ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção
Alargada)
19 de Junho de 1997(1)
[234s«Transportes aéreos Manutenção de uma concessão exclusiva sobre rotas
internas Regulamento (CEE) n.° 2408/92 Artigos 5.° e 8.° Direitos da
defesa Princípio do contraditório Princípio da boa-fé Princípio da
proporcionalidade Artigo 90.°, n.° 2, do Tratado CE»[s
No processo T-260/94,
Air Inter SA, sociedade de direito francês com sede em Paray Vieille Poste
(França), representada por Jean-Pierre Spitzer, advogado no foro de Paris, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Aloyse May, 31,
Grand-Rue,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Rolf Wägenbaur,
consultor jurídico principal, e Lucio Gussetti, membro do Serviço Jurídico, na
qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de
Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrida,
apoiada por
TAT European Airlines,representada por Antoine Winckler, advogado no foro de
Paris e por Romano Subiotto, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no escritório dos advogados Elvinger e Hoss, 2, place Winston Churchill,
e
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte,representado por John E.
Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, e Richard
Plender, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino
Unido, 14, boulevard Roosevelt,
intervenientes,
que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão 94/291/CE
da Comissão, de 27 de Abril de 1994, relativa a um processo de aplicação do
Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho [Processo VII/AMA/IV/93 TAT
Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse] (JO L 127, p. 32),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção Alargada),
composto por: C. W. Bellamy, presidente, C. P. Briët e A. Kalogeropoulos, juízes,
secretário: J. Palacio Gonzáles, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 13 de Novembro de 1996,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
- A fim de realizar progressivamente o mercado interno dos transportes aéreos, o
legislador comunitário, nos anos de 1987, 1990 e 1992, adoptou três séries de
medidas, designadas «pacotes legislativos» por reunirem numerosos textos. O
terceiro «pacote legislativo», adoptado em 23 de Julho de 1992, é composto por
cinco regulamentos que têm em vista garantir, por um lado, a livre prestação de
serviços de transporte aéreo e, por outro, a aplicação das regras comunitárias de
concorrência neste sector.
- Entre os referidos cinco regulamentos acha-se o Regulamento (CEE) n.° 2408/92
do Conselho, de 23 de Julho de 1992, relativo ao acesso das transportadoras aéreas
comunitárias às rotas aéreas intracomunitárias (JO L 240, p. 8, a seguir
«Regulamento n.° 2408/92» ou «regulamento»), que entrou em vigor um 1 de
Janeiro de 1993, nos termos do seu artigo 16.°
- O artigo 3.°, n.° 1, do regulamento estabelece o princípio de que «sem prejuízo do
disposto no presente regulamento, as transportadoras aéreas comunitárias serão
autorizadas pelo(s) Estado(s)-Membro(s) interessado(s) a exercer direitos de
tráfego nas rotas do interior da Comunidade».
- O artigo 5.° tem a seguinte redacção:
«Em relação às rotas domésticas para as quais tenha sido feita uma concessão
exclusiva por força de uma disposição legislativa ou contratual à data da entrada
em vigor do presente regulamento, e sempre que não seja possível assegurar um
serviço adequado e ininterrupto através de outras formas de transporte, a referida
concessão poderá continuar a aplicar-se até ao termo do seu período de vigência
ou durante três anos, expirando no termo do mais curto destes dois prazos.»
- O artigo 8.° dispõe:
«1. O presente regulamento não afecta o direito de um Estado-Membro regular,
sem discriminação baseada na nacionalidade ou na identidade da transportadora
aérea, a distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de
aeroportos.
2. O exercício de direitos de tráfego está sujeito às normas operacionais
comunitárias, nacionais, regionais ou locais publicadas em matéria de segurança,
protecção do ambiente e atribuição de faixas horárias.
3. A pedido de um Estado-Membro ou por sua própria iniciativa, a Comissão
analisará a aplicação dos n.os 1 e 2 e, no prazo de um mês a contar da data de
recepção do pedido, decidirá, após consulta ao comité referido no artigo 11.°, se
o Estado-Membro em causa pode continuar a aplicar a medida. A Comissão
comunicará a sua decisão ao Conselho e aos Estados-Membros.
4. Qualquer Estado-Membro pode, dentro do prazo de um mês, submeter a
decisão da Comissão à apreciação do Conselho que, deliberando por maioria
qualificada, poderá, em circunstâncias excepcionais, tomar uma decisão diferente
no prazo de um mês.
...»
- Nos termos das disposições conjugadas do artigo 2.°, alínea m), e do Anexo II do
regulamento, os «sistemas de aeroportos» referidos no artigo 8.°, n.° 1, incluem,
designadamente, no que respeita à França, os aeroportos «Paris-Charles de
Gaulle/Orly/Le Bourget».
- Nos termos do artigo 11.° do regulamento, a Comissão será assistida por um comité
consultivo composto por representantes dos Estados-Membros e presidido pelo
representante da Comissão.
- O artigo 12.° prevê que, a fim de desempenhar as atribuições que lhe incumbem
por força do regulamento, a Comissão pode recolher todas as informações
necessárias dos Estados-Membros e das transportadoras aéreas interessados.
Matéria de facto na origem do litígio
O procedimento administrativo
- Por carta de 21 de Junho de 1993, a companhia TAT European Airlines (a seguir
«TAT»), com sede em Tours (França), solicitou à Direcção-Geral da Aviação Civil,
do Ministério Francês do Equipamento, Transportes e Turismo, uma licença para
exploração das ligações Paris (Orly)-Toulouse e Paris (Orly)-Marselha, referindo-se,
no pedido, ao regulamento.
- Por carta de 21 de Julho de 1993, o director-geral da aviação civil indeferiu o
pedido com base no artigo 5.° do regulamento. Na carta, referiu à TAT que, por
aplicação daquela disposição, as autoridades francesas podem manter a
exclusividade concedida à Air Inter pelo convénio de 5 de Julho de 1995 celebrado
entre o Estado francês e a referida companhia (a seguir «Convénio de 1985»). Na
altura, a companhia Air France, cujo capital pertencia em mais de 99% ao Estado
francês, era titular de mais de 70% do capital da Air Inter.
- Em 28 de Setembro de 1993, a TAT apresentou à Comissão uma queixa em que
alegava violação dos artigos 3.°, alínea f), 86.° e 90.° do Tratado CE, bem como a
inobservância de um acordo celebrado em 30 de Outubro de 1990 entre a
Comissão, o Governo francês e a Air France (a seguir «Acordo de 1990») a fim
de abrir à concorrência, designadamente, as linhas Paris-Toulouse e Paris-Marselha.
A título subsidiário, a TAT invocou a violação das disposições do regulamento.
Afirmou que o monopólio do grupo Air France sobre as ligações Paris
(Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse deveria ter cessado em 1 de Março de
1992, conforme previsto no Acordo de 1990. Além disso, o artigo 5.° do
regulamento não era aplicável por a Air Inter não ter tido exclusividade sobre as
duas ligações, dado que a TAT servia justamente a mesmas linhas a partir do
aeroporto Roissy-Charles de Gaulle (a seguir «CDG»). Por último, o tratamento
discriminatório de que foi objecto a TAT não era compatível com o disposto no
artigo 8.°, n.° 1, do regulamento.
- Por nota de 13 de Outubro de 1993, enviada ao director-geral da Direcção-Geral
de Transportes da Comissão (a seguir «DG VII»), a TAT completou a sua
argumentação relativa aos artigos 5.° e 8.°, n.° 1, do regulamento e solicitou que a
Comissão adoptasse uma decisão com base no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento.
- Por carta de 20 de Outubro de 1993, a direcção-geral da concorrência da Comissão
(a seguir «DG IV») enviou uma cópia da queixa da TAT às autoridades francesas
e ao grupo Air France, a fim de recolher as suas eventuais observações. A queixa
adicional apresentada pela TAT não foi junta à referida carta.
- Por carta de 22 de Outubro de 1993, o director-geral da DG VII informou também
as autoridades francesas da apresentação de uma queixa da TAT sem, contudo,
lhes enviar cópia. Por outro lado, informou que, prima facie, considerava fundados
os argumentos desenvolvidos pela TAT.
- Nem a queixa nem a queixa adicional foram remetidas à Air Inter pela Comissão.
- Em resposta, as autoridades francesas, por correspondência de 21 de Dezembro
de 1993 dirigida ao secretário-geral da Comissão e, por cópia, às DG IV e VII
, comunicaram as suas observações relativamente à queixa da TAT. Sustentaram
que o artigo 5.° do regulamento era aplicável, uma vez que a abertura à
concorrência prevista no Acordo de 1990, com excepção do serviço de Nice, apenas
dizia respeito às ligações com o aeroporto CDG, pelo que a Air Inter manteve a
exclusividade nas ligações com o aeroporto de Orly. A resposta não fazia qualquer
referência ao artigo 8.° do regulamento.
- Por carta de 21 de Janeiro de 1994, o director-geral da DG VII informou as
autoridades francesas da apresentação de uma queixa adicional da TAT e recordou
que o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento atribuia à Comissão um poder de decisão
próprio.
- Em reposta a esta carta, as autoridades francesas, em 16 de Fevereiro de 1994,
enviaram à Comissão uma nota em que resumiam a sua posição.
- Após esta troca de correspondência, o Comité Consultivo previsto no artigo 11.°
do regulamento reuniu em 28 de Fevereiro de 1994. Na reunião, as delegações dos
Estados-Membros puderam expor os respectivos pontos de vista sobre o projecto
de decisão baseada no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, que lhes foi enviado pela
Comissão em 10 de Fevereiro de 1994.
- O parecer do Comité Consultivo tinha a seguinte redacção:
«A maioria dos membros presentes manifesta o seguinte parecer: com base nas
informações ao dispor do comité, afigura-se que a errada aplicação do artigo 5.°
pela França implicou efeitos discriminatórios. A maioria dos membros
pronunciou-se, contudo, contra uma decisão adoptada com base no artigo 8.° do
regulamento.»
- Em 4 de Março de 1994, uma delegação chefiada pelo chefe de gabinete do
membro da Comissão encarregado das questões dos transportes recebeu uma
delegação da Air Inter a fim de discutir as eventuais implicações de uma decisão
da Comissão, tendo em conta a posição que esta assumiu, para o futuro da Air
Inter no mercado comunitário. O encontro foi seguido por uma nota da Air Inter
assinada pelo director regional adjunto em 7 de Março de 1994, que descreve «a
situação da Air Inter na véspera das decisões da Comissão nos processos TAT».
Por último, por carta de 15 de Março de 1994 dirigida ao presidente da Comissão,
os administradores que são funcionários da Air Inter (com lugar no conselho de
administração da companhia) manifestaram a sua inquietação relativamente ao
futuro da Air Inter no contexto da liberalização dos transportes aéreos internos e,
em especial, da introdução da concorrência nas linhas mais rentáveis da rede
francesa.
