      A BCAB, a EI, o Reino de Espanha, a República da Finlândia, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Estas partes, com exceção da República da Finlândia, foram ouvidas na audiência de 20 de junho de 2019.

III. Análise

A.      Quanto à primeira questão prejudicial

25.      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação ou se é aplicável apenas quando a entidade que recebe as receitas é um operador de redes de transporte, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72.

26.      Antes de mais, importa salientar que, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009, são aplicáveis (exceto no que diz respeito à definição de «interligação») as definições constantes do artigo 2.o da Diretiva 2009/72. Nos termos do artigo 2.o, n.o 4, da referida diretiva, entende‑se por operador da rede de transporte (a seguir «ORT») a pessoa responsável pela exploração, pela garantia da manutenção e pelo desenvolvimento de uma rede de transporte, bem como por assegurar a capacidade da rede para atender pedidos razoáveis de transporte de eletricidade. Segundo a jurisprudência (13), uma rede de transporte é uma rede interligada que serve para encaminhar a eletricidade de muito alta tensão e de alta tensão, que se destina a ser vendida a clientes finais ou a distribuidores.

27.      Cabe referir ainda que os ORT devem ser designados e certificados como tal pelas entidades reguladoras nacionais (14), estando sujeitos às obrigações decorrentes do direito da União. Em especial, nos termos do artigo 9.o da Diretiva 2009/72, são obrigados a exercer separadamente as atividades de transporte e de produção ou comercialização. Nos termos do artigo 32.o da mesma diretiva, devem conceder a terceiros acesso às suas redes de transporte, com base em tarifas publicadas e aplicadas objetivamente e sem discriminação, sob reserva da aprovação prévia das entidades reguladoras nacionais.

28.      Dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça nada consta que indicie que a BCAB, que construiu (15) e que detém e opera o Baltic Cable, seja certificada como ORT pela entidade reguladora sueca, a saber, a EI. Também não é certificada pela entidade reguladora alemã, a saber, a Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (Agência federal de redes de eletricidade, gás, telecomunicações, correios e comboios) (a seguir «BNetzA»). A este respeito, importa referir que, por Acórdão de 7 de março de 2017 (16), o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) declarou que a BCAB devia obrigatoriamente obter a certificação como ORT, tendo, no entanto, indeferido o seu pedido de certificação com o fundamento de que não estava demonstrado que cumpria o requisito da separação (17).

29.      A BCAB defende que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 só se aplica aos ORT e que as empresas que apenas operam uma interligação não podem ser consideradas ORT, pelo que estas últimas não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da referida disposição (18). Alega que as empresas que apenas operam uma interligação não se encontram na mesma situação que os ORT. Com efeito, as empresas que operam não só uma interligação mas também uma rede de transporte podem cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção da interligação por meio das tarifas pagas pelos utilizadores da rede de transporte. Em contrapartida, as empresas que apenas operam uma interligação não recebem quaisquer tarifas. Segundo a BCAB, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 seja aplicável a estas últimas, tais empresas não poderão cobrir os seus custos nem exercer a sua atividade, que consiste na exploração da interligação.

30.      A EI, os Governos espanhol e finlandês, o Parlamento, o Conselho e a Comissão são de opinião contrária.

31.      A EI alega que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Considera que tal decorre da redação da referida disposição, da génese legislativa do Regulamento n.o 714/2009 e do facto de o artigo 17.o deste regulamento prever a possibilidade de as novas interligações ficarem isentas do disposto no n.o 6 do seu artigo 16.o, o que equivale a afirmar que esta última disposição se aplica às interligações existentes. A EI sustenta ainda que, em qualquer caso, uma empresa que apenas opera uma interligação é um ORT.

32.      Os Governos espanhol e finlandês consideram que uma empresa que apenas opera uma interligação deve ser considerada um ORT, ao qual se aplica o disposto no artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009. Invocam a definição do conceito de ORT constante dos artigos 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72 e 17.o do Regulamento n.o 714/2009.

33.      O Parlamento (19) considera que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável às interligações existentes.

34.      O Conselho alega que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável às empresas que apenas operam uma interligação, uma vez que a solução contrária criaria uma lacuna jurídica e incitaria as empresas a atuarem apenas nesse sentido.

35.      A Comissão alega que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Tal decorre da própria redação da referida disposição; do seu objetivo, que consiste em garantir que as receitas provenientes do congestionamento sejam utilizadas para aumentar as capacidades de interligação através de investimentos, contribuindo assim para a segurança do aprovisionamento; e do facto de, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 714/2009, poder ser concedida uma isenção a uma interligação detida por uma pessoa juridicamente distinta dos ORT em cujas redes é construída essa interligação, o que equivale a afirmar que o artigo 16.o, n.o 6, do mesmo regulamento é aplicável a essa interligação. A Comissão alega ainda que, em qualquer caso, uma empresa que apenas opera uma interligação deve ser considerada um ORT, uma vez que, por um lado, essa empresa preenche os critérios estabelecidos no artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72 e, por outro, a solução contrária criaria uma lacuna jurídica e permitiria à empresa subtrair‑se às obrigações jurídicas impostas aos ORT pela diretiva.

36.      Considero que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma empresa obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação, independentemente de essa empresa ser ou não um ORT. Passo a expor as razões pelas quais cheguei a esta conclusão.

37.      Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos e os objetivos que prossegue, mas também o seu contexto e o conjunto das disposições do direito da União. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revestir elementos pertinentes para a sua interpretação (20).

38.      Em primeiro lugar, nos termos do o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009 «[a]s receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação devem ser utilizadas para» os objetivos estabelecidos nas alíneas a) e/ou b) do mesmo número. Não são impostas quaisquer condições à entidade que obtém essas receitas. Não há, nomeadamente, qualquer referência aos ORT no artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 714/2009. Por conseguinte, basta que as receitas sejam obtidas a partir da atribuição de capacidades de interligação para que tal disposição seja aplicável. É o caso das receitas de congestionamento, que, conforme explicado anteriormente no n.o 4, provêm dos leilões realizados em caso de congestionamento. É irrelevante saber se tais receitas são obtidas pelos ORT ou por outras entidades.

39.      Há que admitir que os n.os 1, 2, 4 e 5 do artigo 16.o do Regulamento n.o 714/2009 se referem aos ORT. No entanto, estes números dizem respeito, respetivamente, ao requisito de utilizar soluções baseadas no mercado (que forneçam sinais económicos eficazes aos ORT) para resolver os problemas de congestionamento (n.o 1); à autorização (dada aos ORT) para utilizar procedimentos de restrição das transações em situações de emergência (n.o 2); à obrigação de os operadores de mercado informarem antecipadamente os ORT da sua intenção de utilizar ou não a capacidade atribuída (n.o 4); e ao requisito de os ORT utilizarem, na medida do tecnicamente possível, a linha de interligação na sua capacidade máxima (n.o 5). Estes números não dizem respeito à utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Em contrapartida, o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009, que incide precisamente sobre esta questão, não faz qualquer referência aos ORT.

