Language of document : ECLI:EU:C:2019:355

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

2 de maio de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção da saúde — Normas de higiene — Regulamento (CE) n.o 853/2004 — Higiene dos géneros alimentícios de origem animal — Obrigações dos operadores das empresas do setor alimentar — Requisitos específicos — Carne de ungulados domésticos — Armazenamento e transporte — Condições de temperatura da carne»

No processo C‑98/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos), por Decisão de 6 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de fevereiro de 2018, no processo

T. Boer & Zonen BV

contra

Staatssecretaris van Economische Zaken,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente da Nona Secção, D. Šváby (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da T. Boer & Zonen BV, por K. J. Defares, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e L. Noort, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por D. Colas, S. Horrenberger, A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Koós e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo romeno, por C.‑R. Canţăr, C.‑M. Florescu e A. Wellman, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Bouquet, W. Farrell e B. Eggers, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal (JO 2004, L 139, p. 55; retificações no JO 2004, L 226, p. 22, e no JO 2013, L 160, p. 15).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a T. Boer & Zonen BV, uma empresa do setor alimentar com sede nos Países Baixos, ao Staatssecretaris van Economische Zaken (Secretário de Estado dos assuntos económicos, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado») relativamente a coimas aplicadas por este último à recorrente no processo principal por ter transferido para um camião frigorífico carne a uma temperatura superior a 7 °C e determinados produtos à base de carne a uma temperatura superior a 11 °C.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 853/2004

3        Os considerandos 1, 2, 4 e 9 do Regulamento n.o 853/2004 têm a seguinte redação:

«(1)      Com o Regulamento (CE) n.o 852/2004[, de 29 de abril de 2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (JO 2004, L 139, p. 1; retificações no JO 2004, L 226, p. 3, e no JO 2013, L 160, p. 16)], o Parlamento Europeu e o Conselho estabeleceram as regras básicas de higiene a respeitar pelos operadores do setor alimentar.

(2)      Certos géneros alimentícios podem apresentar riscos específicos para a saúde humana que tornem necessário o estabelecimento de regras específicas de higiene. É esse nomeadamente o caso dos géneros alimentícios de origem animal, nos quais se têm frequentemente constatado riscos microbiológicos e químicos.

[…]

(4)      Em matéria de saúde pública, essas regras contêm princípios comuns, relacionados em particular com as responsabilidades dos fabricantes e das autoridades competentes, com os requisitos estruturais, operacionais e de higiene que devem ser cumpridos nos estabelecimentos, com os processos de aprovação dos estabelecimentos, e com as condições de armazenagem e transporte e a marcação de salubridade dos produtos.

[…]

(9)      A reformulação das referidas regras tem essencialmente por objetivo assegurar um elevado nível de proteção do consumidor nomeadamente em matéria de segurança dos géneros alimentícios sujeitando todas as empresas do setor alimentar da União Europeia às mesmas regras, e garantir o correto funcionamento do mercado interno dos produtos de origem animal, contribuindo desta forma para atingir os objetivos da política agrícola comum.»

4        O artigo 2.o deste regulamento, com a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento são aplicáveis as seguintes definições:

1)      As definições previstas no Regulamento (CE) n.o 178/2002;

2)      As definições previstas no Regulamento (CE) n.o 852/2004;

3)      As definições previstas no anexo I; e

4)      As definições técnicas previstas nos anexos II e III.»

5        O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Obrigações gerais», prevê, no seu n.o 1:

«Os operadores das empresas do setor alimentar devem dar cumprimento às disposições pertinentes dos anexos II e III.»

6        Nos termos do artigo 4.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Registo e aprovação de estabelecimentos»:

«1.      Os operadores das empresas do setor alimentar só podem colocar no mercado produtos de origem animal fabricados na Comunidade que tenham sido preparados e manipulados exclusivamente em estabelecimentos que:

a)      Cumpram os requisitos aplicáveis do Regulamento (CE) n.o 852/2004, dos anexos II e III do presente regulamento e outros requisitos pertinentes da legislação relativa aos géneros alimentícios;

b)      Tenham sido registados pela autoridade competente ou por ela aprovados, quando requerido nos termos do n.o 2.