- Em 17 de Março de 1994, o Governo francês enviou à Comissão outra nota em
que recordava as observações da delegação francesa na reunião do Comité
Consultivo relativas, designadamente, aos artigos 5.° e 8.° do regulamento, ao artigo
90.° do Tratado CE, bem como ao Convénio de 1985 e ao Acordo de 1990.
- A pedido do Governo francês, o director dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos
Negócios Estrangeiros encontrou-se com o director-geral do Serviço Jurídico da
Comissão em 30 de Março de 1994, a fim de abordarem em conjunto a queixa da
TAT.
- Em 12 de Abril de 1994, o membro da Comissão encarregado das questões dos
transportes encontrou-se com o primeiro ministro francês para uma abordagem das
diferentes questões relativas aos transportes aéreos franceses e, designadamente,
à repartição do tráfego no sistema de aeroportos de Paris.
A decisão recorrida
- Em 27 de Abril de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/291/CE, relativa a um
processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2408/92 do Conselho [ProcessoVII/AMA/IV/93 TAT Paris (Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse]
(JO L 127, p. 32, a seguir «Decisão 94/291», ou «decisão impugnada»), cuja parte
dispositiva tem a seguinte redacção:
«Artigo 1.°
A França não pode continuar a recusar às transportadoras aéreas comunitárias o
exercício de direitos de tráfego nas rotas Paris (Orly)-Marselha e Paris
(Orly)-Toulouse com a justificação de que as autoridades francesas estariam a
aplicar, em relação a essas rotas, o artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 2408/92.
Artigo 2.°
A República Francesa é a destinatária da presente decisão (...)
Artigo 3.°
A França deverá executar a presente decisão o mais tardar até 27 de Outubro de
1994.»
- Na fundamentação da decisão impugnada, a Comissão declara desde logo que, em
matéria de repartição do tráfego entre os aeroportos situados no interior de um
sistema de aeroportos, dispõe dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 8.°,
n.° 3, do regulamento. No que respeita, nomeadamente, à denúncia apresentada
pela TAT, considera necessário utilizar estes poderes. Efectivamente, a medida
pela qual as autoridades francesas negam aos transportadores comunitários e, mais
em especial à TAT, o exercício dos direitos de tráfego sobre as ligações Paris
(Orly)-Marselha e Paris (Orly)-Toulouse constitui uma repartição discriminatória,
a favor apenas da companhia Air Inter, do tráfego entre os aeroportos situados no
interior do sistema de aeroportos de Paris.
- A Comissão refere ainda que a manutenção da concessão exclusiva da Air Inter
constitui uma aplicação errada do artigo 5.° do regulamento por parte das
autoridades francesas. O referido artigo tem por objectivo garantir a continuidade
de serviços de transporte adequados entre dois pontos (cidades ou regiões) situados
no interior de um mesmo Estado-Membro. Só pode ser mantida uma situação de
exclusividade se não existir outra possibilidade de deslocação de uma cidade para
outra de uma forma adequada e ininterrupta, por comboio, autocarro ou avião, no
caso de voos indirectos, ou um aeroporto alternativo. Consequentemente, uma
exclusividade numa rota que conduza a um sistema de aeroportos só tem sentido
se se aplicar a todos os aeroportos que dele fazem parte.
- A Comissão acrescenta que, aliás, o próprio convénio de 1985 define as rotas
atribuídas a título exclusivo à Air Inter como rotas ponto-a-ponto e não de
aeroporto-a-aeroporto, sem fazer qualquer referência aos diferentes aeroportos do
sistema de Paris. Nestas condições, ao autorizar a TAT a explorar as rotas
Paris-Marselha e Paris-Toulouse com partida e chegada ao aeroporto CDG a partir
de 1 de Março de 1992, as autoridades francesas puseram fim à exclusividade de
que beneficiava a Air Inter. Além disso, a Comissão considera que a Air Inter,
quando da entrada em vigor do regulamento, não dispunha de uma concessão
exclusiva relativamente às rotas em questão. No caso da rota Paris-Marselha, o
Convénio de 1985 autorizava expressamente a companhia Air Afrique a explorar
a rota assim definida juntamente com a Air Inter. Quanto à rota Paris-Toulouse
(e, subsidiariamente, à rota Paris-Marselha), resulta do Acordo de 1990 que
exclusividade de que beneficiava a Air Inter nesta rota cessou o mais tardar em 1
de Março de 1992.
- A título subsidiário, a Comissão refere que, mesmo pressupondo que a atribuição
de uma concessão exclusiva seja teoricamente possível relativamente aos serviços
aéreos regulares entre o aeroporto de Orly, por um lado, e Marselha e Toulouse
por outro, o artigo 5.° não é aplicável ao caso concreto. Efectivamente, existem
meios de transporte, além das referidas linhas aéreas, susceptíveis de assegurar um
serviço adequado e contínuo: os serviços aéreos directos que existem entre Paris
(CDG) e, respectivamente, Marselha e Toulouse.
- A Comissão salienta que os efeitos da discriminação em causa são consideráveis.
O aeroporto de Orly é privilegiado pelos utentes e concentra entre 85 e 90% do
tráfego doméstico francês com partida e chegada em Paris. Além disso, a
exploração das rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse é mais onerosa a partir do
aeroporto CDG do que do de Orly, em parte por razões geográficas.
- A Comissão admite, por último, que a sua decisão poderá ocasionar consequências
importantes na estrutura e organização das linhas em questão, motivo pela qual
considera necessário conceder um prazo de adaptação até em 27 de Outubro de
1994.
Tramitação e pedidos das partes
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de
Julho de 1994, a Air Inter interpôs o presente recurso.
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Junho de
1994, a República Francesa interpôs também um recurso em que pede que a
anulação da decisão impugnada. Esse recurso foi registado na Secretaria do
Tribunal de Justiça sob o n.° C-174/94. Por despacho em processo de medidas
provisórias de 26 de Outubro de 1994, França/Comissão (C-174/94 R, Colect.,
p. I-5229), o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu o pedido da República
Francesa de suspensão da execução da decisão impugnada.
- Por despacho de 28 de Outubro de 1994, o Tribunal de Primeira Instância, nos
termos do artigo 47.°, terceiro parágrafo, segundo período, do Estatuto (CE), do
Tribunal de Justiça, declinou a sua competência no processo T-260/94 a fim de que
o Tribunal de Justiça decida sobre o pedido de anulação, que é também objecto
do recurso interposto pela República Francesa no processo C-174/94. O despacho
pelo qual o Tribunal de Primeira Instância declinou a sua competência foi inscrito
no registo do Tribunal de Justiça sob o n.° C-301/94.
- Por despachos de 19 de Janeiro e de 8 de Fevereiro de 1995, o presidente do
Tribunal de Justiça admitiu o Reino Unido e a TAT a intervirem em apoio dos
pedidos da Comissão no processo C-301/94. Foram notificados aos intervenientes
determinados documentos confidenciais, numa versão não confidencial apresentada
pelas partes principais.
- O Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo C-301/94 sem
instrução. Foi notificado às partes o relatório para a audiência.
- Em seguida, a República Francesa, considerando já não ter interesse na anulação
da decisão impugnada, desistiu do recurso C-174/94. Consequentemente, por
despacho de 19 de Março de 1996, o processo C-174/94 foi cancelado no registo
do Tribunal de Justiça. Por despacho do Tribunal de Justiça de 14 de Maio de
1996, o processo C-301/94 foi remetido ao Tribunal de Primeira Instância; foi
reservada para final a decisão quanto às despesas.
- Foi, assim, retomada no Tribunal de Primeira Instância a tramitação no processo
C-260/94, tendo o Tribunal adoptado determinadas medidas de organização do
processo. A fase oral do processo teve lugar essencialmente com base no relatório
para a audiência C-301/94 já distribuído.
- Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na
audiência que teve lugar em 13 de Novembro de 1996, sendo o Tribunal composto
por: C. W. Bellamy, presidente, H. Kirschner, C. P. Briët, A. Kalogeropoulos e
A. Patocki, juízes.
- Em consequência do falecimento do juiz H. Kirschner em 6 de Fevereiro de 1997,
o presente acórdão foi deliberado pelos três juízes que o subscrevem, nos termos
do artigo 32.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular o artigo 1.° da Decisão 94/291;
- condenar a Comissão nas despesas.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal que se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar a recorrente nas despesas.
- A TAT conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar a recorrente nas despesas, incluindo as efectuadas pela TAT.
- O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar a recorrente nas despesas, incluindo as efectuadas pelo Reino
Unido.
Quanto ao mérito
- Em apoio do recurso, a recorrente invoca vários fundamentos tanto contra a
legalidade externa como interna da decisão impugnada. No que respeita à
legalidade externa acusa a Comissão, a título principal, de violar os seus direitos
de defesa e, a título subsidiário, de não ter observado o princípio do contraditório
e o princípio da boa-fé para com a República Francesa. No que se refere à
legalidade interna, acusa a Comissão, a título principal, de ter utilizado
abusivamente o procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento e, a
título subsidiário, de não ter observado o disposto no artigo 5.° do mesmo
regulamento. Sempre a título subsidiário, invoca a violação do artigo 90.°, n.° 2, do
Tratado, bem como do princípio da proporcionalidade. Por último, e a título ainda
mais subsidiário, alega que a negação do acesso às duas rotas em causa à TAT por
parte das autoridades francesas não constitui discriminação para com a referida
companhia, uma vez que a exclusividade de que a recorrente beneficia sobre essas
linhas tem justificação no artigo 5.° do regulamento.
Quanto ao fundamento que consiste em violação do direito de defesa da recorrente
Argumentos das partes
- A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos
da defesa constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser
observado mesmo no âmbito de um procedimento administrativo.
Consequentemente, quem puder ser afectado por uma decisão da Comissão deve
poder manifestar o seu ponto de vista antes da tomada da decisão.
- A recorrente salienta que, no presente processo, embora seja o único operador
económico a quem a decisão impugnada diz respeito, a Comissão nunca tomou a
iniciativa de a convocar formalmente, nem nunca lhe enviou qualquer documento
ou a convidou a apresentar as suas observações sobre o processo. A recorrente
considera, assim, que não pôde manifestar o seu ponto de vista. Encontra-se, por
isso, numa situação análoga à das empresas neerlandesas PTT, analisada pelo
Tribunal de Justiça no acórdão de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e
o./Comissão (C-48/90 e C-66/90, Colect., p. I-565). Remete ainda para o acórdão
do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão (C-135/92,
Colect., p. I-2885).
