Language of document : ECLI:EU:C:2019:62

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 24 de janeiro de 2019 (1)

Processo C689/17

Conti 11. Container SchiffahrtsGmbH & Co. KG MS «MSC Flaminia»

contra

Land Niedersachsen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Convenção de Basileia — Regulamento (CE) n.o 1013/2006 — Transferência de resíduos — Resíduos provenientes de uma avaria em alto mar — Artigo 1.o, n.o 3, alínea b) — Exclusão do âmbito de aplicação — Resíduos gerados a bordo de navios»






1.        Numa altura em que o Tribunal de Justiça ainda não tinha tido a oportunidade de interpretar o artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos, (2) o presente processo e o processo ReFood (C‑634/17) (3) dão‑lhe a oportunidade de fornecer precisões importantes no que respeita ao seu âmbito de aplicação.

2.        No presente caso, na sequência de uma avaria em alto mar (4), o Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha) convida o Tribunal de Justiça a esclarecer se os resíduos provenientes dessa avaria, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga a bordo de um navio, integram o âmbito do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, segundo o qual «[o]s resíduos gerados a bordo de veículos, comboios, aeronaves e navios, até que tais resíduos sejam descarregados com vista a serem valorizados ou eliminados» estão excluídos do âmbito de aplicação desse regulamento.

3.        Inédita, a questão da interpretação do artigo 1.o do Regulamento n.o 1013/2006 é também delicada. Com efeito, é inegável que a gestão dos resíduos e a sua transferência constituem, atualmente, aspetos muito sensíveis dos desafios ligados ao respeito do ambiente em matéria de resíduos.

4.        As dificuldades suscitadas pelo presente reenvio prejudicial são agravadas pelo facto de a avaria ter ocorrido em alto mar, cuja preservação é crucial para a proteção do ambiente, em especial para a proteção da fauna e da flora marinhas.

5.        Nas presentes conclusões, afirmarei, a título principal, que, atenta a letra do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, a economia e o objetivo desse regulamento, resíduos como os em causa no processo principal são «resíduos gerados a bordo […] de navios» na aceção dessa disposição, relativamente aos quais está, por conseguinte, excluída a aplicação do referido regulamento.

6.        Como o Tribunal de Justiça, quando da discussão, foi convidado a pronunciar‑se sobre a aplicabilidade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, por o navio e os resíduos terem aportado num Estado‑Membro da União Europeia, proporei ao Tribunal de Justiça, a título subsidiário, que não responda a essa questão não colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio ou que responda pela negativa a fim de respeitar o teor literal, muito claro, dessa disposição.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito internacional

7.        O artigo 1.o da Convenção sobre o controlo dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação, assinada em Basileia em 22 de março de 1989 e aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão 93/98/CEE do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993 (5), define o âmbito de aplicação dessa convenção. Para esse efeito, estabelece nos seus n.os 1 e 4:

«1.      Nesta Convenção, os resíduos objeto de movimento transfronteiriço e que são designados “resíduos perigosos”, são os seguintes:

a)      resíduos, que pertençam a qualquer categoria incluída no anexo I, a menos que tenham alguma das características descritas no anexo III; e

b)      resíduos que não sejam abrangidos pelo parágrafo a), mas que sejam definidos ou considerados como resíduos perigosos pela legislação interna das Partes ligadas à exportação, importação ou trânsito.

[…]

4.      Resíduos que derivem das operações normais de um navio cuja descarga seja protegida por qualquer instrumento internacional são excluídos do âmbito desta Convenção.»

8.        O artigo 2.o, ponto 3, dessa convenção determina:

«Para esta Convenção:

[…]

3)      “Movimento transfronteiriço” significa qualquer movimento de resíduos, perigosos ou de outros resíduos, de uma área abrangida pela jurisdição nacional de um Estado para, ou através de uma área abrangida pela jurisdição nacional de outro Estado ou para ou através de uma área não abrangida pela jurisdição nacional de qualquer Estado, estando pelo menos dois Estados envolvidos no movimento.»

9.        O artigo 4.o, n.os 1 e 2, alínea d), da Convenção de Basileia dispõe:

«1.      a)      As Partes, no exercício do seu direito de proibição de importação de resíduos perigosos ou de outros resíduos para eliminação, informarão as outras Partes da sua decisão conforme o artigo 13.o

b)      As Partes proibirão, ou não permitirão, a exportação de resíduos perigosos ou de outros resíduos para as Partes que proibiram a importação de tais resíduos quando notificados de acordo com o subparágrafo a) supramencionado.

c)      As Partes devem proibir, ou não permitir, a exportação de resíduos perigosos ou de outros resíduos se o Estado de importação não consentir em escrever ao importador específico, no caso de esse Estado de importação não ter proibido a importação de tais resíduos.

2.      Cada Parte tomará as medidas necessárias para:

[…]

d)      Assegurar que o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos e de outros resíduos seja reduzido ao mínimo, tomando as medidas ambientalmente corretas, através de uma gestão eficiente desses resíduos e que seja conduzida de modo a proteger a saúde humana e o ambiente contra os efeitos nocivos que podem resultar desse mesmo movimento.»

B.      Direito da União

10.      Os considerandos 1, 3, 7 a 9, 14 e 31 do Regulamento n.o 1013/2006 especificam:

«(1)      O principal e mais predominante objetivo e elemento do presente regulamento é a proteção do ambiente, sendo os seus efeitos no comércio internacional meramente secundários.

[…]

(3)      […] Ao proceder à aprovação do Regulamento (CEE) n.o 259/93 [(6)], o Conselho estabeleceu regras para a limitação e controlo desses movimentos, destinadas, nomeadamente, a harmonizar o atual sistema comunitário de fiscalização e controlo dos movimentos de resíduos com os requisitos da Convenção de Basileia.

[…]

(7)      É importante organizar e regulamentar a fiscalização e o controlo das transferências de resíduos de um modo que tome em consideração a necessidade de preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente e da saúde humana e que promova uma aplicação mais uniforme do regulamento em toda a Comunidade.

(8)      É importante ter em conta o requisito definido na alínea d) do n.o 2 do artigo 4.o da Convenção de Basileia, que estabelece que as transferências de resíduos perigosos devem ser reduzidas ao mínimo consistente com uma gestão ambientalmente correta e eficiente desses resíduos.

