Language of document : ECLI:EU:T:2018:660

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

9 de outubro de 2018 (*)

«Recurso de anulação — Concorrência — Concentrações — Mercado retalhista dos serviços de telecomunicações móveis e mercado grossista de acesso e de origem de chamadas na Alemanha — Aquisição da E‑Plus pela Telefónica Deutschland — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE — Implementação do elemento não‑ORM previsto nos compromissos finais — Atos não suscetíveis de recurso — Inadmissibilidade»

No processo T‑43/16,

1&1 Telecom GmbH, com sede em Montabaur (Alemanha), representada por J.‑O. Murach, advogado, e P. Alexiadis, solicitor,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, M. Farley e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Telefónica Deutschland Holding AG, com sede em Munique (Alemanha), representada por M. Bauer, H.‑J. Freund, B. Herbers e K. Baubkus, advogados,

interveniente,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da alegada decisão da Comissão contida na carta de 19 de novembro de 2015, relativa à execução das medidas corretivas não‑ORM previstas nos compromissos finais tornados obrigatórios pela Decisão C(2014) 4443 final da Comissão, de 2 de julho de 2014, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE, sem prejuízo do respeito de certos compromissos (Processo M.7018 — Telefónica Deutschland/E‑Plus),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por S. Frimodt Nielsen, presidente, I. S. Forrester (relator) e E. Perillo, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Por Decisão C(2014) 4443 final, de 2 de julho de 2014, que declarou uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (Processo M.7018 — Telefónica Deutschland/E‑Plus), a Comissão Europeia declarou a aquisição (a seguir «concentração») da E‑Plus Mobilfunk GmbH & Co. KG (a seguir «E‑Plus») pela Telefónica Deutschland Holding AG (a seguir «Telefónica Deutschland») compatível com o mercado interno e com o artigo 57.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), sem prejuízo do respeito por parte da Telefónica Deutschland de certos compromissos finais tal como foram juntos à referida decisão (a seguir «compromissos finais»). Os compromissos finais contêm três elementos: um elemento «operador de rede móvel» (a seguir «elemento ORM»), um elemento «operador de rede móvel virtual — acesso à rede móvel de alto débito» (a seguir «elemento ORMV MBA») e um elemento «operador que não dispõe da sua própria rede» (a seguir «elemento não‑ORM»).

2        Ao abrigo do elemento ORM, a Telefónica Deutschland compromete‑se, em substância, a oferecer o aluguer de um espetro de frequências a um novo ORM, bem como a ceder‑lhe certos ativos e a prestar‑lhe determinados serviços necessários ao arranque enquanto novo ORM entrante no mercado alemão (cessão de sítios em rede, cessão de lojas, acordo de itinerância nacional e partilha de redes radiofónicas passivas).

3        Ao abrigo do elemento ORMV MBA, a Telefónica Deutschland compromete‑se, em substância, a celebrar um acordo relativo à venda de 20% da capacidade de rede combinada da entidade resultante da concentração a um ou mais (até ao máximo de três) operadores não‑ORM. As condições comerciais particulares desse acordo estão abertas à negociação, mas devem nortear‑se pelo quadro seguinte: os adquirentes devem comprometer‑se, na totalidade do período contratual inicial de cinco anos, a adquirir uma certa capacidade de rede e a quantidade correspondente de tráfego de voz, dados e mensagens de texto a um preço predeterminado que não depende do volume efetivamente utilizado; a Telefónica Deutschland deve celebrar esse acordo com, pelo menos, um adquirente antes de poder implementar a concentração; a Telefónica Deutschland obriga‑se a oferecer aos adquirentes 10% suplementares da capacidade de rede combinada da entidade resultante da concentração em condições predefinidas.

4        Ao abrigo do elemento não‑ORM, a Telefónica Deutschland compromete‑se, nomeadamente, ao que se segue (n.os 77 e 78 dos compromissos finais):

«a)      acesso 2G/3G/4G para os grossistas existentes

[A Telefónica Deutschland] compromete‑se a oferecer a todos os ORMV/prestadores de serviços que se abastecem atualmente de produtos 2G/3G/4G junto da [Telefónica Deutschland] ou da E‑Plus a possibilidade de prorrogar os contratos existentes à data da conclusão [da concentração] até ao final de 2025 (ou outra data anterior em que [a Telefónica Deutschland] deixaria de oferecer produtos 2G, 3G ou 4G aos seus próprios clientes).

