Language of document :

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

25 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Tributação dos produtos energéticos e da eletricidade — Diretiva 2003/96/CE — Tributação em conformidade com o princípio da utilização efetiva desses produtos — Anexo I — Níveis mínimos de tributação aplicáveis aos produtos energéticos previstos por esta diretiva — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.°, n.° 1, alínea a) — Facto gerador — Artigo 63.o — Exigibilidade do IVA — Artigo 78.°, n.° 1, alínea a) — Valor tributável — Reintrodução de produtos energéticos no entreposto fiscal — Condições impostas pelo direito nacional — Suplementos de imposto especial de consumo e de IVA aplicados a título de sanção pelo incumprimento dessas condições — Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑657/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunalul Prahova (Tribunal Regional de Prahova, Roménia), por Decisão de 29 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de outubro de 2022, no processo

SC Bitulpetrolium Serv SRL

contra

Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice Prahova — Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Ploieşti,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: N. Piçarra (relator), presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Romeno, por E. Gane e A. Rotăreanu, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e F. Moro, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.°, n.° 3, do artigo 5.° e do artigo 21.°, n.° 1, da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO 2003, L 283, p. 51), dos artigos 2.°, 250.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), bem como dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SC Bitulpetrolium Serv SRL (a seguir «Bitulpetrolium») à Administrația Județeană a Finanțelor Publice Prahova — Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Ploiești (Administração Distrital de Finanças de Prahova — Direção‑Geral Regional de Finanças de Ploiești, Roménia) a respeito dos suplementos de imposto especial de consumo e do IVA que esta autoridade impôs à Bitulpetrolium, a título de sanção pelo incumprimento das condições aplicáveis em caso de reintrodução no entreposto fiscal de um produto energético comercializado por esta.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/96

3        Os considerandos 3, 9, 17 e 18 da Diretiva 2003/96 enunciam:

«(3)      O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

[...]

(9)      Deverá ser concedida aos Estados‑Membros a necessária flexibilidade para definirem e aplicarem políticas adaptadas aos contextos nacionais.

[...]

(17)      Importa fixar níveis mínimos comunitários de tributação diferenciados em função da utilização dos produtos energéticos e da eletricidade.

(18)      Os produtos energéticos utilizados como carburante para determinadas finalidades industriais e comerciais e os utilizados como combustíveis de aquecimento são normalmente tributados a níveis inferiores aos aplicáveis aos produtos energéticos utilizados como carburante.

[...]»

4        O artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva dispõe que, para efeitos desta, «entende‑se por “nível da tributação”, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo».

5        O anexo I, quadros A, B e C, da referida diretiva fixa os níveis mínimos de tributação aplicáveis, respetivamente, aos «carburantes», aos «carburantes utilizados para os fins referidos no n.o 2 do artigo 8.o» da mesma diretiva e «aos combustíveis de aquecimento e à eletricidade». O gasóleo destinado a ser utilizado como carburante está sujeito a um nível mínimo de tributação de 330 euros por 1 000 l e de 21 euros por 1 000 l, quando é utilizado como carburante para determinados fins industriais e comerciais. Quando é utilizado como combustível, o gasóleo está sujeito a um nível mínimo de tributação de 21 euros por 1 000 l. O nível mínimo de tributação aplicável ao «fuelóleo pesado» destinado a ser utilizado como combustível é de 15 euros por 1 000 kg.

 Diretiva 2006/112

6        Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

7        O artigo 63.° desta diretiva prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

8        O artigo 78.o da referida diretiva dispõe:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA;

[...]»

 Direito romeno

9        O artigo 425.° da Legea nr. 227/2015 privind Codul fiscal (Lei n.° 227/2015 que aprova o Código Tributário), de 8 de setembro de 2015 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 688, de 10 de setembro de 2015) (a seguir «Código Tributário»), prevê:

«1.      Os produtos energéticos referidos no artigo 355.°, n.° 3, alínea g), [fuelóleo] ou equiparados em termos de nível do imposto especial de consumo, apenas podem ser introduzidos no consumo, detidos fora de um entreposto fiscal, transportados mesmo em regime de suspensão do imposto especial de consumo, utilizados, colocados à venda ou vendidos no território da Roménia, se estiverem rotulados e coloridos [...]