40.      Em segundo lugar, no que respeita ao contexto, há que referir o artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009. Este artigo prevê a possibilidade de as novas interligações ficarem isentas da aplicação do artigo 16.o, n.o 6, do referido regulamento. Logo, sempre que não seja concedida uma isenção, é aplicável às interligações o disposto no artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009. Em especial, atendendo ao facto de que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, deste regulamento, só pode ser concedida uma isenção às «novas» interligações, ou seja, às interligações não terminadas até 4 de agosto de 2003 (21), o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todas as interligações concluídas antes de 4 de Agosto de 2003 (a seguir «interligações existentes»). É o caso do Baltic Cable, que foi concluído antes desta data.

41.      Em terceiro lugar, no que respeita ao objetivo do Regulamento (CE) n.o 714/2009, devo referir que este regulamento procura desenvolver o comércio transfronteiriço de eletricidade, de modo a assegurar ganhos de eficiência, preços competitivos, padrões de serviço mais elevados e a contribuir para a segurança do aprovisionamento e a sustentabilidade (22). Para esse efeito, deve ser promovido o investimento em novas infraestruturas de vulto (23). Isto aplica‑se particularmente às interligações, uma vez que a capacidade de interligação é insuficiente (24).

42.      Neste contexto, o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 visa garantir que determinadas receitas, nomeadamente as provenientes da atribuição de capacidades de interligação, sejam utilizadas para manter a capacidade de interligação existente ou para investir em novas capacidades. Com efeito, o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009 determina que tais receitas, em vez de serem utilizadas livremente pelo operador da interligação, sejam utilizadas para «garant[ir] [a] efetiva disponibilidade da capacidade atribuída» ou para «manter ou aumentar as capacidades de interligação através de investimentos na rede, nomeadamente através de novas interligações». Só se não puderem ser «utilizadas eficazmente» para nenhum destes objetivos é que, nos termos do artigo 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009, as receitas podem ser utilizadas, sob reserva da aprovação das entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa e até um montante máximo, para reduzir as tarifas de rede. Além disso, nos termos do terceiro parágrafo da referida disposição, as receitas superiores a esse montante máximo devem ser colocadas numa linha de conta interna separada até ao momento de poderem ser utilizadas para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) ou b), do Regulamento n.o 714/2009.

43.      A razão pela qual o legislador da União decidiu que as receitas utilizadas para manter a capacidade de interligação existente ou para investir em novas capacidades devem ser as provenientes da atribuição de capacidades de interligação prende‑se com o facto de estas últimas receitas representarem rendas de escassez. Ou seja, numa situação de congestionamento, o operador da interligação recebe receitas de congestionamento e a capacidade disponível é licitada, resultando em lucros que correspondem à diferença de preço grossista entre as duas redes de transporte em causa. Quando não há congestionamento, os preços grossistas nas redes de transporte interligadas são próximos e o operador da interligação não obtém receitas provenientes do congestionamento ou regista uma quebra nas mesmas. Logo, o operador da interligação não tem qualquer incentivo para desenvolver a capacidade de interligação (25). Era, pois, necessário impor a obrigatoriedade de utilizar as receitas de congestionamento para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009.

44.      Não vejo qualquer razão para que tal obrigatoriedade seja imposta apenas aos ORT. Pelo contrário, parece‑me que o objetivo do Regulamento n.o 714/2009 e a ratio do seu artigo 16.o, n.o 6, exigem a aplicação desta disposição a todas as entidades que recebem receitas de congestionamento.

45.      Em quarto lugar, no que respeita à génese legislativa, refira‑se que os trabalhos preparatórios do Regulamento n.o 1228/2003 (26) revelam que a possibilidade de as interligações ficarem isentas das restrições à utilização das receitas associadas ao congestionamento foi proposta pelo Parlamento (27) tendo em vista «a autorização do financiamento de projetos de interconexão numa base empresarial» e «a possibilidade de estes projetos poderem ser desenvolvidos por uma parte distinta dos operadores de redes de transporte» (28).

46.      A este respeito, devo salientar que as interligações são construídas quer pelos operadores das redes de transporte que ligam, sendo que neste caso os custos de investimento são recuperados através de tarifas de transporte regulamentadas que são cobradas pelos ORT nos termos do artigo 32.o da Diretiva 2009/72 e do artigo 14.o do Regulamento n.o 714/2009, quer pelos intervenientes no mercado, que não podem recuperar os custos de investimento através de tarifas de transporte regulamentadas, uma vez que não operam uma rede de transporte, mas têm, no entanto, interesse em investir em interligações a fim de aumentar as receitas associadas ao congestionamento (que, conforme referido anteriormente no n.o 4, podem ser substanciais e permitir‑lhes assim recuperar os seus custos e obter lucros elevados). Estas últimas interconexões são frequentemente designadas por interconexões «comerciais» (29). Afigura‑se que a BCAB pertence a esta categoria, uma vez que não foi alegado que tivesse quaisquer ligações com os ORT suecos ou alemães.

47.      A referência do Parlamento, na citação constante do n.o 45, supra, às interligações «[financiadas] numa base empresarial» e «desenvolvid[a]s por uma parte distinta dos operadores de redes de transporte» constitui uma referência às interligações comerciais. Daqui decorre que, segundo o Parlamento, a restrição à utilização das receitas de congestionamento aplicar‑se‑ia às interligações desenvolvidas pelos ORT, enquanto as interligações «empresariais» ou comerciais desenvolvidas por partes distintas dos ORT ficariam isentas das regras relativas à utilização das receitas associadas ao congestionamento (30).

48.      Contudo, na versão final do artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 1228/2003, atual artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 714/2009, o âmbito de aplicação da isenção diz respeito às novas interligações, por oposição às existentes (31). Daqui decorre que a linha divisória se situa entre as interligações novas e as existentes e que apenas as primeiras podem beneficiar de uma isenção. Por outras palavras, não é feita uma distinção entre interligações financiadas e operadas pelos ORT e interligações desenvolvidas por partes distintas dos ORT, conforme o Parlamento tencionava. Logo, as interligações existentes, quer sejam desenvolvidas e operadas pelos ORT quer por partes distintas dos ORT, ficam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009, estando, por conseguinte, abrangidas pelo âmbito de aplicação do n.o 6 do artigo 16.o deste regulamento.

