Language of document : ECLI:EU:F:2010:43

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Primeira Secção)

11 de Maio de 2010 (*)

«Função pública — Funcionários — Competência do Tribunal da Função Pública — Admissibilidade — Acto que causa prejuízo — Responsabilidade extracontratual — Fuga para a imprensa — Princípio da presunção de inocência — Dano moral — Decisão de instauração de um processo disciplinar — Erro manifesto de apreciação — Dever de assistência — Artigo 24.° do Estatuto»

No processo F‑30/08,

que tem por objecto uma acção proposta nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Fotios Nanopoulos, ex‑funcionário da Comissão Europeia, residente em Itzig (Luxemburgo), representado inicialmente por V. Christianos, advogado, e em seguida por V. Christianos, D. Gouloussis e V. Vlassi, advogados,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por J. Currall e K. Herrmann, na qualidade de agentes, e em seguida por J. Currall e K. Herrmann, na qualidade de agentes, assistidos por E. Bourtzalas e I. Antypas, advogados,

demandada,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção),

composto por: S. Gervasoni (relator), presidente, H. Kreppel e I. Rofes i Pujol, juízes,

secretário: R..Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 28 de Fevereiro de 2008, F. Nanopoulos pede que a Comissão das Comunidades Europeias seja, devido às faltas que cometeu na gestão da sua situação e da sua carreira, condenada a pagar‑lhe o montante de 850 000 euros em reparação do prejuízo moral que considera ter sofrido.

 Quadro jurídico

2        Nos termos do artigo 24.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»):

«As Comunidades prestam assistência ao funcionário, nomeadamente em procedimentos contra autores de ameaças, ultrajes, injúrias, difamações ou atentados contra pessoas e bens de que sejam alvo o funcionário ou os membros da sua família, por causa da sua qualidade e das suas funções.

As Comunidades reparam solidariamente os prejuízos sofridos, em consequência de tais factos, pelo funcionário, na medida em que este não esteja, intencionalmente ou por negligência grave, na origem dos referidos prejuízos e não tenha podido obter reparação dos responsáveis.»

3        O artigo 87.° do Estatuto, em vigor no momento da instauração do processo disciplinar ao demandante, dispunha:

«A [autoridade investida do poder de nomeação] pode aplicar a sanção de advertência ou de repreensão, sem consultar o Conselho de Disciplina, com base em proposta do superior hierárquico do funcionário ou por sua própria iniciativa. O interessado deve ser previamente ouvido.

As restantes sanções são aplicadas pela [autoridade investida do poder de nomeação] depois de terem sido cumpridas as formalidades do processo disciplinar previsto no anexo IX. O processo disciplinar é instaurado por iniciativa da [autoridade investida do poder de nomeação], após audição prévia do interessado.»

4        O artigo 1.° do anexo IX do Estatuto, relativo ao processo disciplinar, previa, na sua versão aplicável aos factos do presente litígio:

«A [autoridade investida do poder de nomeação] submeterá ao Conselho de Disciplina um relatório que deve indicar claramente os factos imputados e, se necessário, as circunstâncias em que os mesmos foram praticados.

O relatório é transmitido ao presidente do Conselho de Disciplina que o levará ao conhecimento dos membros do Conselho e do funcionário acusado.»

5        Por força do artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo IX do Estatuto, na sua versão aplicável aos factos do presente litígio:

«O funcionário acusado dispõe, para preparar a sua defesa, de um prazo mínimo de quinze dias a contar da data da recepção do relatório que dá início ao processo disciplinar.»

6        Em 19 de Fevereiro de 2002, a Comissão adoptou uma decisão relativa à condução dos inquéritos administrativos e aos processos disciplinares (Informações administrativas n.° 33‑2002 de 25 de Abril de 2002, a seguir «decisão de 19 de Fevereiro de 2002»).

7        Os considerandos da decisão de 19 de Fevereiro de 2002 precisam:

«(1)      Há que aumentar a eficiência e a rapidez dos inquéritos administrativos e dos processos disciplinares tendo em conta a complexidade e as exigências em matéria de apresentação dos factos relativos a cada caso.

(2)      Há que instituir um Serviço de Averiguação e Disciplina da Comissão para conduzir inquéritos administrativos imparciais, coerentes e profissionais e para preparar os processos disciplinares para a autoridade investida do poder de nomeação.

(3)      Há que introduzir regras de processo relativas à instauração e à condução dos inquéritos administrativos.

[…]

(5)      É necessário assegurar o equilíbrio entre a eficácia administrativa e os direitos de defesa do funcionário em causa.

(6)      É necessário reforçar a prevenção e a transparência em matéria disciplinar.»

8        O artigo 1.° da decisão de 19 de Fevereiro de 2002 institui um Serviço de Averiguação e Disciplina da Comissão (IDOC).

9        O artigo 2.° da mesma decisão prevê nomeadamente que o IDOC efectua os inquéritos administrativos a pedido do director‑geral do Pessoal e da Administração, em acordo com o secretário‑geral, e que prepara os processos disciplinares para a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»).

10      O artigo 5.° da decisão de 19 de Fevereiro de 2002 diz respeito à abertura e à condução dos inquéritos. Enuncia, no seu n.° 1, que os directores‑gerais e os chefes de serviço podem pedir ao director‑geral do Pessoal e da Administração, em acordo com o secretário‑geral, a abertura de um inquérito administrativo. Nos termos do artigo 5.° deste artigo, o funcionário que pode ser objecto de um inquérito administrativo é informado da sua abertura no mais breve prazo e tem o direito, no fim do inquérito e antes da conclusão do relatório, de exprimir os seus comentários sobre as conclusões, na medida em que revelem factos que lhe digam respeito.

11      Segundo o artigo 6.° da decisão de 19 de Fevereiro de 2002, nos casos que careçam de sigilo absoluto para efeitos do inquérito, o respeito da obrigação de convidar o funcionário a apresentar o seu ponto de vista pode ser suspenso pelo secretário‑geral com o acordo do director‑geral do Pessoal e da Administração.

12      O artigo 7.° da referida decisão, intitulado «Direitos do funcionário», dispõe:

«1.      A AIPN informa, através de um relatório, o funcionário interessado das alegações preliminares que contra ele formula em aplicação do artigo 87.° do Estatuto e procede à sua audição relativamente ao relatório.

2.      A audição referida no artigo 87.° do Estatuto tem por objecto permitir à AIPN avaliar a gravidade dos factos de que o funcionário interessado é acusado com base nas explicações por ele fornecidas na audição e decidir se há que tomar medidas disciplinares a seu respeito e se é necessário ou não recorrer ao Conselho de Disciplina antes de adoptar tais medidas.

[…]»

13      Em 18 de Dezembro de 2000, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia adoptaram o Regulamento (CE) n.° 45/2001, relativo à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO L 8, p. 1). Segundo o considerando 7 desse regulamento, as pessoas susceptíveis de protecção são aquelas cujos dados pessoais são tratados pelas instituições ou órgãos comunitários, independentemente do contexto, por exemplo, por trabalharem para essas instituições ou órgãos.

14      O artigo 2.° do Regulamento n.° 45/2001, intitulado «Definições», dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)      ‘Dados pessoais’, qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável, adiante designada ‘pessoa em causa’. É considerado identificável quem possa ser identificado, directa ou indirectamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b)      ‘Tratamento de dados pessoais’, adiante designado ‘tratamento’, qualquer operação ou conjunto de operações efectuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, divulgação ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;

[…]»

15      Nos termos do artigo 4.°, intitulado «Qualidade dos dados», do Regulamento n.° 45/2001:

«1.      Os dados pessoais devem ser:

a)      Objecto de um tratamento leal e lícito;

[…]

2.      Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.° 1.»

16      O artigo 5.° do Regulamento n.° 45/2001, intitulado «Licitude do tratamento», precisa:

«O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se:

a)      For necessário ao exercício de funções de interesse público com fundamento nos Tratados que instituem as Comunidades Europeias ou noutros actos legislativos aprovados com base nesses Tratados, ou no exercício da autoridade pública de que estão investidos a instituição ou o órgão comunitário ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados; ou

[…]

d)      A pessoa em causa tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento; ou

e)      For necessário para a protecção de interesses vitais da pessoa em causa.»

 Factos na origem do litígio

17      O demandante foi nomeado funcionário na Comissão em 1 de Janeiro de 1983. De Novembro de 1983 a Janeiro de 2003, foi director no Eurostat. A partir de Janeiro de 2003, exerceu as suas funções na Direcção‑Geral (DG) «Pessoal e Administração» na qualidade de conselheiro principal, até à sua aposentação em 1 de Março de 2006.

18      Em 25 de Outubro de 2002, H. Tillack, jornalista na revista alemã Stern, enviou ao Sr. B., funcionário do Eurostat, um correio electrónico redigido em alemão tendo como objecto a interrogação «Greek connection?». Nesse correio electrónico, H. Tillack indicava que funcionários do Eurostat que desejavam conservar o anonimato acusavam o demandante de favorecer, no exercício das suas funções de director, nomeadamente nos processos de adjudicação de contratos, os interesses de empresas gregas. Este correio electrónico convidava o Eurostat a pronunciar‑se sobre 18 questões relacionadas com essas acusações. H. Tillack pediu nomeadamente ao Eurostat que precisasse de que maneira respondia a estas acusações e por que razões existia um maior número de sociedades gregas na adjudicação dos contratos do programa Supcom a título dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998.

19      O Sr. B., no mesmo dia, enviou o correio electrónico ao director‑geral do Eurostat, ao demandante, e a um outro director do Eurostat, com uma tradução das 18 questões em inglês.

20      Através de uma nota confidencial de 30 de Outubro de 2002 enviada ao director‑geral do Eurostat, o demandante declarou refutar todas as alegações contidas nesse questionário, sublinhando o seu carácter calunioso e difamatório, e pediu à Comissão que esclarecesse as questões colocadas e revelasse o nome dos «acusadores anónimos». A esta nota foram juntas as respostas do demandante às 18 questões colocadas.

21      Em 28 e 29 de Outubro de 2002, foram organizadas reuniões internas no Eurostat para preparar a resposta da Comissão às questões de H. Tillack. Segundo a Comissão, o director‑geral do Eurostat, numa dessas reuniões, decidiu que fosse realizada uma auditoria interna sobre a adjudicação dos contratos na Direcção A, dirigida pelo demandante, no âmbito do programa Supcom 1995‑1998. Resulta de um documento datado de 31 de Outubro de 2002, anexo à contestação, que a equipa de auditoria interna do Eurostat estava, nesse momento, encarregada de redigir um «mini‑relatório».

22      Na quinta‑feira, 7 de Novembro de 2002, H. Tillack enviou um novo correio electrónico ao Sr. B. Nesse correio, indicava que na falta de resposta do Eurostat às suas questões antes de segunda‑feira, 11 de Novembro, seria obrigado a citar no seu artigo, que tinha de terminar até essa data, um desmentido que lhe tinha sido enviado pelo demandante, e a escrever que o Eurostat não tinha refutado nenhuma das alegações referidas no seu anterior correio electrónico. Neste correio de 7 de Novembro de 2002, H. Tillack apresentava ao Eurostat quatro questões suplementares, que punham a tónica nas suas suspeitas de favorecimento do demandante relativamente a uma empresa fundada pelo seu afilhado, Sr. Av.

23      Nesse mesmo 7 de Novembro de 2002, a Comissão informou o demandante de que no âmbito da sua política da mobilidade, pretendia reafectá‑lo a um lugar de conselheiro principal junto do director‑geral do Eurostat.

24      Através de uma nota confidencial de 11 de Novembro de 2002, o demandante indicou ao director‑geral do Eurostat que o Sr. Av. era efectivamente seu afilhado mas que a empresa deste último, com a qual o demandante não tinha qualquer ligação financeira, não celebrara contratos nem com a direcção do demandante nem com o Eurostat em geral. Era precisado nesta nota que o Sr. Av. trabalhava como perito universitário num projecto de investigação denominado «STAT‑Object», mas que o demandante não tinha exercido qualquer influência a favor do Sr. Av. no âmbito dos procedimentos ligados a esse projecto de investigação. No final da sua nota, o demandante pedia à Comissão que lhe concedesse sem demora a sua assistência, em aplicação do artigo 24.° do Estatuto.

25      Através de uma nota confidencial de 11 de Novembro de 2002, à qual estavam anexos os «questionários» de H. Tillack de 25 de Outubro e de 7 de Novembro de 2002, o demandante solicitou ao director‑geral da DG «Pessoal e Administração» a assistência da Comissão, a título do artigo 24.° do Estatuto. Nessa nota, salientava os riscos de prejuízo para a sua vida profissional e social que acarretava a publicação de um artigo contendo as alegações contra si dirigidas.

26      Em 11 de Novembro de 2002, a Comissão enviou a H. Tillack as respostas às questões que tinha colocado.

27      Segundo a Comissão, a auditoria interna referida no n.° 21 do presente acórdão foi realizada entre 31 de Outubro e 11 de Dezembro de 2002 sob a responsabilidade da Sr.a D., chefe da unidade «Auditoria Interna» do Eurostat. Resulta dos documentos que a auditoria interna continuou após a data em que a Comissão respondeu às questões de H. Tillack.

28      Em 13 de Novembro de 2002, o sítio Internet da revista Stern publicou um artigo em alemão de H. Tillack intitulado «Grego procura gregos?». Neste artigo, era nomeadamente precisado:

«O serviço europeu de estatística, Eurostat, não consegue ter sossego. Após uma série de escândalos — começando, primeiro, por estatísticas erradas, depois, por acusações de burla e, por fim, por suspeitas de corrupção de funcionário — o Eurostat tem de fazer face novamente a questões embaraçosas. Trata‑se de uma possível acumulação de contratos a favor de sociedades gregas, sob a responsabilidade de [Fotios] Nanopoulos, director grego no Eurostat.

A pressão sobre a hierarquia do Eurostat, com o director‑geral Yves Franchet à cabeça, não acalma. Como indicava Franz‑Hermann Brüner, chefe do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), o OLAF já está a investigar uma ‘série de casos’ no Eurostat. O sindicato europeu ‘Action & Defence’ coloca, através de um folheto, uma terrível questão: é o Eurostat dirigido por ‘uma rede de corrupção’?

[...]

‘Difamação’

Na realidade, determinados países saem‑se particularmente bem na adjudicação de contratos, desembaraçando‑se frequentemente as sociedades gregas, por exemplo, melhor que as suas concorrentes alemãs. [...]»

29      Em 14 de Novembro de 2002, o jornal luxemburguês Le Quotidien publicou um artigo intitulado «Novo tumulto no Eurostat». Este artigo afirmava que o demandante tinha sido «demitido das suas funções» e nomeado conselheiro principal junto do director‑geral do Eurostat. Precisava também:

«Segundo as nossas fontes, funcionários do OLAF, o organismo europeu encarregado da luta antifraude, descobriram que a Direcção A, que estuda nomeadamente o sector das indústrias da informação, desenvolvia muitos contratos com sociedades gregas e negociava muito menos com sociedades de outras nacionalidades.

Interrogado pela revista alemã Stern, [Fotios] Nanopoulos desmentiu veementemente que os gregos tenham sido ‘conscientemente favorecidos’.»

30      Por carta de 15 de Novembro de 2002, a Comissão pediu ao jornal luxemburguês Le Quotidien um direito de resposta devido às informações erradas e difamatórias contidas no referido artigo de imprensa. Nessa carta, a Comissão precisou, antes de mais, que a asserção segundo a qual F. Nanopoulos tinha sido demitido das suas funções era completamente falsa e difamante. Com efeito, este último, segundo a Comissão, tinha simplesmente sido objecto de uma decisão de mobilidade que se aplicara a catorze directores que ocupavam o mesmo lugar há mais de cinco anos, nos termos das decisões adoptadas sobre estas questões pela Comissão em Dezembro de 2000 e que tinham já sido aplicadas no âmbito do movimento dos directores‑gerais. F. Nanopoulos foi assim afectado na qualidade de conselheiro principal à DG «Pessoal e Administração» em condições objectivas e transparentes. Em seguida, a Comissão explicou que as afirmações do jornal segundo as quais o OLAF tinha feito descobertas relativas à existência de favorecimento de sociedades gregas na adjudicação de contratos eram desprovidas de provas e punham em causa sem justificação a honorabilidade de F. Nanopoulos. Por fim, a Comissão lembrou que no que respeita às alegações de favorecimento nacional, tinha fornecido um determinado número de respostas a H. Tillack, jornalista da Stern. Ora, essas respostas não permitiam concluir que as empresas gregas tinham sido favorecidas na concessão de contratos na Direcção A do Eurostat no âmbito dos projectos Supcom.

