Language of document : ECLI:EU:C:2019:106

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de fevereiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Medidas de austeridade orçamental — Redução das remunerações na função pública nacional — Modalidades — Impacto diferenciado — Política social — Igualdade de tratamento em matéria de emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b) — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 21.o — Independência dos juízes — Artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE»

No processo C‑49/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Catalunya (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, Espanha), por decisão de 28 de dezembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de janeiro de 2018, no processo

Carlos Escribano Vindel

contra

Ministerio de Justicia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, E. Levits, M. Berger, C. Vajda e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de C. Escribano Vindel, pelo próprio,

–        em representação do Governo espanhol, por J. García‑Valdecasas Dorrego e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn, H. Krämer e J. Baquero Cruz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Carlos Escribano Vindel ao Ministerio de Justicia (Ministério da Justiça, Espanha) a respeito da redução do montante da sua remuneração no contexto das orientações de política orçamental do Estado espanhol.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2000/78:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

4        O artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), desta diretiva prevê:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.      Para efeitos do n.o 1:

[…]

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, […]

[…]»

5        O artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

[…]

b)      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego.»

 Direito espanhol

6        O artigo 299.o da Ley Orgánica 6/1985 del Poder Judicial (Lei Orgânica 6/1985 do Poder Judicial), de 1 de julho de 1985 (BOE n.o 157, de 2 de julho de 1985, p. 20632), prevê que o corpo de magistrados judiciais compreende três graus, concretamente, os graus de magistrado del Tribunal Supremo, de magistrado e de juez.

7        O artigo 32.o, n.o 1, ponto II, 1, da Ley 26/2009 de Presupuestos Generales del Estado para el año 2010 (Lei 26/2009 que aprova o Orçamento Geral do Estado para o ano de 2010), de 23 de dezembro de 2009 (BOE n.o 309, de 23 de dezembro de 2009, p. 108804, a seguir «OGE 2010»), prevê que, a partir de 1 de junho de 2010, as remunerações de base das várias categorias que compõem a magistratura judicial seriam reduzidas em 9,73% relativamente às remunerações previstas até essa data.

8        O artigo 32.o, n.o 1, ponto II, 4, segundo parágrafo, do OGE 2010 tem a seguinte redação:

«As remunerações complementares dos membros da magistratura e do Ministério Público sofrerão uma redução de 6% no caso dos magistrados e fiscales [no sistema jurídico espanhol, as funções de «magistrados» e «fiscales» correspondem à designação atribuída, respetivamente, aos juízes e aos procuradores que já evoluíram na sua carreira de magistrados judiciais ou na Fiscalia General del Estado (equivalente ao Ministério Público em Portugal)] e de 5% no caso dos jueces e dos abogados fiscales [no sistema jurídico espanhol, as funções de «jueces» e «abogados fiscales» correspondem à designação atribuída, respetivamente, aos juízes e aos procuradores quando iniciam a sua carreira, respetivamente, na magistratura judicial ou na Fiscalia General del Estado] em termos anuais relativamente às remunerações em vigor em 31 de maio de 2010.»

9        O artigo 1.o do Real Decreto‑Ley 8/2010 (Real Decreto‑Lei 8/2010), de 20 de maio de 2010 (BOE n.o 126, de 24 de maio de 2010, p. 45070), alterou o artigo 32.o do OGE 2010 no que diz respeito às remunerações dos magistrados para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de maio de 2010.

10      O artigo 31.o, n.o 1, da Ley 39/2010 de Presupuestos Generales del Estado para el año 2011 (Lei 39/2010 que aprova o Orçamento Geral do Estado para o ano de 2011), de 22 de dezembro de 2010 (BOE n.o 311, de 23 dezembro de 2010, p. 105744) (a seguir «OGE 2011»), prevê, por um lado, que os montantes dos vencimentos das diversas categorias que compõem a magistratura judicial serão idênticos aos fixados no artigo 32.o, n.o 1, ponto II, 1, do OGE 2010, conforme alterado pelo Real Decreto‑Lei 8/2010, de 20 de maio de 2010, e, por outro, que as remunerações complementares não sofrerão nenhum aumento relativamente às remunerações em vigor em 31 de dezembro de 2010.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      C. Escribano Vindel, magistrado do tribunal singular no Juzgado de lo Social n° 26 de Barcelona (Tribunal do Trabalho n.o 26 de Barcelona, Espanha), contestou no Tribunal Superior de Justicia de Catalunya (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha, Espanha) as suas folhas de vencimento relativas ao ano de 2011, alegando, por um lado, que as mesmas constituíam atos administrativos adotados com fundamento no artigo 31.o, n.o 1, do OGE 2011 e, por outro lado, que das referidas folhas de vencimento resultava uma «diminuição substancial relativamente aos períodos equivalentes do ano anterior» que é contrária à Constituição espanhola.