2.      Sem prejuízo do n.o 3 do artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 852/2004, os estabelecimentos que manipulam os produtos de origem animal para os quais o anexo III estabelece requisitos, só poderão operar se a autoridade competente os tiver aprovado nos termos do n.o 3, com exceção dos estabelecimentos que efetuem apenas:

[…]

b)      Operações de transporte;

[…]

3.      Um estabelecimento sujeito a aprovação nos termos do n.o 2 só pode funcionar se, nos termos do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece as regras de execução dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano, a autoridade competente tiver concedido ao estabelecimento:

a)      Autorização de funcionamento, após uma visita ao local; ou

[…]

4.      Os operadores das empresas do setor alimentar devem cooperar com as autoridades competentes nos termos do Regulamento (CE) n.o 854/2004. Em especial, os operadores do setor alimentar devem garantir que um estabelecimento deixe de operar se a autoridade competente retirar a sua autorização, ou, em caso de autorização condicional, se a não prorrogar ou não conceder a autorização definitiva.

[…]»

7        O anexo I do Regulamento n.o 853/2004, com a epígrafe «Definições», prevê, no seu ponto 1.16, que se entende por «matadouro» um «estabelecimento para abate e preparação de animais cuja carne se destina ao consumo humano».

8        O anexo III, secção I, capítulo II desse regulamento, com a epígrafe «Requisitos aplicáveis aos matadouros», estabelece vários requisitos relativos à construção, conceção e equipamento dos matadouros que devem ser cumpridos pelos operadores das empresas do setor alimentar.

9        O anexo III do referido regulamento inclui uma secção I, cujo capítulo VII, com a epígrafe «Armazenagem e transporte», dispõe:

«Os operadores das empresas do setor alimentar devem garantir que a armazenagem e o transporte de carne de ungulados domésticos sejam efetuados em conformidade com os requisitos seguintes.

1.      a)      Exceto quando existem disposições específicas em contrário, a inspeção post mortem deve ser imediatamente seguida de uma refrigeração no matadouro que garanta uma temperatura uniforme da carne não superior a 3 °C, no caso das miudezas, e a 7 °C no caso da restante carne, segundo uma curva de refrigeração que assegure uma diminuição contínua da temperatura. No entanto, a carne poderá ser cortada e desossada durante a refrigeração, em conformidade com o ponto 4 do capítulo V.

b)      Durante as operações de refrigeração, deve existir uma ventilação adequada que evite a condensação na superfície da carne.

2.      A carne deve atingir a temperatura especificada no ponto 1 e ser mantida a essa temperatura durante a armazenagem.

3.      A carne deve atingir a temperatura especificada no ponto 1 antes do transporte e ser mantida a essa temperatura durante o transporte. No entanto, este poderá também ser realizado, se a autoridade competente assim o autorizar, para permitir o fabrico de produtos específicos, desde que:

a)      Esse transporte seja efetuado de acordo com os requisitos especificados pela autoridade competente no que respeita ao transporte de um determinado estabelecimento para outro;

e

b)      A carne deixe imediatamente o matadouro, ou uma sala de desmancha no mesmo local das instalações de abate, e o transporte não dure mais de duas horas.

4.      A carne destinada à congelação deve ser congelada sem demoras injustificadas, tendo em conta, sempre que necessário, um período de estabilização antes da congelação.

5.      A carne exposta deve ser armazenada e transportada separadamente da carne embalada, a menos que seja armazenada ou transportada em momentos diferentes ou de forma a que o material de embalagem e o modo de armazenagem ou de transporte não possam ser uma fonte de contaminação para a carne.»

 Regulamento n.o 852/2004

10      O artigo 2.o do Regulamento n.o 852/2004, com a epígrafe «Definições», precisa, no n.o 1, alínea c), que, para efeitos deste regulamento, o «estabelecimento» é definido como «qualquer unidade de uma empresa do setor alimentar».

11      O artigo 5.o do referido regulamento, com a epígrafe «Análise dos perigos e controlo dos pontos críticos», dispõe, no seu n.o 1:

«Os operadores das empresas do setor alimentar criam, aplicam e mantêm um processo ou processos permanentes baseados nos princípios [Hazard Analysis Critical Control Point (HACCP) (análise de perigos e controlo de pontos críticos)].»