31      Em 20 de Novembro de 2002, L’Investigateur publicou um artigo de imprensa intitulado «As manipulações e inconveniências continuam de vento em popa na UE[,] a galinha dos ovos de ouro de Nanopoulos».

32      Neste artigo, era indicado:

«Há três anos que ‘L’Investigateur’ está atento aos desvios, manipulações e actos de nepotismo evidentes na direcção europeia das estatísticas, [Eurostat], instalada em Kirchberg. Após o inquérito do [OLAF], um dos processos quentes de nepotismo foi enviado à justiça, no caso em apreço a territorialmente competente, a luxemburguesa, que, mau sinal para a transparência e a verdade, está ainda longe de resolver os desvios gigantescos que lhe foram apresentados em 1999 no âmbito do processo Perry e Perrylux, um processo que conduziu, no final, à queda da Comissão Santer.

O novo processo judicial respeita ao comportamento de um director grego afastado do Eurostat por ter favorecido afrontosamente sociedades pertencentes aos seus compatriotas. Já tinha sido excluído dos comités de concursos por ter comunicado as questões do exame à mulher de um funcionário grego. Tudo isto à vista e com conhecimento de todos e [de dois antigos responsáveis do Eurostat], ambos excelentes amigos de Robert Goebbels, actual deputado europeu e antigo ministro socialista do Governo […] Santer. [Fotios] Nanopoulos contesta evidentemente todas estas acusações e os manipuladores do Eurostat, fiéis à táctica Cresson, protestam contra a manipulação jornalística e as sombrias manipulações anti‑europeias. [À] força de sermos confrontados com este género de directores, arriscamo‑nos efectivamente a tornar‑nos anti‑europeus, tanto mais que a Comissão Prodi, fiel aos princípios do seu predecessor, serve este processo com o tão indigesto molho europeu.

Nanopoulos foi apressadamente nomeado ‘conselheiro principal’ noutra direcção […]. É o procedimento habitual para afastar um alto funcionário do seu serviço e permitir um inquérito, mantendo os direitos de defesa. […]

A Comissão disfarça o escândalo alegando que este movimento de rotação dos directores estava previsto há muito tempo, o que é verdade em teoria e em geral, mas não neste caso preciso. […]

É, portanto, possível que Nanopoulos seja aposentado antecipada e oficiosamente e que escape assim ao processo […]»

33      Numa reunião que teve lugar em 11 de Dezembro de 2002, o projecto de relatório de auditoria foi apresentado ao director‑geral do Eurostat que considerou dever ainda reflectir sobre as medidas possíveis (continuação da auditoria com aplicação de um procedimento contraditório, recurso eventual ao OLAF), sem tomar, nesta fase, posição quanto ao seguimento a dar ao projecto.

34      Por carta de 20 de Dezembro de 2002, a Comissão informou o demandante do seguimento dado ao seu pedido de assistência de 11 de Novembro de 2002. Precisou, por um lado, que tinha comunicado ao jornalista H. Tillack uma resposta circunstanciada aos já referidos questionários que punha o demandante fora de causa e, por outro, que tinha, por sua própria iniciativa, pedido e obtido, em 18 de Novembro de 2002, um direito de resposta do jornal luxemburguês Le Quotidien na sequência da publicação do artigo que punha em causa a reputação do demandante ao reproduzir alegações semelhantes às de H. Tillack.

35      No mesmo dia 20 de Dezembro de 2002, a Comissão procedeu à reafectação do demandante à DG «Pessoal e Administração», na qualidade de conselheiro principal, tendo esta decisão efeitos a partir de 16 de Janeiro de 2003. O demandante foi encarregado de missões específicas no domínio da reforma administrativa, nomeadamente no que respeita ao «benchmarking» e à análise estatística relacionada com o «monitoring» do processo da reforma, tendo em conta as consequências do alargamento.

36      Em 21 de Maio de 2003, o novo director‑geral do Eurostat iniciou as suas funções. No mesmo dia, a Sr.a D. comunicou ao demandante uma cópia do projecto de relatório de auditoria interna.

37      Por carta de 12 de Junho de 2003, a Sr.a D. pediu formalmente ao demandante que lhe apresentasse as suas eventuais observações sobre este projecto de relatório.

38      O demandante deu conhecimento à administração dessas observações através de um correio electrónico de 24 de Junho de 2003.

39      Em 27 de Junho de 2003, de manhã, a Sr.a D. e a equipa de auditoria interna que tinha trabalhado no projecto de relatório discutiram, numa reunião de trabalho, a pertinência das observações do demandante e, nessa ocasião, foi considerado um projecto de resposta a essas observações. Todavia, sem esperar o projecto de resposta preparado pela sua equipa, a Sr.a D., às 12 h 01, informou por correio electrónico o director‑geral do carácter pouco adequado das observações do demandante sobre o projecto de auditoria interna. Às 14 h 23, a equipa de auditoria interna enviou por correio electrónico à Sr.a D. um projecto de resposta às observações do demandante. No entanto, esse projecto não foi concluído nem enviado ao director‑geral do Eurostat. Além disso, o demandante não foi destinatário desse projecto de resposta, de que só tomou conhecimento através da comunicação da contestação da Comissão no presente processo.

40      Por carta de 8 de Julho de 2003 da Sr.a D., o relatório de auditoria, acompanhado das observações do demandante, foi comunicado ao novo director‑geral do Eurostat. Nessa carta, a Sr.a D. precisava que o projecto de relatório de auditoria, que tinha sido enviado ao demandante em 21 de Maio de 2003, tinha sido reintitulado «Análise de determinados aspectos relativos ao programa Supcom (1995‑1998) na sequência das questões colocadas ao Eurostat por um jornalista em Novembro de 2002» e que esta análise era comunicada com as informações de que dispunha quando da análise dos factos e que não podia aprofundar, dado o seu volume de trabalho passado e actual. Esse relatório precisava, como conclusão geral:

«A análise realizada inscreveu‑se muito especificamente no contexto dos pontos salientados pelo jornalista [H. Tillack] e apoiou‑se exclusivamente nos dados orçamentais e nos processos fornecidos pela [d]irecção em causa.

De maneira geral, há que observar que as conclusões que resultam dos nossos trabalhos não permitem fundamentar a defesa de F. Nanopoulos e do Eurostat face a estes ataques externos.»

41      Por carta de 8 de Julho de 2003, entrada na DG «Pessoal e Administração» em 9 de Julho de 2003, como demonstra o carimbo de registo desse documento, o director‑geral do Eurostat enviou o relatório de auditoria a H. Reichenbach, director‑geral da já referida DG, a fim de que este último pudesse adoptar as medidas que considerasse úteis relativamente ao demandante.

42      No mesmo dia 9 de Julho de 2003, o vice‑presidente da Comissão decidiu instaurar um processo disciplinar ao demandante, por um lado, por ter tolerado ou aceitado, quando da adjudicação de contratos, que os processos de avaliação não fossem transparentes, não estando os métodos de avaliação apresentados nos relatórios da Comissão Consultiva de Compras e Contratos de acordo com os efectivamente aplicados nos factos e, por outro, por ter tolerado ou aceitado, para um contrato celebrado com a empresa Planistat, que um perito próximo da sua pessoa, e não proposto inicialmente pelo concorrente, participasse no projecto para a elaboração de um estudo sem relação com o contrato, que deu lugar a um «Visto; a pagar», ainda antes de o relatório intercalar do estudo estar concluído. Para adoptar essa decisão, a Comissão baseou‑se, por um lado, num relatório intercalar do serviço de auditoria interna da Comissão de 7 de Julho de 2003 e, por outro, num relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat de 8 de Julho de 2003.

43      O jornal The Financial Times publicou, em 10 de Julho de 2003, um artigo em inglês intitulado «Prodi actua para tentar parar o escândalo do Eurostat» que dava conta da descoberta de um escândalo financeiro muito importante no Eurostat e precisava as diferentes medidas adoptadas pela Comissão para esclarecer esse escândalo. O artigo citava o nome do demandante e precisava que, à semelhança do director‑geral e do director‑geral adjunto do Eurostat, era objecto de um processo disciplinar.

44      Em 11 de Julho de 2003, o jornal Le Monde publicou, por sua vez, um artigo cujo conteúdo era semelhante ao do Financial Times, já referido.

45      No decurso do mês de Julho de 2003, a imprensa grega também fez eco do envolvimento do demandante.

46      Por carta de 15 de Julho de 2003, o demandante pediu ao director‑geral da DG «Pessoal e Administração» que lhe concedesse a assistência da Comissão, a título do artigo 24.° do Estatuto, alegando que o artigo do Financial Times prejudicava injustamente a sua reputação. Em particular, o demandante salientava que esse artigo estabelecia, erradamente, uma ligação entre o «escândalo financeiro do Eurostat» que implicava dois outros responsáveis de alto nível desse serviço e o processo que lhe dizia respeito. Segundo o demandante, o conteúdo do artigo demonstrava, além disso, a existência de fugas nos serviços da Comissão, quando esta tinha de assegurar a confidencialidade do processo disciplinar pendente. Pedia em particular que a Comissão publicasse um comunicado de imprensa que precisasse que não estava de modo nenhum implicado no «escândalo financeiro do Eurostat».

47      Por carta de 21 de Julho de 2003, o demandante apresentou novamente um pedido de assistência com, no essencial, o mesmo alcance do apresentado em 15 de Julho anterior, referindo, esta vez não apenas o artigo do Financial Times mas também o artigo do Monde.

48      Em 22 de Julho de 2003, a Comissão enviou o relatório de auditoria interna ao OLAF que decidiu, em 23 de Julho de 2003, abrir contra o demandante um inquérito interno por suspeita de favorecimento no âmbito dos procedimentos de adjudicação de contratos de que a direcção que dirigia estava encarregada.

49      Em 9 de Setembro de 2003, o demandante enviou ao presidente da Comissão uma carta na qual denunciava mais particularmente as condições de realização do relatório de auditoria interna que serviu de fundamento à decisão de lhe ser instaurado um processo disciplinar.

50      Em resposta a uma questão colocada na audiência pelo Tribunal, o demandante afirmou, sem ser contrariado pela Comissão, que a referida carta de 9 de Setembro de 2003 tinha ficado sem resposta.

51      Em 22 de Setembro de 2003, a Comissão suspendeu o processo disciplinar até aos resultados do inquérito interno do OLAF.

52      Por carta de 1 de Outubro de 2003 dirigida ao demandante, a Comissão decidiu, por um lado, não deferir os novos pedidos de assistência por ele apresentados em 15 e 21 de Julho de 2003 e, por outro, esperar o fim dos inquéritos em curso no Eurostat para eventualmente intervir e tomar definitivamente posição sobre os pedidos de assistência.

53      Por carta de 5 de Outubro de 2004, o OLAF informou o demandante da decisão de arquivamento do inquérito interno aberto contra si e do envio do relatório final do inquérito ao secretário‑geral da Comissão. Nesse relatório final, era precisado que o OLAF tinha decidido arquivar, sem consequências, o processo, não tendo sido revelada qualquer irregularidade imputável ao demandante.

54      Por carta de 26 de Outubro de 2004 dirigida ao demandante, o vice‑presidente da Comissão, após ter tomado conhecimento dos resultados do inquérito interno do OLAF, decidiu pôr fim ao processo disciplinar e informou o interessado de que essa decisão podia, a seu pedido, constar do seu processo pessoal.

55      Em 27 de Outubro de 2004, a Comissão publicou um comunicado de imprensa em inglês no sítio Internet Midday Express da sua DG «Comunicação» em que se precisava:

«A Comissão decidiu arquivar o processo disciplinar instaurado a[o demandante], um antigo director [do] Eurostat. Um inquérito aprofundado efectuado pelo OLAF, o organismo de luta contra a fraude da União Europeia, não revelou qualquer elemento susceptível de justificar a continuação do processo disciplinar instaurado inicialmente em 9 de Julho de 2003. A Comissão salienta que o arquivamento do processo inocenta [o demandante], funcionário experimentado da Comissão, que goza de uma longa reputação de excelência, das suspeitas de irregularidades alegadas que foram examinadas no âmbito do inquérito.»

56      Por carta de 12 de Outubro de 2005, o presidente da Comissão informou o demandante que tencionava tomar a seu respeito uma decisão de afastamento no interesse do serviço, nas condições previstas no artigo 50.° do Estatuto.

57      Devido à falta de lugar adequado disponível para o demandante nos serviços da Comissão, a AIPN, por decisão de 17 de Janeiro de 2006, procedeu ao afastamento do demandante no interesse do serviço, a partir de 1 de Março de 2006, com pagamento da indemnização prevista pelas disposições do artigo 50.° do Estatuto.

58      Em 1 de Fevereiro de 2007, o demandante apresentou um requerimento, com base nas disposições do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, através do qual exigia uma indemnização de 1 milhão de euros.

59      Por carta de 7 de Junho de 2007, a Comissão indeferiu esse pedido.

60      O demandante, por outro lado, pediu a comunicação do relatório final do inquérito do OLAF. A Comissão deferiu esse pedido em 13 de Junho de 2007 e entregou em mão ao demandante uma cópia do referido relatório.

61      Em 28 de Agosto de 2007, o demandante apresentou uma reclamação, a título do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto.

62      Por decisão de 19 de Dezembro de 2007, a Comissão indeferiu essa reclamação.

 Tramitação processual e pedidos das partes

63      O demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 850 000 euros a título do prejuízo moral sofrido, incluindo o prejuízo causado à sua saúde;

–        condenar a Comissão nas despesas;

–        ouvir como testemunhas os Srs. Koopman e Portal e a Sr.a D.;

–        convidar a Comissão a apresentar, por um lado, o relatório completo do OLAF e, por outro, qualquer documento susceptível de demonstrar que o serviço de auditoria interna do Eurostat procedeu a controlos entre Novembro de 2002 e Maio de 2003.

64      A Comissão pede que o Tribunal:

–        julgue o pedido improcedente;

–        condene o demandante nas despesas.

65      Na sua réplica o demandante indicou que desistia do pedido de reparação do prejuízo causado à sua saúde.

66      Através de uma medida de organização do processo, o Tribunal pediu à Comissão a apresentação do comunicado de imprensa que publicou em 9 de Julho de 2003 (a seguir «comunicado de imprensa de 9 de Julho de 2003»). Nesse comunicado, é nomeadamente referido que a Comissão considera, perante os relatórios já na sua posse, que foram cometidas violações graves da regulamentação financeira, que foram instaurados processos disciplinares contra três funcionários do Eurostat e que os contratos celebrados com a empresa Planistat foram suspensos durante os inquéritos em curso.

67      Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal, a Comissão confirmou que o demandante era um dos três funcionários referidos no comunicado de imprensa de 9 de Julho de 2003 como sendo objecto da instauração de um processo disciplinar.

 Quanto à natureza do litígio e à competência do Tribunal

1.     Argumentos das partes

68      O demandante indica que pretende obter a condenação da Comissão com base nas disposições do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE (que passou, após alteração, a artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE), uma vez que violou uma série de regras que lhe conferiam direitos enquanto cidadão e funcionário da Comissão no Eurostat.

69      A Comissão afirma que a acção se baseia numa acção de responsabilidade extracontratual que, uma vez que o litígio opõe um agente à instituição que o emprega, não pode ser apresentada com base nas disposições do artigo 288.° CE (que, passou, após alteração, a artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE), mas exclusivamente com base nas disposições do artigo 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE) e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

70      Resulta das disposições dos artigos 225.° CE (que passou, após alteração, a artigo 256.° TFUE), 235.° CE (que passou, após alteração, a artigo 268.° TFUE) e 288.°, segundo parágrafo, CE (que passou, após alteração a artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE) que o Tribunal de Justiça da União Europeia é o juiz de direito comum, em primeira instância, para conhecer das acções destinadas a pôr em jogo a responsabilidade extracontratual da União pelos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

71      Em contrapartida, ao abrigo do artigo 236.° CE (que passou, após alteração a artigo 270.° TFUE) e do artigo 1.° do Anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, é ao Tribunal que compete decidir em primeira instância sobre os litígios entre os agentes e a União. A este título, o Tribunal julga os litígios entre um funcionário e a instituição de que depende ou dependia, visando a reparação de um prejuízo, quando este último tenha a sua origem no local de trabalho que une o interessado à instituição (v., nomeadamente, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1975, Meyer‑Burckhardt/Comissão, 9/75, Recueil, p. 1171, n.° 7, Colect., p. 407; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Junho de 2002, Mellone/Comissão, T‑187/01, ColectFP, pp. I‑A‑81 e II‑389, n.os 74 e 75; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 2003, Barbé/Parlamento, T‑371/02, ColectFP, pp. I‑A‑183 e II‑919, n.os 36 e 38, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Outubro de 2004, Sanders e o./Comissão, T‑45/01, Colect., p. II‑3315, n.os 54 e 57).