2.      O disposto no n.° 1 não se aplica aos produtos energéticos referidos no artigo 355.°, n.° 3, alínea g), ou equiparados do ponto de vista do nível do imposto especial de consumo:

[...]

d)      relativamente aos quais o seu detentor possa fazer prova do pagamento do [imposto especial de consumo] em medida equivalente à prevista para o gasóleo [...].»

10      O artigo 427.o deste código dispõe, no n.o 7:

«No caso dos produtos energéticos referidos no artigo 355.°, n.° 3, alínea g) [fuelóleo], ou equiparados em termos do nível de imposto especial de consumo introduzidos no consumo, detidos fora de um entreposto fiscal, transportados mesmo em regime de suspensão de imposto especial de consumo, utilizados, colocados à venda ou vendidos no território da Roménia, não rotulados e não coloridos, ou rotulados e coloridos de maneira incorreta, bem como em caso de incumprimento pelos operadores económicos das obrigações relativas às regras e aos procedimentos de inspeção fiscal previstos pelas normas processuais, o imposto especial de consumo é devido em medida equivalente à prevista para o gasóleo.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      A Bitulpetrolium é uma sociedade romena de responsabilidade limitada que tem por objeto social a produção e comércio por grosso de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos e de produtos deles derivados. Dispunha de uma autorização de entreposto fiscal válida até 1 de outubro de 2018.

12      Durante uma inspeção fiscal por amostragem relativa, nomeadamente, ao período compreendido entre junho de 2014 e dezembro de 2017, a Inspecția fiscală (Autoridade Tributária, Roménia) constatou que a Bitulpetrolium tinha emitido notas de receção e faturas ditas de «estorno» relativas a um produto energético destinado a ser utilizado como combustível de aquecimento, devolvido ao entreposto fiscal pelos seus clientes para uma quantidade total de 238 383 kg, sem nenhuma menção relativa à rotulagem e à coloração deste produto. A Autoridade Tributária salientou também que a Bitulpetrolium não tinha, em violação do regime de controlo aduaneiro aplicável, notificado por escrito à autoritatea vamală (Autoridade Aduaneira, Roménia) a reintrodução do referido produto no entreposto fiscal onde permaneceu até à sua venda a outros clientes.

13      Em 7 de agosto de 2020, na sequência dessa inspeção fiscal, a inspecția fiscală (Autoridade Tributária) emitiu uma nota de liquidação fiscal que imputava à Bitulpetrolium o valor de 310 309 leus romenos (RON) (63 146 euros), a título de suplemento de imposto especial de consumo, e o valor de 65 901 leus romenos (13 410 euros), a título de IVA adicional.

14      A Bitulpetrolium interpôs no Tribunalul Prahova (Tribunal Regional de Prahova, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de anulação dessa nota de liquidação fiscal, alegando, por um lado, que o produto energético em causa tinha sido entregue aos clientes acompanhado da prova da sua rotulagem e da sua coloração, bem como do pagamento do imposto especial de consumo, e, por outro, que esse produto tinha sido devolvido ao entreposto fiscal devido quer a problemas de qualidade, quer à sua incompatibilidade com as instalações térmicas dos clientes.

15      A Bitulpetrolium alega, além disso, que não tinha pedido o reembolso do imposto especial de consumo aquando da reintrodução do produto energético em causa no entreposto fiscal, porque esta reintrodução não tinha por objetivo a reparação, a reciclagem ou a destruição desse produto, mas sim a comercialização posterior do referido produto. Por conseguinte, não se encontra em nenhuma das situações em que o Código Tributário exige uma notificação à Autoridade Aduaneira da reintrodução de produtos energéticos. A Autoridade Tributária equiparou erradamente, por um lado, a falta dessa notificação à detenção, ao transporte e à comercialização de produtos energéticos sem rotulagem, sem coloração e sem pagamento do imposto especial de consumo e, por outro lado, aplicou ao produto energético em causa a taxa superior do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

16      Nestas condições, o Tribunalul Prahova (Tribunal Regional de Prahova) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      São contrárias ao princípio da proporcionalidade e aos [artigos] 2.°, n.° 3, 5.° e 21.°, n.° 1, da [Diretiva 2003/96] disposições e práticas nacionais, como as que estão em causa no presente processo, segundo as quais a reintrodução no entreposto fiscal de um combustível de aquecimento (gasóleo de aquecimento) sem inspeção aduaneira [constitui] uma presumível violação do regime de entreposto [que] justifica a aplicação de um imposto especial de consumo à taxa fixada para o gasóleo — combustível cujo [imposto especial de consumo tem um] valor 21 vezes superior ao imposto especial de consumo sobre o gasóleo de aquecimento?