 Regulamento (CE) n.o 178/2002

12      O Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), define, no seu artigo 3.o, n.o 2, a «empresa do setor alimentar» como sendo «qualquer empresa, com ou sem fins lucrativos, pública ou privada, que se dedique a uma atividade relacionada com qualquer das fases da produção, transformação e distribuição de géneros alimentícios».

13      O artigo 6.o deste regulamento, com a epígrafe «Análise dos riscos», enuncia, no seu n.o 1:

«A fim de alcançar o objetivo geral de um elevado nível de proteção da vida e da saúde humanas, a legislação alimentar basear‑se‑á na análise dos riscos, exceto quando tal não for adequado às circunstâncias ou à natureza da medida.»

14      O artigo 7.o do referido regulamento, com a epígrafe «Princípio da precaução», dispõe:

«1.      Nos casos específicos em que, na sequência de uma avaliação das informações disponíveis, se identifique uma possibilidade de efeitos nocivos para a saúde, mas persistam incertezas a nível científico, podem ser adotadas as medidas provisórias de gestão dos riscos necessárias para assegurar o elevado nível de proteção da saúde por que se optou na Comunidade, enquanto se aguardam outras informações científicas que permitam uma avaliação mais exaustiva dos riscos.

2.      As medidas adotadas com base no n.o 1 devem ser proporcionadas e não devem impor mais restrições ao comércio do que as necessárias para se alcançar o elevado nível de proteção por que se optou na Comunidade, tendo em conta a viabilidade técnica e económica e outros fatores considerados legítimos na matéria em questão. Tais medidas devem ser reexaminadas dentro de um prazo razoável, consoante a natureza do risco para a vida ou a saúde e o tipo de informação científica necessária para clarificar a incerteza científica e proceder a uma avaliação mais exaustiva do risco.»

15      O artigo 8.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Proteção dos interesses dos consumidores», prevê, no seu n.o 1:

«A legislação alimentar tem como objetivo a proteção dos interesses dos consumidores e fornecer‑lhes uma base para que façam escolhas com conhecimento de causa em relação aos géneros alimentícios que consomem. […]»

16      Nos termos do artigo 14.o do Regulamento n.o 178/2002, com a epígrafe «Requisitos de segurança dos géneros alimentícios»:

«1.      Não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

[…]

5.      Ao determinar se um género alimentício é impróprio para consumo humano, deve‑se ter em conta se é inaceitável para consumo humano de acordo com o uso a que se destina, quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefação, deterioração ou decomposição.»

17      O artigo 17.o deste regulamento, com a epígrafe «Responsabilidades», prevê:

«1.      Os operadores das empresas do setor alimentar e do setor dos alimentos para animais devem assegurar, em todas as fases da produção, transformação e distribuição nas empresas sob o seu controlo, que os géneros alimentícios ou os alimentos para animais preencham os requisitos da legislação alimentar aplicáveis às suas atividades e verificar o cumprimento desses requisitos.

2.      Os Estados‑Membros porão em vigor a legislação alimentar e procederão ao controlo e à verificação da observância dos requisitos relevantes dessa legislação pelos operadores das empresas do setor alimentar e do setor dos alimentos para animais em todas as fases da produção, transformação e distribuição.

Para o efeito, manterão um sistema de controlos oficiais e outras atividades, conforme adequado às circunstâncias, incluindo a comunicação pública sobre a segurança e os riscos dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, a vigilância da sua segurança e outras atividades de controlo que abranjam todas as fases da produção, transformação e distribuição.

Os Estados‑Membros estabelecerão igualmente as regras relativas às medidas e sanções aplicáveis às infrações à legislação alimentar e em matéria de alimentos para animais. As medidas e sanções previstas devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

 Direito neerlandês

18      O artigo 6.2, n.o 1, da Wet houdende een integraal kader voor regels over gehouden dieren en daaraan gerelateerde onderwerpen (Lei que estabelece um quadro integral de normas relativas a animais detidos e questões conexas), de 19 de maio de 2011 (Stb. 2011, n.o 345) (a seguir «lei relativa aos animais»), prevê:

«É proibido agir em violação do disposto nos regulamentos da União Europeia relativo a questões objeto da presente lei, que são reguladas por ou ao abrigo de um regulamento da Administração Pública ou de um decreto ministerial.»