12      Por despacho de 30 de março de 2015, o órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha), uma questão relativa à compatibilidade do artigo 31.o, n.o 1, do OGE 2011 com a Constituição espanhola, na qual salientou que resultava de um relatório do Ministério da Justiça que a redução remuneratória era de 7,16% para os jueces, pertencentes ao grupo de remuneração 5, cuja remuneração era a menos elevada, que a referida redução era de 6,64% para os magistrados de tribunais singulares pertencentes ao grupo de remuneração 4, grupo ao qual aliás pertencia C. Escribano Vindel, e que era de 5,90% para os magistrados pertencentes ao grupo de remuneração 1, cuja remuneração era a mais elevada.

13      Por despacho de 15 de dezembro de 2015, o Plenário do Tribunal Constitucional espanhol julgou que esta questão era inadmissível e declarou que a disposição em causa não viola, nomeadamente, o princípio da igualdade consagrado no artigo 14.o da Constituição espanhola. Com efeito, aquele Tribunal Constitucional considerou que os membros da magistratura espanhola afetados não se encontram numa situação objetivamente comparável, uma vez que estão distribuídos por categorias distintas e ocupam lugares diferentes.

14      Por despacho de 24 de fevereiro de 2016, o órgão jurisdicional de reenvio convidou as partes a apresentarem as respetivas observações sobre a questão de saber se as medidas de redução remuneratória adotadas eram discriminatórias à luz da Carta. Na sua resposta, C. Escribano Vindel alegou que as referidas medidas implicavam uma discriminação indireta em razão da idade ou da antiguidade, uma vez que a redução remuneratória era superior para os jueces, pertencentes ao grupo de remuneração 5, que é a categoria de entrada na magistratura judicial e que agrupa os magistrados mais jovens e com menos antiguidade. Por conseguinte, uma disposição aparentemente neutra cria um efeito proporcionalmente mais negativo em função da idade ou da antiguidade.

15      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se a legislação nacional em causa, que se inscreve no objetivo de redução do défice público imposto pela União Europeia, constitui uma discriminação em razão da idade, proibida pela Carta e pela Diretiva 2000/78. A este respeito, observa que a taxa de redução remuneratória decorrente desta legislação é mais elevada para os jueces, pertencentes ao grupo de remuneração 5, e para os magistrados judiciais dos tribunais singulares, pertencentes ao grupo de remuneração 4, do que para as outras categorias de magistrados. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, os jueces ou os magistrados mais jovens e com menor antiguidade contribuem assim em maior medida para a redução do défice público, sem que esse encargo específico que lhes é imposto seja justificado por uma razão objetiva pertinente.

16      O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se, em segundo lugar, sobre a questão de saber se a legislação nacional em causa, na parte em que fixa uma redução remuneratória em função de critérios que não tomam em consideração as funções exercidas nem a antiguidade e em que prevê uma redução do vencimento que é proporcionalmente mais elevada para os jueces ou para os magistrados menos bem pagos, viola o princípio geral da independência judicial.

17      A este respeito, o órgão jurisdicional refere‑se, em primeiro lugar, ao artigo 6.o da Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, adotada entre 8 e 10 de julho de 1998 pelo Conselho da Europa, em seguida, à Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados‑Membros sobre os magistrados: independência, eficácia e responsabilidades, adotada em 17 de novembro de 2010, e, por último, aos n.os 74 a 79 das Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:395).

18      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia de Catalunya (Tribunal Superior de Justiça da Catalunha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o princípio geral do direito da União de proibição da discriminação ser interpretado no sentido de [que] não se opõe a uma disposição nacional, como a constante do artigo 31.o, n.o 1, d[o] [OGE 2011] que fixou percentagens de redução diferentes que se veio a verificar serem mais gravosas para a parte dos membros da [magistratura judicial] cuja remuneração era mais reduzida, obrigando‑os a suportar um sacrifício mais significativo para efeitos da sustentabilidade da despesa pública (princípio da não discriminação)?