2)      São contrárias ao princípio da proporcionalidade, ao princípio da neutralidade do IVA e aos [artigos] 2.°, 250.° e 273.° da [Diretiva 2006/112] disposições e práticas nacionais, como as que estão em causa no presente processo, segundo as quais é devido IVA sobre montantes suplementares determinados pela Administração Tributária a título de imposto especial de consumo sobre o gasóleo, como sanção pelo incumprimento do regime de controlo aduaneiro do sujeito passivo, devido à reintrodução em entreposto, efetuada por este último, de produtos energéticos como gasóleo de aquecimento, que foram recusados pelos clientes, que permanecem intactos e [armazenados no entreposto] até ser identificado um [novo] adquirente e sobre os quais já tinha sido pago o imposto especial de consumo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

17      O Governo Romeno contesta a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, com o fundamento de que, em violação do artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio não indica as razões que o levaram a submeter as questões prejudiciais nem as razões pelas quais considera aplicáveis ao litígio no processo principal as disposições do direito da União que indica. No que respeita, em especial, à segunda questão, este Governo considera que as disposições da Diretiva 2006/112 mencionadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são pertinentes para lhe dar resposta.

18      Nos termos do artigo 94.° do Regulamento de Processo, qualquer pedido de decisão prejudicial deve conter «uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes, conforme apurados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ou, no mínimo, uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam», «o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar ao caso concreto e, sendo caso disso, a jurisprudência nacional pertinente», bem como «a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal».

19      A este respeito, há que constatar que o pedido de decisão prejudicial expõe o quadro factual que está na origem do litígio no processo principal, tal como o órgão jurisdicional de reenvio constatou, e faz referência às disposições nacionais suscetíveis de serem aplicadas a este litígio. O mesmo se diga do nexo que esse órgão jurisdicional estabelece entre as questões submetidas ao Tribunal de Justiça e o objeto do referido litígio. Embora esta ligação não tenha sido indicada de forma autónoma na decisão de reenvio, resulta deste considerado no seu conjunto.

20      Por outro lado, atendendo à presunção de pertinência de que gozam as questões referentes ao direito da União, a circunstância de todas as disposições do direito da União mencionadas na decisão de reenvio a propósito da segunda questão não serem, se for caso disso, aplicáveis ao litígio no processo principal ou de essa decisão não mencionar certas disposições desse direito que se revelem necessárias para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, não diz respeito à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas enquadra‑se na apreciação de mérito das questões prejudiciais submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2024, Roheline Kogukond e o., C‑234/22, EU:C:2024:211, n.° 27 e jurisprudência referida).

21      À luz dos fundamentos precedentes, há que considerar que o pedido de decisão prejudicial satisfaz as exigências do artigo 94.° do Regulamento de Processo. Consequentemente, as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

22      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, para que sejam posteriormente comercializados, a falta de notificação dessa reintrodução à autoridade competente e a falta, nas notas de receção e nas faturas de estorno relativas a esses produtos, de indicações sobre a rotulagem e a coloração dos referidos produtos implicam, a título de sanção pelo incumprimento dessas condições, a aplicação aos mesmos produtos, qualquer que seja a sua utilização efetiva, da taxa do imposto especial de consumo mais elevada prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

23      A este respeito, importa recordar que tanto a sistemática geral como a finalidade da Diretiva 2003/96 se baseiam no princípio de que os produtos energéticos são tributados em função da sua utilização efetiva, tendo em conta, designadamente, a distinção clara, enunciada nos considerandos 17 e 18 desta diretiva, entre carburantes e combustíveis de aquecimento em que esta assenta. Além disso, a definição de «níveis de tributação dos produtos energéticos», na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da referida diretiva, consoante a sua utilização como carburante ou combustível de aquecimento, contribui para o bom funcionamento do mercado único, finalidade enunciada, nomeadamente, no considerando 3 da mesma diretiva, ao permitir excluir eventuais distorções de concorrência entre produtos energéticos utilizados para os mesmos fins (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT, C‑418/14, EU:C:2016:400, n.os 31 a 33, e de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.° 50 e jurisprudência referida).