19      O artigo 8.7 da lei relativa aos animais dispõe:

«O Ministro competente pode aplicar uma coima a um infrator.»

20      O artigo 2.4 do Regeling van de Minister van Economische Zaken, nr. WJZ/12346914, houdende regels met betrekking tot dierlijke producten (Decreto do Ministro da Economia n.o WJZ/12346914, que aprova normas relativas aos produtos de origem animal), de 7 de dezembro de 2012 (Stcrt. 2012, n.o 25949), dispõe, no seu n.o 1, alínea d):

«As disposições dos regulamentos da União Europeia a que se refere o artigo 6.2, n.o 1, da lei relativa aos animais são as seguintes:

[…]

d)      Os artigos 3.o, 4.o, n.os 1 a 4, 5.o e 7.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 853/2004».

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

21      A T. Boer & Zonen explora um matadouro que transforma e comercializa essencialmente carne de vitela, produtos à base de carne e subprodutos. Aplica um processo de abate no qual, após o abate e a preparação, as carcaças e pedaços de carcaças são progressivamente refrigerados numa câmara frigorífica contígua ao local de abate e de preparação. Em seguida, a refrigeração prossegue num camião frigorífico situado no cais de carga do matadouro, para o qual a carne é transferida da câmara frigorífica, para ser transportada.

22      Para determinar se a temperatura de refrigeração exigida, fixada em 7 °C pelo anexo III, secção I, capítulo VII, do Regulamento n.o 853/2004, é atingida em todas as partes da carne, a T. Boer & Zonen aplica uma regra empírica segundo a qual a temperatura da carne desce 1 °C por hora. Durante o processo de refrigeração progressiva, o camião frigorífico é estacionado no interior da exploração da T. Boer & Zonen, sendo os documentos de transporte elaborados e emitidos no final desse processo. Em seguida, a carne é transportada nesse veículo.

23      Durante as inspeções efetuadas pela Nederlandse Voedsel‑ en Warenautoriteit (Autoridade Neerlandesa de Segurança dos Produtos Alimentares e dos Bens de Consumo, Países Baixos), em 16 e 30 de dezembro de 2014, nas instalações da T. Boer & Zonen, foi constatado que a carne era transferida para os camiões frigoríficos a uma temperatura superior a 7 °C e, em certos casos, superior a 11 °C. Foi também constatado que esta prática apresentava um caráter estrutural.

24      Com base nessas constatações, o Secretário de Estado aplicou à T. Boer & Zonen, mediante duas decisões distintas de 27 de março de 2015, coimas no montante total de 20 000 euros, em razão, por um lado, da violação do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 853/2004 e do seu anexo III, secção I, capítulo VII, ponto 3 (inobservância da temperatura máxima na transferência) e, por outro, da violação do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 852/2004, relativo à higiene dos géneros alimentícios (incumprimento dos procedimentos baseados nos princípios HACCP).

25      A T. Boer & Zonen recorreu das referidas decisões. Por decisão de 1 de outubro de 2015, o Secretário de Estado, tendo acolhido parcialmente as alegações da T. Boer & Zonen, reduziu o montante das coimas.

26      Em seguida, a empresa interpôs recurso da decisão de 1 de outubro de 2015 para o Rechtbank Rotterdam (Tribunal de Primeira Instância de Roterdão, Países Baixos), que lhe negou provimento em 14 de julho de 2016.

27      A T. Boer & Zonen interpôs recurso da decisão de primeira instância para o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica, Países Baixos).

28      Em apoio do seu recurso, a T. Boer & Zonen alega que a refrigeração da carne pode também ser efetuada depois da transferência para um camião frigorífico, até que atinja a temperatura exigida de 7 °C, desde que esse camião não saia das instalações do matadouro antes de essa temperatura ser atingida com base na regra empírica segundo a qual a temperatura da carne desce 1 °C por hora. O Secretário de Estado alega, em contrapartida, que o processo de refrigeração aplicado pela T. Boer & Zonen é manifestamente contrário às disposições e ao objetivo do Regulamento n.o 853/2004, pelo facto de não garantir a segurança alimentar. Segundo o mesmo, a refrigeração deve ser efetuada no matadouro, em conformidade com os requisitos do ponto 1 do capítulo VII da secção I que figura no anexo III do referido regulamento, e o camião frigorífico não pode ser equiparado a um matadouro, na aceção desta disposição. Por outro lado, a refrigeração exigida deve ser atingida antes da transferência da carne para esse veículo.