[A Telefónica Deutschland] enviará, de forma proativa, uma carta de auto compromisso a todos os ORMV/prestadores de serviços existentes que, tendo celebrado um contrato de acesso à rede 2G, 3G ou 4G com [Telefónica Deutschland] ou E‑Plus em vigor na data da conclusão, em que renuncia ao seu direito contratual de resolução conforme estipulado no contrato de fornecimento grossista em causa até ao final de 2025 (ou outra data anterior em que [Telefónica Deutschland] deixaria de oferecer produtos 2G, 3G ou 4G aos seus próprios clientes). Tal não prejudica o direito de resolução extraordinária por motivos graves (tal como previsto na lei).»

5        Um resumo da Decisão C(2014) 4443 final foi publicado em 13 de março de 2015 no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2015, C 86, p. 10) e uma versão não confidencial da referida decisão foi publicada em 15 de dezembro de 2015 no sítio Internet da Comissão.

6        Em 12 de dezembro de 2013, a recorrente, 1&1 Telecom GmbH (a seguir «recorrente» ou «1&1»), celebrou um contrato ORMV com a E‑Plus por força do qual esta lhe concedeu o acesso às suas redes 2G/3G/4G (a seguir «contrato ORMV com a E‑Plus»).

7        Nos termos do seu artigo 10.o, o contrato ORMV com a E‑Plus foi celebrado por um período mínimo de quatro anos. No termo do período mínimo, o referido acordo é automaticamente prorrogado por um prazo indeterminado, salvo resolução por uma ou pela outra parte antes do termo da duração mínima ou, posteriormente, no final de cada trimestre civil, em ambos os casos mediante um pré‑aviso escrito de doze meses.

8        Além disso, o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do contrato ORMV com a E‑Plus estipula o seguinte:

«Na medida em que [a 1&1] adquira também serviços ORMV ou serviços comparáveis junto de um terceiro, [a 1&1] compromete‑se a ativar, numa base média anual, 37% no primeiro ano após o início da comercialização, 43% entre o 13.o mês após o início da comercialização e o 24.o mês e pelo menos 46% entre o 25.o mês e o 48.o mês (fim da duração mínima) numa base média anual (“Quota de mercado mínima”) dos seus novos clientes retalhistas de telefonia móvel ativados com êxito que tenham subscrito uma assinatura mensal com uma duração mínima de 24 meses com um preço base mensal, conectados com base em serviços realmente prestados pela E‑Plus e aos quais são aplicáveis os preços estipulados no anexo 2 do presente contrato, na rede da E‑Plus ou em qualquer outra rede móvel afiliada com a E‑Plus por força do direito das sociedades nos termos das secções 15 e seguintes da Lei alemã sobre as sociedades anónimas (AktG), utilizando os Serviços ORMV como clientes da 1&1 (“Taxa bruta de aquisição de novos clientes”). No âmbito da cooperação, [a 1&1] tenciona atingir uma taxa bruta de aquisição de novos clientes de 50% […]».

9        O artigo 5.o, n.o 1, quarto e quinto parágrafos, do contrato ORMV com a E‑Plus também estipula que, em caso de incumprimento da obrigação contratual de ativar uma determinada percentagem de novos clientes na rede da E‑Plus, a 1&1 é obrigada a pagar uma compensação financeira à E‑Plus.

10      Por último, o artigo 15.o, n.o 7, do contrato ORMV com a E‑Plus estipula que qualquer litígio ligado a esse contrato é da competência dos tribunais de Düsseldorf (Alemanha).

11      Em 27 de fevereiro de 2015, a Telefónica Deutschland enviou à recorrente uma carta de auto compromisso nos termos dos n.os 77 e 78 dos compromissos finais (a seguir «carta de auto compromisso»). Em 17 de agosto de 2015, a Telefónica Deutschland enviou uma carta à recorrente esclarecendo determinadas condições da carta de auto compromisso (a seguir «carta de esclarecimento»). Tanto a carta de auto compromisso como a carta de esclarecimento foram redigidas com base num modelo geral da carta endereçada a todos os ORMV e os prestadores de serviços que celebraram um contrato de acesso grossista junto da Telefónica Deutschland.

12      A cláusula 2.a da carta de auto compromisso, intitulada «Renúncia ao direito de resolução», estipula o seguinte:

«1.      Na medida em que o [contrato ORMV com a E‑Plus] permitiria à E‑Plus resolver [o contrato] [sem motivo] com produção de efeitos até à meia‑noite de 31 de dezembro de 2025, a E‑Plus renuncia, pela presente, a esse direito de resolução ao abrigo desta cláusula 2.a (“Renúncia”). Por conseguinte, qualquer resolução pela E‑Plus, com efeitos a partir de uma data anterior a 31 de dezembro de 2025 à meia‑noite, é proibida nos termos da presente cláusula 2.a e não é possível, segundo as modalidades previstas pelo [contrato ORMV com a E‑Plus], antes de 31 de dezembro de 2025 à meia‑noite. Consequentemente, aplica‑se a cláusula 1.a, n.o 2.

