Language of document : ECLI:EU:C:2019:379

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

8 de maio de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 96/34/CE — Acordo‑Quadro sobre a licença parental — Cláusula 2, n.o 6 — Trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro em situação de licença parental a tempo parcial — Despedimento — Indemnização por despedimento e subsídio de licença de requalificação — Modalidades de cálculo — Artigo 157.o TFUE — Igualdade de remuneração entre trabalhadores femininos e trabalhadores masculinos — Licença parental a tempo parcial gozada essencialmente por trabalhadores femininos — Discriminação indireta — Fatores objetivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo — Inexistência»

No processo C‑486/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 11 de julho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de julho de 2018, no processo

RE

contra

Praxair MRC SAS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, L. Bay Larsen e M. Safjan (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de RE, por J. Buk Lament, avocate,

–        em representação da Praxair MRC SAS, por J.‑J. Gatineau, avocat,

–        em representação do Governo francês, por E. de Moustier e R. Coesme, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Szmytkowska e C. Valero, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 157.o TFUE e da cláusula 2, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro sobre a licença parental, celebrado em 14 de dezembro de 1995 (a seguir «Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental»), que figura no anexo da Diretiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao Acordo‑Quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1996, L 145, p. 4), conforme alterada pela Diretiva 97/75/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997 (JO 1998, L 10, p. 24) (a seguir «Diretiva 96/34»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe RE à Praxair MRC SAS a respeito das modalidades de cálculo da indemnização por despedimento e do subsídio de licença de requalificação que lhe foram pagos no âmbito do seu despedimento por motivos económicos, ocorrido enquanto se encontrava em situação de licença parental a tempo parcial.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 96/34 e AcordoQuadro sobre a Licença Parental

3        A Diretiva 96/34 foi revogada, com efeitos a partir de 8 de março de 2012, por força do artigo 4.o da Diretiva 2010/18/UE do Conselho, de 8 de março de 2010, que aplica o Acordo‑Quadro revisto sobre licença parental celebrado entre a BUSINESSEUROPE, a UEAPME, o CEEP e a CES e que revoga a Diretiva 96/34 (JO 2010, L 68, p. 13). Porém, atendendo à data dos factos do litígio no processo principal, este continua a ser regido pela Diretiva 96/34 e pelo Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental.

4        A Diretiva 96/34/CE destinava‑se a aplicar o Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, celebrado entre as organizações interprofissionais de vocação geral, a saber, a União das Confederações da Indústria e dos Empregadores da Europa (UNICE), o Centro Europeu das Empresas Públicas (CEEP) e a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES).

5        Nos termos do primeiro parágrafo do preâmbulo do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental:

«O Acordo‑Quadro [sobre a Licença Parental] representa um compromisso da UNICE, do CEEP e da CES para aplicar prescrições mínimas sobre a licença parental e as faltas ao trabalho por motivo de força maior, enquanto meio importante de conciliar a vida profissional e a vida familiar e de promover a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres.»

6        Os pontos 4 a 6 das considerações gerais desse Acordo‑Quadro enunciavam:

«4.      Considerando que no ponto 16, relativo à igualdade de tratamento, a Carta comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores estipula que há que desenvolver medidas que permitam aos homens e às mulheres conciliar as suas obrigações profissionais e familiares;

5.      Considerando que a resolução do Conselho de 6 de dezembro de 1994 reconhece que uma política efetiva de igualdade de oportunidades pressupõe uma estratégia global e integrada que permita uma melhor organização dos horários de trabalho e uma maior flexibilidade, bem como um mais fácil regresso à vida profissional, e verifica o importante papel dos parceiros sociais neste domínio e na oferta, aos homens e às mulheres, da possibilidade de conciliarem as suas responsabilidades profissionais e as suas obrigações familiares;

6.      Considerando que as medidas destinadas a conciliar vida profissional e vida familiar devem estimular a adoção de novas formas flexíveis de organização do trabalho e do tempo de trabalho, mais adaptados às exigências da sociedade em mutação, e devem ter em conta, simultaneamente, as necessidades das empresas e dos trabalhadores;»

7        A cláusula 1 do referido Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», previa:

«1.      O presente acordo enuncia prescrições mínimas para facilitar a conciliação das responsabilidades profissionais e familiares dos trabalhadores com filhos.

2.      O presente acordo é aplicável a todos os trabalhadores, de ambos os sexos, com um contrato ou uma relação de trabalho definidos na legislação, nas convenções coletivas ou nas práticas vigentes em cada Estado‑Membro.»

8        A cláusula 2 desse Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Licença parental», tinha a seguinte redação:

«1.      Por força do presente acordo, e sob reserva do n.o 2 da presente cláusula, é concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adoção de um filho, para dele poderem cuidar durante pelo menos três meses até uma determinada idade, que poderá ir até aos oito anos de idade, a definir pelos Estados‑Membros e/ou pelos parceiros sociais.