72      No caso em apreço, o demandante alega simultaneamente a sua qualidade de particular e a sua qualidade de funcionário e procura a responsabilidade da Comissão com base nas disposições do artigo 288.° CE (que passou, após alteração, a artigo 340.° TFUE) para os comportamentos ilícitos que aquela teve para consigo durante o período que decorreu entre Outubro de 2002 e Janeiro de 2006.

73      Todavia, resulta claramente dos documentos dos autos e da opinião convergente das partes expressa na audiência que o presente litígio se desenvolve no âmbito dos artigos 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE) e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, tendo os danos alegados a sua origem exclusiva no local de trabalho que unia o demandante e a Comissão. O demandante precisou, além disso, na audiência, que a referência na sua petição ao artigo 288.° CE (que passou, após alteração, a artigo 340.° TFUE) se destinava apenas a recordar as condições de fundo a que, segundo ele, a responsabilidade extracontratual da administração está sujeita.

74      Importa, portanto, considerar oficiosamente a acção como intentada, na realidade, no âmbito do artigo 236.° CE (que passou, após alteração a artigo 270.° TFUE) e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto (acórdãos Mellone/Comissão, já referido, n.os 74 e 75, e Sanders/Comissão, já referido, n.° 42).

 Quanto à admissibilidade

1.     Argumentos das partes

75      A Comissão afirma, em primeiro lugar, que o recurso é inadmissível uma vez que o demandante não contestou nos prazos previstos pelas disposições do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, as decisões que indeferiram os seus pedidos de assistência apresentados com base no artigo 24.° do Estatuto.

76      A Comissão defende, em segundo lugar, que a acção de indemnização é também inadmissível na medida em que não foi intentada num prazo razoável. Recorda que os órgãos jurisdicionais comunitários decidiram que ainda que o Estatuto não preveja qualquer prazo de prescrição em matéria de responsabilidade extracontratual das instituições face aos seus agentes, uma acção de indemnização deve, todavia, ser intentada num prazo razoável. Para a determinação desse prazo razoável, o artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, que fixa um prazo de prescrição de cinco anos, é aplicável por analogia. Ora, no caso em apreço, uma vez que os factos invocados pelo demandante para basear o seu pedido de indemnização decorreram há mais de cinco anos, a acção é inadmissível.

77      A Comissão defende, em terceiro lugar, que o demandante não pode contestar a legalidade da decisão de 9 de Julho de 2003 pela qual decidiu instaurar um processo disciplinar, uma vez que se trata de um acto preparatório que não pode ser objecto de um recurso. Além disso, o demandante não tem interesse em contestar a legalidade desse acto uma vez que o processo foi arquivado, sem consequências, por decisão de 26 de Outubro de 2004.

78      A Comissão considera, em quarto lugar, que o demandante não pode, em apoio de pedidos indemnizatórios, alegar o carácter ilícito da decisão de reafectação de 20 de Dezembro de 2002 e da decisão de afastamento de 17 de Janeiro de 2006, uma vez que não interpôs um recurso de anulação dessas decisões nos prazos de recurso contencioso.

79      O demandante afirma, por sua vez, que o seu recurso é perfeitamente admissível. Com efeito, não se dirige às decisões de recusa de assistência, sendo um pedido destinado à reparação do prejuízo sofrido devido aos comportamentos da Comissão.

80      O demandante indicou na audiência que, ainda que a sua petição ponha em causa actos decisórios da Comissão, esses actos e os comportamentos não decisórios que censura à administração constituem um todo indivisível e contínuo. Nesse caso, a admissibilidade de uma acção de responsabilidade não pode estar sujeita à apresentação de uma reclamação e de um recurso contra cada um dos actos considerados isoladamente.

81      O demandante defende, por outro lado, que o prazo de prescrição aplicável em matéria de acção indemnizatória apresentada por um funcionário contra a sua instituição deve ser o de cinco anos fixado pelo artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. No caso em apreço, este prazo não expirou uma vez que só começou a correr em 27 de Outubro de 2004, data de publicação do comunicado de imprensa da Comissão no Midday Express. De qualquer modo, o prazo não expirou, mesmo que se tenham em consideração as primeiras ilegalidades cometidas pela Comissão em Outubro de 2002, já que o pedido indemnizatório foi apresentado em 1 de Fevereiro de 2007.

82      O demandante considera que o conceito de prazo razoável e a fixação de um prazo de prescrição pelo juiz e não pelo legislador são contrários ao princípio da segurança jurídica. De qualquer modo, no caso em apreço, o demandante respeitou o prazo razoável fixado pela jurisprudência, tendo o pedido indemnizatório sido apresentado no prazo de 27 meses a contar do último evento gerador do seu prejuízo.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

 Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo ao desrespeito do procedimento pré‑contencioso previsto pelas disposições dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto

83      Segundo jurisprudência assente, no sistema das vias processuais instituído pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, uma acção de indemnização, que constitui uma via de direito autónoma relativamente ao recurso de anulação, apenas é admissível se tiver sido precedida de um processo pré‑contencioso em conformidade com as disposições estatutárias. Esse processo difere consoante o prejuízo cuja reparação é pedida resulte de um acto que causa prejuízo, na acepção do n.° 2 do artigo 90.° do Estatuto, ou de um comportamento da administração desprovido de carácter decisório. No primeiro caso, incumbe ao interessado apresentar à AIPN, dentro do prazo fixado, uma reclamação contra o acto em causa. Em contrapartida, no segundo caso, o procedimento administrativo deve iniciar‑se com a apresentação de um requerimento na acepção do n.° 1 do artigo 90.° do Estatuto, destinado a obter uma reparação. Só o indeferimento expresso ou implícito desse requerimento constitui uma decisão que causa prejuízo contra a qual pode ser apresentada uma reclamação, e só depois de uma decisão que indefira expressa ou implicitamente esta reclamação pode ser intentada no Tribunal uma acção de indemnização (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Marcato/Comissão, T‑5/90, Colect., p. II‑731, n.os 49 e 50, e de 28 de Junho 1996, Y/Tribunal de Justiça, T‑500/93, ColectFP, pp. I‑A‑335 e II‑977, n.° 64).

84      O demandante convidou o Tribunal, para apreciar a admissibilidade do recurso, a anular a distinção que a jurisprudência opera entre acto decisório e comportamento não decisório, devido ao carácter irrelevante desta distinção no presente litígio. Em sua opinião, os diferentes actos e comportamentos de que pede a reparação constituem um todo indivisível, podendo contestar todos os actos e comportamentos que constituem esse todo indivisível num prazo razoável em apoio dos seus pedidos indemnizatórios a partir do momento em que ocorreu o último, sem que se lhe possa opor o prazo de três meses fixado pelo artigo 90.° do Estatuto a partir da notificação dos actos decisórios que invoca.

85      Tal argumentação não pode, todavia, ser aceite.

86      Na verdade, a jurisprudência admitiu, num determinado número de casos, que um demandante não seja obrigado, no âmbito de um processo complexo composto por vários actos interdependentes, a apresentar tantas reclamações quantos os actos susceptíveis de lhe serem lesivos que o processo contenha. Pelo contrário, tendo em conta a coesão dos diferentes actos que compõem esse processo complexo, foi admitido que o demandante podia invocar a irregularidade de actos anteriores em apoio de uma acção dirigida contra o último desses actos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1965, Ley/Comissão, 12/64 e 29/64, Recueil, p. 143, Colect. 1965‑1968, p. 43, e de 11 de Agosto de 1995, Comissão/Noonan, C‑448/93 P, Colect., p. I‑2321, n.° 17; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Setembro de 1996, Marx Esser e Del Almo Martinez/Parlamento, T‑182/94, ColectFP, pp. I‑A‑411 e II‑1197, n.° 37).

87      Todavia, esta jurisprudência respeita apenas a actos que causem prejuízo estreitamente ligados entre si. Além disso, trata‑se de uma excepção ao princípio segundo o qual um acto só pode ser contestado no prazo de recurso contencioso, que deve, como qualquer excepção, ser interpretada de forma estrita.

88      Ora, no caso em apreço, os comportamentos e os actos que o demandante invoca, dada a sua grande diversidade e o seu alcance (actos relativos ao dever de assistência, à instauração de um processo disciplinar, fugas de dados de carácter pessoal, não atribuição de tarefas correspondentes ao grau, etc.) não se podem considerar inscritos no âmbito de um processo complexo. Por outro lado, seria contrário ao imperativo de segurança jurídica admitir que esses actos possam ser contestados para além do prazo normal do recurso contencioso. Do mesmo modo, devendo cada acto invocado ser objecto de um recurso contencioso distinto, há que aplicar relativamente a cada um deles os princípios recordados no n.° 83 a fim de apreciar a admissibilidade da acção de indemnização apresentada pelo demandante.

89      No caso em apreço, antes de intentar a presente acção no Tribunal, o demandante formulou, em 2 de Fevereiro de 2007, um pedido de indemnização com base no artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, e depois, em 28 de Agosto de 2007, apresentou uma reclamação a título do artigo 90.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Estatuto, contra a decisão de 7 de Junho de 2007 que indeferiu o seu pedido de indemnização. O demandante fez preceder, portanto, a sua acção no Tribunal do procedimento pré‑contencioso aplicável a um pedido de reparação de um prejuízo resultante de comportamentos da administração desprovidos de carácter decisório.

90      A fim de determinar se o procedimento pré‑contencioso observado pelo demandante foi regular, importa, portanto, examinar se os danos cuja reparação é pedida resultam ou não de comportamentos da administração desprovidos de carácter decisório. Para este efeito, o demandante invoca quatro categorias de irregularidades: várias violações, pela Comissão, do seu dever de assistência, a ilegalidade de que está viciada a decisão de reafectação, a ilegalidade que vicia a decisão de instauração do processo disciplinar e vários outros comportamentos da Comissão.

91      Em contrapartida, há que constatar que o demandante não apresentou pedidos indemnizatórios baseados na ilegalidade da decisão de afastamento de 17 de Janeiro de 2006. O fundamento de inadmissibilidade oposto pela Comissão a tais pedidos e relativo à violação do procedimento pré‑contencioso previsto pelas disposições dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto é, portanto, inoperante.

 Quanto ao pedido de indemnização baseado nas violações, pela Comissão, do seu dever de assistência

92      O demandante pede a reparação do prejuízo resultante das violações da Comissão ao seu dever de assistência, tal como resulta do artigo 24.° do Estatuto. Em apoio desses pedidos, o demandante invoca, antes de mais, a ilegalidade das decisões expressas tomadas pela Comissão na sequência dos seus pedidos de assistência, em seguida, os atrasos ilícitos da Comissão antes de tomar posição na matéria, e por fim, a ilegalidade das abstenções de assistência espontânea da Comissão na sequência da publicação de artigos de imprensa que o punham em causa.

93      No que respeita às decisões relativas ao dever de assistência, os órgãos jurisdicionais da União entendem, de modo constante, que essas decisões constituem actos causadores de prejuízo (v., nomeadamente, no que respeita às decisões expressas de recusa de assistência, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2007, Combescot/Comissão, T‑249/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑181 e II-A-2‑1219, n.° 32; no que respeita às decisões tácitas de recusa de assistência, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Novembro de 1997, Ronchi/Comissão, T‑223/95, ColectFP, pp. I‑A‑321 e II‑879, n.os 25 a 31; no que respeita às decisões de assistência consideradas insuficientes, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 1993, Caronna/Comissão, T‑59/92, Colect., p. II‑1129, n.° 100).

94      No caso em apreço, a Comissão adoptou, durante o período controvertido, diferentes decisões expressas relativas ao seu dever de assistir o demandante.

95      Por carta de 20 de Dezembro de 2002, a Comissão informou o demandante do seguimento dado ao pedido de assistência que tinha formulado em 11 de Novembro de 2002, após H. Tillack, jornalista de um semanário alemão, ter enviado à Comissão dois questionários que punham em causa a sua honorabilidade e a sua reputação profissional. Precisou, por um lado, que tinha comunicado a esse jornalista uma resposta circunstanciada aos questionários referidos, deixando fora de causa o demandante e, por outro, que tinha, por sua própria iniciativa, pedido e obtido, em 18 de Novembro de 2002, um direito de resposta do jornal luxemburguês Le Quotidien na sequência da publicação de um artigo que punha em causa a reputação do demandante reproduzindo alegações semelhantes às de H. Tillack.

96      Por carta de 1 de Outubro de 2003, a Comissão decidiu, por um lado, não deferir os novos pedidos de assistência apresentados pelo demandante, em 15 e 21 de Julho de 2003, na sequência da publicação, em diferentes jornais europeus, de artigos de imprensa citando o seu nome e implicando‑o num escândalo financeiro no Eurostat e, por outro, esperar pelo final dos inquéritos em curso no Eurostat para eventualmente intervir.

97      Por comunicado de imprensa difundido em 27 de Outubro de 2004 no Midday Express, a Comissão decidiu, no âmbito do seu dever de assistência, tornar pública a sua decisão de arquivar o processo disciplinar instaurado ao demandante, após ter obtido os resultados do inquérito do OLAF relativo às irregularidades que lhe eram imputadas (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1987, d.M./Conselho e CES, 108/86, Colect., p. 3933, n.° 6; acórdão Caronna/Comissão, já referido, n.os 93 a 96).

98      É pacífico que o demandante não apresentou, nos prazos previstos nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, um recurso de anulação destas diferentes decisões, quer se trate das decisões tácitas ou expressas de recusa de assistência quer das decisões de assistência que considerava insuficientes. Quanto a actos que causam prejuízo, como foi lembrado anteriormente, o demandante não pode, portanto, apresentar pedidos destinados à indemnização do prejuízo causado por tais actos (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1989, Bossi/Comissão, 346/87, Colect., p. 303, n.° 32; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1993, Moat/Comissão, T‑20/92, Colect., p. II‑799, n.° 46).

99      No que respeita, em contrapartida, aos alegados atrasos da Comissão em decidir sobre o seu dever de assistência e em notificar a sua decisão, importa recordar que o juiz comunitário considera que um atraso não constitui, em princípio, um acto que causa prejuízo (v., nomeadamente, em matéria de atraso na elaboração de um relatório de classificação, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Dezembro de 1994, Ditterich/Comissão, T‑79/92, ColectFP, pp. I‑A‑289 e II‑907, n.° 66, e de 13 de Julho de 2006, Andrieu/Comissão, T‑285/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑161 e II‑A‑2‑775, n.° 135). De onde resulta que o demandante pode invocar os referidos atrasos em apoio dos seus pedidos indemnizatórios, desde que, como no caso em apreço, o procedimento pré‑contencioso em duas etapas, previsto pelo artigo 90.°, n.os 1 e 2 do Estatuto, tenha sido respeitado relativamente aos mesmos.

100    Além disso, não tendo os referidos pedidos indemnizatórios baseados num alegado incumprimento de um dever de intervenção da Comissão num prazo muito curto qualquer nexo directo com o conteúdo das decisões expressas adoptadas pela Comissão em aplicação do artigo 24.° do Estatuto, a circunstância de o demandante não ter contestado essas decisões nos prazos não é susceptível de tornar inadmissíveis esses pedidos indemnizatórios (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1972, Heinemann/Comissão, 79/71, Colect., p. 197, Recueil, p. 579, n.os 6 e 7; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1991, Latham/Comissão, T‑27/90, Colect., p. II‑35, n.os 36 a 38, e de 6 de Fevereiro de 2007, Wunenburger/Comissão, T‑246/04 e T‑71/05, ColectFP, pp. I‑A‑2‑21 e II‑A‑2‑131, n.os 46 a 50).

101    No que respeita, por fim, à ausência de assistência espontânea da Comissão, importa lembrar que os órgãos jurisdicionais comunitários decidiram que, em princípio, cabe ao funcionário, que considera poder invocar o artigo 24.° do Estatuto, apresentar um pedido de assistência à instituição a que esteja vinculado. Apenas certas circunstâncias excepcionais podem obrigar a instituição a proceder, sem pedido prévio do interessado, mas por sua própria iniciativa, a uma determinada acção de assistência. Na falta de tais circunstâncias, o facto de a instituição se abster de prestar espontaneamente assistência aos seus funcionários e agentes não constitui um acto que causa prejuízo (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 1986, Sommerlatte/Comissão, 229/84, Colect., p. 1805, n.° 20; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 2008, Bélgica e Comissão/Genette, T‑90/07 P e T‑99/07 P, Colect., p. II‑3859, n.os 100 a 102; despacho do Tribunal da Função Pública de 31 de Maio de 2006, Frankin e o./Comissão, F‑91/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑25 e II‑A‑1‑83, n.° 24).