24      Por outro lado, na medida em que a Diretiva 2003/96 não prevê um mecanismo específico de controlo da utilização efetiva dos produtos energéticos nem medidas destinadas a lutar contra a fraude fiscal ligada à utilização destes produtos, incumbe aos Estados‑Membros, como recordado no considerando 9 desta diretiva, preverem esses mecanismos e medidas, incluindo sanções em caso de incumprimento das condições previstas para esse efeito, adaptadas aos contextos nacionais, no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais, incluindo o princípio da proporcionalidade. No entanto, a margem de apreciação de que dispõem os Estados‑Membros não pode pôr em causa o princípio segundo o qual os produtos energéticos são tributados em função da sua utilização efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.os 52 e 53, e jurisprudência referida).

25      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, devido à falta, por um lado, de notificação à Autoridade Aduaneira competente da reintrodução no entreposto fiscal de um produto energético destinado a ser utilizado como combustível de aquecimento (fuelóleo) e, por outro lado, de indicações, nas notas de receção e nas faturas de estorno referentes ao referido produto, relativas à rotulagem e à coloração deste, a Autoridade Tributária equiparou essas omissões à detenção, ao transporte e à comercialização de um produto energético sem rotulagem e sem coloração e aplicou a esse produto, com base no direito nacional, a título de sanção, a taxa do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

26      Nas suas observações escritas, o Governo Romeno sustenta que tanto a obrigação de notificar a reintrodução de produtos energéticos no entreposto fiscal como a obrigação de rotulagem e de coloração desses produtos visam prevenir a evasão e a fraude fiscais, a fim de evitar que a utilização desses produtos como carburante seja sujeita às taxas de imposto mais baixas previstas para os combustíveis de aquecimento, dado que devem ser aplicadas taxas mais elevadas quando esses produtos energéticos são efetivamente utilizados como carburante. Na audiência, este Governo também invocou razões de política fiscal nacional para justificar a tributação mais elevada que onera o gasóleo.

27      Cabe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio, obrigado a dar ao direito nacional, na medida do possível, uma interpretação conforme com o direito da União, determinar se as disposições do direito nacional aplicáveis no caso em apreço podem, sem que isso conduza a uma interpretação contra legem dessas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2021, technoRent International e o., C‑844/19, EU:C:2021:378, n.° 54 e jurisprudência referida), ser interpretadas em conformidade com a sistemática geral e a finalidade da Diretiva 2003/96, no sentido de que a falta de notificação da reintrodução no entreposto fiscal do produto energético em causa no processo principal, para que seja posteriormente comercializado, e a falta, nas notas de receção e nas faturas de estorno relativas a esse produto, de indicações relativas à rotulagem e à coloração deste implicam a aplicação ao referido produto da taxa do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante, unicamente quando o produto energético em causa se destina a ser utilizado como carburante. Com efeito, as referidas disposições não podem sujeitar um produto energético a uma tributação que não corresponde à sua utilização efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.° 53).

28      Em todo o caso, mesmo admitindo que as disposições do direito nacional em causa possam ser objeto de uma interpretação conforme com a sistemática geral e a finalidade da Diretiva 2003/96, no sentido de que essas disposições respeitam o princípio da tributação dos produtos energéticos em função da sua utilização efetiva, há que apreciar se a sanção em causa é conforme com o princípio da proporcionalidade. Este, como princípio geral do direito da União, obriga os Estados‑Membros a recorrerem a meios que, embora permitam alcançar eficazmente o objetivo prosseguido pela regulamentação nacional, afetem o menos possível os princípios consagrados na legislação da União em causa (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Shell Deutschland Oil, C‑553/21, EU:C:2022:1030, n.° 32) e opõe‑se a disposições e práticas do direito nacional que vão além do que é necessário para prevenir a fraude e a evasão fiscais em matéria de impostos especiais de consumo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Petrotel‑Lukoil, C‑68/18, EU:C:2019:933, n.° 58).

29      Incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais ter em conta, designadamente, a natureza e a gravidade da infração que a referida sanção visa penalizar, bem como as modalidades de determinação do seu montante (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, ROZ‑ŚWIT, C‑418/14, EU:C:2016:400, n.° 40).

30      A este respeito, importa salientar que o facto de aplicar a um produto energético como o que está em causa no processo principal a taxa de imposto especial de consumo mais elevada que incide sobre o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante, a título de sanção pelo incumprimento das condições formais recordadas no n.° 25 do presente acórdão — e que conduz, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a tributar esse produto energético com um imposto especial de consumo 21 vezes superior —, sem permitir ao operador económico em questão provar a utilização efetiva desse produto, vai além do que é necessário para evitar a fraude ou a evasão fiscais.