[…]

4.      A fim de garantir que os trabalhadores possam exercer o seu direito à licença parental, os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais tomarão as medidas necessárias para proteger os trabalhadores contra o despedimento com fundamento no pedido ou no gozo da licença parental, nos termos da legislação, das convenções coletivas ou das práticas nacionais.

[…]

6.      Os direitos adquiridos ou em fase de aquisição pelo trabalhador no momento de início da licença parental são mantidos tal como se encontram até ao final da licença parental. No termo da licença parental, são aplicáveis estes direitos, incluindo as alterações introduzidas pela legislação, por convenções coletivas ou pelas práticas nacionais.

[…]»

 AcordoQuadro relativo ao Trabalho a Tempo Parcial

9        A cláusula 4, n.os 1 e 2, do Acordo‑Quadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado em 6 de junho de 1997 (a seguir «Acordo‑Quadro relativo ao trabalho a tempo parcial»), que figura no anexo à Diretiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao Acordo‑Quadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9), conforme alterada pela Diretiva 98/23/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998 (JO 1998, L 131, p. 10), enuncia:

«1.      No que respeita às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro unicamente pelo facto de trabalharem a tempo parcial, a menos que, por razões objetivas, a diferença de tratamento se justifique.

2.      Sempre que apropriado, aplicar‑se‑á o princípio pro rata temporis

 Direito francês

10      Nos termos do artigo L. 1233‑71 do Código do Trabalho, na versão em vigor à data dos factos no processo principal (a seguir «Código do Trabalho»):

«Nas empresas ou estabelecimentos com mil ou mais trabalhadores, bem como nas empresas referidas no artigo L. 2331‑1 e nas referidas no artigo L. 2341‑4, na medida em que empreguem, pelo menos, mil trabalhadores, o empregador propõe a cada trabalhador que pretenda despedir por motivos económicos uma licença de requalificação que tem por objeto permitir que o trabalhador beneficie de ações de formação e das prestações de uma célula de acompanhamento das diligências de procura de emprego.

A duração da licença de requalificação não pode exceder nove meses.

Esta licença começa, se necessário, com uma avaliação de competências destinada a permitir ao trabalhador definir um projeto profissional e, se for caso disso, a determinar as ações de formação necessárias à sua requalificação. Estas são executadas durante o período previsto no primeiro parágrafo.

O empregador financia a totalidade destas ações.»

11      O artigo L. 1233‑72 do Código do Trabalho estabelece:

«A licença de requalificação é gozada durante o período de pré‑aviso, o qual o trabalhador está dispensado de executar.

Quando a duração da licença de requalificação exceda a duração do pré‑aviso, o termo deste é transferido para o fim da licença de requalificação.

O montante da remuneração que excede a duração do pré‑aviso é igual ao montante do subsídio de conversão previsto no 3.o do artigo L. 5123‑2. As disposições dos artigos L. 5123‑4 e L. 5123‑5 são aplicáveis a essa remuneração.»

12      O artigo L. 1234‑9 do Código do Trabalho prevê:

«O trabalhador titular de um contrato de trabalho sem termo, despedido quando já tenha cumprido um ano ininterruptamente ao serviço do mesmo empregador, tem direito, salvo no caso de falta grave, a uma indemnização por despedimento.

As modalidades de cálculo dessa indemnização são em função da remuneração bruta que o trabalhador auferia antes da cessação do contrato de trabalho. […]»

13      O artigo L. 3123‑13 do Código do Trabalho dispõe:

«A indemnização por despedimento e a indemnização por reforma do trabalhador que tenha trabalhado a tempo inteiro e a tempo parcial na mesma empresa são calculadas proporcionalmente aos períodos de trabalho cumpridos em cada uma das modalidades desde a sua entrada na empresa.»

14      O artigo R. 1233‑32 do Código do Trabalho, relativo ao subsídio da licença de requalificação, tem a seguinte redação:

«Durante o período de licença de requalificação que exceda o prazo do pré‑aviso, o trabalhador aufere uma remuneração mensal a cargo do empregador.

O montante da referida remuneração é pelo menos igual a 65 % da sua remuneração mensal bruta média sujeita às contribuições mencionadas no artigo L. 5422‑9 nos doze meses anteriores à notificação do despedimento.

Não pode ser inferior a um salário mensal igual a 85 % do salário mínimo de crescimento previsto no artigo L. 3231‑2 multiplicado pelo número de horas correspondentes ao tempo de trabalho coletivo fixado na empresa.

Não pode ser inferior a um salário mensal igual a 85 % do montante da garantia de remuneração paga pelo empregador nos termos do disposto no artigo 32.o da Lei n.o 2000‑37, de 19 de janeiro de 2000, relativa à redução negociada do tempo de trabalho.