49.      Por conseguinte, a resposta à primeira questão prejudicial deve ser no sentido de que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação, independentemente de essa entidade ser ou não um operador de redes de transporte na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72.

B.      Quanto à segunda questão prejudicial

50.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 seja interpretado no sentido de que se aplica apenas quando a entidade que recebe receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação é um ORT, uma empresa que apenas opera uma interligação deve ser considerada um ORT na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72.

51.      Decorre do n.o 49, supra, que não é necessário responder à segunda questão. No entanto, irei examiná‑la para a eventualidade de o Tribunal de Justiça declarar que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável apenas quando a entidade que recebe as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação for um ORT.

52.      Conforme supramencionado (32), a BCAB alega que uma empresa que apenas opera uma interligação não pode ser considerada um ORT. Em contrapartida, os Governos espanhol e finlandês e a Comissão alegam que essa empresa deve ser considerada um ORT. O Parlamento e o Conselho não tomaram posição a este respeito.

53.      Na minha opinião, uma empresa que apenas opera uma interligação deve ser considerada um ORT na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72.

54.      Em primeiro lugar, é certo que o artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009 define o conceito de «interligação» como «uma linha de transporte» que liga as redes de transporte nacionais, e não como uma «rede de transporte». Refira‑se, todavia, que o artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2009/72 define o conceito de «transporte» como «o transporte de eletricidade, numa rede interligada de muito alta tensão e de alta tensão, para entrega a clientes finais ou a distribuidores» (excluindo a comercialização). Conforme referido anteriormente no n.o 26, este entendimento levou o Tribunal de Justiça a declarar que uma rede de transporte é «uma rede interligada que serve para encaminhar a eletricidade de muito alta tensão e de alta tensão, que se destina a ser vendida a clientes finais ou a distribuidores» (33). Não descortino qualquer razão para que o «transporte» de eletricidade numa interligação não deva ser considerado «transporte» de eletricidade na aceção do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2009/72 e, por conseguinte, para que essa interligação não seja considerada uma rede de transporte na aceção da jurisprudência.

55.      Em segundo lugar, nos termos do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72, entende‑se por ORT «a pessoa singular ou coletiva responsável pela exploração, pela garantia da manutenção e, se for caso disso, pelo desenvolvimento da rede de transporte numa área específica e, quando aplicável, das suas interligações com outras redes, bem como por assegurar a capacidade a longo prazo da rede para atender pedidos razoáveis de transporte de eletricidade» (34). É certo que esta disposição estabelece uma distinção entre, por um lado, as redes de transporte e, por outro, as interligações entre essas redes. No entanto, na medida em que o artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72 confia aos ORT a exploração das interligações, parece‑me que estas devem ser consideradas redes de transporte.

56.      Em terceiro lugar, constato que, conforme já foi referido no n.o 39, o artigo 16.o, n.os 2 e 5, do Regulamento n.o 714/2009 atribui aos ORT tarefas de gestão de congestionamentos (respetivamente, a utilização de procedimentos de restrição das transações em situações de emergência e a utilização de uma linha de interligação congestionada até à sua capacidade máxima), não fazendo qualquer referência a outros operadores.

57.      Em quarto lugar, devo frisar que o artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009 prevê a possibilidade de as novas interligações ficarem isentas não só do disposto no n.o 6 do artigo 16.o deste regulamento, mas também nos artigos 9.o e 32.o e nos n.os 6 e 10 do artigo 37.o da Diretiva 2009/72. Enquanto o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é aplicável a todos os casos em que uma entidade recebe receitas de congestionamento, as disposições já referidas da Diretiva 2009/72 aplicam‑se apenas aos ORT. O artigo 9.o desta diretiva estabelece os requisitos de separação que os ORT devem cumprir. Os artigos 32.o e 37.o, n.os 6 e 10, da mesma diretiva preveem a obrigação de conceder a terceiros acesso às redes de transporte com base em tarifas publicadas e aplicadas objetivamente e sem discriminação, que são objeto de aprovação prévia pela entidade reguladora nacional. Isto significa que as interligações que não beneficiam de uma isenção ao abrigo do artigo 7.o do Regulamento n.o 714/2009 (ou do artigo 7.o do Regulamento n.o 1228/2003), em especial as interligações existentes, estão abrangidas pelo disposto nos artigos 9.o, 32.o e 37.o, n.os 6 e 10, da Diretiva 2009/72. Uma vez que estas disposições se aplicam apenas aos ORT, tal implica que as interligações devem ser exploradas pelos ORT.

58.      Em quinto lugar, a solução proposta no n.o 53, supra, é compatível com o objetivo prosseguido pelo Regulamento (CE) n.o 714/2009.

59.      Com efeito, caso os operadores de interligações sejam considerados ORT, deverão conceder a terceiros acesso à interligação, o que permite o desenvolvimento do comércio transfronteiriço e facilita a emergência de um mercado interno da eletricidade, em conformidade com a alínea b) do artigo 1.o do Regulamento n.o 714/2009.

60.      Além disso, caso os operadores de interligações sejam considerados ORT, deverão ainda cumprir os requisitos de separação estabelecidos no artigo 9.o da Diretiva 2009/72. Tal deverá igualmente incentivar o comércio transfronteiriço, uma vez que, como se observa na avaliação de impacto para o Regulamento n.o 714/2009, «as empresas verticalmente integradas têm um desincentivo ao investimento nas suas redes». Tal deve‑se ao facto de «as receitas associadas ao congestionamento serem frequentemente superiores aos lucros previstos com a construção de novas ligações», o que «constitui um obstáculo à integração do mercado europeu através do desenvolvimento de interconexões transfronteiras» (35).

61.      Por conseguinte, caso o Tribunal de Justiça interprete o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 como sendo aplicável apenas aos ORT, há que responder à segunda questão prejudicial no sentido de que uma empresa que apenas opera uma interligação deve ser considerada um ORT.

C.      Quanto à terceira e quarta questões prejudiciais

62.      Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 seja interpretado no sentido de ser aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação, os custos suportados com o funcionamento e a manutenção dessa interligação podem ser considerados investimentos na rede para manter ou aumentar as capacidades de interligação, na aceção do artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009.

63.      Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 seja interpretado no sentido de ser aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação, essa entidade pode, nos termos do segundo parágrafo dessa disposição, utilizar as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para obter um rendimento, tendo em conta que não pode utilizar tais receitas para reduzir as tarifas da rede, uma vez que não cobra qualquer tarifa. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente ao Tribunal de Justiça se, caso a resposta à terceira questão seja negativa, o artigo 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009 permite que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação sejam utilizadas para cobrir os custos de funcionamento e manutenção da interligação.