102    No caso em apreço, não é invocada nenhuma circunstância excepcional pelo demandante ou pela demandada que justificasse que a Comissão interviesse de modo espontâneo na sequência da colocação em causa do demandante em diferentes artigos de imprensa. Por conseguinte, a ausência de assistência espontânea da Comissão na sequência da publicação de artigos de imprensa é um comportamento não decisório, que o demandante pode contestar no âmbito da presente acção de indemnização.

 Quanto ao pedido de indemnização baseado no carácter ilegal da decisão de reafectação

103    O demandante apresenta pedidos indemnizatórios destinados a reparar a desvalorização profissional de que foi vítima na sequência da decisão de reafectação de que foi objecto.

104    É jurisprudência constante que, mesmo que uma decisão de reafectação não afecte os interesses materiais ou a posição do funcionário, pode, tendo em conta a natureza da função em causa e as circunstâncias, prejudicar os seus interesses morais e as suas perspectivas de futuro, dado que determinadas funções, de igual classificação, podem, melhor que outras, conduzir a uma promoção, em função da natureza das responsabilidades exercidas. Afecta necessariamente a situação administrativa do funcionário em causa, na medida em que altera o local e as condições de exercício das suas funções, bem como a respectiva natureza. Nestas condições, não se pode considerar a prioiri que tal medida não é susceptível de causar prejuízo ao seu destinatário (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 1973, Kley/Comissão, 35/72, Recueil, p. 679, n.° 4, Colect., p. 281; de 28 de Maio de 1980, Kuhner/Comissão, 33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677, n.° 13; de 21 de Maio de 1981, Kindermann/Comissão, 60/80, Recueil, p. 1329, n.° 8; de 12 de Novembro de 1996, Ojha/Comissão, C‑294/95 P, Colect., p. I‑5863, n.° 58; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, Ojha/Comissão, T‑36/93, ColectFP, pp. I‑A‑161 e II‑497, n.° 42, e de 19 de Junho de 1997, Forcat Icardo/Comissão, T‑73/96, ColectFP, pp. I‑A‑159 e II‑485, n.° 16).

105    Por decisão de 20 de Dezembro de 2002, o presidente da Comissão procedeu à reafectação do demandante. Até àquela data director na Direcção A do Eurostat, foi afectado à DG «Pessoal e Administração», na qualidade de conselheiro principal, encarregado de missões específicas no domínio da reforma administrativa, nomeadamente no que respeita às estruturas administrativas, ao «benchmarching» e à análise estatística em relação com o «monitoring» do processo da reforma, tendo em conta as consequências do alargamento.

106    Esta decisão de reafectação, dada a alteração das condições de exercício e da natureza das funções que implica, afectou a situação jurídica do demandante e constitui, por conseguinte, um acto que causa prejuízo.

107    Uma vez que o demandante não contestou esta decisão nos prazos de recurso previstos pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, não pode em seguida intentar uma acção destinada à indemnização do prejuízo causado por esse acto, como lembra de forma constante o juiz comunitário (v., nomeadamente, acórdãos Moat/Comissão, já referido, n.° 46, e do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Maio de 1998, W/Comissão, T‑78/96 e T‑170/96, ColectFP, pp. I‑A‑239 e II‑745, n.° 158).

 Quanto ao pedido de indemnização baseado no carácter ilegal da decisão de instauração do processo disciplinar

108    É de jurisprudência constante que a decisão da AIPN de instaurar um procedimento disciplinar mais não é do que uma fase processual preparatória. Não prejudica a posição final da administração e não pode, por conseguinte, ser considerada um acto que causa prejuízo na acepção do artigo 91.° do Estatuto. Por conseguinte, só pode ser impugnada de modo incidental no âmbito de um recurso interposto de uma decisão disciplinar final que cause prejuízo ao funcionário (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Março de 2003, Pessoa e Costa/Comissão, T‑166/02, ColectFP, pp. I‑A‑89 e II‑471, n.° 37, e de 8 de Julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, Colect., p. II‑1585, n.° 340).

109    Um funcionário que não interpôs, nos prazos previstos nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, um recurso de anulação de um acto que lhe causa prejuízo não pode, através de um pedido de indemnização do prejuízo causado por esse acto, reparar essa omissão e obter assim novos prazos de recurso. O mesmo acontece quando a omissão respeita, não ao acto que causa prejuízo enquanto tal, mas a um acto preparatório do mesmo, que podia ter sido utilmente impugnado, de maneira incidental, num recurso do referido acto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Fevereiro de 1996, Lopes/Tribunal de Justiça, T‑547/93, ColectFP, pp. I‑A‑63 e II‑185, n.os 174 e 175).

110    Por outro lado, foi decidido que uma decisão da AIPN que determina o arquivamento, sem consequências, de um processo disciplinar, não constitui, na acepção dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, um acto que causa prejuízo ao funcionário contra o qual o referido processo foi instaurado, uma vez que a parte decisória da decisão não é susceptível de alterar a situação jurídica do funcionário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Di Rocco/CES, T‑82/92, Colect., p. II‑2653, publicação por extractos, n.° 27).

111    Resulta da jurisprudência recordada nos três números anteriores que o procedimento pré‑contencioso aplicável para obter a reparação de um dano resultante de uma decisão de instauração de um processo disciplinar depende da natureza da decisão final adoptada pela administração.

112    Quando o processo disciplinar instaurado é arquivado por uma decisão que causa prejuízo, o funcionário só pode invocar a ilegalidade da decisão de instauração do referido processo em apoio de uma contestação directamente apresentada, nos prazos de reclamação e de recurso previstos nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, contra a decisão que causa prejuízo adoptada no fim do processo.

113    Em contrapartida, quando a administração toma uma decisão de arquivamento, sem consequências, do processo disciplinar, e uma vez que esta decisão não causa prejuízo, o demandante, para obter a reparação do prejuízo resultante de uma decisão de instauração de um processo disciplinar, deve respeitar previamente o procedimento pré‑contencioso em duas etapas previsto pelas disposições dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto.

114    No caso em apreço, resulta dos documentos dos autos que a Comissão, por decisão de 26 de Outubro de 2004, arquivou, sem consequências, o processo disciplinar instaurado ao demandante. Ora, é pacífico que esta decisão não constitui um acto que causa prejuízo, susceptível de ser objecto de uma contestação directa. Além disso, o demandante cumpriu o procedimento pré‑contencioso em duas etapas, como foi lembrado no n.° 89. Assim, o demandante pode, no âmbito da presente acção, pedir a reparação do prejuízo que sofreu devido à ilegalidade da decisão de instauração do processo disciplinar.

 Quanto às outras irregularidades invocadas em apoio do pedido de indemnização

115    O demandante pede a reparação dos prejuízos sofridos resultantes, antes de mais, das irregularidades cometidas pela Comissão na auditoria interna efectuada no Eurostat na sequência do envio dos questionários já referidos por H. Tillack, em seguida, da existência de fugas de informações confidenciais que lhe diziam respeito pelos serviços da Comissão e, por fim, da não atribuição de tarefas precisas e de acordo com as suas competências após a sua reafectação. Uma vez que estes comportamentos são desprovidos de carácter decisório, o demandante pode invocá‑los no âmbito de uma acção de indemnização, tendo o procedimento pré‑contencioso observado quanto a eles sido regular.

 Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à não apresentação do pedido de indemnização num prazo razoável

116    Importa lembrar que, segundo jurisprudência constante, os funcionários ou os agentes que desejem obter da União uma indemnização devida a um dano que lhe seja imputável devem apresentar um pedido nesse sentido num prazo razoável a contar do momento em que tiveram conhecimento da situação de que se queixam, ainda que o artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto dos Funcionários não fixe qualquer prazo para a apresentação de um requerimento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Outubro de 2004, Eagle e o./Comissão, T‑144/02, Colect., p. II‑3381, n.os 65 e 66; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Novembro de 2008, Marcuccio/Comissão, F‑87/07, ColectFP, pp. I‑A‑1‑351 e II‑A‑1‑1915, n.° 27, objecto de um recurso pendente no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑16/09 P).

117    Com efeito, o respeito de um prazo razoável é exigido em todos os casos em que, no silêncio dos textos legais, os princípios da segurança jurídica ou da protecção da confiança legítima obstam a que as instituições da União e as pessoas singulares ou colectivas actuem sem qualquer limite temporal, podendo assim, nomeadamente, pôr em risco a estabilidade de situações jurídicas adquiridas. Nas acções de declaração de responsabilidade susceptíveis de conduzir a um encargo pecuniário para a União, o respeito de um prazo razoável para apresentar um pedido de indemnização é igualmente determinado pela preocupação de proteger as finanças públicas que encontra uma expressão particular, relativamente às acções em matéria de responsabilidade extracontratual, no prazo de prescrição de cinco anos fixado pelo artigo 46.° do Estatuto do Tribunal de Justiça (acórdão Sanders e o./Comissão, já referido, n.° 59). O carácter razoável de um prazo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo e, designadamente, da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo, bem como do comportamento das partes em causa (acórdão Eagle e o./Comissão, já referido, n.° 66).

118    Para o cômputo desse prazo, o juiz comunitário considera que incumbe ao funcionário apresentar à instituição um pedido de indemnização num prazo razoável a partir do momento em que teve conhecimento da situação de que se queixa (acórdão Eagle e o./Comissão, já referido, n.os 65 e 66; acórdão do Tribunal da Função Pública de 1 de Fevereiro de 2007, Tsarnavas/Comissão, F‑125/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑43 e II‑A‑1‑231, n.° 69).

119    Como foi referido no n.° 89, o demandante apresentou um requerimento, com base nas disposições do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, em 1 de Fevereiro de 2007, e uma reclamação, com base nas disposições do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, em 28 de Agosto de 2007. Os comportamentos não decisórios mais antigos da Comissão invocados pelo demandante na sua acção tiveram lugar em Novembro de 2002 e foram levados ao conhecimento do interessado em Dezembro de 2002. Os outros comportamentos não decisórios de que se queixa o demandante foram, por sua vez, levados ao seu conhecimento durante os anos de 2003 e 2004. Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, tendo em conta a importância do litígio e a complexidade do processo, que decorreu durante vários anos, deve considerar‑se que o pedido de indemnização formulado num prazo inferior a cinco anos, no seu todo, foi apresentado num prazo razoável.

120    De onde resulta que o fundamento de inadmissibilidade oposto pela Comissão não procede.

 Quanto aos outros fundamentos de inadmissibilidade suscitados relativos à decisão de instauração do processo disciplinar

121    A Comissão defende que o demandante não pode contestar a legalidade da decisão de 9 de Julho de 2003, que instaura o processo disciplinar, uma vez que se trata de um acto preparatório que não pode ser objecto de um recurso. Além disso, não tem interesse em contestar a legalidade desse acto já que o referido processo foi arquivado, sem consequências, por decisão de 26 de Outubro de 2004.

122    O primeiro fundamento de inadmissibilidade suscitado é inoperante, uma vez que o demandante apresentou, não um recurso de anulação da decisão de 9 de Julho de 2003, mas uma acção destinada à reparação do prejuízo resultante desse acto. De resto, no caso em apreço, como foi dito nos n.os 107 a 113, o demandante pode invocar a ilegalidade de um acto preparatório no âmbito de uma acção de indemnização.

123    O segundo fundamento de inadmissibilidade da decisão de instauração do processo disciplinar também não pode prosperar. Efectivamente, o arquivamento do processo disciplinar em Outubro de 2004 não teve por efeito fazer desaparecer retroactivamente o prejuízo causado à reputação que o demandante sofreu nomeadamente durante todo o período em que o referido processo esteve a decorrer. Por conseguinte, o demandante tem interesse em invocar, no âmbito da presente acção, a ilegalidade da decisão de 9 de Julho de 2003, que instaurou o processo disciplinar.

 Quando à responsabilidade extracontratual da Comissão

1.     Quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual da Comissão

 Argumentos das partes

124    O demandante defende que para que exista responsabilidade extracontratual da Comissão devem ser demonstrados o carácter ilegal do comportamento da instituição, a realidade do prejuízo sofrido e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento censurado e o dano alegado.

125    Quanto ao primeiro requisito, o demandante recorda que a jurisprudência exige que seja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica destinada a conferir direitos aos particulares. Quanto à exigência de que a violação deve ser suficientemente caracterizada, o critério determinante que permite considerar que a mesma está preenchida é o da inobservância manifesta e grave, por parte da instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Sempre que essa instituição disponha apenas de uma margem de apreciação extremamente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode ser suficiente para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.

126    A Comissão também afirma que para existir responsabilidade extracontratual da sua parte o demandante deve provar a ilegalidade do comportamento censurado à instituição, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado.

127    Precisa, quanto ao primeiro dos três requisitos que permitem apreciar a procedência de uma acção de indemnização, que a jurisprudência exige que esteja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares. Quanto à exigência segundo a qual a violação deve ser suficientemente caracterizada, o critério decisivo para considerar que está preenchida, quando, designadamente, a instituição em causa dispõe de um amplo poder de apreciação, é o do desrespeito manifesto e grave, por essa instituição, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Só quando esta instituição apenas dispõe de um poder de apreciação consideravelmente reduzido, ou mesmo inexistente, é que a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 43 e 44, e de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 54; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.os 134 a 136).

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

128    Segundo jurisprudência constante, a procedência de uma acção de indemnização intentada nos termos do artigo 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE) está sujeita à reunião de um conjunto de requisitos no que diz respeito à ilegalidade do comportamento censurado às instituições, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, Colect., p. I‑1981, n.° 42, e de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, Colect., p. I‑833, n.° 52). Estes três requisitos são cumulativos. A falta de um deles basta para que uma acção de indemnização seja considerada improcedente.

129    A Comissão afirma que quanto ao primeiro dos três requisitos, a jurisprudência exige que esteja demonstrada uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares.

130    Importa todavia salientar que o Tribunal de Justiça seguiu este modo de raciocínio exclusivamente em litígios nos quais a responsabilidade extracontratual das instituições tinha sido invocada com base nas disposições do artigo 288.° CE (que passou, após alteração a artigo 340.° TFUE), não nas do artigo 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE).

131    Com efeito, é de jurisprudência constante que a responsabilidade extracontratual das instituições, quando posta em causa com base nas disposições do artigo 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE), pode existir devido à simples ilegalidade de um acto que causa prejuízo (ou de um comportamento não decisório), sem que seja necessário interrogar‑se sobre a questão de saber se se trata de uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (v., nomeadamente, acórdão Comissão/Girardot, já referido, n.os 52 e 53).

132    Esta jurisprudência não exclui que o órgão jurisdicional aprecie o alcance do poder de apreciação da administração no domínio em causa; pelo contrário, este critério é um parâmetro essencial no exame da legalidade da decisão ou do comportamento em causa, dependendo o controlo da legalidade exercido pelo órgão jurisdicional e a sua intensidade da maior ou menor margem de apreciação de que disponha a administração em função do direito aplicável e dos imperativos de bom funcionamento que lhe são impostos.

133    Por conseguinte, a jurisprudência recordada no n.° 127, a que se refere a Comissão nos seus articulados, não é aplicável aos litígios que tenham por base as disposições do artigo 236.° CE (que passou, após alteração, a artigo 270.° TFUE). De onde resulta que no caso em apreço incumbe ao Tribunal, para examinar se o primeiro requisito da responsabilidade extracontratual da administração está preenchido, apreciar apenas se os comportamentos censurados à Comissão são, perante a margem de apreciação de que dispõe a administração no litígio em causa, constitutivos de uma falta imputável ao serviço (v., nomeadamente neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2007, Clotuche/Comissão, T‑339/03, ColectFP, pp. I‑A‑2‑29 e II‑A‑2‑179, n.os 219 e 220, e de 12 de Setembro de 2007, Combescot/Comissão, T‑250/04, ColectFP, pp. I‑A‑2‑191 e II‑A‑2‑1251, n.° 86).

134    De qualquer modo, mesmo na hipótese de o raciocínio da Comissão exposto no n.° 127 dever ser admitido, há que salientar que cada uma das ilegalidades invocadas pelo demandante, ainda que fundada, constitui uma violação suficientemente caracterizada de uma das regras de direito seguintes que tem por objecto conferir direitos ao funcionário:

¾        o artigo 24.° do Estatuto;

¾        a decisão de 19 de Fevereiro de 2002;

¾        o Regulamento n.° 45/2001;

¾        o princípio da presunção de inocência;

¾        o princípio da boa administração, em particular o direito de ser tratado de forma imparcial.