O empregador deve remeter mensalmente ao trabalhador um recibo que especifique o montante e as modalidades de cálculo da referida remuneração.»

15      O artigo R. 1234‑4 do Código do Trabalho enuncia:

«O salário a ter em consideração para o cálculo da indemnização por despedimento é, de acordo com a fórmula mais favorável ao trabalhador:

1.o Um duodécimo da remuneração dos doze últimos meses anteriores ao despedimento;

2.o Ou um terço dos três últimos meses. Neste caso, qualquer prémio ou gratificação de caráter anual ou excecional, pago ao trabalhador durante este período, só é tido em conta de forma proporcional.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      Em 22 de novembro de 1999, RE foi contratada pela Materials Research Corporation, atual Praxair MRC, na qualidade de assistente comercial, no âmbito de um contrato de trabalho a termo e a tempo inteiro. Através de um aditamento de 21 de julho de 2000, esse contrato de trabalho foi convertido num contrato a tempo inteiro por tempo indeterminado, a partir de 1 de agosto de 2000.

17      RE gozou uma primeira licença de maternidade, pelo período entre 4 de fevereiro e 19 de agosto de 2001, seguida de uma licença parental para assistência aos filhos, entre 6 de setembro de 2001 e 6 de setembro de 2003. Em seguida, gozou uma segunda licença de maternidade, entre 6 de novembro de 2007 e 6 de junho de 2008, seguida de uma licença parental para assistência aos filhos a partir de 1 de agosto de 2008, sob a forma de redução de um quinto do tempo de trabalho. Esta última licença devia terminar em 29 de janeiro de 2011.

18      Em 6 de dezembro de 2010, RE foi despedida no âmbito de um processo de despedimento coletivo por motivos económicos. Aceitou uma licença de requalificação com uma duração de nove meses.

19      Após ter renunciado à redução do tempo de trabalho a partir de 1 de janeiro de 2011, RE deixou definitivamente a Praxair MRC em 7 de setembro de 2011.

20      Em 30 de setembro de 2011, RE recorreu ao conseil de prud’hommes de Toulouse (Tribunal do Trabalho de Toulouse, França) para impugnar o seu despedimento e apresentar diversos pedidos, nomeadamente o pagamento dos montantes de 941,15 euros a título de complemento da indemnização por despedimento, e de 1 423,79 euros, a título de complemento do subsídio de licença de requalificação.

21      Por Sentença de 12 de setembro de 2013, aquele órgão jurisdicional julgou improcedentes estes dois pedidos de RE.

22      Por Acórdão de 14 de outubro de 2016, a cour d’appel de Toulouse (Tribunal de Recurso de Toulouse, França) confirmou a decisão do conseil de prud’hommes de Toulouse no sentido de julgar improcedentes os referidos pedidos de RE.

23      Em 14 de dezembro de 2016, RE interpôs recurso de cassação do referido acórdão, alegando que a cour d’appel de Toulouse (Tribunal de Recurso de Toulouse) tinha violado a cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental.

24      A Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) salienta que, segundo a sua jurisprudência, por força do artigo L. 3123‑13 do Código do Trabalho, há que calcular o montante da indemnização por despedimento devida a RE tomando em consideração proporcionalmente os períodos de trabalho executados a tempo inteiro e a tempo parcial. Quanto ao subsídio de licença de requalificação, este deve ser fixado, em conformidade com o artigo R. 1233‑32 do Código do Trabalho, com base na remuneração mensal bruta média dos últimos doze meses anteriores à notificação do despedimento de RE.

25      Aquele órgão jurisdicional sublinha, contudo, que, no seu Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts (C‑116/08, EU:C:2009:645), o Tribunal de Justiça declarou que no caso de rescisão unilateral pela entidade patronal, sem justa causa ou sem observar o prazo legal de pré‑aviso, do contrato de trabalho de um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro, durante o período em que este goza uma licença parental a tempo parcial, a indemnização a pagar a esse trabalhador não pode ser calculada com base na remuneração reduzida que aufere no momento em que ocorre o despedimento. Segundo aquele órgão jurisdicional, o Tribunal de Justiça seguiu a mesma interpretação no Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Lyreco Belgium (C‑588/12, EU:C:2014:99), relativo ao cálculo do montante de uma indemnização fixa de proteção.

26      O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se a cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental é aplicável às disposições relativas às modalidades de cálculo do subsídio de licença de requalificação, que é pago após o despedimento do trabalhador em causa.

27      No caso de o Tribunal de Justiça considerar que, para calcular o montante da indemnização por despedimento e do subsídio de licença de requalificação, há que ter por base um trabalho efetuado a tempo inteiro, a inexistência de efeito direto das diretivas da União Europeia num litígio que opõe exclusivamente particulares levaria o órgão jurisdicional de reenvio a tomar em consideração todas as disposições do seu direito nacional para efeitos de interpretação conforme. Todavia, interpretar o artigo L. 3123‑13 do Código do Trabalho em conformidade com a Diretiva 96/34 e com o Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental pode conduzir a uma interpretação contra legem dessa disposição nacional. Além disso, não é certo que o artigo R. 1233‑32 do Código do Trabalho possa ser interpretado em conformidade com a cláusula 2, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental.