64.      Irei analisar estas questões em conjunto.

65.      A BCAB alega que as receitas afetas à cobertura dos custos de funcionamento de uma interligação são utilizadas para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, enquanto as receitas afetas à cobertura dos custos de manutenção são utilizadas para as finalidades previstas na alínea a) do mesmo parágrafo. A BCAB alega ainda que, em qualquer caso, o artigo 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009 permite a utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para cobrir quaisquer custos suportados por uma empresa que apenas opera uma interligação. A BCAB salienta que uma tal empresa não tem outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Em especial, não pode cobrar uma tarifa pela utilização de uma rede de transporte, uma vez que não opera uma rede de transporte, nem pode cobrar uma tarifa pela utilização da interligação, porquanto tal seria incompatível com o artigo 14.o do Regulamento n.o 714/2009.

66.      A EI alega que as receitas afetas à cobertura dos custos de funcionamento e manutenção de uma interligação não são utilizadas para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. Considera ainda que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação não podem ser utilizadas para reduzir as tarifas da rede, uma vez que a BCAB não as cobra sequer. Nem podem ser utilizadas para obter lucros, uma vez que tal seria incompatível com a redação do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 714/2009. Além disso, segundo a EI, uma empresa que apenas opera uma interligação não pode ter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação, uma vez que a cobrança de uma tarifa pela utilização da interligação não seria conforme com o disposto no artigo 14.o do referido regulamento.

67.      O Governo espanhol considera que uma empresa que apenas opera uma interligação pode obter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação.

68.      O Governo finlandês considera que as receitas afetas à cobertura dos custos de funcionamento e manutenção de uma interligação não são utilizadas para investir na rede, conforme exige o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. Contudo, segundo o Governo finlandês, a entidade reguladora nacional pode, com base nos artigo 37.o, n.o 6, da Diretiva 2009/72 e 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009, autorizar a BCAB a utilizar as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para cobrir os custos de funcionamento e manutenção e para obter um rendimento, até um montante máximo fixado por essa entidade. As receitas que excedam esse montante devem ser colocadas numa linha de conta interna separada.

69.      O Parlamento (36) alega que, com base numa interpretação literal do artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009, pode considerar‑se que as receitas afetas à cobertura dos custos de funcionamento e manutenção de uma interligação são utilizadas para as finalidades enunciadas no referido parágrafo. No entanto, o Parlamento observa que o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009 é, por norma, interpretado de forma mais restritiva pelas entidades reguladoras nacionais. Segundo o Parlamento, os custos de funcionamento e manutenção de uma interligação devem ser recuperados prioritariamente, não através das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação, mas por meio de outras receitas que podem ser obtidas por uma empresa que apenas opera uma interligação. Estas últimas receitas podem resultar i) de uma compensação concedida pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público nos termos do artigo 3.o, n.o 6, da Diretiva 2009/72; ii) de tarifas de transporte ou de distribuição aprovadas pelas entidades reguladoras nacionais nos termos do artigo 37.o da mesma diretiva; ou iii) de outros mecanismos adequados conforme previsto pelo artigo 75.o do Regulamento 2015/1222.

70.      O Conselho considera que uma empresa que apenas opera uma interligação pode ter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação.

71.      A Comissão alega que as receitas afetas à cobertura dos custos de funcionamento e manutenção de uma interligação não são utilizadas para as finalidades estabelecidas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, e que nenhum elemento constante do segundo parágrafo desta disposição sugere que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação podem ser utilizadas para a obtenção de lucro. A Comissão alega ainda que uma empresa que apenas opera uma interligação pode ter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Com efeito, uma entidade reguladora nacional pode decidir que as tarifas gerais pagas por todos os utilizadores da rede nacional de transporte cobrirão uma parte dos custos suportados pelas interligações. É o caso da interligação alemã «Offshore‑Umlage». Estes custos também podem ser cobertos por subvenções, desde que sejam compatíveis com as regras em matéria de auxílios estatais.

72.      Na minha opinião, pode considerar‑se que as receitas afetas à cobertura dos custos suportados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação e para‑a obtenção de um lucro razoável, são utilizadas para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009. No entanto, se uma empresa que apenas opera uma interligação obtiver outras receitas, como a seguir se descreve, os custos de funcionamento e manutenção da interligação devem ser cobertos prioritariamente por estas últimas receitas.

73.      Em primeiro lugar, parece‑me que as receitas afetas à cobertura dos custos suportados com a manutenção de uma interligação são utilizadas para as finalidades previstas no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, designadamente para «[m]anter ou aumentar as capacidades de interligação através de investimentos na rede, nomeadamente através de novas interligações». Com efeito, uma vez que a alínea b) abrange «nomeadamente» os investimentos em novas interligações, também abrange os investimentos em interligações existentes. Além disso, a alínea b) abrange os investimentos realizados não só para «aumentar» as capacidades de interligação, mas também para as «[m]anter», garantindo assim o funcionamento adequado da respetiva interligação.

74.      A este respeito, deve ser feita referência ao artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 2019/943 (37), que revogará e substituirá o Regulamento n.o 714/2009 a partir de 1 de janeiro de 2020. Embora o Regulamento n.o 2019/943 não seja aplicável ao processo principal, pode ter interesse referir que o artigo 19.o, n.o 2, alínea b), do mesmo regulamento, que corresponde ao artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, abrange, nomeadamente, «os custos resultantes de investimentos na rede relevantes para reduzir o congestionamento das interligações». Os custos suportados com a manutenção da interligação ajudam a prevenir o congestionamento, uma vez que este é suscetível de ocorrer numa interligação cuja manutenção é feita de forma deficiente.

75.      Em segundo lugar, os custos de funcionamento de uma interligação não são, na minha opinião, suportados com o objetivo de manter ou aumentar as capacidades de interligação, conforme previsto no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009. Pode, no entanto, considerar‑se que são suportados para as finalidades estabelecidas na alínea a) do mesmo parágrafo, ou seja, para «garantia da efetiva disponibilidade da capacidade atribuída».

76.      Devo referir, a este respeito, que, embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha manifestado dúvidas apenas relativamente à interpretação do artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009, para poder responder à terceira e quarta questões prejudiciais é também necessário ter em consideração a alínea a) do mesmo parágrafo. Com efeito, ambas as alíneas estão interligadas. Tal também se deve ao facto de a quarta questão ter por objeto a interpretação do artigo 16.o, n.o 6, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 714/2009, que só é aplicável se as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação não puderem ser utilizadas para os objetivos estabelecidos nas alíneas a) e/ou b) do primeiro parágrafo.

