Language of document : ECLI:EU:C:2005:444

Processo C‑304/02

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Francesa

«Incumprimento de Estado – Pesca – Obrigações de controlo que incumbem aos Estados‑Membros – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara um incumprimento – Inexecução – Artigo 228.° CE – Pagamento de uma sanção pecuniária de montante fixo – Aplicação de uma sanção pecuniária de montante progressivo»

Sumário do acórdão

1.        Pesca – Conservação dos recursos do mar – Medidas de controlo – Obrigações de controlo e de repressão dos Estados‑Membros – Âmbito

(Regulamento n.° 2847/93 do Conselho)

2.        Acção por incumprimento – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Incumprimento da obrigação de execução do acórdão – Sanções pecuniárias – Sanção pecuniária de montante progressivo – Montante fixo – Cúmulo das duas sanções – Admissibilidade – Requisitos – Violação dos princípios non bis in idem e da igualdade de tratamento – Inexistência

(Artigo 228.°, n.° 2, CE)

3.        Acção por incumprimento – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Incumprimento da obrigação de execução do acórdão – Sanções pecuniárias – Modalidades de cálculo – Poder de apreciação do Tribunal de Justiça – Irrelevância das orientações adoptadas pela Comissão

(Artigo 228.°, n.° 2, CE)

4.        Acção por incumprimento – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Incumprimento da obrigação de execução do acórdão – Poder de apreciação do Tribunal de Justiça – Aplicação de uma sanção independentemente das propostas da Comissão – Admissibilidade

(Artigo 228.°, n.° 2, CE)

5.        Acção por incumprimento – Acórdão do Tribunal de Justiça que declara o incumprimento – Incumprimento da obrigação de execução do acórdão – Sanções pecuniárias – Sanção pecuniária de montante progressivo – Determinação do montante – Critérios

(Artigo 228.°, n.° 2, CE)

1.        O respeito das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos em matéria de pesca é imperativo, a fim de assegurar a protecção dos fundos marinhos, a conservação dos recursos biológicos do mar e a sua exploração em bases duradouras e em condições económicas e sociais adequadas. O Regulamento n.° 2847/93, que institui um regime de controlo aplicável à política comum das pescas, institui, nesta matéria, uma responsabilidade conjunta dos Estados‑Membros que implica que, quando um Estado‑Membro não cumpre as suas obrigações, prejudica os interesses dos outros Estados‑Membros e dos respectivos operadores económicos.

O referido Regulamento n.° 2847/93 fornece, aliás, indicações precisas quanto ao conteúdo das medidas que devem ser adoptadas pelos Estados‑Membros para assegurar a eficácia do regime comunitário em causa. Estas medidas devem ter por objectivo assegurar a regularidade das operações de pesca, com vista, simultaneamente, a evitar eventuais irregularidades e a puni‑las, caso se verifiquem. Este objectivo implica que as medidas postas em prática devem ter carácter efectivo, proporcionado e dissuasivo. Deve haver, para as pessoas que exercem uma actividade de pesca ou uma actividade conexa, um risco sério de que, em caso de infracção às regras da política comum das pescas, serão descobertas e serão alvo das sanções adequadas. Se as autoridades competentes de um Estado‑Membro se abstivessem sistematicamente de proceder penal ou administrativamente contra os responsáveis por essas infracções, tanto a conservação e a gestão dos recursos de pesca como a aplicação uniforme da política comum das pescas ficariam comprometidas.

(cf. n.os 33, 34, 37, 69)

2.        O procedimento regulado no artigo 228.°, n.° 2, CE tem por objectivo incitar um Estado‑Membro infractor a executar um acórdão que declara o incumprimento e, desse modo, assegurar a aplicação efectiva do direito comunitário. Ambas as medidas previstas por esta disposição, ou seja, a sanção pecuniária de montante fixo e a de montante progressivo, têm o mesmo objectivo.

A aplicação de uma ou outra das duas medidas depende da adequação de cada uma delas para alcançar o objectivo prosseguido, em função das circunstâncias do caso. Se a aplicação de uma sanção de montante progressivo se afigura especialmente adaptada para incitar um Estado‑Membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento que, na falta de tal medida, teria tendência para persistir, uma sanção de montante fixo resulta sobretudo da apreciação das consequências da não execução das obrigações do Estado‑Membro em causa para os interesses privados e públicos, designadamente quando o incumprimento tiver persistido por um longo período desde o acórdão que inicialmente o declarou.

Nestas condições, não está excluído o recurso aos dois tipos de sanções previstas no artigo 228.°, n.° 2, CE, designadamente quando o incumprimento se tiver mantido por um longo período e for de prever que possa persistir e a esta interpretação não se pode opor a utilização da conjunção «ou» no n.° 2 que deve ser entendida no sentido cumulativo, e não alternativo.