2.     Quanto à ilegalidade do comportamento da Comissão

 Quanto à não intervenção espontânea e aos atrasos ilícitos da Comissão no que respeita ao seu dever de assistência

 Argumentos das partes

135    O demandante defende que a Comissão tinha, de acordo com as disposições do artigo 24.° do Estatuto, o dever de assistir os funcionários que são objecto de ataques por parte da imprensa. Este dever impõe à administração intervir num prazo curto para evitar que o prejuízo sofrido pelo funcionário se torne irreparável. Ora, no caso em apreço, a Comissão agiu tardiamente, cometendo assim uma falta susceptível de a responsabilizar. Em primeiro lugar, a Comissão devia ter agido por sua própria iniciativa, desde a publicação de artigos de imprensa que punham em causa a honorabilidade e a reputação profissional dos seu funcionário, sem esperar ser oficialmente interpelada por este último. Em segundo lugar, a Comissão devia ter agido com uma rapidez particular, uma vez que os pedidos de assistência que lhe foram feitos eram motivados pela publicação de artigos de imprensa difamatórios. Ora, a Comissão interveio de modo insuficiente e tardio quando do primeiro pedido de assistência. Além disso, a resposta a esse pedido de assistência só chegou ao demandante vários anos depois de ter sido formulado. Quanto aos dois outros pedidos de assistência apresentados, a Comissão indeferiu‑os mais de três meses depois de os ter recebido. Em terceiro lugar, o comunicado de imprensa publicado em 27 de Outubro de 2004, precisando de maneira lacónica que o processo disciplinar instaurado ao demandante fora arquivado, ocorreu tardiamente e não foi suficiente para reparar o prejuízo causado à honorabilidade e à reputação profissional do interessado.

136    A Comissão afirma que respondeu em tempo útil e de modo adequado aos pedidos de assistência apresentados pelo demandante com base no artigo 24.° do Estatuto. Em primeiro lugar, respondeu espontânea e rapidamente aos questionários de H. Tillack que acusavam o demandante de favorecimento na adjudicação de contratos no Eurostat. Em segundo lugar, reagiu de modo imediato, na sequência da publicação, no sítio Internet da revista Stern e no jornal Le Quotidien, de artigos de imprensa reproduzindo as alegações de favorecimento e de «mutação disciplinar» do demandante. Obteve, além disso, um direito de resposta neste último jornal e pôde assim desmentir publicamente as referidas alegações. Recorda, por outro lado, que não era obrigada, segundo a jurisprudência, a agir na sequência da publicação de todo e qualquer artigo de imprensa que contivesse alegações difamatórias contra um dos seus funcionários ou agentes, mas simplesmente a prestar‑lhe uma assistência adequada. Ora, no caso em apreço, a autorização dada ao demandante, em caso de ataques semelhantes, de utilizar a posição que a Comissão tinha exprimido no direito de resposta publicado no jornal Le Quotidien, constitui uma assistência suficiente. Em terceiro lugar, a Comissão considera que respondeu de modo adequado aos pedidos de assistência apresentados pelo demandante em Julho de 2003, indeferindo‑os. Efectivamente, um comunicado de imprensa distinguindo a situação do demandante da dos dois outros directores do Eurostat que eram objecto de inquéritos por parte do OLAF implicaria o risco de estigmatizar ainda mais os dois funcionários em causa e de prejudicar a imagem da Comissão. Em quarto lugar, a Comissão publicou por sua própria iniciativa um comunicado de imprensa no Midday Express em 27 de Outubro de 2004, em que tornava público o arquivamento do processo disciplinar instaurado ao demandante.

137    Na audiência, a Comissão precisou, além disso, que não se podia considerar que tivesse intervindo tardiamente uma vez que respondeu aos pedidos de assistência no prazo de quatro meses previsto pelas disposições do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

138    Como já foi referido no n.° 98 do presente acórdão, o demandante não pode criticar o conteúdo das decisões adoptadas pela Comissão em resposta aos seus pedidos de assistência. Portanto, aqui são apenas examinadas as alegações do demandante relativas ao comportamento não decisório da administração, em particular o atraso com que decidiu sobre os pedidos.

139    É de jurisprudência constante que a administração dispõe de um amplo poder de apreciação na escolha das medidas e dos meios de aplicação do artigo 24.° do Estatuto. Todavia, ela deve, perante acusações graves e infundadas quanto à honorabilidade profissional de um funcionário no exercício das suas funções, rejeitar essas acusações e tomar todas as medidas para desagravar a reputação lesada do interessado (v., nomeadamente, acórdão Caronna/Comissão, já referido, n.os 64, 65 e 92, e jurisprudência referida). Em particular, a administração deve intervir com toda a energia necessária e responder com a rapidez e solicitude exigidas pelas circunstâncias do caso (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Abril de 1993, Tallarico/Parlamento, T‑5/92, Colect., p. II‑477, n.° 31; de 28 de Fevereiro de 1996, Dimitriadis/Tribunal de Contas, T‑294/94, ColectFP, pp. I‑A‑51 e II‑151, n.os 39 e 45, e de 17 de Março de 1998, Carraro/Comissão, T‑183/95, ColectFP, pp. I‑A‑123 e II‑329, n.° 33).

140    Os pedidos de assistência formulados por um funcionário devido a difamação ou prejuízo causado à sua honorabilidade e à sua reputação profissional, através da imprensa, implicam, em princípio, uma resposta particularmente rápida da parte da administração, a fim de produzir um efeito útil e de permitir ao funcionário escapar, sendo caso disso, aos riscos de prescrição ligados à existência de prazos curtos de recurso em matéria de delitos de imprensa em certos tribunais nacionais.

141    Além disso, o órgão jurisdicional comunitário decidiu que um atraso na actuação da administração, na ausência de circunstâncias particulares, constitui uma falta imputável ao serviço susceptível de a responsabilizar (em matéria de atraso na elaboração de um relatório de classificação, v. nomeadamente acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1986, Castille/Comissão, 173/82, 157/83 e 186/84, Colect., p. 497; acórdão Latham/Comissão, já referido, n.os 49 e 50; no que respeita ao atraso na rectificação das informações erradas, v. acórdão Heinemann/Comissão, já referido, n.° 12).

142    É à luz destas considerações que devem ser apreciados os comportamentos da Comissão.

143    De maneira geral, a Comissão defendeu na audiência que não tinha agido tardiamente, uma vez que tinha decidido dos diferentes pedidos de assistência do demandante e notificado as suas decisões no prazo de quatro meses previsto pelo artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto.

144    A este propósito, o Tribunal considera que as disposições do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto têm por objectivo exclusivo, na falta de resposta da administração a um pedido, criar, no termo de um prazo de quatro meses, uma decisão tácita de indeferimento susceptível de ser contestada em tribunal, depois de observado o procedimento pré‑contencioso previsto pelas disposições do artigo 90.°, n.° 2, do referido Estatuto (v., nomeadamente, acórdão Ronchi/Comissão, já referido, n.° 31). Em contrapartida, no que respeita à responsabilização extracontratual da administração por atraso, estas disposições não podem ser interpretadas no sentido de significarem que a administração dispõe, de maneira geral, de um prazo de quatro meses para agir, sejam quais forem as circunstâncias do caso em apreço. Tal interpretação seria contrária à jurisprudência segundo a qual a administração deve, na falta de prazo imperativo previsto por um texto, decidir num prazo razoável que deve ser apreciado caso a caso em função das circunstâncias particulares do caso em apreço (v., nomeadamente, por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Junho de 2004, François/Comissão, T‑307/01, Colect., p. II‑1669, n.os 48 e 49; acórdão do Tribunal da Função Pública de 14 de Fevereiro de 2007, Fernández Ortiz/Comissão, F‑1/06, ColectFP, pp. I‑A‑1‑53 e II‑A‑1‑293, n.os 41, 42 e 44).

145    Assim, a circunstância de a Comissão ter respondido aos pedidos de assistência num prazo de quatro meses não é susceptível de demonstrar, por si, que tenha agido com a celeridade e a diligência exigidas. Há, portanto, que verificar, em cada caso invocado, se a administração interveio num prazo razoável.

–       No que respeita à não intervenção espontânea da Comissão

146    Como foi recordado no n.° 101 do presente acórdão, a administração não tem, em princípio, por sua própria iniciativa, de proceder a uma determinada acção de assistência de um dos seus funcionários, excepto em caso de circunstâncias excepcionais (acórdão Sommerlatte/Comissão, já referido, n.os 21 e 22; acórdão Bélgica e Comissão/Genette, já referido, n.os 101 e 102; despacho Frankin e o./Comissão, já referido, n.° 24). Ora, no caso em apreço, na falta de demonstração ou mesmo alegação de tais circunstâncias, a Comissão não cometeu qualquer falta ao abster‑se de agir de modo espontâneo na sequência da colocação em causa do demandante por diferentes jornais europeus.

147    De resto, importa notar que, contrariamente ao que defende o demandante, a Comissão, na sequência do envio das questões de H. Tillack pondo em causa a sua reputação profissional, interveio espontânea e rapidamente, antes mesmo do primeiro pedido de assistência do demandante, apresentado em 11 de Novembro de 2002, para desmentir as alegações de favorecimento formuladas. Com efeito, o Eurostat organizou, em 28 e 29 de Outubro de 2002, reuniões para preparar as respostas da Comissão às questões de H. Tillack, respostas comunicadas em 11 de Novembro de 2002.

–       No que respeita à reacção da Comissão na sequência do pedido de assistência de 11 de Novembro de 2002

148    O demandante apresentou um pedido de assistência depois de H. Tillack ter enviado à Comissão, em 25 de Outubro e 7 de Novembro de 2002, questionários que permitiam pensar, nomeadamente, que favorecera sociedades gregas na adjudicação de contratos pelo Eurostat. Em 13 de Novembro de 2002, H. Tillack publicou um artigo de imprensa no sítio Internet da revista Stern em que reproduzia a maior parte das referidas alegações de favorecimento e punha directamente em causa a honorabilidade e a reputação profissional do demandante. Em 14 e 20 de Novembro de 2002, artigos de imprensa contendo alegações da mesma natureza e precisando, além disso, que o demandante tinha sido «demitido das suas funções» foram publicados, respectivamente, no Le Quotidien e no L’Investigateur.

149    A Comissão respondeu às questões de H. Tillack em 11 de Novembro de 2002. Por outro lado, por carta de 15 de Novembro de 2002, pediu um direito de resposta ao jornal Le Quotidien, que aceitou esse pedido em 18 de Novembro de 2002. Tendo em conta o prazo de alguns dias em que a Comissão interveio, o Tribunal considera que a administração agiu, no caso em apreço, com a celeridade exigida.

150    Embora se afigure lamentável que a Comissão não tenha tomado todas as medidas exigidas pela situação, nomeadamente ao não reagir aos artigos publicados no sítio internet da revista Stern e no jornal L’Investigateur, esta falta de reacção, que deve ser analisada como uma decisão tácita de recusa de assistência (v., neste sentido, acórdão Ronchi/Comissão, já referido, n.os 25 a 31), já não pode, como foi recordado no n.° [83], ser contestada no âmbito da presente acção de indemnização, uma vez que não foi objecto de um recurso de anulação nos prazos previstos pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto.

151    Em contrapartida, a administração, ao só informar o demandante por carta de 20 de Dezembro de 2002 do seguimento que tinha considerado útil dar ao seu pedido de assistência, não agiu com a diligência necessária. Efectivamente, nas circunstâncias do caso em apreço, ao demorar mais de um mês para responder ao pedidos de assistência formulado, a Comissão indicou tardiamente ao demandante que não pretendia ir além das medidas que já tinha adoptado, constituindo esta posição um elemento importante para permitir ao demandante agir com total conhecimento de causa, sendo caso disso, contra os referidos órgãos de imprensa.

152    Este atraso ilícito é susceptível de responsabilizar a administração.

–       No que respeita à reacção da Comissão na sequência dos pedidos de assistência de 15 e 21 de Julho de 2003

153    O demandante apresentou pedidos de assistência em 15 e 21 de Julho de 2003, na sequência, por um lado, da publicação no Financial Times e no Le Monde, em 10 e 11 de Julho de 2003, de artigos de imprensa revelando a existência de um escândalo financeiro sério no Eurostat e, por outro, de lhe ter sido instaurado, nesse contexto, um processo disciplinar, assim como a um outro director e ao director‑geral do Eurostat.

154    Ora, a Comissão só tomou posição sobre estes pedidos de assistência em 1 de Outubro de 2003. Dada a natureza dos pedidos de assistência apresentados, relativos a um risco de difamação e de prejuízo causado à honra e à reputação profissional de um funcionário, o Tribunal considera que a administração, tendo demorado mais de dois meses para decidir desses pedidos, não agiu com a diligência exigida na matéria (v. n.° 140 do presente acórdão) e cometeu uma falta susceptível de a responsabilizar.

–       No que respeita ao comunicado de imprensa de 27 de Outubro de 2004

155    É pacífico que a Comissão publicou um comunicado de imprensa informando do arquivamento do processo disciplinar instaurado ao demandante no dia seguinte à adopção dessa decisão. Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, esta medida de publicidade destinada a repor a honra do demandante foi tomada sem demora. Embora seja de lamentar que a Comissão tenha decidido não tomar medidas de publicidade mais consequentes, esta decisão de assistência insuficiente não pode, no âmbito da presente acção, ser contestada, como foi precisado nos n.os 93 e 98 deste acórdão.

156    Resulta do exposto que a Comissão, ao informar tardiamente o demandante do seguimento que tinha dado ao seu primeiro pedido de assistência e ao não responder em tempo útil aos pedidos de assistência formulados em Julho de 2003, cometeu faltas susceptíveis de a responsabilizarem (v., por analogia, acórdãos Caronna/Comissão, já referido, n.° 99, e Ronchi/Comissão, já referido, n.° 52).

 Quanto às fugas de informações confidenciais

 Argumentos das partes

157    O demandante defende que as fugas de informações confidenciais com ele relacionadas ocorreram por duas vezes. Uma primeira fuga, relativa ao projecto de decisão de reafectação junto do director do Eurostat para si prevista, teve lugar em Novembro de 2002. Artigos de imprensa tinham, assim, referido a sua afectação na qualidade de conselheiro principal junto do director‑geral do Eurostat, quando na realidade foi nomeado conselheiro principal na DG «Pessoal e Administração». Uma segunda fuga relativa à decisão de instauração de um processo disciplinar ocorreu em Julho de 2003. Artigos de imprensa internacional permitiram, erradamente, pensar que o demandante estava ligado ao escândalo financeiro da empresa Planistat. Estas fugas de informações só podiam provir dos serviços da Comissão. Além disso, estas fugas, tendo em conta a natureza dos dados de carácter pessoal divulgados, violam o artigo 2.°, alínea b), do Regulamento n.° 45/2001.

158    A Comissão afirma, em primeiro lugar, que o demandante não demonstra que as informações contidas nos artigos de imprensa que apresenta tenham por origem fugas dos serviços da Comissão. Com efeito, os referidos artigos em nenhum momento referem as suas fontes. Em segundo lugar, considera que, de qualquer modo, as fugas alegadas não constituem uma violação caracterizada do direito comunitário susceptível de responsabilizar a administração. Em terceiro lugar, no que respeita à primeira fuga de informação alegada, a Comissão considera que as informações divulgadas não causam prejuízo à reputação do demandante.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

159    O demandante limita‑se a invocar, nos seus articulados e na audiência, as fugas irregulares de dados de carácter pessoal pelos serviços da Comissão que ocorreram por duas vezes, em Novembro de 2002 e Julho de 2003. Em contrapartida, o demandante não invoca, em apoio dos seus pedidos de indemnização, a divulgação de informações de carácter pessoal a ele relativas que puderam ter lugar quando da publicação de comunicados de imprensa provenientes da Comissão.

160    A título liminar, importa lembrar que foi decidido que a fuga irregular de informações de carácter pessoal constitui um tratamento de dados de carácter pessoal contrário às disposições do Regulamento n.° 45/2001 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2007, Nikolaou/Comissão, T‑259/03, não publicado na Colectânea, n.° 208).

161    Além disso, o Tribunal recorda que é ao demandante que cabe, no contexto de uma acção de indemnização, demonstrar que estão preenchidas as condições para que a instituição em causa incorra em responsabilidade extracontratual. Assim, no caso em apreço, o demandante deve, em princípio, demonstrar que as informações a ele relativas publicadas na imprensa resultam de fugas imputáveis à administração (v., neste sentido, acórdãos já referidos, Nikolaou/Comissão, n.° 141, e Frachet e Byk/Comissão, n.° 182). Todavia, esta regra é atenuada quando um facto danoso possa ter sido provocado por diferentes causas e a instituição comunitária não tiver apresentado prova nenhuma que permita determinar a qual destas causas esse facto era imputável, quando a instituição era a melhor colocada para apresentar provas a este respeito, pelo que a incerteza que persiste lhe deve ser imputada (acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 183).

162    É à luz destes princípios que importa analisar a existência das fugas alegadas pelo demandante.