77.      Parece‑me que os custos operacionais decorrem da atribuição da capacidade de interligação e das medidas tomadas para assegurar a disponibilidade dessa capacidade. Por conseguinte, tais custos são cobertos pelo objetivo estabelecido no artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alínea a), do Regulamento n.o 714/2009. Tal é confirmado pelo artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2019/943, que especifica que o objetivo estabelecido na alínea a) «[inclui]», ou seja, não se limita ao balanço pela firmeza (38).

78.      Parece‑me igualmente que os custos suportados para os fins estabelecidos nas alíneas a) e b) do primeiro parágrafo do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 devem incluir um lucro razoável. A este respeito, importa salientar que a afirmação constante do artigo 6.o, n.o 6, da proposta da Comissão de Regulamento n.o 1228/2003 (39) de que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação «não constituirão uma fonte de lucro suplementar para os [ORT]» não consta da versão final da referida disposição nem do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009. Refira‑se ainda que, nos termos do ponto 6.4 do anexo I do Regulamento n.o 714/2009, as entidades reguladoras nacionais devem verificar se as receitas de congestionamento obtidas pelos operadores de interligações são utilizadas em conformidade com o artigo 16.o, n.o 6, deste regulamento. Por conseguinte, estas entidades podem garantir que o montante do lucro obtido por tais operadores não é suscetível de comprometer o funcionamento e a manutenção da interligação ou impedir investimentos em novas capacidades de interligação (40).

79.      Em terceiro lugar, a solução proposta no n.o 72, supra, é conforme com o objetivo do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009, que, tal como foi anteriormente referido no n.o 42 das presentes conclusões, consiste não só em aumentar a capacidade de interligação, mas também em manter a capacidade existente. Além disso, se o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 fosse interpretado no sentido de proibir a utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para o funcionamento ou a manutenção de uma interligação existente e para a obtenção de um lucro razoável, tal poderia comprometer os investimentos em novas interligações. Conforme já foi referido no n.o 46, os intervenientes no mercado podem investir em novas interligações a fim de obter receitas associadas ao congestionamento. No entanto, se o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 for interpretado no sentido de proibir a utilização das receitas de congestionamento para obter lucros, os intervenientes no mercado poderão perder o seu interesse no investimento. É certo que, nos termos do artigo 17.o do Regulamento n.o 714/2009, estes podem ficar isentos do disposto no artigo 16.o, n.o 6, deste regulamento, sendo que ao beneficiarem de uma isenção, tal lhes permitirá utilizar livremente as receitas provenientes do congestionamento. Contudo, as isenções apenas são concedidas por um período de tempo limitado (41).

80.      Em quarto lugar, contrariamente ao que alegam a BCAB e a EI, uma empresa que apenas opera uma interligação pode ter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação. Conforme já foi referido no n.o 72, parece‑me que, nesse caso, os custos de funcionamento e manutenção da interligação devem ser cobertos prioritariamente por essas outras receitas.

81.      A este respeito, concordo com a BCAB e a EI quando afirmam que uma empresa que apenas opera uma interligação não pode recuperar os custos suportados com o funcionamento e a manutenção da interligação através da aplicação de tarifas de rede. Com efeito, tal empresa não cobra uma tarifa pelo acesso a uma das redes de transporte ligadas pela interligação, uma vez que não opera nenhuma dessas redes. Isto deve‑se igualmente ao facto de não poder cobrar uma tarifa de acesso à interligação propriamente dita, uma vez que tal aumentaria os preços no caso do comércio transfronteiriço de eletricidade em relação aos preços das vendas no mercado interno, o que comprometeria a realização do mercado interno da eletricidade. Tal seria igualmente incompatível com o artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento n.o 714/2009, que exclui as «tarifa[s] de rede específica[s] às transações relativas ao trânsito declarado de eletricidade». Conforme explica o considerando 15 deste regulamento, «[n]ão é justificável aplicar […] uma tarifa específica a pagar apenas pelos exportadores ou importadores, para além da tarifa geral de acesso à rede nacional».

82.      No entanto, contrariamente ao que afirmam a BCAB e a EI, uma empresa que apenas opera uma interligação pode, não obstante, obter outras receitas para além das provenientes da atribuição de capacidades de interligação.

83.      A este respeito, resulta do considerando 29 do Regulamento n.o 714/2009 que este não harmoniza plenamente o quadro para o comércio transfronteiriço de eletricidade. Em especial, o artigo 18.o do regulamento atribui à Comissão competência para aprovar orientações que podem dizer respeito a «[p]ormenores sobre as regras de comércio de eletricidade» (42), ou a pormenores nos domínios do acesso de terceiros, da gestão de congestionamentos e das estruturas das tarifas de transporte (43). Além disso, estas orientações deverão visar apenas «um grau mínimo de harmonização que permita alcançar» o objetivo do Regulamento (CE) n.o 714/2009 (44).

84.      Por outro lado, o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 opõe‑se à utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para fins diferentes dos previstos nos primeiro e segundo parágrafos. Não se opõe certamente a que outras receitas sejam obtidas pelos operadores de interligações e que essas outras receitas sejam utilizadas para outras finalidades que não a garantia da efetiva disponibilidade da capacidade atribuída ou a manutenção ou o aumento das capacidades de interligação através de investimentos na rede.

85.      Devo referir que, nos termos do n.o 6, alínea c), do artigo 37.o da Diretiva 2009/72, as entidades reguladoras nacionais são responsáveis por fixar ou aprovar as metodologias ou os termos e as condições de acesso às infraestruturas transfronteiriças, incluindo a gestão dos congestionamentos. Nesta perspetiva, poderão decidir, conforme alega a Comissão, que a tarifa cobrada a todos os utilizadores da rede nacional de transporte deve ser utilizada para cobrir parte dos custos suportados com o funcionamento e a manutenção das interligações. Tal seria conforme com o considerando 15, com o artigo 14.o, n.o 5, e com o objetivo do Regulamento n.o 714/2009, uma vez que os custos suportados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação seriam imputados a todos os utilizadores da rede nacional de transporte, e não apenas aos utilizadores da respetiva interligação. Segundo a Comissão, um exemplo deste mecanismo é fornecido pela «Offshore‑Umlage» alemã (tarifa offshore), que é cobrada pelos operadores de rede como um suplemento para a tarifa geral da rede, sendo paga por todos os consumidores finais ligados à rede pública. A «Offshore‑Umlage» cobre os custos de planeamento, construção e funcionamento das linhas que ligam as instalações eólicas offshore à rede principal (45).