(9)      É importante ter em conta o direito de cada parte na Convenção de Basileia, nos termos do respetivo n.o 1 do artigo 4.o, de proibir a importação de resíduos perigosos ou de resíduos constantes do anexo II dessa Convenção.

[…]

(14)      No caso das transferências de resíduos destinados a operações de eliminação e dos resíduos não constantes dos anexos III, III‑A ou III‑B destinados a operações de valorização, justifica‑se que seja garantida uma otimização da fiscalização e controlo através da exigência de um consentimento escrito prévio para essas transferências. Esse procedimento deverá, por seu lado, implicar uma notificação prévia, a fim de permitir que as autoridades competentes se encontrem devidamente informadas, de modo a poderem tomar todas as medidas necessárias para a proteção da saúde humana e do ambiente. Tal permitirá também a essas autoridades apresentar objeções fundamentadas relativamente a essas transferências.

[…]

(31)      O presente regulamento deverá ser aplicado nos termos do direito marítimo internacional.»

11.      Nos termos do artigo 1.o, n.os 1 e 3, alíneas a) e b), desse regulamento:

«1.      O presente regulamento estabelece procedimentos e regimes de controlo relativos a transferências de resíduos, de acordo com a origem, o destino e o itinerário dessas transferências, o tipo de resíduos transferidos e o tipo de tratamento a aplicar aos resíduos no seu destino.

[…]

3.      Não são abrangidas pelo presente regulamento:

a)      As descargas em terra de resíduos gerados pelo funcionamento normal dos navios e das plataformas offshore, incluindo águas residuais e produtos residuais, desde que esses resíduos se encontrem abrangidos pelas disposições da Convenção Internacional sobre a Prevenção da Poluição por Navios de 1973, tal como alterada pelo respetivo Protocolo de 1978 (Marpol 73/78) [(7)] ou por outros instrumentos internacionais vinculativos;

b)      Os resíduos gerados a bordo de veículos, comboios, aeronaves e navios, até que tais resíduos sejam descarregados com vista a serem valorizados ou eliminados.»

12.      O artigo 2.o, n.os 1 e 2, desse regulamento define, para efeitos próprios, «Resíduos» e «Resíduos perigosos» nos seguintes termos:

« 1)      “Resíduos”, os resíduos definidos na alínea a) do n.o 1 do artigo 1.o da Diretiva 2006/12/CE [(8)];

2)      “Resíduos perigosos”, os resíduos definidos no n.o 4 do artigo 1.o da Diretiva 91/689/CEE do Conselho, de 12 de dezembro de 1991, relativa aos resíduos perigosos [(9)]»

13.      Nos termos do artigo 2.o, n.o 33, do referido regulamento, «Transporte» corresponde ao «transporte rodoviário, ferroviário, aéreo, marítimo ou fluvial de resíduos».

14.      O artigo 2.o, n.o 34, do Regulamento n.o 1013/2006 define, para efeitos próprios, «Transferência» como o transporte de resíduos com vista à valorização ou à eliminação, que se efetue ou esteja previsto, nomeadamente, entre dois países ou numa área geográfica não sujeita à jurisdição de qualquer país, com destino a um país.

15.      Segundo o artigo 3.o, n.o 1, desse regulamento, as transferências dos resíduos destinados a operações de eliminação e dos resíduos destinados a operações de valorização, neste último caso desde que se trate, nomeadamente, de resíduos constantes da lista laranja (10), estão sujeitas ao procedimento prévio de notificação e consentimento escrito previstos nesse regulamento. Por força do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1013/2006, aplicam‑se os requisitos gerais de informação estabelecidos no artigo 18.o desse regulamento quando a transferência diga respeito a uma quantidade superior a 20 kg de misturas de determinados resíduos ou de determinados resíduos contaminados.

II.    Matéria de facto do litígio no processo principal e questão prejudicial

16.      O navio MSC Flaminia é um porta‑contentores que, no período pertinente, arvorava pavilhão alemão e pertencia à Conti 11. Container Schiffahrts‑GmbH & Co. KG MS «MSC Flaminia» (11), demandante no processo principal.

17.      Em 14 de julho de 2012, quando esse porta‑contentores, carregado com 4 808 contentores, dos quais 151 considerados «de matérias perigosa», efetuava um trajeto entre Charleston (Estados Unidos) e Antuérpia (Bélgica), deflagrou a bordo um incêndio acompanhado de explosões.

18.      Em 21 de agosto de 2012, a Conti foi autorizada a rebocar o porta‑contentores para águas alemãs. Em conformidade com a carta do Havariekommando (centro de controlo em caso de urgência marítima, Alemanha) de 25 de agosto de 2012, foi imposta à Conti a obrigação de elaborar um plano para as operações subsequentes e de indicar os possíveis parceiros contratuais para a execução das respetivas medidas.

19.      Em 8 de setembro de 2012, o navio alcançou a posição de espera que o centro de controlo em caso de urgência marítima lhe tinha atribuído nas águas profundas da enseada a oeste de Helgoland (Alemanha) e, em 9 de setembro de 2012, foi rebocado para Wilhelmshaven (Alemanha). Após discutir com as autoridades alemãs, a Conti comprometeu‑se a, nomeadamente, garantir a transferência, de forma segura, do MSC Flaminia para o estaleiro de reparação de Mangalia (Roménia) e a garantir o tratamento adequado das substâncias que se encontravam a bordo do navio.

20.      Por ofício de 30 de novembro de 2012, o niedersächsisches Umweltministerium (Ministério do Ambiente do Land da Baixa‑Saxónia, Alemanha) comunicou à Conti que o próprio navio «e a água de extinção que se encontrava a bordo, bem como os lodos e sucata, deviam ser considerados “resíduos”» e que, por conseguinte, era necessário seguir o procedimento de notificação. Por carta de 3 de dezembro de 2012, a Conti contestou esse entendimento.

21.      Por decisão de 4 de dezembro de 2012, o Gewerbeaufsichtsamt Oldenburg (Inspeção de Trabalho de Oldenbourg, Alemanha) obrigou a Conti a dar início ao procedimento de notificação relativamente à sucata a bordo e à água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga. Além disso, a Conti foi proibida de retirar o navio do local onde se encontrava antes da conclusão do procedimento de notificação e da apresentação, em língua alemã, de um plano de eliminação dos resíduos passível de ser controlado.