28      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 157.o TFUE se aplica a um litígio como o que está em causa no processo principal, na medida em que as prestações em causa se enquadram no conceito de «remuneração», na aceção desse artigo. Sublinha que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens escolhe gozar uma licença parental a tempo parcial e que daí resulta uma discriminação indireta em relação aos trabalhadores femininos.

29      No âmbito do exame de elementos objetivos que justificam essa discriminação, importa ter em conta a cláusula 4, n.os 1 e 2, do Acordo‑Quadro relativo ao Trabalho a Tempo Parcial. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, no n.o 51 do Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts (C‑116/08, EU:C:2009:645), o Tribunal de Justiça salientou que um trabalhador que goze uma licença parental a tempo parcial e um trabalhador que trabalha a tempo inteiro não se encontram numa situação diferente em relação ao contrato de trabalho inicial que os vincula à sua entidade patronal.

30      Nestas circunstâncias, a Cour de cassation [(Tribunal de Cassação)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a cláusula 2.a, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro [sobre a Licença Parental] […] ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação a um trabalhador em licença parental a tempo parcial no momento do seu despedimento de uma disposição de direito interno como o artigo L. 3123‑13 do Código de Trabalho, aplicável à época dos factos, segundo a qual “[a] indemnização por despedimento e a indemnização por reforma do trabalhador que tenha trabalhado a tempo inteiro e a tempo parcial na mesma empresa são calculadas proporcionalmente aos períodos de trabalho cumpridos em cada uma das modalidades desde a sua entrada na empresa”?

2)      Deve a cláusula 2.a, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro [sobre a Licença Parental] […] ser interpretada no sentido de que se opõe à aplicação a um trabalhador em licença parental a tempo parcial no momento do seu despedimento de uma disposição de direito interno como o artigo R. 1233‑32 do Código de Trabalho segundo a qual, durante o período de licença de requalificação que exceda o prazo do pré‑aviso, o trabalhador aufere uma remuneração mensal a cargo do empregador, cujo montante é pelo menos igual a 65 % da sua remuneração mensal bruta média sujeita às contribuições mencionadas no artigo L. 5422‑9 durante os doze meses anteriores à notificação do despedimento?

3)      Em caso de resposta afirmativa a alguma das questões anteriores, deve o artigo 157.o [TFUE] ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito interno como os artigos L. 3123‑13 do Código de Trabalho, aplicável à época dos factos, e R. 1233‑32 do mesmo Código, na medida em que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens opta por gozar uma licença parental a tempo parcial e a discriminação indireta que daí resulta de uma indemnização por [despedimento] e um subsídio de licença de requalificação inferiores aos dos trabalhadores que não gozaram uma licença parental a tempo parcial não é justificada por elementos objetivos alheios a qualquer discriminação?»

 Quanto à primeira e segunda questões

31      Com a sua primeira e segunda questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a cláusula 2, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação a pagar a esse trabalhador sejam determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que esse trabalhador aufere quando ocorre o despedimento.

 Quanto à admissibilidade

32      A Praxair MRC e o Governo francês alegam que, na medida em que o litígio no processo principal opõe dois particulares e em que não é possível interpretar a legislação nacional em causa no processo principal em conformidade com o direito da União, RE não pode invocar o Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental para obstar à aplicação dessa legislação no caso de esta ser contrária ao direito da União. Por conseguinte, a primeira e segunda questões não são pertinentes para a resolução do litígio no processo principal. Segundo essas partes, estas questões são, como tal, hipotéticas e, portanto, inadmissíveis.

33      A este respeito, importa recordar que o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões colocadas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 26 e jurisprudência referida).

34      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 27 e jurisprudência referida).

35      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que este é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação das disposições do direito da União, independentemente da questão de saber se as mesmas têm, ou não, efeito direto (Acórdão de 27 de novembro de 2012, Pringle, C‑370/12, EU:C:2012:756, n.o 89 e jurisprudência referida).

36      Por outro lado, no que se refere à obrigação de interpretação conforme, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a obrigação, decorrente de uma diretiva, que incumbe aos Estados‑Membros de alcançarem o resultado nela previsto assim como o dever, por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE e do artigo 288.o TFUE, de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação impõem‑se a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades judiciais (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Link Logistik N&N, C‑384/17, EU:C:2018:810, n.o 57 e jurisprudência referida).