86.      Parece‑me que, conforme o Parlamento alegou na audiência, nos casos em que existe um quadro regulamentar que prevê a aplicação de uma tarifa para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção de interligações, tais custos deverão ser cobertos prioritariamente por essa tarifa. Por conseguinte, nesta situação, uma empresa que apenas opera uma interligação deverá utilizar as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação de preferência para outros fins que não a exploração e manutenção da interligação, a saber, para aumentar a capacidade de uma interligação existente ou para investir numa nova interligação. Este requisito decorre, a meu ver, da ratio do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009, tal como descrito no n.o 43, supra.

87.      Por conseguinte, a resposta à terceira e quarta questões deverá ser a de que o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009 deve ser interpretado no sentido de que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação podem ser utilizadas para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação e para obter um lucro razoável, sob reserva da aprovação das entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa, que devem verificar se o montante desse lucro é suscetível de comprometer o funcionamento e a manutenção da interligação ou de impedir os investimentos em novas capacidades de interligação. Contudo, caso esteja em vigor um quadro regulamentar que prevê a aplicação de uma tarifa para cobrir os custos relacionados com o funcionamento e a manutenção das interligações, o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009 deve ser interpretado no sentido de que a utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação por uma empresa que apenas opera uma interligação deverá ser feita prioritariamente para outros fins que não a exploração e manutenção da interligação, a saber, para aumentar a capacidade de uma interligação existente ou para investir numa nova interligação.

D.      Quanto à quinta questão prejudicial

88.      Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se, caso o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 seja interpretado no sentido de que é aplicável a uma empresa que apenas opera uma interligação e que se opõe à utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para cobrir os custos de funcionamento e manutenção da interligação ou para obter um lucro, tal disposição é conforme com o princípio da proporcionalidade ou com qualquer outro princípio [do direito da União]. Na decisão de reenvio é feita referência ao direito de propriedade.

89.      A BCAB alega que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009, quando interpretado no sentido de que se opõe a que uma empresa que apenas opera uma interligação utilize as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para exploração e manutenção da interligação e para obtenção de um lucro, é contrário ao princípio da proporcionalidade, uma vez que tal empresa não pode operar nestas condições e é incapaz de se manter no mercado. A EI concorda com a BCAB. Os Governos espanhol e finlandês, o Parlamento, o Conselho e a Comissão alegam que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é conforme com o princípio da proporcionalidade.

90.      Além disso, a BCAB defende que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é incompatível com o seu direito de propriedade, uma vez que impede a livre utilização das receitas associadas ao congestionamento (46). O Parlamento e o Conselho alegam que esta disposição é conforme com o direito de propriedade. A EI, os Governos espanhol e finlandês e a Comissão não se pronunciam a este respeito.

91.      Em primeiro lugar, considero que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é conforme com o princípio da proporcionalidade.

92.      Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que for adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo entendido que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (47).

93.      O artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 permite alcançar o objetivo prosseguido pelo regulamento, a saber, o de desenvolver o comércio transfronteiriço de eletricidade, de modo a assegurar ganhos de eficiência, preços competitivos e padrões de serviço mais elevados, conforme já foi descrito no n.o 41. Ao determinar que certas receitas, nomeadamente as provenientes da atribuição de capacidades de interligação, sejam utilizadas para manter a capacidade de interligação existente ou para investir em novas capacidades, a referida disposição visa desenvolver o comércio transfronteiriço.

94.      No que se refere ao caráter estritamente necessário do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009, devo salientar que, tal como anteriormente exposto, esta disposição não impede que uma empresa que apenas opera uma interligação utilize as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação para exploração e manutenção da interligação (salvo se existirem receitas regulamentadas para esse efeito, sendo que, nesse caso, estas últimas deverão ser utilizadas prioritariamente). Tal não obsta a que essa empresa obtenha um lucro razoável. À luz do amplo poder de apreciação que é conferido ao legislador da União nos domínios em que a sua ação implica opções de natureza tanto política como económica ou social, e em que é chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas (48), o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 não excede, na minha opinião, o necessário para alcançar o objetivo prosseguido.

95.      Em segundo lugar, considero que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 é conforme com o direito de propriedade, tal como consagrado no artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

96.      Importa referir que o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Carta não é absoluto. Como resulta do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos reconhecidos pela Carta desde que estas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros (49).

97.      Deve considerar‑se que a restrição à utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação está prevista na lei, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, uma vez que resulta do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 (50). Além disso, conforme alega o Conselho, esta disposição não se opõe à recuperação dos custos suportados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação. Não impede a obtenção de um lucro razoável. Por essa razão, respeita o conteúdo essencial do direito de propriedade. Por outro lado, decorre dos n.os 93 e 94, supra, que o artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009 prossegue necessariamente um objetivo de interesse geral, a saber, o desenvolvimento do comércio transfronteiriço de eletricidade.

98.      Por conseguinte, a resposta à quinta questão deve ser no sentido de que a análise da referida questão não revelou qualquer elemento suscetível de afetar a validade do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009.

IV.    Conclusão

99.      À luz das considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Förvaltningsrätten i Linköping (Tribunal Administrativo de Linköping, Suécia) da seguinte forma:

1)      O artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003, é aplicável a todos os casos em que uma entidade obtém receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação, independentemente de ser ou não um operador de rede de transporte na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE.

2)      O artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009 deve ser interpretado no sentido de que as receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação podem ser utilizadas para cobrir os custos suportados com o funcionamento e a manutenção de uma interligação e para obter um lucro razoável, sob reserva da aprovação das entidades reguladoras dos Estados‑Membros em causa, que devem verificar se o montante desse lucro é suscetível de comprometer o funcionamento e a manutenção da interligação ou de impedir os investimentos em novas capacidades de interligação. Contudo, caso esteja em vigor um quadro regulamentar que prevê a aplicação de uma tarifa para cobrir os custos relacionados com o funcionamento e a manutenção das interligações, o artigo 16.o, n.o 6, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 714/2009 deve ser interpretado no sentido de que a utilização das receitas provenientes da atribuição de capacidades de interligação por uma empresa que apenas opera uma interligação deverá ser feita prioritariamente para outros fins que não a exploração e manutenção da interligação, a saber, para aumentar a capacidade de uma interligação existente ou para investir numa nova interligação.

3)      A análise da quinta questão prejudicial não revelou qualquer elemento suscetível de afetar a validade do artigo 16.o, n.o 6, do Regulamento n.o 714/2009.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15). O Regulamento n.o 714/2009 faz parte do chamado «terceiro pacote legislativo», que consiste ainda na Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55) e no Regulamento (CE) n.o 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui uma Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1).