[…]

3.      Se [o contrato ORMV com a E‑Plus] for renovado até à meia‑noite do dia 31 de dezembro de 2025, ou data posterior, uma vez que já não pode ser resolvido pela E‑Plus numa data anterior a 31 de dezembro de 2025 à meia‑noite em razão da Renúncia, a Renúncia tem lugar na condição de as obrigações [da 1&1], que foram tidas em conta pelas partes contratantes quando concordaram com a contrapartida [da 1&1] (por exemplo, a compra de quantidades mínimas) e cuja ausência levaria a um desequilíbrio na relação entre serviços prestados e contrapartidas, continuam a aplicar‑se juntamente com o resto das disposições contratuais, se for especificada uma data no [contrato ORMV com a E‑Plus] para a duração dessas obrigações e que esta data seja a data em que [o contrato ORMV com a E‑Plus] poderia ter sido resolvido pela E‑Plus.»

13      Em 18 de agosto de 2015, a recorrente informou a Comissão de que «[estava], no essencial, de acordo com o conteúdo da carta de auto compromisso».

14      No entanto, a partir de 3 de setembro de 2015, a recorrente expressou reiteradamente à Comissão as suas dúvidas quanto à legalidade da cláusula 2.a, n.o 3, da carta de auto compromisso devido ao facto de, em seu entender, os compromissos finais obrigarem a Telefónica Deutschland a enviar uma carta pela qual renunciava incondicionalmente ao seu direito de resolução do contrato ORMV com a E‑Plus até ao final de 2025.

15      Por correio eletrónico de 28 de setembro de 2015, a equipa responsável pelo processo na DG Concorrência da Comissão considerou, em substância, que a Telefónica Deutschland não tinha violado os compromissos finais com a inserção da cláusula 2.a, n.o 3, na carta de auto compromisso (a seguir «correio eletrónico de 28 de setembro de 2015»). O correio eletrónico de 28 de setembro de 2015 precisava que se tratava de um parecer dos serviços da Comissão e não de uma decisão adotada pela Comissão.

16      Na sequência do correio eletrónico de 28 de setembro de 2015, a recorrente reiterou, nomeadamente, as suas acusações numa carta de 9 de outubro de 2015 dirigida ao diretor‑geral da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão. Nessa carta, a recorrente pedia à Comissão que tomasse uma decisão formal quanto ao respeito dos compromissos finais pela carta de auto compromisso.

17      Por carta de 19 de novembro de 2015, assinada pelo diretor‑geral da Direção‑Geral da Concorrência da Comissão, este último considerou que «[os] compromissos [finais] não imped[iam] a Telefónica de incluir a cláusula [2.a, n.o 3,] no corpo da carta de auto compromisso» e que «tal refl[etia] o facto de o objetivo desta condição [ser] apenas assegurar o equilíbrio comercial do [contrato ORMV com a E‑Plus] (tal como negociado e celebrado inicialmente) não [era] eliminado na sequência da sua prorrogação nos termos dos compromissos finais». Em consequência, o diretor‑geral da Direção‑Geral da Concorrência concluiu que, «[à] luz do que precede, [não tinha], à data, recebido informações que indicassem que a carta de auto compromisso enviada pela Telefónica em 4 de março de 2015 e completada em 17 de agosto com uma carta de esclarecimento não [fossem] conformes com os compromissos finais» e que, «[p]or conseguinte, nes[s]a fase, não vi[a] qualquer razão para tomar medidas adicionais em relação à Telefónica ou adotar qualquer decisão relativa ao respeito dos compromissos finais pela Telefónica».

18      O objeto do presente recurso é a alegada decisão da Comissão supostamente contida na carta de 19 de novembro de 2015, à qual se faz referência no n.o 17, supra, (a seguir «carta de 19 de novembro de 2015»).

 Tramitação e pedidos das partes

19      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de janeiro de 2016, a recorrente interpôs o presente recurso.

20      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de fevereiro de 2016, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral contestando a regularidade da apresentação do requerimento. Por Despacho de 22 de junho de 2016, 1&1 Telecom/Comissão (T‑43/16, EU:T:2016:402), o Tribunal Geral julgou improcedente a referida exceção de inadmissibilidade.