- Na medida em que a Comissão afirma que ouviu formalmente a recorrente em 4
de Março de 1994, esta responde que esse encontro teve lugar a seu pedido, e
quatro meses após a Comissão ter já tomado a sua posição. Por outro lado, o
encontro teve um objectivo puramente económico, como, aliás, a nota da
recorrente de 7 de Março de 1994. Por último, a carta dos administradores que são
funcionários da recorrente, de 15 de Março de 1994, limitou-se a expressar as suas
preocupações.
- A recorrente impugna a tese da Comissão nos termos da qual a decisão recorrida,
longe de ter como objectivo a situação específica da recorrente, assume carácter
geral na medida em que diz respeito à política do Governo francês em matéria de
aeroportos. Afirma que a medida nacional em questão é a recusa por parte das
autoridades francesas de conceder à TAT os direitos de tráfego em questão, da
qual a recorrente beneficiaria directamente. Por outro lado, a decisão recorrida diz
expressamente respeito à recorrente, uma vez que se refere à legalidade da
exclusividade concedida à recorrente relativamente às rotas em litígio. Por último,
a recorrente sofre directa e integralmente as consequências da decisão impugnada.
- A recorrente salienta que o artigo 8.°, n.° 3, do regulamento deve ser interpretado
como obrigando a Comissão não apenas a permitir que o Estado-Membro em
questão faça valer os seus interesses, mas também qualquer outra parte
directamente envolvida, como a recorrente. Assim, a Comissão era obrigada,
mesmo na falta de disposições expressas, a proporcionar por sua iniciativa meios
processuais susceptíveis de proteger eficazmente essa possibilidade. Efectivamente,
o princípio geral da protecção dos direitos da defesa mantém a sua aplicabilidade
tanto na presença como, por maioria de razão, na ausência, de legislação
específica.
- Na hipótese de o Tribunal de Primeira Instância interpretar o artigo 8.°, n.° 3, no
sentido de que permite derrogar o princípio do respeito dos direitos da defesa de
qualquer parte interessada, a recorrente considera que há que questionar a
validade de um texto desse tipo. Efectivamente, qualquer regulamento comunitário
que permita derrogar um princípio fundamental do direito comunitário constituirá
seguramente um texto adoptado em violação do direito comunitário.
Consequentemente, o Tribunal só poderá declarar inválido o artigo 8.°, n.° 3, do
regulamento.
- A recorrente considera, por último, aberrante afirmar neste contexto que basta
consultar os representantes dos Estados-Membros com assento no Comité
Consultivo. Efectivamente, o papel do referido Comité não é representar os
interesses de empresas privadas mas sim assistir a Comissão e comunicar-lhe asposições dos Estados-Membros.
- A Comissão salienta que o regulamento não prevê um procedimento que permita
associar as empresas interessadas. Assim, o procedimento do artigo 8.°, n.° 3, do
regulamento retoma as grandes linhas do previsto no artigo 169.° do Tratado, que
também não prevê uma obrigação de consulta. A Comissão salienta, por outro
lado, que, no âmbito de um procedimento instaurado a pedido de um
Estado-Membro nos termos do artigo 8.°, n.° 3 do regulamento, terá de decidir no
prazo de um mês. O respeito deste prazo será praticamente impossível se o
número das companhias aéreas que beneficiam de uma medida discriminatória for
elevado.
- A Comissão contesta a relevância para o presente processo dos acórdãos Países
Baixos e o./Comissão e Fiskano/Comissão, já referidos. A este respeito, afirma
designadamente que a decisão impugnada diz respeito à atribuição de rotas aéreas
no interior do sistema de aeroportos de Paris e que a recorrente só indirecta e
parcialmente sofre os efeitos económicos desta decisão. O facto de as autoridades
francesas terem invocado a existência de uma concessão exclusiva em benefício da
recorrente nos termos do artigo 5.° do regulamento não impede que a questão de
fundo seja a de saber se as medidas gerais adoptadas pela República Francesa
podem operar uma discriminação na distribuição do tráfego no interior do sistema
de aeroportos de Paris, afectando desse modo os direitos de todas as companhias
comunitárias. A utilização incorrecta dessa disposição não pode por si só bastar
para impor a obrigação de consultar a recorrente.
- A Comissão alega que, em qualquer caso, a recorrente foi formalmente ouvida em
4 de Março de 1994 e deu a conhecer o seu ponto de vista, designadamente através
da nota de 7 de Março de 1994, o que tornou inútil uma nova audição pela
Comissão. Na sua tréplica (ponto 6), a Comissão esclarece que a recorrente foi
permanentemente mantida ao corrente da evolução do processo pelas autoridades
francesas. Este fluxo de informações foi confirmado pelas mesmas autoridades no
processo paralelamente em curso no Tribunal de Justiça. A este respeito, a
Comissão remete para a página 10 da réplica apresentada pela República Francesa
no processo C-174/94 (v. acima n.° 33).
- O Reino Unido apoia a argumentação da Comissão esclarecendo que o acórdão
Países Baixos e o./Comissão, já referido, não é relevante para o presente processo
uma vez que o procedimento controvertido, longe de ter sido «instaurado contra»
a recorrente, teve lugar apenas entre a Comissão e a República Francesa. Por
outro lado, o acórdão já referido dizia respeito à aplicação do artigo 90.°, n.° 3, do
Tratado, que não institui regras especiais relativas às entidades a consultar e ao
processo de consulta enquanto que, no presente processo, o Regulamento
n.° 2408/92 prevê regras específicas.
Apreciação do Tribunal
- O artigo 8.°, n.° 3, do regulamento não prevê a participação directa das
transportadoras aéreas no procedimento administrativo que leva à adopção pela
Comissão de uma decisão sobre a repartição do tráfego no interior de um sistema
de aeroportos. Nos termos do regulamento, a Comissão dirige-se apenas ao
Estado-Membro em causa após consulta ao Comité Consultivo composto pelos
representantes dos Estados-Membros. É apenas de um modo geral e facultativo
que a Comissão, a fim de desempenhar as suas atribuições, «pode» recolher todas
as informações junto das transportadoras aéreas (artigo 12.° do regulamento).
Daqui resulta que o regulamento não confere, por si só, o benefício dos direitos de
defesa a uma transportadora aérea numa situação do tipo daquela em que a
recorrente se acha no presente processo.
- Na medida em que a Comissão pretende justificar este silêncio do regulamento
alegando que o procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 3, foi decalcado sobre
o previsto no artigo 169.° do Tratado, em que apenas participam a Comissão e o
Estado-Membro em causa, deve salientar-se que, no âmbito do artigo 169.° do
Tratado, o incumprimento de Estado só é declarado por acórdão do Tribunal de
Justiça, enquanto que, no âmbito do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, é a decisão
da Comissão que impõe a repartição de tráfego por ela pretendida. O
procedimento instaurado nos termos do artigo 169.° é, assim, essencialmente um
procedimento judicial, enquanto que o do artigo 8.°, n.° 3, é um procedimento
inteiramente administrativo. Consequentemente, os dois procedimentos apresentam
diferenças essenciais, pelo que a tese da Comissão baseada no artigo 169.° do
Tratado não pode ser acolhida.
- Quanto ao procedimento instaurado nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do
regulamento, que levou à adopção da decisão impugnada, deve recordar-se que,
segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos de defesa, em qualquer
processo instaurado a qualquer pessoa susceptível de conduzir a um acto que
afecta os seus interesses, constitui um princípio fundamental do direito comunitário
e deve ser garantido, mesmo na falta de legislação específica (v., por exemplo,
acórdão Países Baixes Baixos e o./Comissão, já referido, n.° 44). Este princípio
exige que seja dada a possibilidade à pessoa em questão de dar a conhecer em
tempo útil a sua posição quanto aos elementos considerados pela Comissão para
adoptar o seu acto (acórdão Fiskano/Comissão, já referido, n.° 40).
- Na medida em que a Comissão afirma que o acórdão Países Baixos e o./Comissão,
já referido proferido no domínio do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado não é
relevante para o presente processo uma vez que o processo contencioso está
previsto numa regulamentação específica que exclui a participação das
transportadoras aéreas eventualmente afectadas, deve salientar-se que a aplicação
do princípio fundamental dos direitos de defesa não pode ser excluída nem limitada
por uma disposição regulamentar. O respeito deste princípio deve, por isso, ser
garantido tanto na total ausência de regulamentação específica como perante uma
regulamentação que não tem em conta o referido princípio (v., neste sentido,
acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o.,
C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 30). Daqui resulta que a tese da Comissão baseada
na ausência de uma disposição específica na regulamentação em questão deve ser
posta de parte.
- Quanto ao argumento do Reino Unido segundo o qual o procedimento
controvertido no caso em apreço não foi «instaurado contra» a recorrente, deve
recordar-se que, embora o procedimento em questão não se dirija formalmente
contra a recorrente na qualidade de operador económico individual, também não
foi esse o caso no processo que deu lugar ao acórdão Países Baixos e o./Comissão,
já referido, no qual a Comissão, num procedimento instaurado com base no artigo
90.°, n.° 3, do Tratado, se dirigiu formalmente apenas ao Reino dos Países Baixos
e não às sociedades neerlandesas PTT. Esta circunstância não impediu contudo o
Tribunal de Justiça de reconhecer às referidas sociedades o benefício dos direito
de defesa, pelo facto de serem beneficiárias directas da medida estatal impugnada,
de terem sido nominalmente designadas na lei neerlandesa em causa, de a decisão
impugnada lhes dizer directamente respeito, e de terem suportado directamente
as consequências económicas desta última (n.os 50 e 51 do acórdão já referido).
- Deve, por isso, analisar-se em seguida se o raciocínio seguido no acórdão Países
Baixos e o./Comissão, já referido, que reconhece a empresas privadas o benefício
dos direitos de defesa no âmbito do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, pode ser
transposto para o presente processo. A este respeito deve, em primeiro lugar,
salientar-se que a recorrente era beneficiária directa da medida estatal impugnada,
ou seja, a manutenção a seu favor de uma posição privilegiada sobre as duas rotas
em questão, sem que seja necessário verificar, nesta fase da análise, se podia
efectivamente invocar uma exclusividade de natureza jurídica. A posição económica
da recorrente seria, por isso, afectada pela decisão impugnada, que ordenava às
referidas autoridades a abertura dessas linhas à concorrência das outras
transportadoras aéreas comunitárias. Assim, a recorrente suportaria directamente
as consequências da decisão impugnada. Deve ainda declarar-se que a recorrente
foi nominalmente designada no instrumento nacional por si invocado em apoio dos
seus direitos de tráfego exclusivos, ou seja, o convénio de 1985, sem que neste
contexto, seja necessário analisar o alcance jurídico desse convénio. Por último,
lendo a decisão impugnada, mostra-se que a recorrente alí é por diversas vezes
referida expressamente. Consequentemente, as condições estabelecidas pelo
acórdão Países Baixos e o./Comissão, já referido, estão preenchidas no presente
processo.