31      Atendendo a todos os fundamentos que precedem, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2003/96 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, para que sejam posteriormente comercializados, a falta de notificação dessa reintrodução à autoridade competente e a falta, nas notas de receção e nas faturas de estorno relativas a esses produtos, de indicações sobre a rotulagem e a coloração dos referidos produtos implicam, a título de sanção pelo incumprimento dessas condições, a aplicação aos mesmos produtos, qualquer que seja a sua utilização efetiva, da taxa do imposto especial de consumo mais elevada prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

 Quanto à segunda questão

32      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), o artigo 63.° e o artigo 78.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, é devido IVA sobre os montantes fixados pela Autoridade Tributária a título de suplemento de imposto especial de consumo, em razão da aplicação aos referidos produtos da taxa do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

33      Em conformidade com o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112, estão sujeitas ao IVA as entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.

34      Por força do artigo 63.o desta diretiva, o IVA torna‑se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços, ou seja, no momento da realização da operação em causa, independentemente da questão de saber se a contrapartida devida por essa operação já foi paga [Acórdão de 28 de outubro de 2021, XBeteiligungsgesellschaft (IVA Pagamentos sucessivos), C‑324/20, EU:C:2021:880, n.° 54 e jurisprudência referida].

35      Segundo o artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da referida diretiva, o valor tributável inclui os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA. Para que esses impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos possam integrar o valor tributável do IVA, ainda que não representem nenhum valor acrescentado e não constituam a contrapartida económica da entrega de bens, devem ter um nexo direto com essa entrega. A questão de saber se o facto gerador dos referidos impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos coincide com o do IVA é um elemento determinante para demonstrar a existência de um tal nexo (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Comissão/Áustria, C‑433/09, EU:C:2010:817, n.° 34, e de 11 de junho de 2015, Lisboagás GDL, C‑256/14, EU:C:2015:387, n.° 29 e jurisprudência referida).

36      No caso em apreço, embora o artigo 78.°, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2006/112 exija que o suplemento de imposto especial de consumo aplicado ao Bitulpetrolium seja incluído a priori no valor tributável do IVA, essa inclusão só pode ser efetuada se esse suplemento, à semelhança do imposto especial de consumo que é majorado, respeitar, nomeadamente, o princípio da tributação dos produtos energéticos em função da sua utilização efetiva, que decorre da sistemática geral e da finalidade da Diretiva 2003/96. Nestas condições, por força do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), e do artigo 63.° da Diretiva 2006/112, o suplemento de IVA calculado sobre este suplemento de imposto especial de consumo só é devido e só se torna exigível no momento da operação tributável que consista na entrega do produto energético em causa tendo em vista a sua utilização como carburante.

37      Tendo em conta todos os fundamentos precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), o artigo 63.° e o artigo 78.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, é devido IVA sobre os montantes fixados pela Autoridade Tributária a título de suplemento de imposto especial de consumo, em razão da aplicação aos referidos produtos da taxa do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante, exceto se for efetuada uma operação tributável que consista numa entrega do produto energético em questão tendo em vista a sua utilização como carburante.

 Quanto às despesas

38      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      A Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, e o princípio da proporcionalidade

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, para que sejam posteriormente comercializados, a falta de notificação dessa reintrodução à autoridade competente e a falta, nas notas de receção e nas faturas de estorno relativas a esses produtos, de indicações sobre a rotulagem e a coloração dos referidos produtos implicam, a título de sanção pelo incumprimento dessas condições, a aplicação aos mesmos produtos, qualquer que seja a sua utilização efetiva, da taxa do imposto especial de consumo mais elevada prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante.

2)      O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), o artigo 63.o e o artigo 78.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a disposições ou a práticas nacionais por força das quais, em caso de reintrodução no entreposto fiscal de produtos energéticos destinados a serem utilizados como combustível de aquecimento, é devido imposto sobre o valor acrescentado sobre os montantes fixados pela Autoridade Tributária a título de suplemento de imposto especial de consumo, em razão da aplicação aos referidos produtos da taxa do imposto especial de consumo prevista para o gasóleo destinado a ser utilizado como carburante, exceto se for efetuada uma operação tributável que consista numa entrega do produto energético em questão tendo em vista a sua utilização como carburante.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.