21      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de março de 2016, a Telefónica Deutschland pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Despacho de 14 de setembro de 2016, o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. A Telefónica Deutschland apresentou o seu articulado e as outras partes principais apresentaram as suas observações sobre este articulado nos prazos fixados.

22      Paralelamente ao presente processo, a recorrente também interpôs um recurso pedindo a anulação da Decisão C(2014) 4443 final, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de junho de 2015 e registada com o número T‑307/15. Contudo, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2017, a recorrente desistiu do mesmo e o processo T‑307/15 foi cancelado por Despacho de 23 de outubro de 2017, 1&1 Telecom/Comissão (T‑307/15, não publicado, EU:T:2017:773).

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão da Comissão contida na carta de 19 de novembro de 2015;

–        condenar a Comissão a impor à Telefónica Deutschland o envio de uma nova carta de auto compromisso que se limite estritamente à obrigação que lhe é exigida, conforme enunciado no n.o 78 dos compromissos finais;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        condenar a recorrente nas despesas.

25      A Telefónica Deutschland conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

26      Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o do Regulamento de Processo, a Comissão contesta a admissibilidade do recurso na sua totalidade.

 Quanto ao primeiro pedido, relativo à anulação da carta de 19 de novembro de 2015

27      A Comissão, apoiada pela Telefónica Deutschland, contesta a admissibilidade do primeiro pedido da recorrente com o fundamento de que a carta de 19 de novembro de 2015 não constitui um ato suscetível de ser objeto de um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE.

28      Em especial, a Comissão alega, em primeiro lugar, que a carta de 19 de novembro de 2015 se limita a exprimir uma opinião sobre a compatibilidade da carta de auto compromisso com os compromissos finais. Ora, a expressão de uma opinião não constitui um ato impugnável. Em seguida, afirma que a carta de 19 de novembro de 2015 não teria sido necessária, dada a existência do procedimento acelerado de resolução de litígios previsto nos compromissos finais e a competência dos tribunais de Dusseldorf para resolver todos os litígios no âmbito do contrato ORMV com a E‑Plus. Por último, alega que a carta de 19 de novembro de 2015 não produz qualquer efeito jurídico em relação à recorrente, uma vez que a relação jurídica entre a Telefónica Deutschland e a recorrente está unicamente regulada pelos compromissos finais e pelo contrato ORMV com a E‑Plus.

29      A recorrente contesta a argumentação da Comissão e sustenta que a carta de 19 de novembro de 2015 constitui um ato impugnável na aceção do artigo 263.o TFUE.

30      Em primeiro lugar, a recorrente alega que a forma da carta de 19 de novembro de 2015 é irrelevante para determinar se a mesma constitui um ato recorrível. Ora, a referida carta fixa definitivamente a posição da Comissão sobre a licitude da cláusula 2.a, n.o 3, da carta de auto compromisso. Além disso, produz efeitos jurídicos relativamente à recorrente na medida em que pode ser invocada pela Telefónica Deutschland e torna impossível uma das possibilidades existentes no final da duração mínima do contrato ORMV com a E‑Plus, nomeadamente a sua prorrogação sem obrigação de compra mínima. Deste modo, a carta de 19 de novembro de 2015 impõe um encargo à recorrente.

31      Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão e o diretor‑geral da Direção‑Geral da Concorrência são competentes para se pronunciarem sobre a interpretação e a aplicação dos compromissos finais. O juiz da União deve, pois, ser competente para fiscalizar a legalidade da interpretação dada pela Comissão, sob pena de privar a recorrente do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

32      Em terceiro lugar, não é pertinente saber se a carta de 19 de novembro de 2015 era necessária ou se incidia sobre uma questão de direito. Do mesmo modo, o facto de o Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1) não prever um quadro para o indeferimento, por decisão, de queixas por incumprimento dos compromissos é igualmente irrelevante.

33      A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que decorre de jurisprudência assente em matéria de admissibilidade dos recursos de anulação que, para determinar se um ato pode ser objeto desse recurso, há que atender à sua essência, sendo a forma através da qual foi tomada, em princípio, indiferente a este respeito (Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9; de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.os 42 e 43; e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine, C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.o 35).

34      Resulta igualmente de jurisprudência constante que só constituem atos suscetíveis de recurso de anulação as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios que podem afetar os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9; de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.o 29; e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine, C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.o 36).