- Resulta do que antecede que a recorrente dispunha de direitos de defesa, que
deveriam ser respeitados no processo que levou à adopção da decisão impugnada,
sem que haja que analisar a questão geral, referida pela Comissão, de saber se
existem direitos de defesa também na hipótese de um procedimento instaurado nos
termos artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento, que deve estar concluído no caso de mês,
ter repercussões sobre um número indefinido de transportadoras aéreas.
- Quanto à questão de saber se os direitos de defesa da recorrente foram respeitados
no presente processo, deve recordar-se que, no acórdão de 6 de Dezembro de
1994, Lisrestal e o./Comissão (T-450/93, Colect., p. II-1177), que dizia respeito à
redução da contribuição financeira que o Fundo Social Europeu inicialmente tinha
concedido às empresas beneficiárias no decurso de um processo em que autoridade
nacional foi o único interlocutor do Fundo, o Tribunal de Primeira Instância
reconheceu às empresas recorrentes o direito a serem ouvidas, embora salientando
que esse direito não tinha sido garantido nem nas relações entre a Comissão e os
beneficiários, nem entre a autoridade nacional e os beneficiários (n.os 49 e 50 do
acórdão).
- No presente processo deve assim analisar-se se os direitos de defesa da recorrente
foram respeitados em concreto, quer directamente nas suas relações com a
Comissão, ou indirectamente através das autoridades francesas, ou pelo efeito
combinado de ambas estas vias administrativas.
- A este respeito, a própria recorrente se dirigiu à Comissão remetendo-lhe a nota
de 7 de Março de 1994, depois de ter sido recebida pela Comissão em 4 de Março
de 1994 para uma entrevista. Nesta nota, a recorrente referia as características da
sua empresa, designadamente no plano dos serviços aéreos fornecidos e das
relações contratuais com o Estado francês, que lhe confiou missões de serviço
público. A recorrente salientou a sua situação financeira difícil, resultante do
desenvolvimento da concorrência aérea e ferroviária. Em resumo, opôs-se
particularmente a uma abertura exagerada e acelerada das principais ligações
aéreas que por si eram servidas com partida de ou com destino ao aeroporto de
Orly.
- Embora, nesta ocasião a recorrente se limitasse a adiantar aspectos «puramente
económicos», como salientou em Tribunal, nada a impedia contudo de desenvolver
também argumentação jurídica. A razão pela qual renunciou a isso só se pode
explicar pelo facto de considerar que a Comissão estava suficientemente informada
no plano jurídico.
- Efectivamente, a Comissão referindo-se às declarações das autoridades francesas
(v., acima, n.° 55) indicou, sem ser contrariada neste ponto pela recorrente, que
esta tinha sido mantida informada pelas autoridades francesas do desenvolvimento
do processo. Deve assim concluir-se que a recorrente teve pelo menos
conhecimento das observações transmitidas pelas autoridades francesas à Comissão.
- Essas observações, em especial as formuladas nas notas de 21 de Dezembro de
1993 e de 7 de Março de 1994, diziam respeito designadamente às exigências
impostas à recorrente pelo convénio de 1985, à colocação em perigo da exploração
pela recorrente da rede aérea doméstica francesa e do sistema de perequação
interno caso as rotas Orly-Toulouse e Orly-Marselha fossem abertas à concorrência,
aos efeitos do acordo de 1990 que, no critério das autoridades francesas,
respeitavam apenas à designação múltipla de partida apenas do aeroporto CDG,
bem como ao pretenso abandono da exclusividade da recorrente resultante de
direitos concedidos designadamente à companhia Air Afrique. Por outro lado, as
autoridades francesas salientavam nas mesmas notas que a recorrente era uma
empresa encarregada de um serviço de interesse geral na acepção do artigo 90.°,
n.° 2, do Tratado e que essa disposição é de nível superior, na hierarquia das
normas, ao Regulamento n.° 2408/92, que procede à harmonização comunitária.
Por último, as autoridades francesas efectuam uma interpretação aprofundada do
artigo 5.° do regulamento que, em seu entender, tem em vista a ligação entre doisaeroportos e não entre cidades, permitindo por isso manter a exclusividade
reservada à recorrente.
- Deste modo, as observações formuladas pelas autoridades francesas abordavam os
aspectos jurídicos essenciais do presente processo tal como constam da decisão
recorrida. Referiam designadamente a situação específica da recorrente. Ora, esta
ao longo do processo no Tribunal de Primeira Instância nunca afirmou que as
observações formuladas a este respeito eram incompletas ou contrárias aos seus
interesses. Caso contrário, certamente não teria deixado de completar a
argumentação jurídica desenvolvida pelas autoridades francesas.
- Esta conclusão não é prejudicada pela afirmação avançada pela recorrente no
âmbito de outro fundamento, nos termos da qual a Comissão apresentou pela
primeira vez no Tribunal de Primeira Instância a sua interpretação dos termos
«adequado e ininterrupto» na acepção do artigo 5.° do regulamento, o que prova
que a recorrente não pôde tomar posição a este respeito na fase administrativa do
processo (v., adiante, n.° 101). Efectivamente, como a seguir se refere, n.° 123.°),
a solução do presente litígio não depende da interpretação dos termos em questão
que, por outro lado, só foram tidos em consideração na decisão impugnada a título
subsidiário (JO, p. 36, coluna da direita, penúltimo parágrafo). Não se trata, assim,
de aspectos jurídicos essenciais do presente processo.
- Nestas circunstâncias, os direitos de defesa da recorrente foram respeitados. Daqui
resulta que improcede o fundamento que assenta na violação dos referidos direitos.
Quanto aos fundamentos que consistem em violação dos princípios do contraditório
e da boa-fé para com a República Francesa
Argumentação das partes
- A recorrente acusa a Comissão de ter notificado o Governo francês da sua posição
favorável às teses das TAT mesmo antes de ter ouvido o referido governo sobre
os argumentos desenvolvidos pela TAT na sua queixa e na queixa adicional. Este
modo de proceder demonstra o preconceito da Comissão a este respeito. Este
estado de coisas não poderia ser alterado pela tramitação ulterior, no termo da
qual a Comissão deu efectivamente ao Governo francês a possibilidade de
apresentar a sua defesa. Com efeito, a Comissão tomou de facto a decisão antes
de ouvir o Governo francês.
- A recorrente verifica que no presente processo a Comissão não seguiu a tramitação
dos processos por incumprimento ou dos processos relativos à aplicação do
Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro
Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, n.° 13,
p. 204; EE 08 F1 p. 22), nos termos da qual, em primeiro lugar, dá conhecimento
das acusações ao Estado-Membro, às empresas ou associações de empresas em
causa, solicitando que lhe comuniquem a respectiva posição, e adopta em seguida
a sua posição, após ter recebido a argumentação desenvolvida.
- A recorrente salienta que resulta da análise do artigo 5.° do Tratado e do artigo
10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, bem como da jurisprudência do Tribunal de
Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (Despacho do Tribunal de Justiça de
13 de Junho de 1990, Zwartveld e o., C-2/88 Imm., Colect., p. I-3365, acórdãos do
Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão,
T-24/90, Colect., p. II-2223, e do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1993,
Comissão/Grécia, C-183/91, Colect., p. I-3131), que existe um dever de cooperação
entre as instituições da Comunidade e os Estados-Membros e que essa cooperação
deve ser de boa-fé. Assim, a Comissão deveria actuar lealmente para com os
Estados-Membros.
- Neste contexto, ao afirmar que a exclusividade de que a recorrente beneficiava foi
eliminada pelas próprias autoridades francesas em 1 de Março de 1992 quando
abriram à TAT as duas ligações Paris (CDG)-Marselha e Paris (CDG)-Toulouse,
a Comissão agiu de má-fé. A Comissão não poderia ignorar que foi por ter exigido
essa abertura em 1990 que as duas rotas em causa foram abertas. Não podia assim
afirmar que as autoridades francesas puseram termo à exclusividade, tanto mais
que as referidas autoridades e a recorrente sempre tiverem a firme intenção de
aplicar o Convénio de 1985
até ao seu termo. Ora, este convénio respeita não às
rotas mas à rede de rotas enquanto tal.
- A Comissão alega que as autoridades francesas dispunham desde o início do
processo de todas as informações necessárias para garantir a sua defesa. Recorda
que o procedimento referido no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento prevê que a
decisão só pode ser adoptada depois de ser emitido o parecer do Comité
Consultivo previsto no artigo 11.° do regulamento. No âmbito deste comité, todos
os Estados-Membros e, assim, também o interessado, podem expressar o seu ponto
de vista relativamente às questões que são objecto de um projecto de decisão
comunicado em tempo útil. No presente processo, esse projecto foi comunicado
quinze dias antes da reunião do comité e incluía uma exposição precisa e completa
das acusações que a Comissão entendeu fazer à França, bem como um resumo
completo e preciso da argumentação de direito e de facto, incluindo a
argumentação adiantada pela TAT.
- No entendimento da Comissão, quando em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do
regulamento, esta instaura um inquérito por sua iniciativa, não lhe é imposto
qualquer prazo e a sua decisão baseia-se nos dados adquiridos ao longo da análise,
sem limitações do âmbito de investigação e das fontes de informação. Não está,
assim, vinculada ao objecto de uma queixa.
- Por último, remetendo para o texto da decisão impugnada (JO, p. 36), a Comissão
contesta ter declarado que a exclusividade de que a recorrente beneficiava foi
eliminada pelas próprias autoridades francesas em 1 de Março de 1996.
Apreciação do Tribunal
- A recorrente tem interesse legítimo em invocar a violação do princípio do
contraditório relativamente à República Francesa, na medida em que o pedido
dirigido ao Estado-Membro em causa, no sentido de este apresentar as suas
observações, constitui uma formalidade essencial na acepção do artigo 173.° do
Tratado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991,
Oliveira/Comissão, C-304789, Colect., p. I-2283, n.os 17 e 21, e do Tribunal de
Primeira Instância de 7 de Março de 1995, Socurte e o./Comissão, T-432/93,
T-433/93 e T-434/93, Colect., p. II-503, n.° 63).
- Quanto à questão de saber se os direitos de defesa da República Francesa foram
respeitados, ou seja se a República Francesa teve possibilidade de dar a conhecer
em tempo útil o seu ponto de vista relativamente aos elementos tidos em
consideração pela Comissão para adopção da decisão impugnada, deve recordar-se
que os procedimento nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento pode ser
instaurado pela Comissão a pedido de um Estado-Membro ou por sua própria
iniciativa.