37      Tendo em vista executar esta obrigação, o princípio da interpretação conforme exige que as autoridades nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia do direito da União e de alcançar uma solução conforme com o objetivo por ele prosseguido (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Link Logistik N&N, C‑384/17, EU:C:2018:810, n.o 58 e jurisprudência referida).

38      Todavia, este princípio da interpretação conforme do direito nacional tem certos limites. Assim, a obrigação de o juiz nacional se referir ao conteúdo do direito da União quando interpreta e aplica as regras pertinentes do direito interno está limitada pelos princípios gerais do direito e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Link Logistik N&N, C‑384/17, EU:C:2018:810, n.o 59 e jurisprudência referida).

39      No caso vertente, resulta da decisão de reenvio, conforme indicado no n.o 27 do presente acórdão, que o órgão jurisdicional de reenvio, apesar de ter dúvidas a este respeito, não exclui a possibilidade de uma interpretação conforme da legislação nacional referida na sua primeira e segunda questões. Ora, é a este órgão jurisdicional que cabe determinar se está em condições de proceder a uma interpretação conforme com o direito da União da legislação nacional em causa no processo principal.

40      Nestas condições, a primeira e a segunda questão devem ser consideradas admissíveis.

 Quanto ao mérito

41      A título preliminar, importa salientar que, como resulta do primeiro parágrafo do preâmbulo do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, dos n.os 4 e 5 das considerações gerais desse Acordo‑Quadro e da sua cláusula 1, n.o 1, o referido Acordo‑Quadro constitui um compromisso dos parceiros sociais para implementar, por prescrições mínimas, medidas destinadas a oferecer tanto aos homens como às mulheres a possibilidade de conciliar as suas responsabilidades profissionais e as suas obrigações familiares (Acórdãos de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 35, e de 27 de fevereiro de 2014, Lyreco Belgium, C‑588/12, EU:C:2014:99, n.o 30).

42      Nos termos da cláusula 1, n.o 2, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, este é aplicável a todos os trabalhadores, de ambos os sexos, com um contrato ou uma relação de trabalho definidos na legislação, nas convenções coletivas ou nas práticas vigentes em cada Estado‑Membro.

43      É pacífico que tal era o caso de RE no processo principal, pelo que esta está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido Acordo‑Quadro.

44      Na sua primeira e segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se à cláusula 2, n.os 4 e 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental. A este respeito, a cláusula 2, n.o 4, do referido Acordo‑Quadro enuncia que, a fim de garantir que os trabalhadores possam exercer o seu direito à licença parental, os Estados‑Membros e/ou os parceiros sociais tomarão as medidas necessárias para proteger os trabalhadores contra o despedimento «com fundamento no pedido ou no gozo da licença parental», nos termos da legislação, das convenções coletivas ou das práticas nacionais.

45      No caso vertente, RE foi despedida no âmbito de um despedimento coletivo por motivos económicos. Não resulta da decisão de reenvio que RE tenha sido objeto desse despedimento com fundamento no pedido ou no gozo da licença parental.

46      Nestas condições, não há que responder à primeira e segunda questões à luz da cláusula 2, n.o 4, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, uma vez que só é pertinente a cláusula 2.o, n.o 6, deste Acordo‑Quadro.

47      Nos termos desta última disposição, os direitos adquiridos ou em fase de aquisição pelo trabalhador no momento de início da licença parental são mantidos tal como se encontram até ao final da licença parental e, no termo dessa licença, são aplicáveis estes direitos, incluindo as alterações introduzidas pela legislação, por convenções coletivas ou pelas práticas nacionais.

48      A este respeito, resulta quer da letra da cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental quer do contexto em que esta se insere que a referida disposição tem por objetivo evitar a perda ou a redução de direitos decorrentes da relação de trabalho, que tenham sido adquiridos ou que estejam em fase de aquisição, que o trabalhador pode invocar quando começa a gozar a licença parental, e garantir que, no termo desta licença, se encontrará, relativamente a esses direitos, na mesma situação em que estava antes da licença (Acórdãos de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 39, e de 27 de fevereiro de 2014, Lyreco Belgium, C‑588/12, EU:C:2014:99, n.o 43).

49      Tendo em conta o objetivo da igualdade de tratamento entre homens e mulheres prosseguido pelo Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, a sua cláusula 2, n.o 6, deve ser entendida no sentido de que exprime um princípio de direito social da União que reveste particular importância e não pode, por isso, ser interpretada de modo restritivo (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 42).

50      Resulta dos objetivos do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental que o conceito de «direitos adquiridos ou em fase de aquisição», na aceção da referida cláusula 2, n.o 6, abrange o conjunto dos direitos e benefícios, pecuniários ou em espécie, decorrentes direta ou indiretamente da relação de trabalho, que o trabalhador pode invocar perante a entidade patronal à data do início da licença parental (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 43).