35      Assim, o recurso de anulação só está, em princípio, aberto contra uma medida através da qual a instituição em causa fixa definitivamente a sua posição, no termo de um procedimento administrativo. Em contrapartida, não podem ser qualificados de impugnáveis, nomeadamente, atos intermédios, cujo objetivo é preparar a decisão final, bem como atos meramente confirmativos ou de simples execução, na medida em que tais atos não visam produzir efeitos jurídicos obrigatórios autónomos relativamente aos do ato da instituição da União que é preparado, confirmado ou executado (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 12 de setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, EU:C:2006:541, n.o 55; de 6 de dezembro de 2007, Comissão/Ferriere Nord, C‑516/06 P, EU:C:2007:763, n.o 29; e de 19 de janeiro de 2017, Comissão/Total e Elf Aquitaine, C‑351/15 P, EU:C:2017:27, n.o 37).

36      No caso em apreço, há, portanto, que determinar se, através da carta de 19 de novembro de 2015, a Comissão adotou um ato que produz efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses da recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica, na aceção do artigo 263.o TFUE.

37      A este respeito, importa antes de mais observar que, através da carta de 19 de novembro de 2015, cujo conteúdo foi recordado no n.o 17, supra, a Comissão, em substância, por um lado, interpretou os compromissos finais no presente contexto e, por outro, concluiu que não havia que tomar medidas contra a Telefónica Deutschland nem adotar uma decisão relativa ao respeito dos compromissos finais.

38      Em primeiro lugar, na medida em que a carta de 19 de novembro de 2015, lida conjuntamente com o correio eletrónico de 28 de setembro de 2015, interpreta os compromissos finais como não impedindo a Telefónica Deutschland de incluir a cláusula 2.a, n.o 3, no corpo da carta de auto compromisso, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma manifestação de opinião por escrito ou uma simples declaração de intenções não pode constituir uma decisão suscetível de ser objeto de recurso de anulação, uma vez que não é suscetível de produzir efeitos jurídicos ou que não prevê produzir esses efeitos (Despachos de 2 de setembro de 2009, E.ON Ruhrgas e E.ON Földgáz Trade/Comissão, T‑57/07, não publicado, EU:T:2009:297, n.o 31; de 12 de fevereiro de 2010, Comissão/CdT, T‑456/07, EU:T:2010:39, n.o 55; e Acórdão de 15 de julho de 2015, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão, T‑393/10, EU:T:2015:515, n.o 96).

39      É certo que embora a interpretação de uma disposição jurídica proposta pela Comissão não constitua um ato impugnável, é verdade, como alega a recorrente, que a sua aplicação a uma dada situação pode, em princípio, produzir efeitos jurídicos (v. Despacho de 2 de setembro de 2009, E.ON Ruhrgas e a E.ON Földgáz Trade/Comissão, T‑57/07, não publicado, EU:T:2009:297, n.o 31 e jurisprudência referida).

40      Todavia, contrariamente ao que sustenta a recorrente, há que observar que, no caso em apreço, a carta de 19 de novembro de 2015 mais não faz do que confirmar os compromissos finais sem modificar a situação jurídica da recorrente. Embora a carta de 19 de novembro de 2015 tenha em conta factos surgidos posteriormente à adoção da Decisão C(2014) 4443 final, ou seja, a carta de auto compromisso, aquela limita‑se, no essencial, a reiterar o conteúdo dos compromissos finais sem conter qualquer novo elemento de facto ou de direito em relação a estes (v., neste sentido, Despachos de 7 de dezembro de 2004, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑521/03 P, não publicado, EU:C:2004:778, n.o 47, e de 17 de fevereiro de 2011, RapidEye/Comissão, T‑330/09, não publicado, EU:T:2011:48, n.os 28 e 29 e jurisprudência referida). Com efeito, nem a carta de auto compromisso, nem a carta de 19 de novembro de 2015, são suscetíveis de alterar substancialmente a situação jurídica da recorrente, na medida em que só os compromissos finais regulam os direitos e as obrigações da Telefónica Deutschland e dos operadores não‑ORM que pretendam beneficiar do elemento não‑ORM dos compromissos finais (v., neste sentido, Acórdão de 7 de fevereiro de 2001, Inpesca/Comissão, T‑186/98, EU:T:2001:42, n.o 51).

41      A carta de 19 de novembro de 2015 também não constitui um reexame das obrigações da Telefónica Deutschland à luz de factos novos e substanciais, mas uma simples repetição das mesmas, tal como são estipuladas nos compromissos finais e tornadas obrigatórias pela Decisão C(2014) 4443 final após um exame da Comissão. Por conseguinte, a carta de 19 de novembro de 2015 é um ato puramente confirmativo. Deve, assim, distinguir‑se o presente processo daqueles em que se considerou que o ato impugnado não era meramente confirmativo de uma decisão anterior, pelo facto de ter sido adotado com base em elementos de facto e de direito diferentes dos anteriormente examinados e com base em fundamentos diferentes dos que fundamentaram a decisão anterior (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2015, Westfälische Drahtindustrie e o./Comissão, T‑393/10, EU:T:2015:515, n.o 107).