- No presente caso, o procedimento controvertido foi instaurado apenas por
iniciativa da Comissão. Na lógica da disposição aplicada, a queixa inicial e a queixa
adicional apresentadas pela TAT não constituem actos indispensáveis à instauração
do processo, mas elementos que, entre outros, podem ter levado a Comissão a
considerar que devia tomar a iniciativa de instaurar o referido procedimento.
- Nestas circunstâncias, e em conformidade com o princípio desenvolvido no acórdão
Países Baixos e o./Comissão, já referido (n.° 45), a Comissão só era obrigada a
transmitir à República Francesa uma exposição precisa e completa das razões pelas
quais tomou a iniciativa de instaurar o procedimento em causa. No que respeita
às queixas da TAT, tinha assim a opção de as transmitir na sua versão integral à
República Francesa ou de incluir o seu conteúdo essencial na referida exposição.
- Esta dedução não é contrariada pelo segundo princípio enunciado no acórdão
Países Baixos e o./Comissão, já referido (n.° 46), segundo o qual deve ser dada ao
Estado-Membro em causa a possibilidade de se pronunciar «... sobre as
observações apresentadas por terceiros interessados». Efectivamente, o Tribunal
de Justiça não excluiu em princípio a possibilidade de a Comissão resumir as suas
observações e transmitir esse resumo ao Estado, desde que o mesmo seja preciso
e completo. No mesmo acórdão (n.° 49), o Tribunal de Justiça só censurou o
procedimento da Comissão pela razão de o governo em causa não ter sido ouvido
«... sobre as consultas efectuadas pela Comissão junto das organizações
profissionais...» interessadas.
- No presente processo a Comissão, por um lado, por carta de 20 de Outubro de
1993, informou as autoridades francesas da apresentação de uma queixa da TAT
contra a República Francesa e o grupo Air France, enviando-lhes cópia da referida
queixa e convidando-as a comunicarem-lhe os seus eventuais comentários. Por
outro lado, por carta de 22 de Outubro de 1993 dirigida ao Governo francês, a
Comissão resumiu a queixa da TAT e procedeu a uma primeira apreciação da
situação jurídica, convidando novamente o Governo francês a apresentar as suas
eventuais observações. Embora nesta ocasião a Comissão tenha referido que os
argumentos desenvolvidos pela TAT lhe «[pareciam] fundamentados tendo em
conta os elementos do processo em seu poder», essa apreciação, longe de constituir
um julgamento prévio desfavorável à recorrente e às autoridades francesas, só
poderia ter carácter provisório, enquanto se aguardavam as observações formuladas
pelas autoridades francesas. Nenhum elemento do processo permite considerar que
esta apreciação não era susceptível de ser alterada até à adopção da decisão
definitiva, que no caso concreto teve lugar seis meses mais tarde.
- Por outro lado, a Comissão, por carta de 21 de Janeiro de 1994, informou o
Governo francês de que a TAT completara a sua queixa inicial com base também
na violação por parte das autoridades francesas do disposto no artigo 8.°, n.° 1, do
regulamento. Acrescentou que a TAT sustentava que, ao fazerem uma aplicação
errada do artigo 5.° do regulamento, as autoridades francesas tinham procedido na
realidade a uma repartição discriminatória, a favor da recorrente, do tráfego entre
os aeroportos situados no interior do sistema de aeroportos de Paris e que a TAT
solicitava, consequentemente, que a Comissão adoptasse uma decisão com base no
artigo 8.°, n.° 3, do regulamento. Embora seja certo que a Comissão se limitou,
assim, a fazer um resumo do conteúdo da referida queixa adicional, sem transmitir
cópia da mesma ao Governo francês, a recorrente não afirma que esse resumo
esteja errado ou incompleto. Em especial, não alega que a decisão impugnada
contém elementos novos, aparentemente assentes no texto integral da queixa
adicional, que não tenham sido comunicados pela Comissão durante a fase
administrativa do processo.
- Por último, é pacífico que antes da reunião do Comité Consultivo de 28 de
Fevereiro de 1994 a Comissão comunicou às autoridades francesas um projecto de
decisão sem que essas hajam invocado o seu carácter errado ou incompleto no que
se refere à apresentação dos elementos de facto e de direito. Por outro lado, várias
entrevistas entre representantes da Comissão e do Governo francês tiveram lugar
antes da adopção final da decisão impugnada (v., acima, n.os 13 a 24).
- Nestas circunstâncias, a Comissão deu à República Francesa a possibilidade de dar
a conhecer em tempo útil o seu ponto de vista relativamente aos elementos
essenciais tidos em conta pela Comissão para adopção da decisão impugnada. De
resto, tal como acima se concluiu (n.os 69 e 70), a República Francesa exerceu
efectivamente os seus direitos de defesa pronunciando-se relativamente a todos
elementos essenciais de facto e de direito relevantes para o decurso da fase
administrativa do processo.
- Consequentemente, improcede o fundamento que assenta na violação do princípio
do contraditório relativamente à República Francesa.
- Quanto ao fundamento que consiste na violação do princípio da boa-fé em relação
à República Francesa, será o mesmo apreciado adiante no âmbito da análise dos
fundamentos que assentam na violação das disposições relevantes do Regulamento
n.° 2408/92, bem como na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.
Quanto aos fundamentos assentes na violação do Regulamento n.° 2408/92
- Devem ser analisadas em conjunto as acusações relativas à aplicação pela
Comissão do Regulamento n.° 2408/92. A análise incidirá sobre a interpretação dos
artigos 8.° e 5.° do regulamento. Abordará também, neste âmbito, a questão de
saber se a exclusividade reservada à recorrente constituía uma discriminação em
prejuízo de outras transportadoras aéreas como a TAT, ou se a recorrente podia
invocar como afirmou no fundamento anterior, assente designadamente naviolação do princípio da boa-fé para com a República Francesa o convénio de
1985 e o Acordo de 1990 para justificar a sua exclusividade mesmo sob o regime
do regulamento.
Argumentação das partes
- A título principal, a recorrente afirma que a Comissão utilizou abusivamente o
procedimento expedito previsto no artigo 8.°, n.° 3, do regulamento para tentar pôr
termo, antes do prazo de três anos concedido pelo artigo 5.° do mesmo
regulamento, à exclusividade de que a recorrente beneficiava por contrato sobre
as rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse, nos termos do Convénio de 1985.
Efectivamente, a questão da existência de concessões exclusivas de modo algum é
referida ou abrangida pelas disposições do artigo 8.°, n.os 1 e 2, do regulamento.
Ora, a situação da recorrente remonta a várias décadas atrás e é regulada por um
convénio que se baseia nas exigências do serviço público tendo em vista o
ordenamento do território e a democratização do tráfego. A recorrente acrescenta
que se a Comissão pretendesse que fosse posto termo à exclusividade da recorrente
na sua rede interna francesa deveria instaurar o processo previsto no artigo 169.°
do Tratado.
- A título subsidiário, a recorrente alega que a Comissão interpretou erradamente
o artigo 5.° do regulamento. Desde logo, a premissa da Comissão, que pretende
que a liberdade do tráfego aéreo é a regra e as restrições a essa liberdade a
excepção, deve ser posta de parte. A interpretação do artigo 5.° não deve obedecer
a uma lógica de principio-excepção, mas antes a uma lógica de política comum de
transportes no seio da qual os interesses divergentes devem ser tidos em
consideração. Este artigo representa as concessões feitas no Conselho ao
defensores das missões de interesse geral.
- Daqui conclui a recorrente que o artigo 5.° se destina manifestamente a deixar que
se mantenham situações com existência jurídica anterior à entrada em vigor do
regulamento, e isto durante três anos. Assim, em cada Estado-Membro que não
pretenda expor o seu serviço público a uma alteração violenta, os convénios que
atribuem exclusividade de tráfego aéreo poderiam manter-se durante esse período,
que tinha como objectivo dar aos Estados-Membros tempo para instituírem um
sistema que garantisse a manutenção do interesse geral em medida compatível com
o novo contexto comunitário e conceder um lapso de tempo mínimo às empresas
abrangidas para reconverterem os seus aparelhos produtivos.
- Esta interpretação é confirmada pelos trabalhos preparatórios da adopção do
regulamento. Efectivamente, como último número do artigo 4.°, o projecto da
disposição que se iria tornar o artigo 5.°, previa «um regime transitório para as
concessões já existentes em matéria de obrigações de serviço público». A vontade
do Conselho foi assim manter essas concessões durante três anos.
- A este respeito, a recorrente esclarece que, nos termos do artigo 5.°, o convénio
de 1985 lhe garantia uma concessão exclusiva que se podia manter até 1 de Janeiro
de 1996. Nenhuma das duas partes pôs termo a este convénio, que por isso não
caducou. Em seu entender, a circunstância de esse convénio permitir
expressamente à companhia Air Afrique explorar a ligação Paris-Marselha não é
susceptível de eliminar toda a natureza exclusiva da concessão de que beneficiava.
Efectivamente, as partidas das ligações exploradas pela Air Afrique efectuavam-se
unicamente a partir do aeroporto CDG e não do aeroporto de Orly. Por outro
lado, a rota explorada pela Air Afrique era apenas uma rota de cabotagem,
prolongada para a África, de periodicidade extremamente limitada (um voo por
semana).
- A exclusividade de que a recorrente beneficiava sobre ambas as rotas em causa
também não foi eliminada pela circunstância de a TAT explorar de modo regular
as ligações CDG-Toulouse e CDG-Marselha. Efectivamente, estas aberturas
constituíram excepções impostas pela Comissão ao Governo francês no âmbito do
Acordo de 1990. Ora, este acordo deve ser interpretado à luz dos direitos
exclusivos da recorrente. Por outro lado, o facto de a Comissão, na altura do
acordo de 1990, não ter exigido a redacção de um novo convénio confirma a
interpretação segundo a qual se mantinha a exclusividade da recorrente sobre as
partidas de Orly.
- A recorrente salienta que a exclusividade de que beneficiava era relativa a uma
rede completa de numerosas rotas, dado que só uma «lógica de rede» desse tipo
permitia realizar a perequação das tarifas necessária ao ordenamento do território
pretendida pelo Estado francês. Na audiência, a recorrente aprofundou esta
argumentação salientando que a instituição de redes é uma especificidade muito
francesa, difícil de entender para certos parceiros europeus da França. A noção de
rede prende-se com a de serviço público. É pedido aos operadores encarregados
de fornecer um serviço público, como a recorrente, que efectuem este serviço em
toda a França a preços semelhantes. Dado que a recorrente tinha de ser ela
própria a financiar integralmente os seus transportes aéreos, sem ajuda pública,
tinha necessidade de recorrer à perequação das tarifas dentro do sistema da rede.