163    Em primeiro lugar, o demandante defende que uma fuga de dados de carácter pessoal, a saber, a divulgação não autorizada do projecto de decisão, entretanto abandonado, de o reafectar na qualidade de conselheiro especial junto do director do Eurostat, se verificou, uma vez que um artigo de imprensa do jornal luxemburguês Le Quotidien publicou essa informação em 14 de Novembro de 2002.

164    Todavia, importa notar que em 13 de Novembro de 2002, a Comissão publicou um comunicado de imprensa em que referia a reafectação de um certo número de directores do Eurostat. Ora, nesse comunicado de imprensa, era oficialmente precisado, ainda que de modo errado, que o demandante tinha sido objecto de uma reafectação nos serviços do Eurostat. Nestas condições, tendo em conta o conteúdo desse comunicado de imprensa oficial, não se afigura que as informações publicadas em 14 de Novembro de 2002 no jornal luxemburguês Le Quotidien tenham por origem uma fuga de dados de carácter confidencial nos serviços da Comissão.

165    De qualquer modo, mesmo admitindo que tal fuga se tenha verificado, o demandante não demonstra o nexo de causalidade entre essa fuga e o prejuízo que invoca. Com efeito, o alegado prejuízo causado à reputação resulta, não da fuga em si, mas da concomitante decisão de reafectação que foi adoptada, da publicidade oficial que lhe foi dada e da publicação de um artigo de imprensa de H. Tillack pondo nomeadamente em causa o demandante.

166    Em segundo lugar, o demandante afirma que os serviços da Comissão estiveram na origem de novas fugas irregulares de dados de carácter pessoal em Julho de 2003, precisando diferentes artigos de imprensa, nomeadamente um artigo publicado em 10 de Julho de 2003 no jornal The Financial Times, precisando que a Comissão tinha instaurado um processo disciplinar ao demandante e que este estava implicado no escândalo financeiro relacionado com a empresa Planistat.

167    A Comissão publicou um comunicado de imprensa em 9 de Julho de 2003 em que precisava nomeadamente que instaurara um processo disciplinar a três funcionários, que suspendeu durante o decurso dos inquéritos os contratos celebrados entre o Eurostat e a empresa Planistat, consultora em economia e estatística, e que dois relatórios realizados pelos seus serviços já tinham permitido constatar violações sérias da regulamentação financeira no Eurostat.

168    Afigura‑se, todavia, na leitura desse comunicado de imprensa, que dele não consta o nome do demandante ou qualquer outro elemento que permita identificá‑lo como um dos funcionários objecto de um processo disciplinar. Nestas condições, o facto de o nome do demandante ser citado no artigo do Financial Times só pode resultar de uma fuga não autorizada de informações. Além disso, essa fuga só pode provir dos serviços da Comissão, não estando nenhuma outra administração envolvida neste assunto e não tendo o demandante qualquer interesse em divulgar à imprensa esse tipo de informação.

169    Na verdade, a Comissão defende que o demandante não demonstra formalmente que os seus serviços estavam na origem da divulgação irregular do nome do demandante. Todavia, ao abrigo dos princípios recordados na jurisprudência referida no n.° 161 do presente acórdão, neste tipo de situação em que existe incerteza, o ónus da prova não incumbia ao demandante, mas à instituição demandada.

170    Por fim, embora a Comissão defenda que os jornalistas, na sequência da leitura do comunicado de 9 de Julho de 2003, puderam por si deduzir o nome do demandante ao efectuarem simples buscas na Internet, estas alegações imprecisas não permitem considerar que a Comissão não está na origem da divulgação irregular do nome do demandante. Com efeito, importa notar que o artigo do Financial Times foi publicado imediatamente após o comunicado de imprensa de 9 de Julho de 2003 e se mostra muito assertivo no que respeita à instauração de um processo disciplinar ao demandante. Por outro lado, não resulta dos documentos dos autos que o Financial Times fazia parte dos órgãos de imprensa que tinha difundido cerca de um ano antes as suspeitas de favorecimento de empresas gregas que recaíam sobre o demandante.

171    Assim, ao divulgar de maneira irregular o nome do demandante como sendo um dos funcionários objecto de um processo disciplinar, a Comissão violou as disposições do Regulamento n.° 45/2001. Esta falta é susceptível de a responsabilizar.

 Quanto ao relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat

 Argumentos das partes

172    O demandante defende que o serviço de auditoria interna do Eurostat cometeu um certo número de faltas na realização do seu relatório. Em primeiro lugar, esta auditoria foi realizada com violação das regras de auditoria. Nomeadamente, o director do Eurostat não mandatou o serviço de auditoria interna para realizar um relatório na sequência das questões colocadas por H. Tillack.

173    Em segundo lugar, o relatório está viciado por parcialidade e viola o princípio da presunção da inocência. Assim, a Sr.a D., autora desse relatório, tinha preconceitos relativamente ao demandante e pretendeu, desde o início da auditoria interna, redigir um relatório desfavorável para o mesmo. Esta falta de imparcialidade é também caracterizada pela reacção da Sr.a D. às observações do demandante sobre o projecto do relatório de auditoria.

174    Em terceiro lugar, a Comissão violou o princípio da confiança legítima e da boa administração ao não conceder uma entrevista ao demandante antes de redigir a versão final do relatório e ao não ter em conta as observações escritas que tinha formulado num correio electrónico de 24 de Junho de 2003.

175    A Comissão lembra, a título liminar, que o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat controvertido constitui um relatório de auditoria e não um relatório na sequência de um inquérito administrativo. Por conseguinte, a administração não tinha de respeitar a regulamentação em matéria de inquéritos administrativos, como a decisão da Comissão de 19 de Fevereiro de 2002 relativa à condução dos inquéritos administrativos e dos processos disciplinares.

176    Em seguida, a Comissão afirma que o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat foi realizado de acordo com as regras em vigor.

177    Em primeiro lugar, a auditoria interna foi expressamente orientada pelo director‑geral do Eurostat, como demonstra, aliás, o documento intitulado «Cronologia das acções/eventos da auditoria sobre a adjudicação dos contratos no âmbito do programa Supcom 1995‑1998», que precisa que «Y. Franchet pede à auditoria interna que aprofunde determinadas questões».

178    Em segundo lugar, os direitos de defesa foram respeitados, uma vez que o demandante obteve uma cópia do projecto de relatório de auditoria interna, nos termos das disposições da carta de auditoria do serviço de auditoria interna do Eurostat de 17 de Junho de 2002 (a seguir «carta de auditoria»), podendo assim formular observações a seu respeito. Por fim, o serviço de auditoria interna analisou os comentários apresentados pelo demandante. A circunstância de o demandante não ter sido ouvido antes de o relatório de auditoria interna estar concluído não é susceptível de demonstrar que a Comissão violou os direitos de defesa, uma vez que nenhuma disposição legal ou regulamentar nem nenhum princípio fundamental de direito comunitário impõem tal obrigação.

179    Em terceiro lugar, o relatório de auditoria interna não é parcial e não viola o princípio da presunção de inocência. Com efeito, ao ler esse relatório, afigura‑se que foi redigido com toda a neutralidade e que não teve por objectivo investigar se o demandante tinha cometido actos ilícitos mas simplesmente avaliar de modo geral os riscos que representavam as acusações feitas ao Eurostat e a um dos seus funcionários.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

180    Em primeiro lugar, o Tribunal considera que, tendo em conta, por um lado, os termos explícitos utilizados no projecto de relatório e no relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat e, por outro, o procedimento observado, a administração, como ela própria defende, procedeu a uma auditoria interna e não a um inquérito administrativo. O IDOC, aliás, não participou de todo na realização dessa auditoria. De onde resulta que o demandante não pode invocar utilmente a violação das disposições da decisão de 19 de Fevereiro de 2002 para responsabilizar a Comissão.

181    Em segundo lugar, o demandante defende que o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat é irregular uma vez que o seu director‑geral não pediu por escrito ao serviço de auditoria interna que realizasse essa auditoria.

182    Todavia, nenhuma disposição do direito da União, nem mesmo a carta de auditoria, impõe ao director‑geral do Eurostat que peça por escrito a realização de uma auditoria pelo serviço de auditoria interna. Além disso, resulta dos documentos dos autos, nomeadamente do documento «Cronologia das acções/eventos da auditoria sobre a adjudicação dos contratos no âmbito do programa Supcom 1995‑1998», que o director‑geral do Eurostat está efectivamente na origem do lançamento inicial da auditoria controvertida. No seu depoimento escrito, apresentado em anexo à réplica, Y. Franchet, antigo director‑geral do Eurostat, afirma, aliás, lembrar‑se de «ter pedido à Sr.a D. que verificasse se as questões levantadas por H. Tillack tinham fundamentos credíveis». Na verdade, a Comissão não pôde explicar na audiência com base em que decisão a auditoria, suspensa durante vários meses, tinha sido relançada em 21 de Maio de 2003, através da comunicação ao demandante do projecto de relatório de auditoria. No entanto, o novo director‑geral, nomeado precisamente em 21 de Maio de 2003, tinha por missão prioritária esclarecer as disfunções existentes no Eurostat. Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, não se afigura que o relançamento da auditoria tenha ocorrido irregularmente por iniciativa exclusiva da Sr.a D. A acusação deve, consequentemente, ser afastada.

183    Em terceiro lugar, o demandante afirma que o princípio da presunção da inocência foi violado no procedimento de elaboração do relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat.

184    Há que lembrar que o princípio da presunção de inocência, como resulta nomeadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção Europeia para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça e o artigo 6.°, n.° 2, UE, são reconhecidos na ordem jurídica da União (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 149 e 150; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Outubro de 2006, Tillack/Comissão, T‑193/04, Colect., p. II‑3995, n.° 121, e Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 209).

185    Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o artigo 6.°, n.° 2, da CEDH regula o procedimento penal no seu todo, independentemente do seu resultado, e não apenas o exame da procedência da acusação. Esta disposição garante que ninguém seja designado e considerado culpado de uma infracção antes de a sua culpa ser declarada por um tribunal. Por conseguinte, exige, designadamente, que os membros de um tribunal, no exercício das suas funções, não partam da ideia pré‑concebida de que o arguido cometeu o acto de que é acusado. A presunção de inocência é violada por declarações ou decisões que reflectem o sentimento de que a pessoa é culpada, que incitem o público a acreditar na sua culpabilidade ou emitam antecipadamente um juízo sobre a apreciação dos factos pelo juiz competente (v., nomeadamente, TEDH, acórdão Allenet de Ribemont c. França de 10 de Fevereiro de 1995, série A n.° 308, §§ 38 a 41; Daktaras c. Lituânia de 10 de Outubro de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑X, § 44, e Pandy c. Bélgica de 21 de Setembro de 2006, n.° 13583/02, §§ 41‑42).

186    Todavia, no caso em apreço, é pacífico que nenhum procedimento penal foi iniciado contra o demandante.

187    Além disso, os órgãos jurisdicionais da União têm decidido de maneira constante que a violação do artigo 6.° da CEDH não pode ser utilmente invocada no âmbito de um procedimento administrativo ou disciplinar, uma vez que a instituição que inicia tal procedimento não pode ser qualificada de «tribunal», na acepção do referido artigo 6.° (v., nomeadamente, despacho do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, N/Comissão, C‑252/97 P, Colect., p. I‑4871, n.° 52; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 1991, de Compte/Parlamento, T‑26/89, Colect., p. II‑781, n.° 94, e de 15 de Maio de 1997, N/Comissão, T‑273/94, ColectFP, pp. I‑A‑97 e II‑289, n.° 95; acórdão do Tribunal da Função Pública de 8 de Novembro de 2007, Andreasen/Comissão, F‑40/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑337 e II‑A‑1‑1859, n.os 125 a 127, objecto de um recurso pendente no Tribunal Geral da União Europeia, processo T‑17/08 P).

188    Nestas condições, o fundamento relativo à violação, no procedimento de auditoria interna, do princípio da presunção de inocência, como resulta nomeadamente das disposições do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, é inoperante uma vez que o serviço de auditoria interna do Eurostat não constitui um «tribunal» na acepção do referido artigo 6.°

189    Não é menos verdade que o princípio da imparcialidade impõe a uma autoridade administrativa, quando realiza uma auditoria, que não tenha preconceitos relativamente ao que fiscaliza. Esta autoridade só se pode afastar desta atitude depois de ter demonstrado as disfunções que constate (v., por analogia, no que respeita à instauração do processo disciplinar, acórdão Pessoa e Costa/Comissão, já referido, n.° 56).

190    No caso em apreço, o demandante defende que a Sr.a D. teve, desde o início da auditoria, preconceitos relativos ao conteúdo das conclusões do relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat.

191    Em primeiro lugar, o Tribunal considera que a circunstância de só as questões do jornalista H. Tillack terem sido utilizadas para definir o âmbito da auditoria interna ou de o relatório de auditoria interna ter posto parcialmente em causa as respostas formuladas pela Comissão às questões de H. Tillack não é suficiente para demonstrar uma marca de imparcialidade do serviço de auditoria interna do Eurostat face ao demandante. Por um lado, como foi precisado no n.° 182 do presente acórdão, foi a pedido do director‑geral e não por iniciativa da Sr.a D. que a auditoria foi circunscrita às questões colocadas por H. Tillack. Por outro lado, tendo as respostas dadas pela Comissão às questões de H. Tillack sido redigidas numa determinada data, as informações contidas nessas respostas puderam ser alteradas ou retocadas posteriormente na sequência de investigações complementares realizadas pelo serviço de auditoria interna.

192    Em segundo lugar, é verdade que a Sr.a D., por um lado, informou o novo director‑geral de que considerava que os comentários do demandante sobre o projecto de relatório de auditoria eram inadequados e, por outro, travou o projecto de resposta aos comentários do demandante preparado pela equipa de auditoria. Todavia, esses comportamentos, embora transpareçam um julgamento de valor subjectivo, não são a prova de parcialidade por parte da Sr.a D., que se manteve dentro dos limites do seu poder de apreciação na qualidade de chefe do serviço de auditoria interna. Por conseguinte, esta acusação deve também ser afastada.

193    Quanto à acusação relativa à violação do princípio do respeito da confiança legítima, importa lembrar que este princípio se inscreve entre os princípios fundamentais da União (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1981, Dürbeck, 112/80, Recueil, p. 1095, n.° 48). O direito de reclamar a protecção da confiança legítima implica a reunião de três condições. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração da União (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Julho de 1998, Mellett/Tribunal de Justiça, T‑66/96 e T‑221/97, ColectFP, pp. I‑A‑449 e II‑1305, n.os 106 e 107). Em segundo lugar, essas garantias devem ser susceptíveis de criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T‑3/92, ColectFP, pp. I‑A‑23 e II‑83, n.° 58; de 27 de Fevereiro de 1996, Galtieri/Parlamento, T‑235/94, ColectFP, pp. I‑A‑43 e II‑129, n.os 63 e 64, e de 17 de Fevereiro de 1998, Maccaferri/Comissão, T‑56/96, ColectFP, pp. I‑A‑57 e II‑133, n.° 54). Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes às normas aplicáveis (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1986, Vlachou/Tribunal de Constas, 162/84, Colect., p. 481, n.° 6; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Março de 1990, Chomel/Comissão, T‑123/89, Colect., p. II‑131, n.° 28).

194    O princípio da boa administração requer, quanto a si, que a AIPN, quando decide sobre a situação de um funcionário, tome em consideração o conjunto dos elementos susceptíveis de determinar a sua decisão e, ao fazê‑lo, tenha em conta, não só o interesse do serviço, mas também o do funcionário em questão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Março de 2004, Afari/BCE, T‑11/03, ColectFP, pp. I‑A‑65 e II‑267, n.° 42; acórdão do Tribunal da Função Pública de 13 de Dezembro de 2007, Sequeira Wandschneider/Comissão, F‑28/06, ColectFP, pp. I‑A‑1‑431 e II‑A‑1‑2443, n.° 150).

195    No caso em apreço, nenhuma disposição nem nenhum princípio do direito da União impõe à administração que proceda à audição de um funcionário antes de concluir um relatório de auditoria interna a seu respeito. O ponto 4.2.4 da carta de auditoria prevê simplesmente a obrigação de o serviço de auditoria interna permitir à pessoa, cuja actividade é objecto da auditoria, apresentar as suas observações sobre o projecto de relatório. Ora, resulta da carta da Sr.a D. de 12 de Junho de 2003 e das observações do demandante de 24 de Junho de 2003, que esta obrigação foi satisfeita. Além disso, o demandante não demonstra que a administração lhe tenha dado garantias precisas, incondicionais e concordantes relativamente à sua audição antes da conclusão do relatório de auditoria interna. Assim, uma vez que uma das condições colocadas para poder invocar o princípio da confiança legítima não está satisfeita, o fundamento relativo à violação desse princípio não pode, de qualquer modo, proceder.