42      É tanto mais assim que a Telefónica Deutschland não é destinatária da carta de 19 de novembro de 2015, e que esta não foi adotada nos termos do artigo 8.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 139/2004. A referida carta não pode, por conseguinte, ser suscetível de alterar de modo algum as obrigações da Telefónica Deutschland tal como resultam dos compromissos finais nem, por conseguinte, a situação jurídica de terceiros, como a recorrente, em geral ou em relação a Telefónica Deutschland.

43      Por outro lado, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o facto de a Telefónica Deutschland poder procurar utilizar a carta de 19 de novembro de 2015 para alegar que a cláusula 2.a, n.o 3, da carta de auto compromisso impõe à recorrente respeitar as obrigações de compra mínima estipuladas no artigo 5.o, n.o 1, do contrato ORMV com a E‑Plus até ao final de 2025, em caso de prorrogação do contrato até esta data na aplicação dos compromissos finais, não altera de modo algum a natureza da referida carta (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑301/03, EU:C:2005:727, n.o 30 e jurisprudência referida, e Despacho de 2 de setembro de 2009, E.ON Ruhrgas e a E.ON Földgáz Trade/Comissão, T‑57/07, não publicado, EU:T:2009:297, n.o 49). Com efeito, como se expôs nos n.os 40 a 42, supra, a carta de 19 de novembro de 2015 limita‑se a reiterar o conteúdo dos compromissos finais sem que se destine a produzir efeitos jurídicos próprios. A interpretação dos compromissos finais dada pela Comissão na referida carta nada acrescenta aos direitos e obrigações que deles decorrem e não vincula de modo algum um órgão jurisdicional nacional que seja chamado a decidir um diferendo entre as partes a esse respeito.

44      Daqui resulta que a carta de 19 de novembro de 2015, na medida em que interpreta o alcance dos compromissos finais, não constitui uma decisão, mas uma simples declaração juridicamente não vinculativa que a Comissão está autorizada a fazer no âmbito do controlo a posteriori da correta aplicação das decisões em matéria de controlo de concentrações (v., por analogia, Despacho de 17 de fevereiro de 2011, RapidEye/Comissão, T‑330/09, não publicado, EU:T:2011:48, n.o 44).

45      Em segundo lugar, na medida em que a carta de 19 de novembro de 2015, considera que não há necessidade de tomar quaisquer medidas contra a Telefónica Deutschland nem adotar uma decisão relativa ao respeito dos compromissos finais em resposta aos pedidos da recorrente nesse sentido, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, não basta que uma carta tenha sido enviada por uma instituição da União ao seu destinatário em resposta a um pedido por este formulado, para que tal carta possa ser qualificada de ato na aceção do artigo 263.o TFUE, abrindo assim a via do recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 1993, Zunis Holding e o./Comissão, T‑83/92, EU:T:1993:93, n.o 30 e jurisprudência referida).

46      No caso em apreço, cabe observar que a recorrente não dispõe de qualquer direito individual de obrigar a Comissão a adotar uma decisão em que declare que a Telefónica Deutschland violou os compromissos finais e tome medidas para restabelecer as condições de uma concorrência efetiva nos termos do artigo 8.o, n.os 4 ou 5, do Regulamento n.o 139/2004, e isto mesmo que estivessem preenchidos os requisitos que justificariam essa decisão (v., neste sentido, Despachos de 27 de janeiro de 2015, UNIC/Comissão, T‑338/14, não publicado, EU:T:2015:59, n.o 29; e de 24 de novembro de 2015, Delta Group agroalimentare/Comissão, T‑163/15, não publicado, EU:T:2015:911, n.os 29 e 39). A carta de 19 de novembro de 2015 não pode, portanto, constituir uma decisão suscetível de produzir efeitos jurídicos em relação à recorrente, de modo a alterar a sua situação jurídica.

47      Com efeito, há que referir que nem o Regulamento n.o 139/2004 nem o Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à execução do Regulamento n.o 139/2004 (JO 2004, L 133, p. 1) preveem um processo mediante o qual terceiros numa concentração estão habilitados a apresentar uma denúncia formal à Comissão contra as partes na referida concentração por violação das condições que acompanham a decisão que declara a referida concentração compatível com o mercado interno, mesmo quando esses terceiros sejam potencialmente beneficiários dessas condições. Mesmo que se tratasse de uma lacuna em matéria de controlo das concentrações caberia, eventualmente, ao legislador, e não ao juiz da União, colmatá‑la.