51      Entre esses direitos e benefícios figuram todos os relativos às condições de trabalho, como o direito de um trabalhador a tempo inteiro, no gozo de uma licença parental a tempo parcial, a um período de pré‑aviso, no caso de rescisão unilateral, pela entidade patronal, de um contrato por tempo indeterminado, cuja duração é função da antiguidade do trabalhador na empresa e cuja finalidade é facilitar a procura de um novo emprego (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 44).

52      É certo que, enquanto goza uma licença parental a tempo parcial, um trabalhador admitido por contrato de trabalho a tempo inteiro não cumpre o mesmo número de horas de trabalho que um trabalhador no ativo a tempo inteiro. Contudo, esta circunstância não significa que um e outro se encontrem numa situação diferente relativamente ao contrato de trabalho inicial que os vincula à sua entidade patronal (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 51).

53      Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, estando em causa um trabalhador admitido por contrato de trabalho a tempo inteiro que goza uma licença parental a tempo parcial, deve‑se considerar que a rescisão unilateral pela entidade patronal respeita ao contrato de trabalho a tempo inteiro (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 55).

54      Nestas condições, o Tribunal de Justiça declarou que a cláusula 2, n.os 6 e 7, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que, no caso de rescisão unilateral pela entidade patronal, sem justa causa ou sem observar o prazo legal de pré‑aviso, do contrato de trabalho de um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro, durante o período em que este goza uma licença parental a tempo parcial, a indemnização a pagar a esse trabalhador seja calculada com base na remuneração reduzida que ele aufere no momento em que ocorre o despedimento (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 56).

55      No caso vertente, no que respeita, em primeiro lugar, a uma indemnização por despedimento como a que está em causa no processo principal, há que observar que essa indemnização é paga em virtude da relação de trabalho que vincula o seu beneficiário à sua antiga entidade patronal. Assim, tal indemnização está abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental.

56      Ora, como resulta da jurisprudência referida no n.o 54 do presente acórdão, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, a sua indemnização por despedimento deve ser determinada inteiramente com base na remuneração correspondente às prestações de trabalho efetuadas a tempo inteiro por esse trabalhador.

57      Com efeito, uma legislação nacional que conduza a uma redução dos direitos decorrentes da relação de trabalho no caso de licença parental pode dissuadir o trabalhador de pedir essa licença e levar a entidade patronal a despedir, de entre os trabalhadores, sobretudo aqueles que se encontrem em situação de licença parental. Tal colide diretamente com a finalidade do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, do qual um dos objetivos é conciliar melhor a vida familiar e profissional (Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts, C‑116/08, EU:C:2009:645, n.o 47).

58      Nestas condições, a cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental opõe‑se a uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal, que implica que seja tomada em consideração a remuneração reduzida que o trabalhador em licença parental a tempo parcial aufere quando ocorre o despedimento, ao prever que a indemnização por despedimento para um trabalhador que tenha trabalhado a tempo inteiro e a tempo parcial na mesma empresa é calculada proporcionalmente aos períodos de emprego executados segundo cada uma destas modalidades desde a entrada na empresa.

59      No que respeita, em segundo lugar, ao subsídio de licença de requalificação previsto pela legislação nacional em causa no processo principal, este está relacionado com a licença de requalificação. Resulta da decisão de reenvio que, nas empresas visadas por essa legislação, o empregador propõe, a cada trabalhador que pretende despedir por motivos económicos uma licença de requalificação que tem por objetivo permitir ao trabalhador beneficiar de ações de formação e das prestações de uma célula de acompanhamento das diligências de procura de emprego.

60      Importa examinar se uma prestação como o subsídio de licença de requalificação está abrangida pelo âmbito de aplicação da cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental e, em caso afirmativo, se esta disposição se opõe às modalidades de cálculo do referido subsídio que resultam de uma legislação como a que está em causa no processo principal.

61      À luz da jurisprudência referida no n.o 50 do presente acórdão, atendendo às condições para a sua concessão, uma prestação como o subsídio de licença de requalificação constitui um direito derivado da relação de trabalho, que o trabalhador pode exigir à entidade empregadora. O simples facto de o pagamento de tal prestação não ter um caráter automático, na medida em que deve ser pedido pelo trabalhador despedido à sua entidade empregadora, e de esse pagamento ocorrer durante o período de licença de requalificação que excede a duração do pré‑aviso não se afigura suscetível de alterar esta conclusão.

62      Nestas condições, a cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental é aplicável a uma prestação como o subsídio de licença de requalificação.

63      No que se refere às modalidades de cálculo deste subsídio, resulta da decisão de reenvio que a legislação em causa no processo principal prevê que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, o referido subsídio é calculado, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que esse trabalhador aufere quando ocorre o despedimento.

64      Ora, tal como a indemnização por despedimento, uma prestação como o subsídio de licença de requalificação deve, por força da cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental, ser inteiramente determinada com base na remuneração correspondente às prestações de trabalho efetuadas a tempo inteiro por esse trabalhador.