22.      Em 18 de fevereiro de 2013, estando concluído o procedimento de notificação para a transferência da água de extinção para a Dinamarca, iniciaram‑se as operações de bombagem da água de extinção. Em 26 de fevereiro de 2013, quando se tornou possível prever a quantidade de água de extinção que não podia ser bombeada, foram acionados os ulteriores trâmites do procedimento de notificação com a Roménia.

23.      Em 4 de janeiro de 2013, a Conti interpôs recurso administrativo da decisão de 4 de dezembro de 2012. Para evitar atrasos, a Conti submeteu‑se ao procedimento de notificação, sob protesto e sem reconhecer que isso consubstanciava uma obrigação legal. Por ofício de 3 de abril de 2013, a Inspeção do Trabalho de Oldenbourg declarou que o recurso administrativo tinha ficado desprovido de objeto.

24.      Os prejuízos que a Conti invoca no órgão jurisdicional de reenvio incluem, designadamente, os custos dos procedimentos de notificação que teve de suportar. A este propósito, a Conti considera que é ilegal qualificar como «resíduos» as substâncias que se encontram no interior do navio e, em consequência, ordenar o início de um procedimento de notificação.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, na medida em que o prejuízo alegado pela Conti inclui os custos decorrentes do procedimento de notificação, a existência de um direito a uma indemnização pressupõe, no caso em apreço, que o Regulamento n.o 1013/2006 não se aplique aos resíduos da avaria e que esses custos apenas foram gerados porque a Inspeção do Trabalho de Oldenbourg exigiu que se seguisse esse procedimento.

26.      Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), desse regulamento é aplicável aos resíduos provenientes de avarias, caso em que a transferência dos resíduos em causa no processo principal ficaria fora do âmbito de aplicação desse diploma. Segundo o referido órgão jurisdicional, nem da letra do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, nem dos trabalhos preparatórios, nem dos considerandos ou da economia desse regulamento resulta que os resíduos provenientes de avarias devem integrar o âmbito dessa disposição.

27.      Foi nestas condições que o Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os resíduos provenientes de avarias, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga a bordo de um navio, constituem “resíduos gerados a bordo de veículos, comboios, aeronaves e navios”, na aceção do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006?»

III. Análise

28.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 é aplicável aos resíduos em causa, ou seja, a resíduos provenientes de uma avaria, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga.

29.      Donde se conclui que essa questão é relativa à aplicabilidade ratione materiae da exclusão enunciada no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 a resíduos como os em causa no processo principal.

30.      Sublinho igualmente que o órgão jurisdicional de reenvio, na decisão de reenvio, indicou clara e explicitamente que «a questão de saber se o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento [n.o 1013/2006] ainda é temporalmente aplicável quando o navio tenha atracado num porto seguro e descarregado parte dos resíduos, não é objeto de reenvio prejudicial ao [Tribunal de Justiça]». Por conseguinte, é inegável que, por meio do presente reenvio prejudicial, esse órgão jurisdicional apenas interroga o Tribunal de Justiça sobre a aplicabilidade ratione materiae do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 no quadro do exame da aplicabilidade do regulamento entre o local da avaria e a Alemanha.

31.      Ora, a Comissão, nos seus articulados e na audiência, convidou, ou mesmo incitou, o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se igualmente em favor da aplicabilidade dessa disposição às transferências subsequentes dos resíduos.

32.      A este respeito, é decerto verdade que, devendo a transferência dos resíduos em causa ocorrer por etapas, a questão da interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 é suscetível de também se colocar a esse propósito (12). Porém, por razões que exporei mais detalhadamente nos n.os 75 a 77 das presentes conclusões, considero que não cabe ao Tribunal de Justiça responder a uma questão que não lhe foi colocada e que o órgão jurisdicional de reenvio explicitamente excluiu do âmbito do reenvio prejudicial.

33.      Por conseguinte, num primeiro momento e a título principal, responderei à questão prejudicial conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, respeitando a forma como o reenvio prejudicial foi delineado por esse mesmo órgão jurisdicional. Num segundo momento, mas unicamente a título subsidiário, examinarei as questões suscitadas pelas transferências de resíduos subsequentes à chegada do MSC Flaminia à Alemanha. Assim, para além da resposta à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, determinarei se o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 é aplicável às transferências subsequentes dos resíduos em causa no processo principal.

A.      A título principal

34.      No que respeita à questão prejudicial, conforme colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio e no respeito dos limites que definiu, a resposta é, em meu entender, evidente.

35.      De imediato, sublinho que, no Tribunal de Justiça, a qualificação dos resíduos destinados a operações de eliminação que se encontravam a bordo do MSC Flaminia como resíduos não foi sujeita a discussão (13) e, de resto, não parece passível de o ser. Com efeito, nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1013/2006, devem considerar‑se resíduos, para efeitos desse regulamento, os objetos que correspondam à definição constante do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/12 (14). Ora, como a Comissão corretamente referiu, os resíduos em causa destinam‑se a ser eliminados ou valorizados.

36.      No que respeita à aplicabilidade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, importa, para efeitos da resposta a dar ao órgão jurisdicional de reenvio, recordar as regras que presidem à interpretação do direito da União.

37.      A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição do direito da União deve ter‑se em consideração não só o seu teor, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (15). Além disso, como o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 prevê uma derrogação à aplicação das disposições desse regulamento, deve, em princípio, ser objeto de uma interpretação restritiva.

38.      Enquanto o Land Niedersachsen (Land da Baixa‑Saxónia, Alemanha) e a Comissão alegaram que a letra do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 não autorizava, por si só, uma resposta ao órgão jurisdicional de reenvio, eu considero, pelo contrário, que a sua redação não se presta a confusões.

39.      Com efeito, importa reconhecer que o legislador da União se limitou a indicar que «[o]s resíduos gerados a bordo de […] navios, até que tais resíduos sejam descarregados com vista a serem valorizados ou eliminados», estão excluídos do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 1013/2006.

40.      Ora, o sentido dos diversos termos não padece, a meu ver, de qualquer ambiguidade.

41.      O termo «resíduos» deve ser entendido tomando por referência a definição que a legislação da União em matéria de política de gestão dos resíduos nos dá desse conceito. Assim, esse termo utilizado no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, abrange necessariamente todos os tipos de resíduos, desde que se destinem a ser eliminados ou valorizados.