48      Por conseguinte, contrariamente ao previsto no artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18) e do artigo 12.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), há que observar que não existe nenhuma obrigação para a Comissão de responder às queixas que sejam apresentadas por incumprimento das decisões em matéria de controlo de concentrações através de uma decisão suscetível de recurso de anulação. A jurisprudência relativa à rejeição de denúncias em matéria de auxílios estatais é irrelevante para o presente processo.

49      Por conseguinte, a carta de 19 de novembro de 2015, pela qual a Comissão informou a recorrente, em substância, de que não tomaria nenhuma medida contra a Telefónica Deutschland, não produz efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses da recorrente (v., neste sentido, Despachos de 27 de janeiro de 2015, UNIC/Comissão, T‑338/14, não publicado, EU:T:2015:59, n.o 29, e de 24 de novembro de 2015, Delta Group agroalimentare/Comissão, T‑163/15, não publicado, EU:T:2015:911, n.os 29 e 39).

50      Por outro lado, há que concluir que, uma vez que a carta de 19 de novembro de 2015 não constitui uma decisão (v. n.o 44, supra) e não produz efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses da recorrente (v. n.o 49, supra), os argumentos da recorrente no sentido de demonstrar que era direta e individualmente afetada pela referida carta são inoperantes (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2005, Comissão/max.mobil, C‑141/02 P, EU:C:2005:98, n.o 70; e Despacho de 23 de setembro de 2011, Vivendi/Comissão, T‑567/10, não publicado, EU:T:2011:528, n.os 16 e 25 e jurisprudência referida).

51      A conclusão formulada nos n.os 44 e 49, supra, não pode ser posta em causa pela afirmação da recorrente segundo a qual a improcedência do primeiro pedido por inadmissibilidade é suscetível de violar o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

52      A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que os particulares devem poder beneficiar de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos que a ordem jurídica da União lhes confere. O direito a uma proteção jurisdicional foi formalmente consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que dispõe que «[t]oda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo».

53      Além disso, nos termos do artigo 19.o TUE, «[o]s Estados‑Membros estabelecem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União».

54      Por conseguinte, o Tratado FUE, no seu artigo 263.o, por um lado, e pelo seu artigo 267.o, por outro, estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade dos atos das instituições, confiando‑o ao juiz da União. Neste sistema, as pessoas singulares ou coletivas que não podem, devido às condições de admissibilidade previstas no artigo 263.o TFUE, impugnar diretamente atos da União, têm a possibilidade de alegar a invalidade de tais atos perante os órgãos jurisdicionais nacionais e levá‑los a interrogar a esse respeito o Tribunal de Justiça pela via das questões prejudiciais, pois aqueles não são competentes, eles mesmos, para declarar a invalidade dos referidos atos.

55      Em segundo lugar, há que recordar que a fiscalização das concentrações se destina a fornecer às empresas interessadas a necessária autorização prévia para a realização de qualquer operação de concentração de dimensão europeia. No âmbito dessa fiscalização, essas empresas podem propor compromissos à Comissão, a fim de obterem uma decisão que declare a compatibilidade da sua operação com o mercado interno (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 448).

56      Consoante o estado de adiantamento do processo administrativo, os compromissos propostos devem permitir que a Comissão considere que a operação notificada deixou de suscitar sérias dúvidas sobre a sua compatibilidade com o mercado interno na fase de investigação preliminar (artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004), ou responda às objeções identificadas no âmbito da investigação aprofundada (artigo 18.o, n.o 3, conjugado com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004). Estes compromissos permitem, assim, em primeiro lugar, evitar a abertura de uma fase de investigação aprofundada ou, em seguida, evitar a adoção de uma decisão que declare a incompatibilidade da operação com o mercado interno (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 449).

57      O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 permite, com efeito, que a Comissão, numa decisão que declara uma concentração compatível com o mercado interno, nos termos do critério definido no artigo 2.o, n.o 2, do referido regulamento, imponha condições e ónus destinados a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos que assumiram perante ela, com vista a tornar a concentração compatível com mercado interno (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 450).

58      Por conseguinte, resulta dos próprios termos do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 que a Comissão pode, mediante decisão, tornar obrigatórios os compromissos oferecidos pelas empresas em causa, quando estes são suscetíveis de tornarem a operação notificada compatível com o mercado interno (Acórdão de 6 de julho de 2010, Ryanair/Comissão, T‑342/07, EU:T:2010:280, n.o 452).