65      Atendendo ao que precede, há que responder à primeira e segunda questões, que a cláusula 2, n.o 6, do Acordo‑Quadro sobre a Licença Parental deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação a pagar a esse trabalhador sejam determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que esse trabalhador aufere quando ocorre o despedimento.

 Quanto à terceira questão

66      Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação como a que está em causa no processo principal que prevê que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, esse trabalhador recebe uma indemnização por despedimento e um subsídio de licença de requalificação determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que aufere quando ocorre o despedimento, numa situação em que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens escolhe gozar uma licença parental a tempo parcial e quando a diferença de tratamento que daí resulta não pode ser explicada por fatores objetivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

67      A título preliminar, importa salientar que, tendo o artigo 157.o TFUE caráter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos se impõe não só em relação à atuação das autoridades públicas, mas também a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo coletivo o trabalho assalariado, bem como aos contratos entre particulares (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.o 39, e de 18 de novembro de 2004, Sass, C‑284/02, EU:C:2004:722, n.o 25).

68      Assim, o princípio instituído por este artigo é suscetível de ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais, designadamente em caso de discriminações que tenham a sua fonte imediata em disposições legislativas ou convenções coletivas de trabalho, bem como no caso de o trabalho ser prestado num mesmo estabelecimento ou serviço, privado ou público (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.o 40, e de 13 de janeiro de 2004, Allonby, C‑256/01, EU:C:2004:18, n.o 45).

69      Em conformidade com o artigo 157.o, n.o 2, TFUE, deve entender‑se por «remuneração» o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

70      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «remuneração», na aceção do artigo 157.o, n.o 2, TFUE, deve ser interpretado em sentido amplo. Compreende, nomeadamente, todas as regalias em dinheiro ou em espécie, atuais ou futuras, desde que sejam atribuídas, ainda que indiretamente, pelo empregador ao trabalhador, em razão do trabalho deste último, seja nos termos de um contrato de trabalho, de disposições legislativas ou a título voluntário. Além disso, a circunstância de determinadas prestações serem pagas após a cessação da relação de trabalho não exclui a possibilidade de terem a natureza de remuneração, na aceção dessa disposição (Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, Dittrich e o., C‑124/11, C‑125/11 e C‑143/11, EU:C:2012:771, n.o 35, e de 19 de setembro de 2018, Bedi, C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 33).

71      No que diz respeito às indemnizações atribuídas por uma entidade empregadora a um trabalhador por ocasião do seu despedimento, o Tribunal de Justiça já declarou que estas constituem uma forma de remuneração diferida, a que o trabalhador tem direito em razão do seu emprego, mas que lhe é paga no momento da cessação da relação de trabalho com o objetivo de facilitar a sua adaptação às novas circunstâncias daí resultantes (Acórdãos de 17 de maio de 1990, Barber, C‑262/88, EU:C:1990:209, n.o 13, e de 19 de setembro de 2018, Bedi, C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 35).

72      No caso vertente, importa salientar que prestações como a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação preenchem as condições recordadas nos n.os 70 e 71 do presente acórdão. Nestas circunstâncias, tais prestações devem ser qualificadas como «remunerações», na aceção do artigo 157.o TFUE.

73      Para determinar se existe uma discriminação, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma discriminação consiste na aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou na aplicação da mesma regra a situações diferentes (Acórdãos de 13 de fevereiro de 1996, Gillespie e o., C‑342/93, EU:C:1996:46, n.o 16, e de 14 de julho de 2016, Ornano, C‑335/15, EU:C:2016:564, n.o 39).

74      A este respeito, o Governo francês alega que não há que comparar um trabalhador em licença parental a tempo parcial com um trabalhador que exerce as suas funções a tempo inteiro, fazendo referência à cláusula 4, n.o 2, do Acordo‑Quadro relativo ao Trabalho a Tempo Parcial, segundo a qual, «[s]empre que apropriado, aplicar‑se‑á o princípio pro rata temporis».

75      Este Governo e a Praxair MRC invocam igualmente o n.o 63 do Acórdão de 16 de julho de 2009, Gómez‑Limón Sánchez‑Camacho (C‑537/07, EU:C:2009:462), no qual o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres não se opõe a que, durante o período de licença parental a tempo parcial, um trabalhador adquira direitos a uma pensão de invalidez permanente em função do tempo de trabalho efetuado e do salário recebido, e não como se tivesse exercido uma atividade a tempo inteiro. Como tal, segundo aquele Governo e a Praxair MRC, não há que comparar um trabalhador em licença parental a tempo parcial com um trabalhador que exerce as suas funções a tempo inteiro.

76      Contudo, importa fazer uma distinção entre, por um lado, os direitos que tomam em conta especificamente a situação de licença parental a tempo parcial e, por outro, os direitos que não decorrem especificamente dessa situação.