No âmbito desta perequação, as receitas obtidas nas rotas ditas «milionárias»,
como as de Paris-Marselha e de Paris-Toulouse, eram destinadas a financiar as
rotas deficitárias. Ora, este sistema de financiamento não podia funcionar sem
exclusividade concedida sobre as rotas «milionárias».
- A interpretação literal do artigo 5.° do regulamento deve inspirar-se nas
considerações acima expostas. Assim, as «rotas domésticas» são as que estão
definidas nas concessões exclusivas, ou seja as rotas que fazem parte da rede acima
mencionada, e não as ligações entre cidades como a Comissão pretende. Esta
interpretação é confirmada pelo texto do regulamento, que se refere por diversas
vezes a serviços de um aeroporto para outro. No entendimento da recorrente, se
o artigo 5.° do regulamento fosse interpretado no sentido de que o termo «rota»
significa uma linha de cidade a cidade, essa disposição seria esvaziada de qualquer
conteúdo: bastaria que existissem dois aeroportos numa cidade para que qualquer
concessão exclusiva existente à data da entrada em vigor do regulamento fosse
excluída do âmbito de aplicação do artigo 5.°
- A recorrente opõe-se ainda à argumentação da Comissão segundo a qual, em
qualquer caso, existia um «serviço adequado e ininterrupto» através de «outras
formas de transporte», ou seja o transporte aéreo Paris (CDG) Marselha e Paris
(CDG) Toulouse, razão pela qual deveriam ser excluídas as ligações de Paris
(Orly) para Marselha e Toulouse do âmbito da exclusividade. A este respeito, a
expressão «forma de transporte» deve ser entendida como significando «modo de
transporte», pelo que as ligações aéreas não devem ser tidas em consideração. Em
qualquer caso, a realização pela TAT das ligações CDG-Marselha e
CDG-Toulouse, que a partir de Março de 1992 oscilavam entre um voo por dia e
um voo por semana, não podia ser classificada como «serviço adequado e
ininterrupto» tendo em conta as necessidades dos meios de negócios das regiões
em causa.
- A recorrente afirma, por outro lado, ter sido através da contestação que teve
conhecimento pela primeira vez dos conceitos de adequação e ininterrupção, tal
como foram interpretados pela Comissão. Isto prova que não teve possibilidade de
apresentar observações. Além disso, a TAT recusou a verdadeira concorrência que
consistia no desenvolvimento do mercado com partida de CDG, em benefício de
um parasitismo em Orly. Efectivamente, a TAT teve acesso a Toulouse e a
Marselha com partida do aeroporto CDG, o qual constitui uma plataforma mais
importante do que a de Orly pela sua dimensão, número de pistas e de passageiros
recebidos. Se a TAT se recusa de facto a explorar as linhas Paris-Marselha e
Paris-Toulouse a partir do aeroporto CDG, não terá sido pois por a recorrente ou
o Governo francês terem entrado em práticas discriminatórias.
- Por último, o artigo 5.° do regulamento deixa aos Estados-Membros um poder
residual em matéria de concessão de exclusividade. Ora, é impossível manter uma
exclusividade nos termos dessa disposição sem proibir a todas as restantes
companhias aéreas o acesso à rota protegida. Deste modo, esta disposição implica
a possibilidade de impor medidas que a Comissão qualifica erradamente como
discriminatórias. Ao adoptar a decisão impugnada, a Comissão tentou impor
imediatamente uma liberalização total, enquanto que essa liberalização deveria ser
progressiva, ponderada e ter em vista a conciliação dos múltiplos interesses em
presença. Neste aspecto, a não discriminação deveria ser tida em consideração ao
mesmo tempo que as exigências dum serviço público e, designadamente, as
exigências do ordenamento do território, a coesão social e os direitos dos
consumidores, bem como as exigências relacionadas com o ambiente e a segurança.
- A Comissão refere, em primeiro lugar, que a medida francesa controvertida é uma
medida de distribuição do tráfego entre os aeroportos do sistema de Paris, que
pode ser apreciada com base no artigo 8.° do regulamento. Essa distribuição foi
efectuada de maneira encobertamente discriminatória. Viola o princípio da não
discriminação referido no artigo 8.° do regulamento, razão pela qual a Comissão
dispõe dos poderes previstos no n.° 3 deste artigo.
- A Comissão afirma que o artigo 5.° do regulamento tem por objectivo evitar a
ruptura de um serviço determinado entre dois pontos do território de um
Estado-Membro. A manutenção, sob determinadas condições, de uma concessão
exclusiva justifica-se assim pelo interesse público de assegurar a continuidade de
uma ligação entre duas cidades, na ausência de um serviço de transporte
alternativo adequado e ininterrupto. Ora, no caso concreto, estas condições não
estão preenchidas. Efectivamente, em 1 de Janeiro de 1993, a recorrente já não era
concessionária exclusiva das ligações Paris-Marselha e Paris-Toulouse, uma vez que
a companhia TAT, em 1 de Março de 1992, tinha recebido autorização para
efectuar voos entre Paris e as duas cidades em causa. O Convénio de 1985 devia
assim por este motivo ser considerado ultrapassado. Qualquer que seja o sistema
de perequação imaginado em 1985 pela República Francesa e pela recorrente, terá
esse sistema de ser apreciado com base nas disposições do direito comunitário e,
designadamente, do Regulamento n.° 2408/92, que prevalecem sobre medidas
nacionais com elas incompatíveis.
- A Comissão salienta ainda que as «rotas domésticas» na acepção do artigo 5.° do
regulamento são rotas entre duas cidades e não rotas de aeroporto a aeroporto. O
termo «rota» é genérico, referindo-se tanto às rotas aéreas como à rotas
ferroviárias, por autocarro ou outras. Por outro lado, existem no caso concreto
«outras formas de transporte», que podem assegurar «um serviço adequado e
ininterrupto», ou seja, as rotas aéreas com partida e destino do aeroporto CDG e
várias ligações ferroviárias. No que respeita à noção de ininterrupção, a mesma
implica a ausência de riscos de interrupção do serviço por razões de clima ou
outras, enquanto a adequação é apreciada tendo em conta diversos factores, como
a frequência do serviço e a duração do trajecto, e também as necessidades dos
utentes, os preços e as capacidades oferecidas.
Apreciação do Tribunal
- Quanto à interpretação do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento
- Na medida em que a recorrente acusa a Comissão de ter adoptado uma decisão
nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento, em lugar de propor uma acção por
incumprimento de Estado nos termos previstos no artigo 169.° do Tratado, importa
constatar que não foi suscitada a excepção de ilegalidade, nos termos do artigo
184.° do Tratado, relativamente a esta disposição do regulamento. A recorrente
apenas alega que o procedimento instituído pelo artigo 8.°, n.° 3, do regulamento
é, enquanto tal, incompatível com o direito comunitário de nível superior,
designadamente com o artigo 169.° do Tratado. Consequentemente, a análise da
presente acusação limita-se a verificar se a Comissão fez aplicação correcta da
referida regra processual.
- A este respeito, basta recordar que à companhia aérea TAT, já admitida a servir
as rotas Paris-Toulouse e Paris-Marselha com partida e destino do aeroporto CDG,
foi pelas autoridades francesas negado o acesso ao aeroporto de Orly para efeitos
de exercício de direitos de tráfego nas mesmas rotas, baseando-se essa recusa no
facto de o serviço sobre as mesmas rotas com partida e destino de Orly estar
reservado apenas à recorrente. Ora, dado que os dois aeroportos fazem parte do
sistema de aeroportos de Paris na acepção do artigo 2.°, alínea m), e do Anexo II
do regulamento, a medida das autoridades francesas ocorreu necessariamente no
âmbito da distribuição do tráfego entre aeroportos pertencentes a este sistema, naacepção do artigo 8.°, n.° 1, do regulamento. Consequentemente, a Comissão podia
recorrer aos poderes conferidos pelo artigo 8.°, n.° 3, do regulamento e apreciar a
aplicação pelas autoridades francesas do n.° 1 do mesmo artigo.
- Deve acrescentar-se que o argumento da recorrente que assenta no carácter
«expedito» do procedimento previsto no artigo 8.°, n.° 3, é irrelevante, dado que
não foi a pedido de um Estado-Membro que a Comissão instaurou o procedimento
controvertido caso em que o mesmo estar deveria terminado no prazo de um
mês , mas por sua própria iniciativa. Efectivamente, este procedimento foi
instaurado por iniciativa da Comissão na sequência de uma queixa apresentada
pela TAT no final de Setembro de 1993, e foi encerrado, com a decisão
impugnada, no final de Abril de 1994, ou seja, sete meses mais tarde.
- Por outro lado, o Regulamento n.° 2408/92 foi adoptado em 23 de Julho de 1992.
Os Estados-Membros deviam assim, a partir de Julho de 1992, ter consciência da
possibilidade de aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do mesmo regulamento no domínio
da distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de
aeroportos.
- Por último, nada no artigo 8.° permite concluir que o simples facto de uma medida
de distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de
aeroportos estar inserida num regime de concessões exclusivas nacionais que
remonta a várias décadas, como o invocado pela recorrente, seja por si só
susceptível de subtrair esta medida ao âmbito de aplicação do procedimento
previsto no referido artigo.
- Daqui decorre que a Comissão não fez um uso abusivo do processo ao optar por
instaurar o procedimento controvertido nem infringiu as condições de aplicação do
artigo 8.°, n.° 3, do regulamento. Assim, improcede a primeira acusação da
recorrente.
- Quanto às relações entre os artigos 8.° e 5.° do regulamento
- No que respeita à questão de saber se a decisão impugnada, adoptada no termo
do referido procedimento, resiste às restantes acusações formuladas pela recorrente
a título subsidiário, deve recordar-se em primeiro lugar que o poder que o artigo
8.°, n.° 1, do regulamento atribui aos Estados-Membros para regularem a
distribuição do tráfego entre os aeroportos pertencentes a um sistema de
aeroportos é limitado, no sentido de que essa regulamentação deve ser posta em
prática «... sem discriminação baseada... na identidade da transportadora aérea...».
O indeferimento pelas autoridades francesas do pedido de acesso ao aeroporto de
Orly apresentado pela TAT foi baseado no artigo 5.° do regulamento, por esta
disposição permitir manter a concessão exclusiva concedida à recorrente
relativamente às rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse. Só poderá assim
considerar-se que esse indeferimento teve lugar sem discriminação baseada na
identidade da TAT se a exclusividade reservada à recorrente sobre as duas linhas
em causa for efectivamente autorizada pelo artigo 5.° do regulamento.