2)      Deve o princípio geral do direito da União de preservação da independência judicial através de uma remuneração justa, estável e adequada às funções desempenhadas pelos membros da [magistratura judicial] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional, como a constante do artigo 31.o, n.o 1, d[o] [OGE 2011], que não toma em consideração a natureza das funções desempenhadas, a antiguidade profissional, a relevância das funções e que impõe exclusivamente um sacrifício mais oneroso para a sustentabilidade da despesa pública aos membros da referida [magistratura] que menos auferem (princípio da independência judicial)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

19      O Governo espanhol considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível porque as informações que são necessárias para que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre as questões submetidas não foram fornecidas a este último. Com efeito, o pedido não expõe de forma suficiente nem os factos no processo principal, nem a legislação nacional pertinente, nem o direito da União cuja interpretação é pedida.

20      Em particular, não há indicações relativas à idade, à antiguidade e ao regime remuneratório de C. Escribano Vindel. Além disso, o relatório do Ministério da Justiça também não abrange o grupo de remuneração 1, ao qual pertence C. Escribano Vindel, abrangendo os grupos de remuneração 4 e 5.

21      Quanto à exposição do quadro jurídico nacional, segundo o Governo espanhol, as meras referências ao artigo 31.o, n.o 1, do OGE 2011 e ao artigo 301.o da Lei Orgânica 6/1985 do Poder Judicial são insuficientes para compreender o regime remuneratório dos membros do poder judicial espanhol e a forma como a redução remuneratória de todos os trabalhadores do setor público foi aplicada aos referidos membros.

22      Sem deduzir uma exceção de inadmissibilidade, a Comissão Europeia observa que a decisão de reenvio não contém nenhuma informação a respeito do real impacto económico da redução remuneratória para C. Escribano Vindel nem para os outros magistrados judiciais ou para os jueces judiciais, limitando‑se a citar percentagens, sem precisar os montantes a que estas se aplicam.

23      Além disso, não foi prestada nenhuma informação sobre o impacto da redução remuneratória no que respeita aos magistrados da Audiencia Provincial (Tribunal de Comarca, Espanha) ou da Audiencia Nacional (Tribunal Central, Espanha), nem no que respeita aos magistrados do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Por outro lado, o relatório do Ministério da Justiça só compara a situação de três lugares‑tipo escolhidos «a título de exemplo», para «ilustrar» a forma como a percentagem global de diminuição varia em função do peso mais ou menos importante da remuneração complementar na remuneração total.

24      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 24 e jurisprudência referida).

25      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 25 e jurisprudência referida).

26      A este respeito, cumpre recordar que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que coloca ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que assentam essas questões (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 26 e jurisprudência referida).

27      No presente caso, importa começar por constatar que, ao contrário do que o Governo espanhol alega, o órgão jurisdicional de reenvio identificou claramente os princípios do direito da União que são objeto das questões prejudiciais.

28      Em seguida, o Governo espanhol observa, acertadamente, que a exposição do quadro jurídico nacional na decisão de reenvio é rudimentar. Todavia, atendendo nomeadamente às observações escritas apresentadas por este governo e pela Comissão, que corroboram e precisam este quadro jurídico, dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe resulta que a decisão de reenvio contém, no entanto, os elementos essenciais do quadro legal no qual se inserem as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

29      Por último, no que diz respeito à descrição do quadro factual, o Governo espanhol e a Comissão salientam, acertadamente, que as informações prestadas são incompletas. No entanto, a decisão de reenvio contém dados suficientes para a compreensão tanto das questões prejudiciais como do respetivo alcance.

30      Por conseguinte, há que considerar que a decisão de reenvio contém os elementos de facto e de direito que permitem que o Tribunal de Justiça forneça uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

31      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

 Observações preliminares

32      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este último dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe foram submetidas. A circunstância de um órgão jurisdicional nacional ter, num plano formal, formulado uma questão prejudicial com base em certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (Acórdão de 27 de junho de 2017, Congregación de Escuelas Pías Provincia Betania, C‑74/16, EU:C:2017:496, n.o 36 e jurisprudência referida).

33      No presente caso, atendendo, nomeadamente, a todos os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, bem como às observações apresentadas pelo Governo espanhol e pela Comissão, e para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio tais elementos de interpretação úteis, há que reformular as questões submetidas.