196    Por fim, a circunstância de o demandante não ter beneficiado de uma entrevista formal antes de o relatório do serviço de auditoria interna estar definitivamente elaborado não é susceptível de demonstrar uma violação do princípio da boa administração. Com efeito, a administração pôde tomar em consideração o interesse do demandante, uma vez que é pacífico que este pôde apresentar as suas observações sobre o projecto de relatório.

 Quanto à decisão de instauração do processo disciplinar

 Argumentos do demandante

197    O demandante defende, em primeiro lugar, que o procedimento observado pela Comissão a fim de lhe instaurar um processo disciplinar é irregular. Efectivamente, a Comissão baseou‑se, para instaurar esse processo, não num inquérito administrativo realizado pelo IDOC, nos termos das disposições da decisão de 19 de Fevereiro de 2002, mas apenas num relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat e num relatório intercalar do serviço de auditoria interna da Comissão. Além disso, as garantias processuais apresentadas pela decisão de 19 de Fevereiro de 2002, tal como o direito de ser ouvido antes da redacção do relatório final, não foram respeitados. Por outro lado, a administração violou o princípio do respeito dos direitos de defesa ao não ouvir o demandante antes de lhe instaurar um processo disciplinar.

198    Afirma, em segundo lugar, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o princípio da boa administração ao decidir instaurar‑lhe um processo disciplinar. Por um lado, o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat e o relatório intercalar do serviço de auditoria da Comissão em que esta se baseou não lhe permitiam instaurar legalmente tal processo, uma vez que esses relatórios não foram realizados com seriedade, não demonstravam o que afirmavam, não respeitavam os direitos de defesa e continham um grande número de informações erradas e imprecisas. Por outro lado, o erro manifesto de apreciação resulta também do carácter precipitado da decisão de instauração do processo disciplinar que foi adoptado num prazo de dois dias.

199    A Comissão afirma que a decisão de instauração do processo disciplinar de 9 de Julho de 2003 foi tomada no estrito respeito das regras comunitárias aplicáveis.

200    Considera, em primeiro lugar, que nenhuma disposição legal ou regulamentar lhe impõe que proceda a um inquérito administrativo antes de instaurar um processo disciplinar a um dos seus funcionários. É livre de instaurar um processo disciplinar desde que disponha de elementos suficientes para caracterizar uma falta disciplinar. Recorda a este respeito que dispõe de um amplo poder de apreciação na matéria, em função dos elementos à sua disposição. Ora, no caso em apreço, tendo em conta o conteúdo dos referidos relatórios, podia, sem cometer um erro manifesto de apreciação, decidir instaurar o processo disciplinar controvertido.

201    A Comissão defende, em segundo lugar, que nenhuma disposição do direito comunitário lhe impõe que ouça um funcionário antes de adoptar a seu respeito uma decisão de instauração de um processo disciplinar. Antes de mais, o artigo 87.° do Estatuto prevê simplesmente que o funcionário é ouvido, ou antes de o AIPN lhe dirigir uma advertência escrita ou uma repreensão, ou antes de a AIPN decidir recorrer ao Conselho de Disciplina. Em seguida, o princípio fundamental do direito de ser ouvido só obriga a Comissão a ouvir um funcionário quando uma decisão que lhe cause prejuízo for susceptível de ser tomada contra si. Ora, não sendo a decisão de instauração de um processo disciplinar uma decisão que cause prejuízo, este princípio fundamental não se aplica no caso em apreço. Por fim, sendo o processo disciplinar um processo não jurisdicional, o estipulado no artigo 6.° da CEDH não pode ser utilmente invocado para apoiar a tese de que o demandante devia ser ouvido antes da instauração do processo disciplinar.

202    A Comissão afirma, em terceiro lugar, que não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao instaurar o processo disciplinar controvertido, uma vez que o relatório de auditoria interna do Eurostat e o relatório intercalar do serviço de auditoria interna da Comissão, que não violam o princípio da presunção de inocência, podiam legitimamente fazer pensar que o demandante tinha cometido faltas disciplinares.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

203    Em primeiro lugar, o demandante defende que a decisão de instauração do processo disciplinar está inquinada por um vício processual, uma vez que a Comissão não procedeu previamente a um inquérito administrativo e não respeitou as disposições da decisão de 19 de Fevereiro de 2002 relativa aos inquéritos administrativos.

204    Todavia, nem o artigo 87.° do Estatuto nem o anexo IX do mesmo impõem a realização de um inquérito administrativo antes de a administração decidir instaurar um processo disciplinar.

205    Na verdade, a decisão de 19 de Fevereiro de 2002, que cria o IDOC, define um certo número de regras a respeitar em caso de realização de um inquérito administrativo destinado a preparar um processo disciplinar. Todavia, nenhuma disposição desta decisão impõe expressamente à administração que efectue um inquérito administrativo antes de instaurar um processo disciplinar. Pelo contrário, resulta do artigo 5.° dessa decisão que a instauração de um inquérito administrativo é apenas uma faculdade dada ao director‑geral do Pessoal e da Administração para melhor esclarecer os factos susceptíveis de serem imputados a um funcionário.

206    Além disso, não constituindo uma decisão de instauração de um processo disciplinar um acto lesivo, o princípio do respeito dos direitos de defesa não pode ser utilmente invocado pelo demandante para criticar o facto de não ter sido ouvidos antes de a AIPN decidir instaurar‑lhe um processo disciplinar (acórdãos Pessoa e Costa/Comissão, já referido, n.° 59, e Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 367).

207    Assim, a não realização de um inquérito administrativo antes da instauração do processo disciplinar não constitui um vício processual ou uma violação do princípio do respeito dos direitos de defesa susceptível de responsabilizar a administração.

208    Em segundo lugar, no que respeita à acusação relativa ao erro manifesto de apreciação, importa lembrar que a finalidade de uma decisão que instaura um processo disciplinar a um funcionário é permitir à AIPN examinar a veracidade e a gravidade dos factos imputados ao funcionário em causa e de o ouvir sobre esse assunto, nos termos do artigo 87.° do Estatuto, a fim de forjar uma opinião, por um lado, quanto à oportunidade quer de arquivar, sem consequências, o processo disciplinar, quer de aplicar uma sanção disciplinar ao funcionário e, por outro, sendo caso disso, quanto à necessidade de o remeter ou não, antes da adopção dessa sanção, ao Conselho de Disciplina, de acordo com o procedimento previsto no anexo IX do Estatuto (acórdão Pessoa e Costa/Comissão, já referido, n.° 36, e do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Outubro de 2005, Rasmussen/Comissão, T‑203/03, ColectFP, pp. I‑A‑279 e II‑1287, n.° 41).

209    Tal decisão implica necessariamente considerações delicadas por parte da instituição, tendo em conta as consequências sérias e irrevogáveis susceptíveis de daí resultar. A instituição dispõe a este respeito de um amplo poder de apreciação e o controlo jurisdicional limita‑se a uma verificação da exactidão material dos elementos tomados em consideração pela administração para instaurar o processo, da inexistência de erro manifesto na apreciação dos factos imputados e da inexistência de desvio de poder (v., por analogia em matéria de sanção disciplinar, nomeadamente acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Maio de 2000, Tzikis/Comissão, T‑203/98, ColectFP, pp. I‑A‑91 e II‑393, n.° 50, e N/Comissão, já referido, n.° 125; em matéria de recurso ao OLAF, acórdão do Tribunal da Função Pública de 2 de Maio de 2007, Giraudy/Comissão, F‑23/05, ColectFP, pp. I‑A‑1‑121 e II‑A‑1‑657, n.os 98 e 99).

210    Todavia, para proteger os direitos do funcionário em causa, incumbe à AIPN, antes de instaurar o procedimento disciplinar, dispor de elementos suficientemente precisos e pertinentes (v., neste sentido, acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 352; acórdão do Tribunal da Função Pública de 13 de Janeiro de 2010, A e G/Comissão, F‑124/05 e F‑96/06, n.° 366).

211    No caso em apreço, resulta da leitura da decisão de 9 de Julho de 2003 que a Comissão decidiu instaurar um processo disciplinar ao demandante, por um lado, por ter tolerado ou aceitado, quando da adjudicação de contratos, que os processos de avaliação não fossem transparentes, não estando os métodos de avaliação apresentados nos relatórios da Comissão Consultiva de Compras e Contratos de acordo com os efectivamente aplicados nos factos e, por outro, por ter tolerado ou aceitado, para um contrato celebrado com a empresa Planistat, que um perito próximo da sua pessoa e não proposto inicialmente pelo concorrente, participasse no projecto para a elaboração de um estudo sem relação com o contrato, que deu lugar a um «Visto; a pagar», ainda antes de o relatório intercalar do estudo estar concluído. Para adoptar essa decisão, a Comissão baseou‑se, por um lado, no relatório intercalar do serviço de auditoria interna da Comissão de 7 de Julho de 2003 e, por outro, no relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat de 8 de Julho de 2003.

212    Põe‑se, em primeiro lugar, a questão de saber se relatórios de auditoria interna podem constituir, enquanto tais, elementos suficientemente precisos e pertinentes susceptíveis de serem tidos em consideração pela administração para instaurar um processo disciplinar a um funcionário.

213    Com efeito, o ponto 1.3 da carta de auditoria precisa nomeadamente:

«[…] a finalidade de uma auditoria interna não é descobrir a fraude.

Ainda que uma auditoria dos procedimentos seja conduzida de forma conscienciosa, não pode garantir a descoberta de todas as fraudes.

Um auditor pode, todavia, identificar certos riscos susceptíveis de pôr em destaque as fraudes. Se os controlos efectuados não reduzirem os riscos e os perigos identificados, incumbe ao auditor prosseguir as suas investigações para determinar se existe fraude e, sendo caso disso, informar o OLAF, que é o único órgão competente para realizar esse tipo de inquéritos.»

214    A Comissão recorda, por sua vez, na sua contestação:

«Um [relatório de] auditoria interna tem por finalidade ajudar os directores‑gerais e os quadros superiores a controlarem os riscos, a fim de garantir a segurança dos bens e verificar o respeito das regras e a exactidão das informações […]. Por conseguinte, uma auditoria interna do Eurostat não permite concluir pela existência de certas práticas fraudulentas nem permite demonstrar que certas alegações de fraude são fundadas. Isso só pode resultar de inquéritos administrativos e de processos disciplinares. O objectivo da auditoria interna é, portanto, claramente diferente do de um inquérito administrativo ou de um processo disciplinar, respeitando ou podendo respeitar estes processos às obrigações eventuais de pessoas precisas […]»

215    No caso em apreço, é pacífico que a Comissão se baseou exclusivamente em relatórios de auditoria interna para instaurar o processo disciplinar ao demandante. Ora, tendo em conta a sua natureza e as referidas características tais relatórios de auditoria interna não podem, em princípio, constituir elementos suficientemente precisos e pertinentes para permitir a instauração de um processo disciplinar.

216    Todavia, ainda que não seja essa a sua finalidade, não se exclui que um relatório de auditoria interna possa, sendo caso disso, servir de base à instauração de um processo disciplinar. Importa, portanto, verificar, caso a caso, quando a administração se refere a esse relatório, se as informações contidas nesse tipo de documento são suficientemente precisas e pertinentes para basear a instauração de um processo disciplinar.

217    No caso em apreço, importa salientar que o relatório intercalar do serviço de auditoria interna da Comissão não contém nenhuma constatação relativa à primeira acusação imputada ao demandante. No que respeita à segunda acusação, o referido relatório limita‑se a precisar que o serviço de auditoria interna do Eurostat pôs em destaque uma potencial situação de nepotismo. Assim, esse relatório não contém nenhuma análise, nem investigação específica relativa aos factos imputados ao demandante, limitando‑se, por um lado, a subscrever de modo indirecto e prudente as constatações que puderam ser efectuadas pelo serviço de auditoria interna do Eurostat no âmbito do seu projecto de relatório e, por outro, a recordar as especulações suscitadas nos meios de comunicação social pela existência de um suposto favorecimento relativamente às empresas gregas numa das direcções do Eurostat.

218    Assim, este relatório, tendo em conta o seu conteúdo, não podia constituir um elemento de informação preciso e pertinente que permitisse à Comissão basear uma decisão de instauração de um processo disciplinar.

219    No que concerne ao relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat de 8 de Julho de 2003, importa, em primeiro lugar, observar que foi redigido como reacção às questões colocadas por um jornalista sobre as condições de adjudicação dos contratos pela direcção dirigida pelo demandante e com base numa análise limitada dos factos relacionados com as alegações do referido jornalista. Assim, é precisado na introdução do relatório que a análise efectuada «não implicou uma auditoria detalhada e individualizada dos contratos adjudicados no âmbito do programa Supcom, limitando‑se aos aspectos denunciados pelo [jornalista] ou seja, a repartição do orçamento por nacionalidade, os métodos de avaliação das propostas ou a transparência no processo de adjudicação». A análise crítica do relatório de auditoria interna apresentada pelo demandante e cujo conteúdo não é contestado pela Comissão (a seguir «análise crítica») precisa, a este propósito, que «a auditoria interna não aplicou as normas internacionais da auditoria nem as normas da carta de auditoria», que «as conclusões da auditoria interna de modo nenhum estão de acordo quanto a numerosos pontos desenvolvidos no relatório», que a «carta de comentários [do demandante] em resposta ao projecto merecia que fossem tidos em conta no relatório de auditoria interna os pontos de facto precisos e relativos ao mérito […]».

220    Em segundo lugar, o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat chega, nomeadamente, às conclusões seguintes:

–        o processo de avaliação das propostas apresentadas por empresas para a obtenção de contratos ligados ao programa Supcom nem sempre foi transparente e nem sempre respeitou as regras internas;

–        no que concerne ao contrato n.° 665100003 com a empresa Planistat, foram cometidas irregularidades no que respeita, nomeadamente, ao emprego de um perito, sobrinho do demandante.

221    Embora o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat ponha assim em destaque um certo número de disfunções relativas ao processo de avaliação das propostas no processo de adjudicação dos contratos Supcom da direcção dirigida pelo demandante, não resulta de todo, em contrapartida, desse relatório, que o interessado esteve na origem das irregularidades constatadas ou associado às referidas irregularidades, ou que as disfunções indicadas só existiam na direcção do demandante, como, aliás, observou a equipa de auditoria no seu projecto de resposta às observações do demandante.

222    Por outro lado, quanto ao facto de o afilhado do demandante ter sido empregado no âmbito de um contrato entre o Eurostat e a empresa Planistat, de modo nenhum resulta do relatório do serviço de auditoria interna que o demandante desempenhou um qualquer papel nessa situação.

223    Importa, além disso, salientar que o demandante apresentou observações precisas a fim de desmentir os factos que lhe eram imputados no projecto de relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat.

224    Ora, resulta dos documentos dos autos que o serviço de auditoria interna do Eurostat não teve, afinal, em conta as observações do demandante. Efectivamente, embora o serviço tivesse pretendido, num primeiro momento, responder por escrito às observações do demandante, esse projecto foi afinal abandonado sem que a administração explique tal mudança de posição. Além disso, resulta de uma carta de 8 de Julho de 2003 da Sr.a D. para o novo director‑geral do Eurostat, que o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat de 8 de Julho de 2003 constitui uma cópia autenticada do projecto de relatório do serviço de auditoria interna e que nenhum trabalho aprofundado de análise das observações formuladas pelo demandante foi afinal efectuado pelo serviço de auditoria interna do Eurostat. Com efeito, é precisado na referida carta:

«[…] tinha‑lhe enviado em 27 de Maio de 2003 o projecto de relatório de auditoria sobre [a] adjudicação dos contratos no âmbito do programa Supcom 1995‑1999’ […]

Envio‑lhe a análise definitiva em causa com as informações de que dispunha quando da análise dos factos e que não posso aprofundar dado o meu volume de trabalho passado e actual.»

225    A análise crítica constata também que os comentários formulados pelo demandante sobre o projecto de relatório de auditoria, tendo em conta o seu conteúdo e precisão, deviam ter sido explorados pelos auditores e implicar uma alteração do relatório de auditoria interna. Além disso, resulta do relatório do OLAF que os referidos auditores reconheceram, eles próprios, no inquérito do OLAF, que o relatório de auditoria era «não contraditório».

226    Nestas condições, o relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat, realizado sobre bases parciais e incompletas, não constituía um elemento de informação suficientemente pertinente e preciso para permitir à administração instaurar um processo disciplinar.