59      Deste modo, ao tornar obrigatória uma determinada conduta de um operador relativamente a terceiros, uma decisão adotada nos termos do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 pode comportar indiretamente efeitos jurídicos erga omnes que a empresa em causa não poderia, por si só, criar.

60      No caso em apreço, há que observar que, nos termos dos compromissos finais, a Telefónica Deutschland assumiu o compromisso juridicamente vinculativo de enviar «de forma proativa» uma carta de auto compromisso a todos os ORMV ou prestadores de serviços existentes que tenham celebrado contratos de acesso à rede 2G, 3G ou 4G com ela ou com a E‑Plus, pela qual renuncia ao seu direito contratual de resolução conforme estipulado no contrato de fornecimento grossista em causa até ao fim de 2025 (n.o 78 dos compromissos finais). Nestas circunstâncias, os compromissos finais criaram indiretamente efeitos jurídicos em benefício dos terceiros visados pelas disposições do elemento não‑ORM, cujo cumprimento está sujeito à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, sem prejuízo das competências reconhecidas à Comissão, nesta matéria, pelo direito da União. Por conseguinte, sem prejuízo da possibilidade de a Comissão declarar uma violação dos compromissos finais e tomar as medidas que considerar adequadas através de uma decisão adotada nos termos do artigo 8.o, n.os 4 e 5, do Regulamento n.o 139/2004, é permitido aos terceiros visados pelas disposições do elemento não‑ORM, dos quais a recorrente pode fazer parte, invocá‑la perante os órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Em seguida, caberá a estes últimos decidir esses litígios relativos à execução dos compromissos finais. Neste contexto, qualquer opinião expressa pela Comissão quanto à interpretação a dar aos compromissos finais constitui apenas uma interpretação possível que, contrariamente às decisões adotadas ao abrigo do artigo 288.o TFUE, só tem um valor de persuasão e que não vincula os órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Por outro lado, nos termos do artigo 267.o TFUE, esses órgãos jurisdicionais podem ou devem submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça quanto à validade ou à interpretação dos compromissos finais ou da Decisão C(2014) 4443 final.

61      É tanto mais assim quanto, no caso em apreço, o diferendo entre a recorrente e a Telefónica Deutschland incide sobre a forma como esta última aplica as suas obrigações contratuais nos termos do contrato ORMV com a E‑Plus, conforme alteradas pelos compromissos finais. Ora, resulta expressamente do artigo 15.o, n.o 7, do contrato ORMV com a E‑Plus que qualquer litígio ligado a esse contrato é da competência dos tribunais de Dusseldorf.

62      À luz de tudo o que precede, há que concluir que a carta de 19 de novembro de 2015 não constitui um ato decisório suscetível de recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE. Por conseguinte, o primeiro pedido da recorrente deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao segundo pedido, relativo à condenação da Comissão a impor à Telefónica Deutschland o envio de uma nova carta de auto compromisso

63      A Comissão, apoiada pela Telefónica Deutschland, sustenta que o segundo pedido é inadmissível, na medida em que constitui uma tentativa de obter reparação sob a forma de uma injunção.

64      A este respeito, como a Comissão sustenta com razão, resulta de jurisprudência constante que não incumbe ao Tribunal dirigir injunções às instituições da União (Acórdãos de 24 de junho de 1986, AKZO Chemie e AKZO Chemie UK/Comissão, 53/85, EU:C:1986:256, n.o 23; e de 24 de janeiro de 1995, Ladbroke Racing/Comissão, T‑74/92, EU:T:1995:10, n.o 75).

65      Por conseguinte, há que concluir que o segundo pedido deve ser julgado inadmissível e, assim, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

66      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso em apreço, tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão e pela Telefónica Deutschland, em conformidade com as suas conclusões, com exceção das efetuadas pela Comissão no âmbito da exceção de inadmissibilidade indeferida por Despacho de 22 de junho de 2016, 1&1 Telecom/Comissão (T‑43/16, EU:T:2016:402).

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A 1&1 Telecom GmbH suportará as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão Europeia e pela Telefónica Deutschland, com exceção das efetuadas pela Comissão no âmbito da exceção de inadmissibilidade julgada improcedente pelo Despacho de 22 de junho de 2016, 1&1 Telecom/Comissão (T43/16, EU:T:2016:402).

Frimodt Nielsen

Forrester

Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de outubro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.