42.      Quanto à circunstância de os resíduos em causa no presente processo terem sido gerados no quadro de uma avaria, observo que a única exigência do legislador da União para que a exclusão se aplique é que os resíduos tenham sido «gerados a bordo de [um] navi[o]». No presente caso, ninguém contesta que, tendo a avaria e os incêndios ocorrido a bordo do MSC Flaminia, esses resíduos foram gerados a bordo.

43.      Além disso, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio parece duvidar de que a expressão «resíduos gerados a bordo» inclua os resíduos gerados de forma fortuita ou à margem do funcionamento normal de um navio, as partes no processo principal e a Comissão debateram a importância, para efeitos da interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, de os resíduos em causa não terem sido gerados no decurso do «normal» funcionamento do navio, mais «fortuitamente» durante uma avaria.

44.      A este propósito, o Land da Baixa‑Saxónia alegou, em especial, que a produção de resíduos durante uma avaria é tão inusual que deveria ser especificamente mencionada para justificar uma exceção à aplicabilidade do Regulamento n.o 1013/2006.

45.      Esta argumentação não me convence.

46.      Os termos utilizados nas versões em língua espanhola, dinamarquesa, alemã, inglesa, francesa e sueca do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, ou seja, respetivamente, os termos «generados», «opstået», «anfallen», «generated», «produits» e «uppkommit», não apoiam essa argumentação. Nenhum desses termos implica que os resíduos tenham de ter sido produzidos no contexto do normal funcionamento dos navios. Pelo contrário, o termo «opstået» utilizado na versão em língua dinamarquesa abrange um sentido segundo o qual os resíduos não foram normalmente gerados, mas sim de forma imprevisível.

47.      Além disso, o legislador da União limitou‑se a indicar o local onde os resíduos devem ter sido gerados, não enunciando requisitos especiais no que respeita às circunstâncias em que o devem ter sido. Por conseguinte, o sentido corrente da expressão «resíduos gerados a bordo» não pode ser o de os resíduos terem obrigatoriamente de resultar do normal funcionamento do navio.

48.      Este entendimento é tanto mais válido quanto não é possível alegar que o legislador da União não considerou a hipótese de resíduos gerados fora do normal funcionamento dos navios, pois procedeu‑se a essa precisão no artigo 1.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1013/2006.

49.      Quanto à circunstância realçada pela Comissão, de que, no presente caso, os resíduos não existiam no início da viagem, do meu ponto de vista não é determinante. Com efeito, a expressão «gerados a bordo» pressupõe que os resíduos tenham sido produzidos durante a viagem. De resto, sublinho que o conceito de «transferência» definido no artigo 2.o, n.o 34, do Regulamento n.o 1013/2006 não impõe que os resíduos estivessem a bordo do navio antes do início da viagem e, por conseguinte, significa que também são tidos em vista as transferências imprevistas, bem como os resíduos cuja produção foi fortuita.

50.      Consequentemente, não tendo o legislador estabelecido qualquer distinção em função da natureza dos resíduos ou das circunstâncias em que foram gerados, da letra do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 resulta que essa disposição se aplica a resíduos provenientes de avarias, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga.

51.      Esta interpretação encontra apoio nos trabalhos preparatórios, na economia do Regulamento n.o 1013/2006 e no seu objetivo.

52.      Em primeiro lugar, embora a análise dos trabalhos preparatórios desse regulamento não seja, por si só, determinante quanto à interpretação do seu artigo 1.o, n.o 3, alínea b), não deixa, todavia, de ser pertinente a esse respeito.

53.      Com efeito, embora o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), da proposta da Comissão que levou à adoção do Regulamento n.o 1013/2006 (16) previsse que «as transferências de resíduos gerados a bordo de aeronaves civis em voo, durante toda a viagem e até à aterragem» ficavam excluídas do âmbito do regulamento (17), o Parlamento propôs em segunda leitura que essa exclusão fosse alargada aos resíduos produzidos a bordo de veículos, comboios e navios, dado que «[a] derrogação relativa aos resíduos gerados a bordo de aeronaves deve ser alargada a todos os tipos de transporte, tendo em conta que os requisitos previstos no regulamento seriam desproporcionados se aplicados a resíduos gerados a bordo de outros veículos que não aeronaves» (18).

54.      Ora, nem a proposta inicial da Comissão, nem as modificações propostas pelo Parlamento, nem as explicações relativas a essas propostas revelam uma qualquer vontade do legislador da União de excluir determinados resíduos do âmbito do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 e de limitar a aplicação dessa disposição apenas aos resíduos gerados no contexto do normal funcionamento dos meios de transporte considerados.

55.      Por certo, como sustentado pelo Land da Baixa‑Saxónia, a exclusão relativa à aviação civil como formulada no Regulamento n.o 259/93 era passível de ter sobretudo por objetivo os resíduos gerados a bordo das aeronaves e durante os voos. Verifico, todavia, que o legislador da União nunca especificou a natureza dos resíduos em questão, nem, de resto, as circunstâncias em que deveriam ser gerados.

56.      Além disso, sublinho que o âmbito da exclusão foi muito ampliado na medida em que deixou de apenas ter por objeto a aviação civil, passando também a abranger os resíduos gerados a bordo de diferentes meios de transporte, entre os quais as aeronaves. Parece‑me, portanto, que, ao decidir alargar o âmbito da exclusão enunciada no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 a outros meios de transporte, o legislador da União incluiu necessariamente os resíduos que podem ser especificamente gerados em cada um desses meios de transporte. Por conseguinte, a circunstância, apontada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as avarias, por serem raras no âmbito do transporte aéreo, não serem tidas em conta nesse regulamento não pode conduzir a uma inflexão da interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, conforme decorre da letra dessa disposição.

57.      Em segundo lugar, a interpretação sistemática do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 corrobora a interpretação resultante do teor literal dessa disposição.

58.      Por um lado, considero, à semelhança da Conti, que da comparação entre as exclusões constantes do artigo 1.o, n.o 3, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 1013/2006 resulta que, no que respeita à segunda exclusão, o legislador da União não pretendeu introduzir limitações à forma como os resíduos foram gerados.