227    De resto, há que notar que a própria equipa de auditoria interna reconheceu, no seu projecto de resposta às observações do demandante, que o seu relatório de auditoria, dado o seu conteúdo, não constituía uma base para se pôr em causa, pessoalmente, o demandante. Com efeito, em resposta a uma observação do demandante, que indicava que «ainda que certas estatísticas [fossem] verdadeiras, […] não [podiam] constituir uma prova de um[a] qualquer falta da minha parte», os auditores propunham responder: «tem razão e [é] por isso que não se faz qualquer menção à ‘infracção de uma regra’».

228    Por outro lado, a Comissão admitiu na audiência que não havia motivos que justificassem a instauração urgente de um processo disciplinar ao demandante, urgência que poderia ter explicado, sendo caso disso, a falta de aprofundamento do relatório de auditoria. Não se exclui, assim, que a instauração do processo disciplinar ao demandante, desde 9 de Julho de 2003, tenha sido parcialmente motivada pela instauração em paralelo de processos disciplinares, nessa mesma data, a outros funcionários do Eurostat, entre os quais o seu director‑geral.

229    Perante os elementos à sua disposição e resultantes de relatórios de auditoria insuficientemente precisos e pertinentes, a administração, antes de instaurar procedimentos disciplinares, podia, na melhor das hipóteses, ter iniciado um inquérito administrativo confiado ao IDOC ou ter recorrido ao OLAF, o que não fez, tendo o OLAF sido consultado apenas após a instauração do processo disciplinar.

230    De onde resulta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o princípio da boa administração ao instaurar em 9 de Julho de 2003 um processo disciplinar ao demandante com base apenas nos referidos relatórios de auditoria interna. Este acto é constitutivo de uma falta susceptível de a responsabilizar.

 Quanto à não atribuição de tarefas precisas e conformes ao grau e às competências do demandante

 Argumentos das partes

231    O demandante defende que após a decisão de reafectação na qualidade de conselheiro principal junto da DG «Pessoal e Administração», a Comissão não lhe confiou missões precisas e conformes com as suas competências. Queixou‑se ao presidente da Comissão sem grande êxito. As tarefas a que se refere a Comissão na resposta à sua reclamação não tinham conteúdo real e, além disso, nunca encontrou o vice‑presidente da Comissão, junto de quem estava, teoricamente, afectado. Foi colocado num pequeno gabinete sem meios, nem secretária. Quanto à circunstância de a Comissão ter concedido ao demandante autorizações para o exercício de actividades externas, não demonstra que lhe tenha sido confiada a realização de missões precisas.

232    A Comissão afirma, em primeiro lugar, que a decisão de reafectação de que o demandante foi objecto continha missões precisas e conformes ao grau deste último. Em segundo lugar, a Comissão atribuiu‑lhe, desde a sua entrada em funções na DG «Pessoal e Administração», tarefas precisas a efectuar. Em terceiro lugar, o demandante participou nos preparativos do Conselho informal de Rodes (Grécia), obteve autorizações para o exercício de actividades externas e participou, a partir de Novembro de 2003, num grupo de trabalho relativo à reforma dos regimes de aposentação dos funcionários dos Estados‑Membros. A circunstância de o demandante não ter encontrado o vice‑presidente da Comissão não é susceptível de demonstrar que não teve qualquer missão, sabendo que era conselheiro principal na DG «Pessoal e Administração» e não conselheiro especial de um comissário.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

233    Há que fazer uma distinção entre, por um lado, a decisão de reafectação em si e, por outro, os comportamentos não decisórios da Comissão que tiveram por efeito ou por objecto esvaziar do seu conteúdo as funções atribuídas ao demandante pela decisão de reafectação. Com efeito, só os referidos comportamentos não decisórios da Comissão são susceptíveis de responsabilizar a instituição, tendo em conta o que foi recordado relativamente à decisão de reafectação nos n.os 106 e 107 do presente acórdão.

234    No caso em apreço, a decisão de reafectação enumerava um certo número de tarefas atribuídas ao demandante. Todavia, não resulta dos documentos dos autos que a Comissão lhe tenha dado a possibilidade de cumprir efectivamente essas tarefas nem que elas tenham tido um conteúdo substancial, correspondente às competências e ao nível de experiência do demandante.

235    Com efeito, resulta nomeadamente de uma carta de 9 de Setembro de 2003 dirigida ao presidente da Comissão que o demandante se queixava de não ter tarefas efectivas relacionadas com o seu grau e as suas competências desde a sua reafectação em Novembro de 2002. Uma nota de 22 de Setembro de 2003 do director‑geral da DG «Pessoal e Administração» pede ao chefe de gabinete do vice‑presidente da Comissão que atribua missões ao demandante conformemente ao que tinha sido acordado. Em resposta a esta carta, o chefe de gabinete, por uma nota de 29 de Setembro de 2003, limitou‑se a pedir, por sua vez, ao director da DG «Pessoal e Administração» que apresentasse propostas relativamente às tarefas susceptíveis de serem atribuídas ao demandante. Tal troca de correspondência apoia a tese do demandante quanto, pelo menos, ao período decorrido entre Janeiro e Outubro de 2003. Ora, a Comissão, que devia poder apresentar provas contrárias a este propósito, não apresenta quaisquer elementos probatórios susceptíveis de demonstrar que as tarefas tinham sido realmente confiadas ao demandante, em particular após esta troca de correspondência. Embora a administração defenda que o demandante participou no Conselho informal de Rodes, não precisa, de todo, no que consistiu realmente essa missão, nem a natureza dos trabalhos efectuados. Da mesma maneira, embora a Comissão afirme que o demandante foi designado para participar num grupo de trabalho relativo à reforma dos regimes de aposentação no sector público a partir de 24 de Novembro de 2003, não demonstra que o demandante teve a possibilidade de participar efectivamente nesse grupo, sendo isso firmemente contestado pelo interessado. Por outro lado, de notar que este grupo de trabalho era maioritariamente composto por funcionários objecto de processos disciplinares, elemento que permite duvidar das expectativas que a Comissão podia ter sobre os trabalhos do referido grupo.

236    Além disso, a circunstância de o demandante ter obtido, no decurso do período controvertido, autorizações de exercício de actividades externas não é susceptível de demonstrar que teve a possibilidade de exercer concretamente funções correspondentes ao seu grau na Comissão.

237    Assim, perante estes diferentes elementos, afigura‑se que a Comissão, de maneira deliberada ou pela sua inércia, não permitiu ao demandante exercer concretamente funções correspondentes ao seu grau, de Janeiro de 2003 a Fevereiro de 2006, excepto durante o período de seis meses no decurso do qual o interessado exerceu funções junto do Governo grego, no âmbito de uma licença sem vencimento. Tal atitude da Comissão constitui também um comportamento ilícito susceptível de a responsabilizar.

238    Resulta do exposto que a Comissão incorreu em diversas faltas relativamente ao demandante, em primeiro lugar, ao informá‑lo tardiamente do seguimento dado ao seu pedido de assistência de 11 de Novembro de 2002, em segundo lugar, ao responder tardiamente aos pedidos de assistência apresentados em 15 e 21 de Julho de 2003, em terceiro lugar, ao decidir instaurar um processo disciplinar na falta de elementos suficientemente pertinentes e precisos, em quarto lugar, ao deixar divulgar em Julho de 2003 dados de carácter pessoal a ele relativos e, em quinto lugar, ao não lhe confiar, durante vários anos, tarefas efectivas correspondentes ao seu grau.

 Quanto ao prejuízo e ao nexo de casualidade

 Argumentos das partes

239    O demandante defende que a Comissão cometeu um determinado número de ilegalidades que estão directamente relacionadas com os prejuízos que invoca.

240    Afirma, no último dos seus articulados, que essas ilegalidades estão na origem de um prejuízo moral particularmente elevado que avalia no montante de 850 000 euros. A título deste prejuízo, o demandante recorda em especial que a Comissão, através dos seus comportamentos ilícitos, causou prejuízo à sua honorabilidade e à sua reputação profissional. Na réplica, o demandante declara desistir do pedido de reparação do prejuízo moral ligado à deterioração do seu estado de saúde.

241    A Comissão afirma que incumbe ao demandante demonstrar que os comportamentos ilegais invocados estão directamente ligados ao prejuízo moral que alega e tiveram uma influência real e certa na sua situação profissional e pessoal. Ora, não é o que acontece no caso em apreço. Em particular, a Comissão considera que o demandante não demonstra que perdeu uma oportunidade de ser nomeado director‑geral do Eurostat, uma vez que não demonstra que foi publicado um anúncio de vaga nem que apresentou a sua candidatura. Do mesmo modo, não existe relação entre os comportamentos imputados à Comissão e o facto de o demandante ter sido objecto de acusações e insinuações na imprensa.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

242    Importa, a título liminar, recordar que o demandante, no último dos seus articulados, limita os pedidos apenas à reparação do prejuízo moral resultante, por um lado, do prejuízo causado à sua reputação e à sua honorabilidade profissional e, por outro, ao estado de incerteza e de inquietude em que se encontrou, excluindo a deterioração do seu estado psíquico.

243    Há, em seguida, que examinar se as faltas imputáveis ao serviço cometidas pela Comissão estão directamente ligadas ao prejuízo moral que o demandante invoca.

244    Em primeiro lugar, o atraso com o qual a Comissão informou o seu funcionário do seguimento que dava ao seu pedido de assistência de 11 de Novembro de 2002, uma vez que não é justificado pela existência de nenhuma circunstância particular, constitui uma falta imputável ao serviço geradora de um dano moral específico, tendo em conta o estado de incerteza e de inquietação em que o funcionário se encontrou devido a esta situação (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 1979, V./Comissão, 18/78, Recueil, p. 2093, n.os 16 e 19; acórdão Caronna/Comissão, já referido, n.° 106). O mesmo acontece no que respeita ao atraso com o qual a Comissão decidiu dos pedidos de assistência apresentados pelo demandante em 15 e 21 de Julho de 2003. Far‑se‑á uma justa apreciação desses prejuízos morais fixando‑os ex aequo et bono no montante de 10 000 euros (v., por analogia, em matéria de reparação do prejuízo moral na sequência de um atraso na elaboração de um relatório de classificação, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Dezembro de 2005, T‑274/04, Rounis/Comissão, ColectFP, pp. I‑A‑407 e II‑1849, n.° 54).

245    Em segundo lugar, a decisão de instauração de um processo disciplinar, quando a Comissão não dispunha de elementos de informação suficientemente precisos e pertinentes é constitutiva de uma falta que causou um prejuízo muito sério à honorabilidade e à reputação profissional do demandante. Com efeito, esta decisão permitiu que o grande público, assim como a envolvente e os colegas do demandante, pensassem que ele tinha cometido factos repreensíveis. Ora, resulta dos documentos dos autos, nomeadamente do relatório do OLAF, que as críticas contra si formuladas não tinham qualquer fundamento.

246    Em terceiro lugar, a fuga de dados de carácter pessoal imputável à Comissão, ocorrida em Julho de 2003, está directamente na origem de um agravamento importante do prejuízo causado à reputação e à honorabilidade profissional do demandante. Efectivamente, foi a divulgação do nome do demandante através desta fuga que, associada às informações contidas no comunicado de imprensa da Comissão de 9 de Julho de 2003, permitiu ao grande público e à imprensa internacional e grega designar o demandante um dos funcionários objecto de um processo disciplinar, permitindo pensar que estava implicado num escândalo financeiro.

247    Os prejuízos referidos nos dois números anteriores foram apenas parcialmente reparados pelo comunicado de imprensa de 27 de Outubro de 2004, cuja difusão teve um impacto muito inferior aos artigos publicados na imprensa internacional e grega (v., quando a medidas que reparam de modo insuficiente um prejuízo infundado à reputação de um funcionário, acórdão Giraudy/Comissão, já referido, n.° 206). A difusão desse comunicado constituiu a única medida adoptada pela Comissão para restabelecer a honorabilidade do demandante. A instituição não apresentou, em nenhum momento, ao demandante as desculpas ou a retractação que o facto de ser posto em causa publicamente, sem fundamento, impunham.

248    Assim, tendo em conta as referidas circunstâncias particulares do presente processo, incluindo o comunicado de imprensa de 27 de Outubro de 2004, há que avaliar ex aequo et bono o montante do prejuízo moral causado pela Comissão resultante do dano causado à honorabilidade e à reputação profissional do demandante no valor de 60 000 euros (v., quanto a casos de prejuízo sério da reputação, acórdão Franchet e Byk/Comissão, já referido, n.° 411; acórdão Giraudy/Comissão, já referido, n.° 207).

249    Em quarto lugar, ao não confiar ao demandante durante vários anos tarefas efectivas correspondentes ao seu grau, a Comissão cometeu uma falta imputável ao serviço que está directamente na origem de um prejuízo moral. Nestas circunstâncias, há que condenar a Comissão a pagar a este título o montante de 20 000 euros ao demandante.

250    Resulta do exposto que há que condenar a Comissão no pagamento ao demandante, a título dos diferentes prejuízos morais que sofreu, o montante de 90 000 euros.

 Quanto aos pedidos de medidas de organização do processo e de diligências de instrução

1.     Argumentos das partes

251    Em primeiro lugar, o demandante pede ao Tribunal da Função Pública que ouça, na audiência, como testemunhas, antes de mais o Sr. Portal, jornalista do quotidiano La Voix, em seguida, a Sr.a D., para que precise as condições de elaboração do relatório do serviço de auditoria interna do Eurostat de 8 de Julho de 2003 e, por fim, o Sr. Koopman, para que forneça precisões relativamente à adopção da decisão de reafectação.

252    Em segundo lugar, o demandante pede ao Tribunal que convide a Comissão a apresentar toda a documentação susceptível de demonstrar que o serviço de auditoria interna do Eurostat procedeu efectivamente a controlos entre Novembro de 2002 e Maio de 2003 relativamente aos factos que lhe eram imputados.

253    Em terceiro lugar, o demandante pede ao Tribunal que convide a Comissão a apresentar o relatório completo do OLAF sem supressão das alegadas passagens confidenciais e dos anexos.

2.     Apreciação do Tribunal da Função Pública

254    O demandante pede, na sua réplica, que o Tribunal ordene à Comissão que apresente documentos e que ouça três testemunhas.

255    Nos termos do artigo 54.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, as medidas de organização do processo e as diligências de instrução têm por objectivo garantir, nas melhores condições, a instrução dos processos, a respectiva tramitação e a resolução dos litígios. As diligências de instrução, a título dos artigos 57.° a 58.° do mesmo regulamento, destinam‑se, por sua vez, a permitir provar as alegações de facto feitas por uma parte em apoio dos seus fundamentos (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Novembro de 2000, Bareyt e o./Comissão, T‑175/97, ColectFP, pp. I‑A‑229 e II‑1053, n.° 89).

256    Por força do artigo 55.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento de Processo, o pedido dirigido às partes de apresentarem documentos ou quaisquer outros elementos relativos ao processo constitui uma medida de organização do processo, enquanto a audição de testemunhas é uma diligência de instrução, nos termos do artigo 57.° do referido regulamento.

257    Quanto à apreciação de pedidos de medidas de organização do processo ou de diligências de instrução, apresentados por uma parte num litígio, só ao Tribunal incumbe decidir da necessidade eventual de completar os elementos de informação de que dispõe sobre o processo em causa (v., por analogia, no que respeita ao pedido de audição de testemunha, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2007, Sniace/Comissão, C‑260/05 P, Colect., p. I‑10005, n.os 77 e 78; v., por analogia, no que respeita ao pedido de apresentação de documentos, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Salzgitter/Comissão, C‑182/99 P, Colect., p. I‑10761, n.os 41 e 44).

258    No caso em apreço, o Tribunal considera ter sido suficientemente esclarecido pelos documentos dos autos e pelos debates na audiência e que não há que proceder às medidas de organização do processo e às diligências de instrução pedidas.

 Quanto às despesas

259    Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, sem prejuízo de outras disposições do capítulo VIII, título II, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do disposto no n.° 2 do mesmo artigo, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, que uma parte vencida seja condenada apenas parcialmente nas despesas, ou mesmo que não seja condenada nas despesas.

260    Resulta dos fundamentos expostos que a Comissão é, no essencial, a parte vencida. Além disso, o demandante, nos seus pedidos, solicitou expressamente que a demandada fosse condenada nas despesas. Uma vez que as circunstâncias do caso em apreço não justificam a aplicação das disposições do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, há, portanto, que condenar a Comissão nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Primeira Secção)

decide:

1)      A Comissão Europeia é condenada a pagar a F. Nanopoulos o montante de 90 000 euros.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao demais.

3)      A Comissão Europeia suporta todas as despesas.

Gervasoni

Kreppel

Rofes i Pujol

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Maio de 2010.

O secretário

 

       O presidente

W. Hakenberg

 

       S. Gervasoni


* Língua do processo: grego.