77      A este respeito, como resulta do n.o 53 do presente acórdão, tratando‑se de um trabalhador contratado ao abrigo de um contrato de trabalho a tempo inteiro que goza uma licença parental a tempo parcial, deve considerar‑se que a rescisão unilateral pela entidade patronal tem por objeto o contrato de trabalho a tempo inteiro.

78      Por conseguinte, como resulta dos n.os 51 e 55 do Acórdão de 22 de outubro de 2009, Meerts (C‑116/08, EU:C:2009:645), no que se refere ao direito a prestações como a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação, que a situação de um trabalhador em licença parental a tempo parcial, para efeitos dessas prestações, é comparável com a de um trabalhador a tempo inteiro. Tal conclusão também é aplicável no âmbito do artigo 157.o TFUE.

79      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de remunerações consagrado no artigo 157.o TFUE obsta não apenas à aplicação de disposições que criem discriminações diretamente baseadas no sexo, mas também à aplicação de disposições que mantenham diferenças de tratamento entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos através de critérios não baseados no sexo, quando tais diferenças de tratamento não possam ser explicadas por fatores objetivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de dezembro de 1994, Helmig e o., C‑399/92, C‑409/92, C‑425/92, C‑34/93, C‑50/93 e C‑78/93, EU:C:1994:415, n.o 20, e de 17 de julho de 2014, Leone, C‑173/13, EU:C:2014:2090, n.o 40).

80      Mais precisamente, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe discriminação indireta em razão do sexo quando a aplicação de uma medida nacional, embora seja formulada de forma neutra, prejudica, de facto, um número muito mais elevado de trabalhadores de um sexo do que do outro. Tal medida só é compatível com o princípio da igualdade de tratamento se a diferença de tratamento entre as duas categorias de trabalhadores que dela resulte se justificar por fatores objetivos alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2014, Leone, C‑173/13, EU:C:2014:2090, n.o 41 e jurisprudência referida).

81      No caso vertente, resulta da aplicação de uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, formulada de forma neutra, que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, esse trabalhador é prejudicado em relação a um trabalhador que é despedido enquanto está em atividade a tempo inteiro, na medida em que, para o trabalhador em licença parental a tempo parcial, a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação são determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que aufere no momento do seu despedimento.

82      O órgão jurisdicional de reenvio refere, na sua terceira questão, que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens opta por gozar uma licença parental a tempo parcial. Indica na decisão de reenvio que, segundo o advogado‑geral da Cour de cassation [(Tribunal de Cassação, França)], resulta das estatísticas nacionais de março de 2016 que, em França, 96 % dos trabalhadores que gozam uma licença parental são mulheres.

83      Em tal situação, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal só é compatível com o princípio da igualdade de tratamento na condição de a diferença de tratamento entre os trabalhadores femininos e os trabalhadores masculinos assim gerada ser, eventualmente, suscetível de ser justificada por fatores objetivos alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

84      Decorre, nomeadamente, da redação da sua terceira questão que o órgão jurisdicional de reenvio considera que essa diferença de tratamento não é justificada por tais elementos objetivos.

85      Quanto ao Governo francês, no que se refere a tal diferença de tratamento, não alega, nas suas observações escritas, fatores objetivamente justificados por razões alheias a qualquer discriminação em razão do sexo.

86      Nestas condições, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal não se afigura conforme com o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual ou de valor igual, conforme previsto no artigo 157.o TFUE.

87      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação como a que está em causa no processo principal que prevê que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, esse trabalhador recebe uma indemnização por despedimento e um subsídio de licença de requalificação determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que aufere quando ocorre o despedimento, numa situação em que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens escolhe gozar uma licença parental a tempo parcial e quando a diferença de tratamento que daí resulta não pode ser explicada por fatores objetivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

 Quanto às despesas

88      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      A cláusula 2, n.o 6, do AcordoQuadro sobre a licença parental, celebrado em 14 de dezembro de 1995, que figura no anexo à Diretiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao AcordoQuadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES, conforme alterada pela Diretiva 97/75/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, a indemnização por despedimento e o subsídio de licença de requalificação a pagar a esse trabalhador sejam determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que esse trabalhador aufere quando ocorre o despedimento.

2)      O artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação como a que está em causa no processo principal que prevê que, quando um trabalhador contratado por tempo indeterminado e a tempo inteiro é despedido durante o período em que goza uma licença parental a tempo parcial, esse trabalhador recebe uma indemnização por despedimento e um subsídio de licença de requalificação determinados, pelo menos em parte, com base na remuneração reduzida que aufere quando ocorre o despedimento, numa situação em que um número consideravelmente mais elevado de mulheres do que de homens escolhe gozar uma licença parental a tempo parcial e quando a diferença de tratamento que daí resulta não pode ser explicada por fatores objetivamente justificados e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.