34      Com efeito, em primeiro lugar, na medida em que a primeira questão visa uma interpretação do «princípio geral do direito da União de proibição de discriminação», decorre da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se questiona mais precisamente sobre a questão de saber se o artigo 21.o da Carta e o artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

35      Em segundo lugar, na medida em que esta mesma questão visa especificamente as reduções salariais dos «membros da [magistratura judicial] cuja remuneração era mais reduzida», resulta da referida decisão, por um lado, que este grupo é constituído pelos jueces, pertencentes ao grupo de remuneração 5, e, por outro lado, que C. Escribano Vindel não pertence ao referido grupo. Com efeito, embora o Governo espanhol e a Comissão considerem que os elementos de facto fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio demonstram que este último pertence ao grupo de remuneração 1, o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que C. Escribano Vindel pertence ao grupo de remuneração 4.

36      Em terceiro lugar, embora a segunda questão vise, de acordo com o seu próprio teor, uma interpretação do «princípio geral do direito da União de preservação da independência judicial através de uma remuneração justa, estável e adequada às funções desempenhadas pelos membros da [magistratura judicial]», resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, em substância, sobre a questão de saber se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência dos juízes se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

37      Em quarto lugar, na medida em que C. Escribano Vindel atua apenas em representação própria, para responder a esta questão há que tomar em consideração apenas a sua situação (v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 28).

 Quanto à primeira questão, relativa a uma discriminação em razão da idade ou da antiguidade

38      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 21.o da Carta assim como o artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no contexto de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou diferentes percentagens de redução remuneratória para as remunerações de base e complementares dos magistrados judiciais, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se traduziu em reduções remuneratórias que são percentualmente mais significativas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para os que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa, tendem a ser mais jovens e têm geralmente menos antiguidade do que os segundos.

39      A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que a proibição de discriminação em razão, nomeadamente, da idade, está incorporada no artigo 21.o da Carta, o qual, desde 1 de dezembro de 2009, reveste o mesmo valor jurídico que os Tratados e que esta proibição se materializou na Diretiva 2000/78 no domínio do emprego e da atividade profissional (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Hennigs e Mai, C‑297/10 e C‑298/10, EU:C:2011:560, n.o 47).

40      Em segundo lugar, é jurisprudência constante que as condições remuneratórias dos funcionários, incluindo dos magistrados, são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2014, Specht e o., C‑501/12 a C‑506/12, C‑540/12 e C‑541/12, EU:C:2014:2005, n.o 37, e de 9 de setembro de 2015, Unland, C‑20/13, EU:C:2015:561, n.o 29).

41      Em terceiro lugar, cumpre observar que, ao abrigo do artigo 1.o e do artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, são proibidas as discriminações indiretas baseadas na «religião ou [n]as convicções, [n]uma deficiência, [n]a idade ou [n]a orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional».

42      Em quarto lugar, no que respeita à hipótese de uma discriminação indireta em razão da idade, importa recordar que, por força do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78, existe discriminação indireta sempre que uma disposição, um critério ou uma prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de particular desvantagem pessoas de uma determinada idade, comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, esse critério ou essa prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para alcançar esse objetivo sejam adequados e necessários (Acórdão de 14 de março de 2018, Stollwitzer, C‑482/16, EU:C:2018:180, n.o 22).

43      Importa pois examinar se um trabalhador como C. Escribano Vindel é tratado de forma menos favorável do que outro que se encontre numa situação comparável em razão da sua idade ou se a disposição em causa no processo principal é suscetível de conduzir a uma desvantagem particular relativamente à categoria de idade a que C. Escribano Vindel pertence, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, John, C‑46/17, EU:C:2018:131, n.o 22).

44      A este respeito, importa, antes de mais, observar que o órgão jurisdicional de reenvio não precisou a idade de C. Escribano Vindel nem identificou outra pessoa que se encontre numa situação comparável à de C. Escribano Vindel, tendo‑se limitado a sublinhar o impacto menos favorável que a legislação em causa no processo principal tem nos magistrados judiciais pertencentes aos grupos de remuneração 4 e 5 relativamente aos que pertencem ao grupo de remuneração 1.

45      Em seguida, conforme entendem o Governo espanhol e a Comissão, daqui resulta que se C. Escribano Vindel pertencer ao grupo de remuneração 1, não se pode considerar que este é vítima de uma discriminação em razão da idade, uma vez que figura entre os magistrados que são favorecidos, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pela legislação nacional em causa no processo principal relativamente aos demais.