- Em todo o caso, o artigo 1.° da decisão impugnada limita-se a declarar que a
República Francesa não pode continuar a recusar o acesso a estas duas rotas «...
com a justificação de que as autoridades francesas estariam a aplicar, em relação
a essas rotas, o artigo 5.°». Dado que o objecto da decisão impugnada está assim
delimitado, qualquer argumentação da recorrente relativa aos direitos dos
consumidores, bem como às exigências relativas ao ambiente e à segurança, deve
ser posta de parte por ser irrelevante no contexto dos artigos 8.°, n.os 1 e 3, e 5.°
do regulamento.
- Quanto à interpretação do artigo 5.° do regulamento
- A própria redacção do artigo 5.° do regulamento contraria a tese da recorrente
segundo a qual, por um lado, o referido artigo é essencialmente destinado a
permitir a manutenção dos convénios nacionais que atribuem uma concessão
exclusiva e, por outro, os referidos convénios têm influência determinante para a
interpretação do mesmo artigo. Efectivamente, este faz depender a manutenção de
uma concessão exclusiva existente de várias condições especiais. Desta forma, o
legislador comunitário não se limitou a aprovar uma legislação como a que a
recorrente invoca com referência ao projecto do artigo 4.°, último número, do
regulamento, que previa a manutenção pura e simples das concessões preexistentes
(v. acima, n.° 95).
- Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a ordem
jurídica comunitária, em princípio, não deve definir as suas qualificações
inspirando-se numa ordem jurídica nacional, na ausência de indicação expressa (v.,
designadamente, acórdão de 14 de Janeiro de 1982, Corman, 64/81, Recueil, p. 13,
n.° 8). Os termos de uma disposição de direito comunitário que não faz qualquer
remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinação do
respectivo sentido e alcance devem normalmente ser objecto de interpretação
autónoma e uniforme, que deve ser alcançada tendo em conta o contexto da
disposição e o objectivo prosseguido pela legislação em causa (v., designadamente,
acórdão de 18 de Janeiro de 1984, Ekro, 327/82, Recueil, p. 107, n.° 11). Daqui
resulta que o disposto no artigo 5.° do regulamento deve ser objecto de
interpretação autónoma que tenha em conta a sua redacção, a sua economia em
geral e a sua finalidade.
- É em aplicação destas regras de interpretação que há que verificar, em primeiro
lugar, se a concessão exclusiva que a recorrente invoca sobre as rotas
Orly-Marselha e Orly-Toulouse foi concedida para «rotas» domésticas.
- O regulamento utiliza a expressão «rotas» em várias ocasiões e em contextos
diferentes, sem que com isso essa expressão conste da lista das quinze definições
enunciadas no artigo 2.° Trata-se, assim, de uma expressão cuja acepção, se for
caso disso, pode variar consoante o contexto em que for utilizada, designadamente
consoante a finalidade específica desse contexto, para significar ou uma rota aérea
que serve dois aeroportos, ou uma rota de transporte, em sentido genérico, entre
duas cidades ou regiões.
- Quanto à economia e à finalidade do artigo 5.° do regulamento, há que salientar
que o mesmo apenas se refere a «rotas» em que não exista um serviço de
transporte alternativo, adequado e ininterrupto. Esta redacção implica
necessariamente rotas entre cidades e regiões, mais do que rotas entre aeroportos,
como a recorrente afirma. Efectivamente, os aeroportos constituem para os
viajantes, para o afretamento e para o correio, não o destino final do respectivo
trajecto, mas sim um meio de passagem necessário, dado que o destino final é a
cidade ou a região servida pelo aeroporto em causa. Afigura-se, por isso, que o
artigo 5.° tem por objectivo assegurar transitoriamente a continuidade dos serviços
de transportes aéreos protegidos por uma concessão exclusiva desde que, na
ausência dessa exclusividade, haja uma ruptura perturbadora para os utentes das
ligações entre cidades ou regiões determinadas.
- No que se refere aos aeroportos de Orly e CDG, que integram o sistema de
aeroportos de Paris, esta conclusão é confirmada pelas disposições conjugadas do
artigo 2.°, alínea m) e do Anexo II do regulamento, nos termos das quais os
referidos aeroportos são agrupados para servirem a cidade de Paris ou a área
urbana parisiense. É também válido para os aeroportos de Marselha e de
Toulouse, que não podem razoavelmente ser considerados como o último termo
de uma viajem com início em Paris e que também eles se destinam a servir as
cidades ou áreas urbanas respectivas. Daqui resulta que deve ser posta de lado a
tese da recorrente segundo a qual o termo «rota» se refere a uma rota aérea em
sentido técnico entre dois aeroportos.
- Apenas sobre as «rotas domésticas», definidas como ligações de tráfego entre
cidades ou regiões determinadas, é que nos termos do artigo 5.° podia
eventualmente ser mantida uma concessão exclusiva a favor da recorrente. Ora,
mesmo pressupondo que esta tenha efectivamente beneficiado, nos termos do
Convénio de 1985 e do Acordo de 1990, da exclusividade da partida e destino de
e para o aeroporto de Orly nas rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse, é pacífico
que, desde antes da entrada em vigor do regulamento, outras companhias aéreas
para além da recorrente serviram as mesmas rotas, pelo menos com partida ou
destino de e para o aeroporto CDG. Efectivamente, a companhia Air Afrique
estava autorizada, nos termos do artigo 19.° do Convénio de 1985, a explorar a
«rota» Paris-Marselha. Por outro lado, a recorrente não contestou a afirmação
constante da decisão recorrida de que as autoridades francesas autorizaram a
companhia TAT a explorar as duas rotas em causa com partida ou destino de e
para o aeroporto CDG a partir de 1 de Março de 1992 e, mais recentemente, não
levantaram qualquer obstáculo à exploração das mesmas rotas por outras
companhias comunitárias (JO, p. 36).
- Daqui resulta que, qualquer que seja a interpretação do Convénio de 1985 e do
Acordo de 1990, a recorrente não pode pretender que na altura dos factos,
beneficiava de uma concessão exclusiva sobre as duas «rotas domésticas» na
acepção do artigo 5.°, ou seja, entre as cidades de Paris e as cidades de Marselha
e Toulouse, respectivamente.
- Esta conclusão não é contrariada pela argumentação da recorrente segundo a qual,
por um lado, a rota explorada pela Air Afrique é uma rota de mera cabotagem e,
por outro, os serviços fornecidos pela TAT com partida e destino de e para o
aeroporto CDG não são nem adequados nem ininterruptos, na medida em que
oscilaram entre um voo por dia e um voo por semana. Efectivamente, resulta da
própria redacção do artigo 5.° que a questão de saber se é «... possível assegurar
um serviço adequado e ininterrupto...» apenas se coloca na hipótese de existir uma
concessão exclusiva sobre as «rotas domésticas» em causa. Uma vez que a
recorrente não beneficiava dessa concessão exclusiva, como acaba de ser verificado,
a questão de uma eventual adequação ou ininterrupção dos serviços fornecidos
pela Air Afrique e pela TAT sobre as linhas Paris-Marselha e Paris-Toulouse é
irrelevante.
- Consequentemente, a argumentação da recorrente que acusa a Comissão de, na
contestação, ter pela primeira vez desenvolvido a sua interpretação dos conceitos
de adequação e de ininterrupção deve também ser julgada improcedente, por
irrelevante (v. n.os 71 e 101 supra).
- Resulta do que antecede que o artigo 5.° do regulamento não pode ser aplicado
ao caso concreto. Contrariamente às afirmações da recorrente, esta conclusão não
é susceptível de esvaziar a referida disposição de qualquer conteúdo. O artigo 5.°
abrange especialmente a situação de uma concessão exclusiva concedida sobre uma
rota entre duas cidades, nenhuma das quais faça parte de um sistema de
aeroportos, tais como a rota Marselha-Ajaccio ou Nice-Calvi, desde que não exista
qualquer outra forma de transporte adequado e ininterrupto.
- Por último, o argumento da recorrente de que a inaplicabilidade do artigo 5.° às
duas rotas em litígio pode anular o sistema específico francês de perequação
interna das tarifas é destituído de relevância no contexto dos fundamentos que
assentam apenas na violação do regulamento. Efectivamente, o artigo 5.° do
regulamento prevê uma análise «rota por rota», com exclusão de toda a «lógica
de rede» e de qualquer perequação tarifária inerente a esse conceito de rede. As
questões relativas ao carácter necessário da rede doméstica francesa e do
correspondente sistema de perequação serão, assim, analisadas adiante no âmbito
do fundamento que assenta na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. Em todo
o caso, a recorrente não alegou que a admissão de uma outra companhia aérea no
aeroporto de Orly tem como consequência comprometer, em prejuízo dos utentes,
os serviços por si fornecidos nas rotas Paris-Marselha e Paris-Toulouse.
- Daqui resulta que a companhia TAT, a quem foi negado o acesso ao aeroporto de
Orly, foi objecto de discriminação baseada na identidade, na acepção do artigo 8.°,
n.° 1, do regulamento, uma vez que esse indeferimento não pode ser justificado
pelo artigo 5.° do regulamento. Assim, qualquer acusação em que se afirme que
não existe uma discriminação desse tipo deve ser julgada improcedente. Isto é
particularmente certo relativamente à argumentação pela qual a recorrente procura
demonstrar que o aeroporto CDG constituía, na realidade, uma plataforma mais
favorável para as necessidades económicas da TAT do que o aeroporto de Orly.
Efectivamente, uma vez que o artigo 5.° não pode ser invocado para impedir o
acesso a este aeroporto, não competia nem à recorrente nem às autoridades
francesas efectuar, em lugar das restantes companhias aéreas, como a TAT, a
escolha da plataforma por elas considerada economicamente mais favorável.
- Resulta daqui, por último, que a recorrente, através da segunda parte do segundo
fundamento (v. acima n.° 76) não pode acusar a Comissão de ter actuado de má-fé
para com a República Francesa ao adoptar, em 27 de Abril de 1994, a decisãoimpugnada. Efectivamente, as autoridades francesas não podiam ignorar que o
Regulamento n.° 2408/92 prevalecia sobre qualquer norma incompatível do domínio
legislativo ou convencional nacional. Ora, o mesmo regulamento, adoptado em 23
de Junho de 1992, não contém qualquer disposição que esclareça as relações entre
esse novo texto comunitário e as particularidades da política francesa em matéria
de ordenamento do território, de gestão de uma rede aérea interna e de
estabelecimento de um sistema de perequação das tarifas, tais como foram
invocados pela recorrente.
- Resulta de tudo o que antecede que improcedem os fundamentos que consistem
na violação do regulamento, incluindo o que consiste na violação do princípio da
boa-fé para com a República Francesa.