3      O artigo 35.o, n.o 1, da Diretiva 2009/72, a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 714/2009, impõe que cada Estado‑Membro designe uma entidade reguladora nacional. As competências e as obrigações dessa entidade são definidas no artigo 37.o da Diretiva 2009/72.


4      V. ponto 4 da secção III da Exposição de motivos da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiras de eletricidade, apresentada pela Comissão em 13 de março de 2001 (a seguir «proposta da Comissão») [COM(2001) 125 final]. Esta proposta conduziu à adoção do Regulamento (CE) n.o 1228/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade (JO 2003, L 176, p. 1). O Regulamento (CE) n.o 1228/2003 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 714/2009.


5      V. ponto 5.2.1 do Estudo subjacente à Avaliação do Impacto em matéria de tarifas de transporte e as políticas de receitas de congestionamento ‑ Relatório final, maio de 2017 (a seguir «Estudo 2017»). O estudo está disponível no sítio Internet da Direção‑Geral da Energia da Comissão.


6      V. artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.


7      V. ponto 2.1 do anexo I do Regulamento n.o 714/2009.


8      V. Schoser, C., «Chapter 8. The regulation on cross‑border electricity exchanges: substantive rules», em Jones, C. (ed.), EU Energy Law. Volume I: The Internal Energy Market, Claeys & Casteels, 2016 (n.os 8.45 e 8.63). V., igualmente, Bernaerts, I., «Chapter 1. The third internal market package and its implications for electricity and gas infrastructure in the EU and beyond», em Vinois, J.‑A. (ed.), EU Energy Law. Volume VIII: The Energy Infrastructure Policy of the European Union, Claeys & Casteels, 2014 (n.o 3.2.1).


9      Devo precisar que o Tribunal de Justiça não teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação da disposição correspondente do Regulamento n.o 1228/2003, a saber, o artigo 6.o, n.o 6.


10      Segundo o relatório da EI de 11 de julho de 2014, intitulado «Receitas de congestionamento nos termos do [Regulamento n.o 714/2009]» (a seguir «Relatório da EI de 2014 sobre as receitas de congestionamento»).


11      Segundo o relatório da EI de 10 de julho de 2015, intitulado «Receitas de congestionamento nos termos do [Regulamento n.o 714/2009]» (a seguir «Relatório da EI de 2015 sobre as receitas de congestionamento»).


12      Artigo 2.o, n.o 44, do Regulamento (UE) n.o 1222/2015 da Comissão, de 24 de julho de 2015, que estabelece orientações para a atribuição de capacidade e a gestão de congestionamentos (JO 2015, L 197, p. 24), define «firmeza» como «uma garantia de que os direitos de capacidade interzonal irão permanecer inalterados e de que haverá lugar ao reembolso dos valores pagos ou ao pagamento de uma compensação caso estes se alterem». A firmeza «física» refere‑se à primeira alternativa, a saber, o direito de transferir fisicamente a eletricidade através da interligação (por oposição ao direito de obter uma compensação financeira — no montante correspondente à diferença de preço entre as duas zonas — quando não há transferência física de eletricidade).


13      Acórdão de 22 de maio de 2008, citiworks (C‑439/06, EU:C:2008:298, n.o 46).


14      V. artigo 10.o da Diretiva 2009/72.


15      Segundo as observações escritas da BCAB.


16      Acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) de 7 de maio de 2017 (EnVR 21/16) (DE:2017:070317BENVR21.16.0).


17      Devo referir que as ERN são obrigadas a notificar à Comissão as suas decisões sobre a certificação dos ORT e que a Comissão dá o seu parecer quanto à compatibilidade dessas decisões, nomeadamente, com o artigo 9.o da Diretiva 2009/72, que prevê as obrigações de separação. A ERN em causa deve ter na máxima consideração o parecer da Comissão (v. artigo 10.o, n.o 6, da Diretiva 2009/72 e artigo 3.o do Regulamento n.o 714/2009). No caso em apreço, a BNetzA notificou à Comissão um projeto de decisão desfavorável sobre a certificação da BCAB como ORT. Em 23 de janeiro de 2014, a Comissão emitiu um parecer no qual afirmava que concordava com a BNetzA que, em primeiro lugar, «sendo o Baltic Cable uma linha elétrica de alta tensão que liga as redes de transporte sueca e alemã, deve ser operada por um ORT independente em conformidade com um dos modelos de separação estabelecidos na [Diretiva 2009/72]», e, em segundo lugar, que «a [BCAB] não pode atualmente ser certificada como operador do Baltic Cable, uma vez que não demonstrou que cumpre um dos modelos de separação» (Parecer nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 714/2009] e do artigo 10.o da [Diretiva 2009/72] — Baltic Cable AB, C(2014) 424 (a seguir «parecer da Comissão relativo à certificação da BCAB»). Há que salientar que este parecer indica que «o Baltic Cable é detido e operado pela Statkraft Energie AS, uma empresa de energia verticalmente integrada que exerce atividades de produção, transporte e comercialização de eletricidade». O parecer encontra‑se disponível no sítio Internet da Direção‑Geral da Energia da Comissão.


18      Por uma questão de clareza, resumirei nos n.os 29 a 35 das presentes conclusões as observações apresentadas pelas partes sobre a primeira e segunda questões prejudiciais, uma vez que estas questões estão relacionadas.


19      Devo especificar que, embora o Parlamento e o Conselho tenham apresentado observações apenas sobre a quinta questão prejudicial, é possível deduzir dessas observações a sua posição sobre a primeira e segunda questões.


20      Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o. (C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 47).


21      V. artigo 2.o, n.o 2, alínea g), do Regulamento n.o 714/2009. Devo precisar que o Regulamento n.o 1228/2003 entrou em vigor em 4 de agosto de 2003 [v. n.o 2, alínea g), do artigo 2.o e artigo 15.o deste regulamento].


22      V. considerando 1 do Regulamento (CE) n.o 714/2009.


23      V. considerando 23 do Regulamento (CE) n.o 714/2009.


24      Segundo o relatório da DG Concorrência sobre o inquérito ao setor da energia, de 10 de janeiro de 2007, «[c]abe assegurar uma intervenção sempre que a capacidade atual for insuficiente, a fim de desenvolver a capacidade de interligação, condição indispensável para o desenvolvimento da concorrência e a integração dos mercados» (v. ponto 1049 deste relatório, disponível no sítio Internet da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão). Em 2014, o Conselho Europeu instou os Estados‑Membros a assegurarem uma interconexão de 10 % da sua capacidade de produção até 2020 (Conclusões do Conselho Europeu, de 23 e 24 de outubro de 2014, a seguir «Quadro de ação relativo ao clima e à energia para 2030», ponto 4). Registaram‑se progressos à medida que 17 Estados‑Membros atingiram esta meta, tendo sido fixado um novo objetivo de 15 % até 2030 [Comunicação sobre o reforço das redes de energia da Europa, de 23 de novembro de 2017, COM(2017) 718 final, ponto 4]. Por outras palavras, tal como referido no n.o 3, supra, continua a haver uma necessidade urgente de intensificar a capacidade de interconexão.