Daqui decorre que, também não é infringindo o princípio non bis in idem, dado que a duração do incumprimento é tomada em consideração como um critério entre outros, com vista a determinar o nível adequado de coerção e de dissuasão, não podendo a aplicação cumulativa de sanções pecuniárias de montante progressivo e de montante fixo constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento, desde que, tendo em conta a natureza, a gravidade e a persistência do incumprimento declarado, tal aplicação cumulativa se afigure adequada, e o facto de não terem sido aplicadas sanções cumulativas anteriormente não constituiu um obstáculo a este respeito.

(cf. n.os 80‑86)

3.        No quadro do procedimento regulado no artigo 228.°, n.° 2, CE, se o Tribunal de Justiça reconhece que um Estado‑Membro não deu cumprimento ao seu acórdão, pode condená‑lo a pagar uma sanção de montante fixo ou uma sanção pecuniária de montante progressivo. O exercício deste poder não está sujeito à condição de a Comissão adoptar orientações que estabelecem as formas de cálculo das sanções de montante fixo ou das sanções de montante progressivo, embora tais orientações contribuam efectivamente para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da acção empreendida pela Comissão. De qualquer modo, estas orientações não vinculam o Tribunal de Justiça.

(cf. n.° 85)

4.        No quadro do procedimento regulado no artigo 228.°, n.° 2, CE, se o Tribunal de Justiça reconhece que um Estado‑Membro não deu cumprimento ao seu acórdão, pode aplicar‑lhe sanções pecuniárias. No entanto, o Tribunal pode afastar‑se das propostas da Comissão e condenar o Estado em causa no pagamento de uma sanção de montante fixo, não tendo a Comissão feito uma proposta nesse sentido.

Quanto, em primeiro lugar, à legitimidade política do Tribunal de Justiça para aplicar uma sanção pecuniária não proposta pela Comissão, dada a questão de saber se um Estado‑Membro deu ou não execução a um acórdão anterior do Tribunal de Justiça deve ser discutida no âmbito de um processo judicial, no qual as considerações políticas não são pertinentes e a oportunidade de aplicação de uma sanção pecuniária e a escolha do tipo de sanção mais adequada às circunstâncias do caso concreto só podem ser determinadas em função das conclusões a que o Tribunal de Justiça chegar no acórdão a proferir nos termos do artigo 228.°, n.° 2, CE, escapando, portanto, à esfera política.

Por outro lado, o argumento segundo o qual, ao afastar‑se ou ao ultrapassar as propostas da Comissão, o Tribunal de Justiça viola um princípio geral de processo civil que proíbe o juiz de ir além dos pedidos das partes não é procedente. Com efeito, o procedimento previsto no artigo 228.°, n.° 2, CE constitui um processo judicial especial, específico do direito comunitário, que não pode ser equiparado a um processo civil e a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária de montante progressivo e/ou de uma sanção de montante fixo não se destina a compensar um dano em concreto causado pelo Estado‑Membro em causa, mas a exercer sobre este uma pressão económica que o incite a pôr termo ao incumprimento declarado.

Também não é procedente o argumento relativo à alegada violação dos direitos de defesa. Com efeito, o procedimento do artigo 228.°, n.º 2, CE deve ser considerado um processo judicial especial de execução de acórdãos, ou seja, um processo executivo. Assim, é neste contexto que devem ser apreciadas as garantias processuais de que deve dispor o Estado‑Membro em causa. Daqui resulta que, uma vez constatado, no âmbito de um processo contraditório, que um incumprimento do direito comunitário persiste, os direitos de defesa que devem ser reconhecidos ao Estado‑Membro infractor no que respeita às sanções pecuniárias que se prevê adoptar devem ter em conta o objectivo prosseguido, isto é, assegurar e garantir o restabelecimento do respeito da legalidade.

(cf. n.os 87, 90‑93)

5.        Quando se trata da aplicação a um Estado‑Membro de uma sanção pecuniária de montante progressivo para penalizar a não execução de um acórdão de incumprimento, as propostas da Comissão relativas à quantia da sanção de montante progressivo não vinculam o Tribunal de Justiça e mais não constituem do que uma base de referência útil. No exercício do seu poder de apreciação, compete ao Tribunal de Justiça fixar a sanção de montante progressivo, de modo que esta seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcionada tanto ao incumprimento verificado como à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Para este efeito, os critérios de base que devem ser tomados em conta para garantir a natureza coerciva da sanção pecuniária de montante progressivo com vista à aplicação uniforme e efectiva do direito comunitário são, em princípio, a duração da infracção, o seu grau de gravidade e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Na aplicação destes critérios, deverão ser tidas em conta, em especial, as consequências do não cumprimento para os interesses privados e públicos e a urgência em levar o Estado‑Membro em causa a cumprir as suas obrigações.

(cf. n.os 103, 104)