29      O órgão jurisdicional de reenvio precisa que é facto assente, por um lado, que a temperatura da carne controlada pela Autoridade Neerlandesa de Segurança dos Produtos Alimentares e dos Bens de Consumo era superior a 7 °C aquando da transferência para o camião frigorífico e, por outro, que as circunstâncias do processo que lhe foi submetido não correspondem à situação prevista no ponto 3, segunda frase, alíneas a) e b), do capítulo VII da secção I que figura no anexo III do Regulamento n.o 853/2004.

30      O órgão jurisdicional de reenvio considera, por um lado, que um camião frigorífico não pode ser equiparado a um «matadouro», tal como este estabelecimento é definido no ponto 1.16 do anexo I do Regulamento n.o 853/2004. Por outro lado, considera que esse camião não é uma unidade de uma empresa do setor alimentar e não pode, por conseguinte, ser considerado um estabelecimento na aceção do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 852/2004. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o transporte da carne tem início com a transferência desta última para o camião frigorífico e que a sua refrigeração completa deve ser atingida antes da transferência para esse veículo.

31      No entanto, tendo em conta a existência de acórdãos divergentes proferidos pelos órgãos jurisdicionais neerlandeses quanto à interpretação da obrigação de refrigeração prevista no anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento n.o 853/2004, o órgão jurisdicional de reenvio reconhece que a interpretação das disposições do direito da União em causa não se impõem com uma evidência tal que não haja lugar a nenhuma dúvida razoável.

32      Nestas circunstâncias, o College van Beroep voor het bedrijfsleven (Tribunal de Recurso do Contencioso Administrativo em Matéria Económica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o disposto no anexo III, secção I, capítulo VII, […] pontos 1 e 3, do Regulamento n.o 853/2004 ser interpretado no sentido de que a refrigeração da carne deve ocorrer no próprio matadouro e de que, por conseguinte, a transferência da carne para um camião frigorífico só poderá iniciar‑se quando esta atinja uma temperatura não superior a 7 °C, ou pode a refrigeração da carne ocorrer também no camião frigorífico, desde que este não deixe as instalações do matadouro?»

 Quanto à questão prejudicial

33      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que a refrigeração da carne após abate deve ser efetuada apenas nas instalações do matadouro até que atinja, em todas as suas partes, uma temperatura não superior a 7 °C, ou pode também ser efetuada num camião frigorífico localizado nas instalações deste matadouro.

34      A título preliminar, há que salientar que o Regulamento n.o 853/2004 prevê, na segunda frase do ponto 3 do capítulo VII que figura na secção I do referido anexo, uma derrogação à obrigação de refrigeração da carne a uma temperatura de 7 °C antes do transporte de determinados produtos em condições específicas. Ora, essa derrogação não foi considerada no caso em apreço e o órgão jurisdicional de reenvio não questiona o Tribunal de Justiça quanto à interpretação desta disposição na medida em que prevê tal derrogação.

35      Em conformidade com os pontos 1 e 3 do capítulo VII, secção I, do anexo III do Regulamento n.o 853/2004, a inspeção post mortem dos animais deve ser imediatamente seguida de uma refrigeração no matadouro para assegurar, em todas as partes da carne, uma temperatura não superior a 7 °C. Além disso, as carnes devem atingir e conservar esta temperatura tanto antes como durante o seu transporte.

36      Resulta da redação dessas disposições que a refrigeração deve ser efetuada no próprio matadouro. Por conseguinte, há que apreciar se um camião frigorífico, como o que está em causa no processo principal, pode ser considerado uma parte do «matadouro», na aceção do Regulamento n.o 853/2004, destinada à refrigeração da carne.

37      O ponto 1.16 do anexo I do referido regulamento define o «matadouro» como um «estabelecimento para abate e preparação de animais cuja carne se destina ao consumo humano». Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 852/2004, o «estabelecimento» é definido como «qualquer unidade de uma empresa do setor alimentar».

38      Por outro lado, como foi constatado no n.o 34 do presente acórdão, esse estabelecimento deve assegurar a refrigeração imediata de todas as partes da carne, antes do seu transporte.