46      Por último, se C. Escribano Vindel, como parece entender o órgão jurisdicional de reenvio, pertencer ao grupo de remuneração 4, haverá que determinar se este grupo de remuneração reúne magistrados de uma determinada categoria de idade que se diferencie de semelhante categoria de idade que reúna os magistrados pertencentes ao grupo de remuneração 1.

47      Ora, a este respeito, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não identificou nenhuma categoria de idade específica que seja desfavorecida, tendo‑se, no essencial, limitado a observar que, em média, os magistrados que pertencem ao grupo de remuneração 5 são mais jovens do que os magistrados que pertencem aos grupos de remuneração 4 e 1. Em particular, não resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio identificou uma diferença de idade específica entre o grupo de remuneração 4 e o grupo de remuneração 1.

48      Por outro lado, o Governo espanhol alega que os referidos grupos de remuneração não são compostos por magistrados de uma determinada categoria de idade, uma vez que para integrar a magistratura judicial o único limite de idade existente é o que consiste em não ter atingido a idade de passagem à reforma aplicável à referida magistratura antes de entrar em funções e que os membros da magistratura judicial não têm nenhuma obrigação de preencher lugares, pertencer a categorias ou a grupos superiores, podendo continuar afetos à categoria de juez independentemente da sua idade.

49      Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único que tem um conhecimento direto do litígio que lhe foi submetido, proceder às verificações necessárias para determinar se os referidos grupos são compostos por magistrados de uma determinada categoria de idade.

50      Em quinto lugar, no que se refere à exigência relativa ao caráter comparável das situações, importa precisar que, por um lado, não se exige que as situações sejam idênticas, mas simplesmente que sejam comparáveis, e, por outro, que a apreciação desse caráter comparável não seja efetuada de modo global e abstrato, mas de modo específico e concreto, na perspetiva da prestação em causa (Acórdão de 19 de julho de 2017, Abercrombie & Fitch Italia, C‑143/16, EU:C:2017:566, n.o 25).

51      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se os membros da magistratura judicial que pertencem ao grupo de remuneração 4 se encontram numa situação comparável à situação dos membros da magistratura judicial que pertencem ao grupo de remuneração 1 (v., por analogia, Acórdão de 5 de junho de 2018, Grupo Norte Facility, C‑574/16, EU:C:2018:390, n.o 49).

52      Feitas estas apreciações, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que é pacífico que as remunerações de base das diferentes categorias que compõem a magistratura judicial foram uniformemente reduzidas em 9,73% e que a alegada diferença de tratamento em causa no processo principal resulta, por um lado, da redução menos elevada das remunerações complementares dos membros da magistratura judicial e, por outro, das diferenças em termos de proporção, consoante os grupos de remuneração, das remunerações de base e das remunerações complementares na remuneração total.

53      Neste contexto, o Governo espanhol e a Comissão precisam que a remuneração complementar inclui um prémio de antiguidade, um subsídio de fixação, que tem em conta, nomeadamente, a região em que em que ocorre a colocação e as condições objetivas de representação associadas às funções exercidas, bem como um subsídio especial, que retribui o nível de responsabilidades, a formação, a complexidade ou a dificuldade especiais que as funções exijam. Aquele governo e aquela instituição consideram que, na medida em que a remuneração complementar varia em função de elementos objetivos que diferenciam categorias distintas da magistratura judicial, estas categorias não se encontram em situações comparáveis.

54      Por outro lado, o próprio órgão jurisdicional de reenvio observou que o Plenário do Tribunal Constitucional espanhol decidiu, por despacho de 15 de dezembro de 2015, que as pessoas em causa não se encontravam numa situação objetivamente comparável, na medida em que os membros do corpo judicial estavam repartidos em categorias distintas e ocupavam lugares diferentes.

55      Por conseguinte, sob reserva das verificações que incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, a diferença de tratamento em causa no processo principal não parece dizer respeito a situações comparáveis nem parece apresentar um nexo indireto com a idade.

56      Por conseguinte, importa considerar que das circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não resulta que a legislação nacional em causa no processo principal contém uma discriminação em razão da idade.

57      Em sexto lugar, no que respeita à hipótese de uma discriminação com base na antiguidade, por um lado, não pode deixar de se constatar que este critério não figura entre os critérios enumerados na proibição prevista no artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78. O referido critério figura, pelo contrário, entre os previstos no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, suscetíveis de justificar uma diferença de tratamento em razão da idade.