Quanto ao fundamento que consiste na violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado
Argumentação das partes
- A recorrente afirma que desempenha uma missão de interesse geral, ou seja, a de
contribuir para pôr termo ao isolamento de grande número de cidades e regiões
francesas no âmbito do ordenamento do território, com base numa perequação de
tarifas que lhe permite financiar cerca de vinte rotas aéreas domésticas não
rentáveis, graças essencialmente à rentabilidade das rotas Paris (Orly)-Marselha e
Paris (Orly)-Toulouse. Retoma, deste modo, a argumentação desenvolvida nos
anteriores fundamentos (v., supra, n.° 98). Neste contexto, remete para a
documentação junta como anexo 6 da petição, que demonstra que os subsídios
internos tornados possíveis pela sua situação de exclusividade sobre as duas rotas
em causa permitiram em 1992 financiar os défices de 27 outras rotas. Acrescenta
que, dentro do sistema de convénios celebrados com o Estado francês, a missão
que lhe incumbia consistia em assumir o papel do Estado no ordenamento do
território francês no domínio aéreo. Consequentemente, era preciso atribuir-lhe os
meios necessários, ou seja, os lucros realizados nas duas rotas em litígio.
- Daqui conclui a recorrente que, enquanto se mantiver uma missão de serviço
público deste tipo, o Governo francês tem fundamento para recusar às companhias
aéreas concorrentes o acesso às duas rotas rentáveis. Esta atitude é justificada,
tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993,
Corbeau (C-320/91, Colect., p. I-2533), e de 27 de Abril de 1994, Almelo e o.
(C-393/92, Colect., p. I-1477). Consequentemente, ao decidir que o Governo
francês não tinha o direito de negar o acesso às rotas rentáveis em causa aos
concorrentes da recorrente, a Comissão violou o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado
- A recorrente acrescenta que não é correcto afirmar que o artigo 4.° do
regulamento retomou o conteúdo do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado, dado que esta
disposição tem um âmbito de aplicação mais amplo do que o do artigo 4.° É
incompatível com a hierarquia das normas que o direito derivado permita fixar
limites a uma excepção permanente contida numa disposição do Tratado. O artigo
90.°, n.° 2, do Tratado permite por isso justificar as restrições à concorrência e é
aplicável à matéria referida no artigo 5.° do regulamento.
- A TAT afirma erradamente que a exclusividade sobre as rotas em causa não é
indispensável para que a recorrente possa garantir o equilíbrio financeiro da sua
rede e assumir as obrigações de serviço público que lhe incumbem. Por último,
resulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1984, Campus Oil
(72/83, Recueil, p. 2727), e de 25 de Julho de 1991, Comissão/Países Baixos
(C-353/89, Colect., p. I-4069) que, por razões bem determinadas, podem
justificar-se restrições à concorrência. Essas razões são, designadamente, a
transparência, o serviço universal, a tarifação uniforme e o interesse da
Comunidade. Ora, todas estas condições estão reunidas no presente processo
através do Convénio de 1985.
- A Comissão considera que a partir da adopção do Regulamento n.° 2408/92 não
há que fazer referência directa à aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado para
responder às exigências de eventuais missões de serviço público asseguradas no
âmbito das legislação em vigor. Efectivamente, através do artigo 4.° do
regulamento, o Conselho concretizou em matéria de serviços de transportes aéreos
no interior da Comunidade a norma abstracta do artigo 90.°, n.° 2, ao avaliar o
peso dos diferentes interesses em jogo. Na medida em que a situação referida no
artigo 90.°, n.° 2, do Tratado foi também analisada pelo Conselho para o sector da
aviação, o artigo 4.° do regulamento esgotou a utilidade relativamente ao artigo
90.°, n.° 2, do Tratado.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- O artigo 90.°, n.° 2, do Tratado exclui a aplicação das regras de concorrência na
medida em que a sua aplicação constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou
de facto, da «missão particular» confiada a uma empresa «encarregada da gestão
de serviços de interesse económico geral».
- Tratando-se de uma disposição que permite, em determinadas circunstâncias, uma
derrogação às normas do Tratado, deve ser interpretada de forma estrita (acórdão
do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1974, BRT, 127/73, Colect., p. 165,
n.° 19) e a sua aplicação não é deixada à discrição do Estado-Membro que
encarregou uma empresa da gestão de um serviço de interesse económico geral
(acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83,
Recueil, p. 873, n.° 30).
- À luz destes princípios, há que analisar se a recorrente pode invocar o artigo 90.°,
n.° 2, do Tratado no presente processo.
- A recorrente opõe-se à aplicação dos artigos 5.° e 8.° do Regulamento n.° 2408/92,
adoptado nos termos do artigo 84.° do Tratado, tal como acima foram
interpretados.
- A aplicação destes artigos só podia, porém, ser excluída na medida em que
«constituísse obstáculo» ao cumprimento das funções atribuídas à recorrente. Dado
que esta condição deve ser interpretada de forma estrita, não basta que esse
cumprimento tenha sido simplesmente perturbado ou tornado mais difícil. Por
outro lado, competia à recorrente demonstrar a eventual criação de obstáculos à
sua missão (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de
1974, Sacchi, 155/73, Colect., p. 223, n.° 15).
- A este respeito, há que verificar que a recorrente se limita a afirmar que a
organização dos transportes aéreos internos se baseia no sistema de perequação
entre rotas rentáveis e não rentáveis e que a exclusividade que lhe foi concedida
sobre as rotas Orly-Marselha e Orly-Toulouse se justificava pela sua obrigação de
explorar as rotas não rentáveis de modo regular e a tarifas não proibitivas, a fim
de contribuir para o ordenamento do território. A recorrente não contabiliza a
provável perda de receitas na hipótese de outras transportadoras aéreas serem
admitidas a concorrer consigo nas duas linhas em litígio. Também não demonstra
que essa perda de receitas seja de dimensão tal que a force a abandonar
determinadas rotas que fazem parte da sua rede.
- Em todo o caso, os sistemas combinados da rede aérea doméstica e da perequação
interna invocados pela recorrente não constituem uma finalidade em si mesmos,
sendo escolhidos pelos poderes públicos franceses para promover o ordenamento
do território francês. Ora, a recorrente não alegou, e menos ainda demonstrou, que
após a entrada em vigor o Regulamento n.° 2408/92 não existisse qualquer sistema
alternativo adequado, susceptível de garantir o ordenamento do território e,
designadamente, de salvaguardar o financiamento das rotas deficitárias (v. também
despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 1994,
França/Comissão, C-174/94 R, Colect., p. I-5229, n.° 35).
- Consequentemente, a recorrente não provou que a decisão impugnada constituía
obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhe foi
confiada. Daqui resulta que improcede também o fundamento que consiste na
violação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado.
Quanto ao fundamento que assenta na violação do princípio da proporcionalidade
Argumentos das partes
- A recorrente recorda que, segundo jurisprudência constante (acórdãos do Tribunal
de Justiça de 20 de Fevereiro de 1979, Buitoni, 122/78, Recueil.,, p. 677, e de 5 de
Julho de 1977, Bela-Mühle, 114/76, Colect., p. 451), o princípio da
proporcionalidade, que consiste em verificar se os actos impugnados são ao mesmo
tempo necessários e adequados tendo em conta os objectivos prosseguidos, pode
ser invocado pelas pessoas colectivas e singulares para contestar todos os actos
provenientes das autoridades comunitárias, quer sejam legislativos, regulamentares
ou administrativos. No presente processo, a opção feita pelo Governo francês ao
elaborar uma nova lei sobre o ordenamento do território bem como um novo
sistema de financiamento das rotas nacionais deficitárias e ao decidir a abertura
progressiva à concorrência no mesmo mercado nacional foi perfeitamente
proporcionada ao objectivo de liberalizar as rotas aéreas. Em contrapartida, a
decisão da Comissão de impor a abertura à concorrência das rotas rentáveis alguns
meses antes do calendário fixado pelo Governo francês foi desproporcionada em
relação ao objectivo prosseguido e não teve em conta os interesses da recorrente,
que tinha necessidade de um período de transição para se adaptar.
- A Comissão salienta que a jurisprudência referida não é relevante no presente
processo, por dizer respeito ao processo previsto no artigo 177.° do Tratado,
enquanto que aqui se trata de um processo nos termos do artigo 173.° do Tratado,
e por a Comissão ter adoptado a sua decisão com base num regulamento cuja
legalidade só pode ser questionada nos termos do artigo 184.° do Tratado. Ora, a
recorrente não contesta o regulamento em si mesmo, mas sim a utilização dos
poderes atribuídos à Comissão por esse regulamento.
Apreciação do Tribunal
- Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade impõe que os
actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e
necessário para a realização do objectivo pretendido, ressalvando-se que, quando
há possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, convém recorrer
à menos gravosa (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Maio
de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.° 25, e de 11 de Julho de
1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 21).
- No presente processo, resulta da análise dos fundamentos antecedentes que a
Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, fez uma correcta aplicação dos artigos
8.° e 5.°, do Regulamento n.° 2408/92. Por outro lado, a legalidade destas
disposições não foi impugnada por meio de uma excepção de ilegalidade deduzida
ao abrigo do artigo 184.° do Tratado. Consequentemente, a decisão impugnada não
pode ser classificada como medida excessiva, tanto mais que o artigo 3.° da referida
decisão concedeu à República Francesa um prazo de seis meses para adaptação.
- Daqui resulta que improcede também o fundamento que consiste na violação do
princípio da proporcionalidade.
- Dado que não procede qualquer dos fundamentos adiantados pela recorrente, deve
ser negado provimento ao recurso.
Quanto às despesas
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo
a recorrente sido vencida e por a Comissão o ter requerido, deve a recorrente ser
condenada nas despesas, incluindo as efectuadas pela interveniente TAT e as
relativas à tramitação do processo C-301/94, que correu termos no Tribunal de
Justiça. O Reino Unido, interveniente, suportará as respectivas despesas, nos
termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.
- Não deve ser deferido o pedido da recorrente, apresentado pela primeira vez na
audiência, tendo em vista a condenação da Comissão na totalidade das despesas,
nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo. Efectivamente, este
pedido não contém qualquer esclarecimento quanto à existência de razões
excepcionais nem quanto ao carácter inútil ou vexatório das despesas em que a
Comissão tenha feito incorrer a recorrente.
Pelos fundamentos expostos,O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção Alargada),
decide:
- É negado provimento ao recurso.
- A recorrente é condenada nas despesas, incluindo as do processo C-301/94
que correu termos no Tribunal de Justiça bem como as efectuadas pela
interveniente TAT, mas com excepção das despesas efectuadas pelo Reino
Unido, interveniente, que as suportará.
BellamyBriët
Kalogeropoulos
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Junho de 1997.
O secretário
O presidente
H. Jung
C. W. Bellamy
1: Língua do processo: francês.