39      A este respeito, como salienta corretamente a Comissão Europeia, um camião frigorífico como o que está em causa no processo principal é, pela sua própria natureza, destinado ao transporte da carne e não intervém no processo de abate, de preparação e de arrefecimento da carne antes do armazenamento ou transporte. A função desses veículos consiste principalmente em transportar a carne e não em refrigerá‑la, sendo as suas instalações concebidas para manter uma temperatura baixa durante o transporte.

40      Além disso, e como sublinhou o Governo francês nas suas observações escritas, a refrigeração na câmara frigorífica dos matadouros permite uma aplicação imediata do frio em condições ótimas, a fim de evitar o desenvolvimento de bactérias e, por conseguinte, garantir um nível elevado de segurança alimentar, contrariamente à que pode ser feita num camião frigorífico, durante a qual a temperatura só é controlada de forma empírica.

41      Estas considerações não podem ser postas em causa pela circunstância de o camião frigorífico estar situado nas instalações do matadouro durante o processo de refrigeração.

42      Por outro lado, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 853/2004, os operadores do setor alimentar só colocam produtos de origem animal produzidos na [União] no mercado se tiverem sido preparados e manipulados exclusivamente em estabelecimentos que tenham sido registados ou, nos casos previstos no n.o 2, aprovados pela autoridade competente. O n.o 2 do referido artigo prevê que os estabelecimentos que manipulam os produtos de origem animal submetidos a requisitos nos termos do anexo III desse regulamento só podem operar se a autoridade competente, após uma visita no local, lhes tiver concedido a aprovação que lhes permite exercer a sua atividade. A obtenção dessa aprovação pelos operadores do setor alimentar está subordinada a determinados requisitos relativos às instalações do estabelecimento em que são exercidas atividades de abate e de preparação, expostas no anexo III, secção I, capítulo II, do referido regulamento.

43      Ora, os meios de transporte das carnes, embora estejam sujeitos a um determinado número de requisitos, como os previstos no capítulo IV do anexo II, com a epígrafe «Transporte», do Regulamento n.o 852/2004, estão isentos desse procedimento de aprovação pela autoridade competente e não estão abrangidos pela aprovação do operador do matadouro.

44      Por último, a interpretação do anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento n.o 853/2004 no sentido de que os operadores do setor alimentar podem refrigerar, num camião frigorífico localizado nas instalações de um matadouro, a carne destinada ao consumo humano proveniente de animais que acabaram de ser abatidos até que a mesma atinja 7 °C, não pode estar em conformidade com o objetivo principal prosseguido pela regulamentação em matéria de higiene, que visa, como resulta do considerando 9 desse regulamento, assegurar um nível elevado de proteção do consumidor em matéria de segurança alimentar.

45      Com efeito, resulta do considerando 2 do Regulamento n.o 853/2004 que os géneros alimentícios de origem animal podem apresentar riscos específicos para a saúde humana que tornem necessário o estabelecimento de regras específicas de higiene.

46      A este respeito, o objetivo que consiste em assegurar um nível elevado de proteção da saúde pública levou o legislador da União, conforme resulta do considerando 4 do Regulamento n.o 853/2004, a reforçar a responsabilidade de os operadores do setor alimentar garantirem a segurança dos alimentos e a impor a obrigação de efetuar todos os abates de animais em matadouros que cumpram os requisitos técnicos relativos à construção, à configuração e ao equipamento que figuram, em especial, no anexo III do Regulamento n.o 853/2004.

47      Atendendo às considerações expostas, há que responder à questão submetida, que o anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento n.o 853/2004 deve ser interpretado no sentido de que a refrigeração da carne após o abate deve ser efetuada nas próprias instalações do matadouro até que atinja, em todas as suas partes, uma temperatura não superior a 7 °C, antes de qualquer transferência da referida carne para um camião frigorífico.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

O anexo III, secção I, capítulo VII, pontos 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 853/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal, deve ser interpretado no sentido de que a refrigeração da carne após o abate deve ser efetuada nas próprias instalações do matadouro até que atinja, em todas as suas partes, uma temperatura não superior a 7 °C, antes de qualquer transferência da referida carne para um camião frigorífico.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.