58      Por outro lado, ainda que se admita que o artigo 21.o da Carta se possa aplicar, no caso em apreço, fora do âmbito de aplicação da referida diretiva, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio não precisou qual é a antiguidade de C. Escribano Vindel, nem identificou outra pessoa que se encontre numa situação comparável à situação de C. Escribano Vindel, não tendo também identificado uma categoria de antiguidade específica que estivesse a ser desfavorecida. Em particular, à luz das observações do Governo espanhol resumidas no n.o 48 do presente acórdão, não se pode presumir que as diferentes categorias de remuneração refletem categorias de antiguidade específicas.

59      Nestas condições, há que considerar que das circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não resulta que a legislação nacional em causa no processo principal contém uma diferença de tratamento em razão da idade à qual se poderiam opor o artigo 21.o da Carta ou o artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78.

60      Atendendo a todas as considerações que precedem, importa responder à primeira questão que o artigo 21.o da Carta e o artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que, sob reserva das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no contexto de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou diferentes percentagens de redução remuneratória para as remunerações de base e complementares dos membros da magistratura judicial, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, implicou reduções remuneratórias percentualmente mais significativas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para os que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa, tendem a ser mais jovens e têm geralmente menos antiguidade do que os segundos.

 Quanto à segunda questão, relativa à independência dos juízes

61      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência dos juízes se opõe à aplicação ao recorrente no processo principal de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, sem tomar em consideração a natureza das funções exercidas, a antiguidade ou a importância das tarefas executadas, no âmbito de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou percentagens de redução remuneratória diferentes para as remunerações de base e complementares dos membros da magistratura judicial, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, implicou reduções remuneratórias percentualmente mais elevadas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para aqueles que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa do que os segundos.

62      A este respeito, importa recordar que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, prevê que os Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar aos interessados o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim, compete aos Estados‑Membros prever um sistema de vias de recurso e de processos que permita assegurar uma fiscalização jurisdicional efetiva nos referidos domínios (v. Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 34).

63      Daqui resulta que qualquer Estado‑Membro deve assegurar que as instâncias que, enquanto «órgão jurisdicional», na aceção do direito da União, fazem parte do seu sistema de vias de recurso nos domínios abrangidos pelo direito da União satisfaçam as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 37).

64      Ora, entre os elementos a ter em conta no âmbito da apreciação da qualidade de «órgão jurisdicional», figuram a origem legal do órgão, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do seu processo, a aplicação, pelo órgão, das regras de direito, bem como a sua independência (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 38).

65      A garantia de independência, que é inerente à missão de julgar, impõe‑se não apenas a nível da União, aos juízes da União e aos advogados‑gerais do Tribunal de Justiça, como previsto no artigo 19.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TUE, mas igualmente a nível dos Estados‑Membros, aos órgãos jurisdicionais nacionais (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 42).

66      O conceito de independência pressupõe, nomeadamente, que a instância em causa exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. Ora, tal como a inamovibilidade dos membros da instância em causa, o auferimento, por estes, de uma remuneração de nível adequado à importância das funções que exercem constitui uma garantia inerente à independência judicial (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 44 e 45).

67      No presente caso, antes de mais, resulta das indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, à semelhança das circunstâncias do processo que deu origem ao Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 46 a 49), as medidas de redução remuneratória em causa no processo principal foram adotadas devido a imperativos relacionados com a eliminação do défice orçamental excessivo do Estado‑Membro em causa e previam uma redução limitada do montante da remuneração, até uma determinada percentagem que variava em função do nível da referida remuneração. As medidas em causa foram aplicadas não apenas aos membros dos órgãos jurisdicionais espanhóis mas também, de forma mais genérica, a diferentes titulares de cargos públicos e a pessoas que exerciam funções no setor público, entre as quais os representantes dos poderes legislativo, executivo e judicial. As referidas medidas assemelham‑se assim a medidas gerais que tinham por objetivo que um conjunto de membros da função pública nacional contribuísse para o esforço de austeridade ditado pelos imperativos de redução do défice excessivo do orçamento do Estado espanhol.

68      Em seguida, dado que, conforme se recordou no n.o 37 do presente acórdão, há que tomar em consideração apenas a situação de C. Escribano Vindel, a análise a efetuar no presente caso à luz do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE limita‑se a uma verificação destinada a saber se o interessado tem, em aplicação da redução remuneratória em causa no processo principal, um nível de remuneração que é adequado à importância das funções que exerce.