59.      Por outro lado, compartilho da análise da Comissão, segundo a qual, tendo o artigo 1.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1013/2006 por objeto evitar uma sobreposição entre a legislação relativa à transferência de resíduos e a Diretiva 2000/59/CE (19), esse motivo de exclusão é irrelevante no que toca à interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

60.      Com efeito, o âmbito do artigo 1.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1013/2006 define‑se à luz da Convenção Marpol. Ora, a Diretiva 2000/59, aplicável aos resíduos resultantes do funcionamento normal dos navios (20) abrangidos por essa convenção, obriga os Estados‑Membros a colocar à disposição e a utilizar instalações de receção portuárias destinadas aos resíduos de exploração. Assim, o teor literal do artigo 1.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento n.o 1013/2006 garante que os resíduos resultantes da exploração normal de um navio na aceção da Convenção Marpol se regulam apenas pela Diretiva 2000/59.

61.      Em terceiro lugar, a tomada em consideração dos objetivos do Regulamento n.o 1013/2006, designadamente a proteção do ambiente (21), não permite infletir a interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), desse regulamento conforme decorre da sua letra.

62.      A este respeito, os elementos aduzidos pela Comissão são, em meu entender, particularmente convincentes.

63.      Assim, considero, à semelhança da Comissão, que, devido ao caráter repentino e imprevisível das avarias, é na prática muito difícil, para não dizer impossível, que o comandante de um navio disponha, antes de acostar num porto, das informações necessárias à notificação prevista no Regulamento n.o 1013/2006 (22).

64.      Além disso, o objetivo da exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 pressupõe que essa disposição seja interpretada de forma a limitar a manutenção dos resíduos gerados por uma avaria a bordo de um navio.

65.      Com efeito, não é excessivo prever que a aplicação desse regulamento a resíduos como os em causa no processo principal teria por efeito retardar a entrada do navio que os transporta no porto mais próximo e aumentar de facto o risco de ficarem no mar. Ora, essa situação seria, como corretamente referiu a Comissão, contrária ao objetivo de proteção do ambiente prosseguido pelo Regulamento n.o 1013/2006.

66.      Em contrapartida, o risco alegado pelo Land da Baixa‑Saxónia é, em minha opinião, hipotético.

67.      Invocando a finalidade desse regulamento e o princípio segundo o qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva, o Land da Baixa‑Saxónia defendeu, em especial, que o Estado‑Membro, caso não tivesse conhecimento desses resíduos, não poderia avaliar os riscos que comportam, designadamente para o ambiente. Por conseguinte, era necessário evitar que o comandante do navio decida sozinho do destino a dar aos resíduos, pois isso implicaria o risco de navios carregados de resíduos continuarem a navegar a fim de os eliminarem noutro lugar por melhor preço ou ilegalmente.

68.      A este propósito, noto, por um lado, que o procedimento de notificação previsto pelo Regulamento n.o 1013/2006 em nada previne o risco de navios carregados de resíduos continuarem a navegar a fim de os eliminarem noutro lugar a menor custo ou ilegalmente. Assim, a utilização desse procedimento não produz o efeito de dissuadir o comandante de um navio de eliminar resíduos ilegalmente ou de os tentar eliminar a um custo menor que o praticado na União. De facto, não se pode excluir a hipótese de o custo desse procedimento induzir esses comportamentos.

69.      Por outro lado, tendo em atenção as obrigações decorrentes do direito internacional que incumbem tanto aos Estados como aos atores privados do domínio marítimo, por vezes reproduzidas em diplomas jurídicos da União (23), os riscos decorrentes da não aplicação do Regulamento n.o 1013/2006 (24) não devem, em minha opinião, ser inflacionados.

70.      Com efeito, no que respeita, antes de mais, às descargas deliberadas de resíduos, a Convenção de Londres de 29 de dezembro de 1972 para a Prevenção da Poluição Marinha por Operações de Imersão de Detritos e Outros Produtos, conforme modificada pelo Protocolo de Londres de 1996, tem por objeto promover o controlo efetivo de todas as fontes de poluição do meio ambiente marinho bem como a adoção de medidas para prevenir a poluição do mar por imersão, entendida como descargas deliberadas, de detritos. No âmbito desta convenção, a imersão é, em princípio, proibida, mas pode, excecionalmente, ser autorizada. O respeito das disposições da referida convenção é da competência do Estado de bandeira, que, de qualquer forma, está incumbido de aplicar as sanções em caso de infração às disposições da Convenção (25). No ordenamento jurídico da União, a Diretiva 2005/35/CE (26) impõe aos Estados‑Membros a obrigação de velar para que as descargas de substâncias poluentes efetuadas por navios em qualquer das zonas a que se refere, nomeadamente o alto mar, sejam consideradas infrações, se cometidas com dolo, mera culpa ou negligência grave, garantindo assim que essa descargas não ficam impunes (27).

71.      Em seguida, as obrigações que o direito internacional, em especial o artigo 94.o da Convenção de Montego Bay, impõe ao Estado de bandeira permitem igualmente circunscrever o risco invocado pelo Land da Baixa‑Saxónia (28). Com efeito, essa disposição, para além de impor a adoção de medidas necessárias para garantir a segurança no mar através de medidas de controlo e vigilância dos navios, obriga o Estado de bandeira a abrir um inquérito relativamente a qualquer acidente marítimo ou incidente de navegação no alto mar que envolva um navio que arvore a sua bandeira e que tenha provocado danos graves ao meio marinho. No ordenamento jurídico da União, as obrigações que impendem sobre o Estado de bandeira por força do direito internacional, especialmente no quadro da Organização Marítima Internacional, tornaram‑se mais efetivas com a Diretiva 2009/21/CE (29) que tem por objetivo, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, garantir que os Estados‑Membros cumpram de forma eficaz e coerente as suas obrigações enquanto Estados de bandeira e reforçar a segurança e prevenir a poluição causada pelos navios que arvoram a bandeira de um Estado‑Membro.

72.      Por último, outros diplomas existem, como o Código Marítimo Internacional das Mercadorias Perigosas ou o Código Internacional de Gestão para a Segurança da Exploração dos Navios e a Prevenção da Poluição (30), que também permitem reduzir os riscos de poluição ao impor regras às companhias marítimas e aos comandantes dos navios.

73.      Por todas estas razões, proponho ao Tribunal de Justiça que, a título principal, responda à questão do Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I) que os resíduos provenientes de uma avaria, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga a bordo de um navio, constituem «resíduos gerados a bordo de veículos, comboios, aeronaves e navios» na aceção do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006.