25      A este respeito, deve ser feita referência ao Estudo 2017 (supracitado na nota 5), que estabelece o seguinte: «as receitas associadas ao congestionamento são rendas de escassez. Estas rendas não resultam do funcionamento “normal” do negócio, ou seja, da exploração da rede de transporte, mas são acumuladas devido à falta de capacidade de transporte. Por conseguinte, este rendimento beneficia de um estatuto específico, pelo que é desejável a sua delimitação ou a aplicação de um regime especial (tal como já expresso pelo legislador da União)» (p. 96).


26      Que, conforme referido anteriormente na nota 4, foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 714/2009.


27      V. artigo 6.o, n.o 7, da Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 13 de março de 2002 tendo em vista a adoção do Regulamento (CE) n.o../2002 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade (a seguir «alteração do Parlamento») (JO 2003, C 47 E, p. 380). A proposta da Comissão (supracitada na nota 4) não previa uma isenção.


28      V. justificação da alteração 18 constante do Relatório do Parlamento sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiras de eletricidade, de 28 de fevereiro de 2002. O relatório está disponível no sítio Internet do Parlamento.


29      V. Knops, H., e De Jong, H., «Merchant Interconnectors in the European Electricity System», Journal of Network Industries, 2005, n.o 4, pp. 261 a 291 (pp. 262 e 263).


30      V., igualmente, p. 54 da Exposição de motivos da Proposta alterada de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiras de eletricidade, apresentada pela Comissão em 7 de junho de 2006 (COM(2002) 304 final).


31      V. n.o 40, supra. Esta limitação do âmbito de aplicação da isenção foi introduzida pelo Conselho (v. documento do Conselho de 18 de setembro de 2002, n.o 11915/02).


32      Remete‑se para os n.os 29, 31, 32 e 35, supra.


33      Acórdão de 22 de maio de 2008, citiworks (C‑439/06, EU:C:2008:298, n.o 46).


34      O sublinhado é meu.


35      V. ponto 2.2 do documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanha o pacote legislativo sobre o mercado interno da eletricidade e do gás ‑ Avaliação de impacto, de 19 de setembro de 2009 [SEC(2007) 1179].


36      Embora o Parlamento apenas tenha apresentado observações sobre a quinta questão prejudicial, é possível deduzir dessas observações a sua posição sobre a terceira e quarta questões.


37      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade (JO 2019, L 158, p. 54).


38      V. nota 12, supra.


39      Citado na nota 4, supra.


40      A título de exemplo, remete‑se para o regime «cap and floor» da Grã‑Bretanha, que a BCAB mencionou na audiência. Ao abrigo deste regime, o responsável pelo desenvolvimento de uma interligação não pode obter mais do que uma receita máxima (a seguir «cap»), mas também não pode obter menos do que uma receita mínima (a seguir «floor»). Tanto o cap [isto é, o limite máximo] como o floor [isto é, o limite mínimo] são fixados pela entidade reguladora da Grã‑Bretanha, nomeadamente o Office of Gas and Electricity Markets. Quaisquer receitas superiores ao cap são transferidas pela interligação para o ORT nacional, nomeadamente a National Grid Electricity Transmission plc, que, por sua vez, reduz as tarifas da rede para a utilização dessa rede. Inversamente, se as receitas obtidas pela interligação forem inferiores ao floor, a diferença é transferida para a interligação pelo ORT, que recupera estes custos através do aumento das tarifas pagas pelos utilizadores da rede de transporte. Entre o cap e o floor, existe uma margem que permite à interligação conservar as receitas provenientes do congestionamento e obter lucros (v. Niedospial, L., «Cap and Floor Regime: The New Approach to Electricity Interconnector Regulation in Great Britain», em Roggenkamp, M., e Banet, C. (eds.), European Energy Law Report XI, Intersentia, 2017, pp. 165 a 190). Uma abordagem semelhante foi adotada pela entidade reguladora belga, nomeadamente a Commission de Régulation de l’Électricité et du Gaz (a seguir «CREG») (v. pp. 32 a 37 e 80 a 84 do Arrêté fixant la méthodologie tarifaire pour le réseau de transport d’électricité et pour les réseaux d’électricité ayant une fonction de transport pour la période régulatoire 2020‑2030 [Decreto que fixa a metodologia tarifária para a rede de transporte de eletricidade e para a rede elétrica com função de transporte no período regulamentar 2020‑2030], de 28 de junho de 2018 (Z)1109/10, disponível no sítio Internet da CREG].


41      V. artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 714/2009.


42      V. artigo 18.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 714/2009.


43      V. artigo 18.o, n.o 3, alínea d), do Regulamento n.o 714/2009, que remete para o artigo 8.o, n.o 6, alíneas c), g) e k), do mesmo regulamento.


44      V. considerando 29 e artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 714/2009.


45      A «Offshore‑Umlage» é descrita na Decisão da Comissão relativa ao auxílio estatal SA.49416 — Alemanha — Reduções da sobretaxa offshore para empresas com eletrointensidade e reduções da sobretaxa de PCCE para a eletricidade produzida a partir de gases residuais, de 27 de março de 2018.


46      Saliento que as medidas da União Europeia que sejam incompatíveis com os direitos fundamentais protegidos pela Carta são nulas. V. Acórdãos de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland e o. (C‑293/12 e C‑594/12, EU:C:2014:238), e de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650). V., ainda, Lenaerts, K., e Gutiérrez Fons, J.A., ‘The Place of the Charter in the European Legal Space’, em Peers, S., Hervey, T., Kenner, J. e Ward, A. (eds.), The EU Charter of Fundamental Rights. A Commentary, Hart Publishing, Segunda Edição, 2020.


47      Acórdão de 11 de janeiro de 2017, Espanha/Conselho (C‑128/15, EU:C:2017:3, n.o 71).


48      Acórdão de 8 de junho de 2010, Vodafone e o. (C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 52).


49      Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas) (C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 88).


50      V., por analogia, Acórdão de 5 de julho de 2017, Fries (C‑190/16, EU:C:2017:513, n.o 37).