69      Assim, como acertadamente alega a Comissão, não parecem pertinentes para a apreciação que o órgão jurisdicional nacional irá efetuar no presente caso nem a modalidade de redução remuneratória em causa no processo principal, para a qual, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não foi tomada em consideração a natureza das funções exercidas, a antiguidade ou a importância das tarefas executadas, nem o facto de, segundo aquele órgão jurisdicional, esta modalidade se ter traduzido em reduções remuneratórias que são percentualmente mais elevadas para os membros da magistratura judicial que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para aqueles que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura.

70      Por último, no que respeita à questão de saber se C. Escribano Vindel tem, em aplicação da redução remuneratória em causa no processo principal, um nível de remuneração adequado à importância das funções que exerce, importa observar que a decisão de reenvio não contém nenhuma informação precisa no que respeita ao montante da remuneração de C. Escribano Vindel. Nas suas observações, a Comissão sustenta, em substância, que, de acordo com o relatório do Ministério da Justiça, em aplicação desta redução remuneratória, o nível de remuneração de um magistrado judicial de um tribunal singular colocado em Barcelona, como C. Escribano Vindel, e que pertence ao grupo de remuneração 4, é suficiente, atendendo ao contexto socioeconómico desta cidade e à remuneração média dos funcionários espanhóis, também mencionada no referido relatório, para o proteger contra o risco de que eventuais intervenções ou pressões externas possam prejudicar a neutralidade das decisões que deve tomar.

71      Cabe acrescentar que, ainda que se admita que C. Escribano Vindel pertença ao grupo de remuneração 1, conforme o Governo espanhol e a Comissão alegam, deve a fortiori aplicar‑se a argumentação da Comissão uma vez que, como acima se recordou no n.o 12 do presente acórdão, a remuneração dos membros deste grupo é mais elevada do que a do grupo de remuneração 4.

72      Incumbe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único que tem um conhecimento direto do litígio que lhe foi submetido, proceder às verificações necessárias para determinar se o nível da remuneração de C. Escribano Vindel, em aplicação da redução remuneratória em causa no processo principal, é adequado à importância das funções que este exerce e se, por conseguinte, esse nível garante a sua independência de julgamento.

73      Feitas estas apreciações, das circunstâncias descritas pelo órgão jurisdicional de reenvio não resulta que a legislação nacional em causa no processo principal contém uma violação do princípio da independência judicial, conforme este é garantido pelo artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

74      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência dos juízes não se opõe à aplicação ao recorrente no processo principal de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, sem ter tomado em consideração a natureza das funções exercidas, a antiguidade ou a importância das tarefas executadas, no âmbito de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou percentagens de redução remuneratória diferentes para as remunerações de base e complementares dos membros da magistratura judicial, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, implicou reduções remuneratórias percentualmente mais elevadas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para os que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa do que os segundos, desde que o nível da remuneração do recorrente no processo principal, em aplicação da redução remuneratória em causa no processo principal, seja adequado à importância das funções que exerce e, por conseguinte, garanta a independência de julgamento deste último, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

75      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 2.o, n.o 1 e n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que, sob reserva das verificações que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no contexto de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou diferentes percentagens de redução remuneratória para as remunerações de base e complementares dos membros da magistratura judicial, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, implicou reduções remuneratórias percentualmente mais significativas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para os que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa, tendem a ser mais jovens e têm geralmente menos antiguidade do que os segundos.

2)      O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que o princípio da independência dos juízes não se opõe à aplicação ao recorrente no processo principal de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, sem ter tomado em consideração a natureza das funções exercidas, a antiguidade ou a importância das tarefas executadas, no âmbito de medidas gerais de redução remuneratória relacionadas com condicionalismos de eliminação de um défice orçamental excessivo, fixou percentagens de redução remuneratória diferentes para as remunerações de base e complementares dos membros da magistratura judicial, o que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, implicou reduções remuneratórias percentualmente mais elevadas para aqueles que pertencem a dois grupos de remuneração das categorias inferiores desta magistratura do que para os que pertencem a um grupo de remuneração de uma categoria superior da referida magistratura, sendo que os primeiros recebem uma remuneração mais baixa do que os segundos, desde que o nível da remuneração do recorrente no processo principal, em aplicação da redução remuneratória em causa no processo principal, seja adequado à importância das funções que exerce e, por conseguinte, garanta a independência de julgamento deste último, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.