74.      A título subsidiário, debruçar‑me‑ei, na secção seguinte, sobre a interpretação dessa disposição no que respeita à segunda parte do trajeto dos resíduos em causa no processo principal.

B.      A título subsidiário

75.      No que se refere, por um lado, à transferência para a Dinamarca das águas de extinção bombeadas e, por outro, à transferência para a Roménia dos resíduos não descarregados na Alemanha, recordo que o órgão jurisdicional de reenvio excluiu essa parte da problemática levantada pelos factos do processo principal do âmbito do reenvio prejudicial.

76.      Seguramente, resulta de uma jurisprudência constante que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, extraindo da fundamentação da decisão de reenvio os elementos de direito da União que requerem uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio e, se necessário, reformular as questões prejudiciais (31).

77.      Todavia, na perspetiva do objeto do litígio no processo principal, é legitimo interrogarmo‑nos sobre se, no presente caso, será verdadeiramente útil ao órgão jurisdicional de reenvio que o Tribunal de Justiça interprete o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 por forma a determinar se essa disposição se aplica às transferências de resíduos em causa após o navio ter abandonado o porto alemão. Com efeito, da descrição desse litígio parece resultar que a Conti pretende que os tribunais alemães lhe arbitrem uma indemnização por diversos prejuízos, nomeadamente o decorrente do procedimento de notificação imposto pelas autoridades alemãs. Em contrapartida, no que respeita ao trajeto entre a Alemanha e a Roménia, a questão se saber se deve ter lugar um procedimento de notificação só diz respeito às autoridades romenas.

78.      Contudo, para o caso de o Tribunal de Justiça considerar que deve interpretar o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 na ótica da transferência dos resíduos do porto alemão para a Dinamarca e a Roménia para apurar se essa disposição é aplicável a essas transferências ulteriores, sublinho que a letra dessa disposição é muito clara.

79.      Assim, a exclusão enunciada no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 aplica‑se «até que tais resíduos sejam descarregados — “débarqués” — com vista a serem valorizados ou eliminados». Atento o significado do termo «débarquer» (32), essa disposição pressupõe necessariamente que os resíduos saíram do navio e foram descarregados para serem valorizados ou eliminados (33).

80.      Por conseguinte, a interpretação defendida pela Comissão, segundo a qual o termo «descarregados» deve ser interpretado no sentido de significar «até ao primeiro porto de matrícula» em virtude de o Regulamento n.o 1013/2006 dever ser interpretado em conformidade com a Convenção de Basileia, não pode ser adotada.

81.      Embora seja verdade que de uma jurisprudência constante resulta que o primado dos acordos internacionais celebrados pela União sobre os textos de direito derivado determina que estes últimos sejam interpretados em conformidade com esses acordos (34), todavia essa interpretação conforme só se impõe «na medida do possível».

82.      Ora, no presente caso, não é, em minha opinião, possível interpretar o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 de modo a conciliar a letra dessa disposição com a Convenção de Basileia.

83.      Com efeito, essa convenção, conforme resulta dos seus artigos 1.o e 2.o, ponto 3, aplica‑se quando os resíduos são transportados a partir de uma área abrangida pela jurisdição nacional de um Estado Parte para uma área abrangida pela jurisdição nacional de outro Estado Parte, o que, no presente caso, é o que se verifica com a transferência da Alemanha para a Dinamarca (35) e para a Roménia.

84.      Em contrapartida, da interpretação do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 de acordo com o seu teor literal resulta que este não é aplicável à transferência dos resíduos que continuaram a bordo do MSC Flaminia, pois estes só foram descarregados quando o navio chegou à Roménia (36).

85.      Por conseguinte, interpretar o artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 em conformidade com a Convenção de Basileia alteraria radicalmente o sentido dessa disposição, iria contra o teor literal definido pelo legislador da União (37) e, além disso, suscitaria um problema real de segurança jurídica (38).

86.      De resto, parece‑me que a Comissão, ao indicar, nas suas observações escritas, que «[u]ma equiparação da entrada num porto a uma tal “descarga” é dificilmente compatível dado o seu teor literal inequívoco», admite não ser possível uma tal interpretação conforme.

87.      Por todas essas razões, poder‑se‑ia colocar a questão da conformidade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 com as disposições da Convenção de Basileia.

88.      Todavia, não convido o Tribunal de Justiça a oficiosamente controlar a validade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 na perspetiva da Convenção de Basileia.

89.      Efetivamente, em primeiro lugar, observo que se a questão da validade de uma norma de direito da União resultar manifestamente da decisão de reenvio, ou das suas entrelinhas, então os Estados‑Membros e os interessados podem decidir apresentar observações a fim não apenas de essa questão ser discutida entre as partes (39), mas também de o autor do ato da União ser parte no processo e poder apresentar, a esse respeito, as suas observações (40). Ora, o presente reenvio prejudicial apenas tem por objeto a interpretação da exclusão enunciada no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 e a questão da validade dessa disposição não resulta, nem manifesta nem implicitamente, da decisão de reenvio, pelo que, por um lado, não foi discutida entre as partes (41) e, por outro, nem o Parlamento nem o Conselho, que no entanto são os autores desse regulamento, participaram no processo que corre os seus termos no Tribunal de Justiça.

90.      Em segundo lugar, a validade da referida disposição só é pertinente na perspetiva da transferência dos resíduos entre a Alemanha e a Roménia. Ora, como referi no n.o 77 das presentes conclusões, a Conti pretende ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes do custo do procedimento de notificação imposto pelas autoridades alemãs. Por conseguinte, para além do facto de a Conti não ter qualquer interesse em que o Tribunal de Justiça declare a invalidade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 e a necessidade de um procedimento de notificação para os resíduos transferidos para a Roménia, essa declaração não teria qualquer utilidade no quadro do litígio no processo principal (42).

91.      Nestas condições, decidir oficiosamente sobre a validade dessa disposição parece‑me ser incompatível com o papel que o artigo 267.o TFUE atribui ao Tribunal de Justiça.

92.      De resto, sou de opinião que, atenta a natureza, a economia e o facto de os particulares, em princípio, não beneficiarem de direitos e liberdades autónomos ao abrigo da Convenção de Basileia, as disposições dessa convenção não podem servir fundamento para um controlo da validade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 (43).

93.      Por conseguinte, como os resíduos transferidos, a bordo do MSC Flaminia, da Alemanha para a Roménia não foram descarregados, continua a aplicar‑se a exclusão prevista no artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006, pelo que este regulamento não é aplicável a essa transferência.

IV.    Conclusão

94.      Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial colocada pelo Landgericht München I (Tribunal Regional de Munique I, Alemanha) nos seguintes termos:

O artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 1013/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2006, relativo a transferências de resíduos, deve ser interpretado no sentido de que os resíduos provenientes de uma avaria, sob a forma de sucata e de água de extinção contaminada com lodos e resíduos de carga a bordo de um navio, constituem «resíduos gerados a bordo de veículos, comboios, aeronaves e navios» na aceção dessa disposição.


1      Língua original: francês.


2      JO 2006, L 190, p. 1.


3      V. as conclusões que apresentei neste mesmo dia.


4      Na aceção do artigo 86.o da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982, entrada em vigor em 16 de novembro de 1994 e aprovada, em nome da Comunidade, pela Decisão do Conselho 98/392/CE, de 23 de março de 1998 (JO 1998, L 179, p. 1, a seguir «Convenção de Montego Bay»). Nos termos dessa disposição, o alto mar abrange as partes do mar não incluídas na zona económica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago.


5      JO 1993, L 39, p. 1; a seguir «Convenção de Basileia».


6      Regulamento do Conselho, de 1 de fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO 1993, L 30, p. 1).


7      Assinada em Londres em 2 de novembro de 1973 e completada pelo Protocolo de 17 de fevereiro de 1978; a seguir «Convenção Marpol».


8      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2006, relativa aos resíduos (JO 2006, L 114, p. 9). Esse artigo define «Resíduo» como «quaisquer substâncias ou objetos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».


9      JO 1991, L 377, p. 20. A lista dos resíduos perigosos consta da Decisão 2000/532/CE da Comissão, de 3 de maio de 2000, que substitui a Decisão 94/3/CE, que estabelece uma lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1.o da Diretiva 75/442/CEE do Conselho relativa aos resíduos, e a Decisão 94/904/CE do Conselho, que estabelece uma lista de resíduos perigosos em conformidade com o n.o 4 do artigo 1.o da Diretiva 91/689/CEE do Conselho relativa aos resíduos perigosos (JO 2000, L 226, p. 3).


10      Decorrente da regulamentação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Convenção de Basileia. A classificação dos resíduos em duas listas, verde e laranja, depende da perigosidade dos resíduos e dos procedimentos aplicáveis à sua transferência. Quanto à classificação e às consequências que dela decorrem, v. de Sadeleer, N., Droit des déchets de l’UE, De l’élimination à l’économie circulaire, Bruylant, Bruxelas, 2016, p. 360, 364, e 378 a 382.


11      A seguir «Conti».


12      Assim, dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça resulta que os resíduos provenientes da avaria foram, em primeiro lugar, transferidos do local da avaria para a Alemanha. Em seguida, uma parte da água de extinção foi bombeada e transferida para a Dinamarca e, tal como claramente resulta da decisão de reenvio, essa transferência não foi efetuada a bordo do MSC Flaminia. Por último, em 15 de março de 2013, o navio partiu para a Roménia onde, por um lado, devia ser reparado e, por outro, tratados os resíduos que ficaram a bordo.


13      Embora não seja possível determinar em que medida a demandante no processo principal alegou perante as autoridades e os órgãos jurisdicionais alemães que os objetos não deviam ser qualificados como «resíduos», importa reconhecer que, no Tribunal de Justiça, apenas se pronunciou sobre o sentido e a aplicabilidade do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 no presente caso, parecendo partir do princípio de que os materiais em causa deviam ser qualificados como «resíduos».


14      A Diretiva 2006/12 foi revogada e substituída pela Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (JO 2008, L 312, p. 3). Nos termos do seu artigo 3.o, n.o 1, resíduos são «quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer», não tendo, portanto, a nova diretiva praticamente alterado a definição, exceto no que respeita à supressão da referência ao anexo I (v. nota 8 das presentes conclusões).


15      V. Acórdão de 17 de outubro de 2018, Günter Hartmann Tabakvertrieb (C‑425/17, EU:C:2018:830, n.o 18 e jurisprudência referida).


16      Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a transferências de resíduos [COM(2003) 379 final].


17      Sublinho que esta disposição reiterava, no essencial, a exclusão constante do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 259/93.


18      Recomendação para a segunda leitura, de 10 de outubro de 2005, referente à posição comum adotada pelo Conselho tendo em vista a aprovação do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a transferências de resíduos [15311/4/2004 — C6‑0223/2005 — 2003/0139(COD)].


19      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2000, relativa aos meios portuários de receção de resíduos gerados em navios e de resíduos da carga (JO 2000, L 332, p. 81).


20      Em conformidade com o disposto no artigo 2.o, alínea c), dessa diretiva, conjugado com a Convenção Marpol.


21      V. considerandos 1 e 7 do Regulamento n.o 1013/2006.


22      Em conformidade com o disposto no artigo 4.o desse regulamento, a notificação deve ser efetuada por meio dos formulários constantes dos anexos I A e I B desse regulamento. Ora, esses formulários exigem inúmeras informações sobre os resíduos em causa.


23      Sobre este aspeto, v. Bissuel, J‑L., «L’Union européenne et l’application des normes adoptées par l’OMI», Droit international de la mer et droit de l’Union européenne Cohabitation, Confrontation, Coopération?, éditions Pedone, Paris, 2014, p. 115 a 141, em especial p. 121 e 122, bem como Langlais, P., Sécurité maritime et intégration européenne, Bruylant, Bruxelas, 2018, p. 189 a 196.


24      A este propósito, importa também sublinhar que a Convenção de Basileia não se aplica ao trajeto inicial do MSC Flaminia. Além disso, admitindo que os resíduos em causa no processo principal sejam qualificados como «resíduos perigosos», o que não parece descabido à luz dos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça e das observações das partes, essa convenção não era aplicável à transferência de resíduos perigosos do alto mar para um Estado‑Membro da União. Com efeito, por um lado, a Convenção, por força dos seus artigos 1.o e 2.o, aplica‑se apenas aos movimentos de resíduos entre zonas abrangidas pela jurisdição nacional dos Estados Partes, enquanto, no presente caso, a transferência começou na sequência de uma avaria em alto mar. Por outro lado, segundo os documentos intitulados «Coopération entre la Convention de Bâle et l’Organisation maritime internationale» (UNEP/CHW.11/17) e «Legal analysis of the application of the Basel Convention to hazardous and other wastes generated on board ships» (UNEP/CHW.11/INF/22, disponível apenas em inglês) resultantes da 11.o Conferência dos Estados Partes na Convenção de Basileia, que teve lugar em Genebra de 28 de abril a 10 de maio de 2013, o artigo 1.o, n.o 4, dessa convenção tem por objeto excluir os resíduos gerados fora desse normal funcionamento do âmbito de aplicação da Convenção.


25      Sobre essa convenção, v. Vincent, P., Droit de la mer, Larcier, Bruxelas, 2008, p. 179 a 181, bem como Rothwell, D. R., e Stephens, T., The International Law of the Sea, 2.a edição, Hart Publishing, Oxford, 2016, p. 402 a 406.


26      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa à poluição por navios e à introdução de sanções em caso de infrações (JO 2005, L 255, p. 11). Para alcançar o objetivo prosseguido por essa diretiva, a Decisão‑Quadro 2005/667/JAI do Conselho, de 12 de julho de 2005, destinada a reforçar o quadro penal para a repressão da poluição por navios (JO 2005, L 255, p. 164), prevê a adoção pelos Estados‑Membros de um determinado número de medidas de caráter penal.


27      V. artigo 4.o dessa diretiva.


28      Acrescento que, de um modo geral, a Parte XII, sob a epígrafe «Proteção e preservação do Meio Marinho», da Convenção de Montego Bay impõe aos Estados a obrigação de preservar e proteger o meio marinho. Em especial, os artigos 217.o, 218.o e 220.o definem as competências e as obrigações do Estado de bandeira, do Estado de porto e do Estado costeiro a esse respeito.


29      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa ao cumprimento das obrigações do Estado de bandeira (JO 2009, L 131 p. 132).


30      Por força do Regulamento (CE) n.o 336/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de 2006, relativo à aplicação do Código Internacional de Gestão da Segurança na Comunidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 3051/95 do Conselho (JO 2006, L 64, p. 1), as normas desse Código aplicam‑se a todos os navios que arvoram pavilhão de um Estado‑Membro da União. Este regulamento também obriga os Estados‑Membros a instituir e a aplicar um regime de sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.


31      V., designadamente, Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Crono Service e o. (C‑419/12 e C‑420/12, EU:C:2014:81, n.o 28 e jurisprudência referida), e de 21 de dezembro de 2016, Ucar e Kilic (C‑508/15 e C‑509/15, EU:C:2016:986, n.o 51).


32      Segundo o Petit Robert, o verbo «débarquer» significa, «fazer sair (pessoas, coisas) de uma embarcação, pôr em terra». Sublinho que existem outras versões linguísticas do artigo 1.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 1013/2006 que corroboram esta análise, dado que os termos utilizados são ainda mais específicos. Assim, os termos «descargado», «losses», «Abladens», «offloaded» e «lastas» utilizados nas versões em língua espanhola, dinamarquesa, alemã, inglesa e sueca veiculam a ideia de que os resíduos que constituem o carregamento do navio foram daí retirados.


33      Noto, aliás, que o órgão jurisdicional de reenvio parece interpretar esses termos da mesma forma, pois afirmou que, «[s]egundo o teor literal claro desta disposição, a exceção ali consagrada é aplicável “até que tais resíduos sejam descarregados”, e não até que quaisquer resíduos sejam descarregados ou até que exista uma possibilidade de descarga».


34      V., designadamente, Acórdão de 18 de março de 2014, Z. (C‑363/12, EU:C:2014:159, n.o 72 e jurisprudência referida).


35      As águas de extinção transferidas para a Dinamarca foram bombeadas e, por conseguinte, descarregadas do navio.


36      Sublinho que, no n.o 44 das suas observações, a própria Comissão reconheceu que relativamente a esses resíduos «não se pode, decerto, considerar que foram “descarregados”, na aceção normal do termo, antes do início dessa segunda viagem».


37      Assim, como a Conti corretamente sublinhou na audiência, o legislador da União utilizou o termo «descarregar» e não «próximo porto» e isto é da máxima importância para efeitos da aplicação da exclusão.


38      Há, em meu entender, que estabelecer aqui um paralelo com a obrigação de interpretação conforme do direito da União pelos órgãos jurisdicionais nacionais, a qual «está limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional» [v., designadamente, Acórdão de 13 de julho de 2016, Pöpperl (C‑187/15, EU:C:2016:550, n.o 44)].


39      Naômé, C., Le renvoi préjudiciel en droit européen — Guide pratique, 2.a edição, Larcier, Bruxelas, 2010, p. 272.


40      Como ocorreu no processo que esteve na origem do Acórdão de 6 de outubro de 2015, Schrems (C‑362/14, EU:C:2015:650), em que a Comissão, autora do ato, participou no processo. A este propósito, recordo a obrigação do Tribunal de Justiça de garantir aos governos dos Estados‑Membros e às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o disposto no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, atento o facto de que, por força dessa disposição, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (v. Acórdão de 14 de abril de 2011, Vlaamse Dierenartsenvereniging e Janssens, C‑42/10, C‑45/10 e C‑57/10, EU:C:2011:253, n.o 44 e a jurisprudência referida).


41      Na audiência, essa questão foi brevemente evocada, sem que, no entanto, as partes tenham procedido a uma troca de argumentos a esse respeito.


42      Na jurisprudência, a apreciação oficiosa da validade de uma disposição de direito da União implica que seja útil para o órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, como refere Caroline Naômé, o Tribunal de Justiça procede dessa forma quando a questão, de um ponto de vista formal, é relativa à interpretação de uma disposição de direito da União, mas se percebe que o órgão jurisdicional de reenvio na verdade se interroga sobre a validade dessa disposição (v. Naômé, C., op. cit., p. 272).


43      V. condições em que as disposições de um acordo internacional de que a União é parte podem ser invocadas em apoio de um recurso de anulação de um ato de direito derivado da União ou de uma exceção relativa à ilegalidade desse ato, conforme evocadas no Acórdão de 13 de janeiro de 2015, Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht (C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.o 54 e jurisprudência referida).