Language of document : ECLI:EU:C:2019:37

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 17 de janeiro de 2019 (1)

Processo C‑133/18

Sea Chefs Cruise Services GmbH

contra

Ministre de l’Action et des Comptes publics

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil, França)]

«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 171.o — Reembolso do IVA — Diretiva 2008/9/CE — Artigo 20.o — Pedido de informações adicionais pelo Estado‑Membro de reembolso — Informações solicitadas a fornecer ao Estado‑Membro de reembolso no prazo de um mês a contar da data da receção do pedido pelo destinatário — Natureza jurídica do prazo e consequências do incumprimento»






1.        O facto de um contribuinte não responder dentro do prazo de um mês previsto pela Diretiva 2008/9/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que define as modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado previsto na Diretiva 2006/112/CE a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado‑Membro de reembolso, mas estabelecidos noutro Estado‑Membro (2), a um pedido de informações adicionais apresentado pela Autoridade Tributária competente implica que o seu direito a pedir um crédito de IVA se extingue, assim, automaticamente? É esta a questão essencial que se coloca no presente pedido de decisão prejudicial.

2.        O presente pedido respeita, portanto, à interpretação do artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9. O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio submetido ao tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil, França), entre a Sea Chefs Cruise Services GmbH (a seguir «Sea Chefs»), sociedade com sede na Alemanha, e o Ministre de l’Action et des Comptes publics, que tem por objeto a decisão deste de indeferir o pedido da Sea Chefs de reembolso de um crédito de IVA relativo ao período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2014.

3.        Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o prazo de um mês para apresentar as informações, estabelecido no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9, é um prazo imperativo, ou seja, um prazo cujo incumprimento implica a perda do direito ao reembolso ou, em alternativa, se esta disposição permite uma interpretação segundo a qual é possível regularizar um pedido de reembolso do IVA através da apresentação de provas no âmbito de um recurso nos termos do artigo 23.o dessa diretiva.

4.        Contudo, antes de apreciar estas questões, é necessário, em primeiro lugar, expor as disposições jurídicas relevantes.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 2006/112/CE

5.        O artigo 169.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (3), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (4) (a seguir «Diretiva 2006/112»), dispõe:

«Para além da dedução referida no artigo 168.o, o sujeito passivo tem direito a deduzir o IVA aí referido, desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das seguintes operações:

a)      Operações relacionadas com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo 9.o, efetuadas fora do Estado‑Membro em que esse imposto é devido ou pago, que teriam conferido direito a dedução se tivessem sido efetuadas nesse Estado‑Membro;

[…]»

6.        O artigo 170.o da referida diretiva dispõe:

«Os sujeitos passivos que, na aceção do artigo 1.o da Diretiva 86/560/CEE, do ponto 1 do artigo 2.o e do artigo 3.o da Diretiva 2008/9/CE e do artigo 171.o da presente diretiva, não estejam estabelecidos no Estado‑Membro em que efetuam as aquisições de bens e de serviços ou as importações de bens sobre os quais incide o IVA têm direito a obter o seu reembolso, desde que os bens ou serviços sejam utilizados para as operações seguintes:

a)      Operações a que se refere o artigo 169.o;

b)      Operações em relação às quais o imposto seja devido unicamente pelo destinatário, em conformidade com o disposto nos artigos 194.o a 197.o e 199.o»

7.        O artigo 171.o desta mesma diretiva dispõe:

«1.      O reembolso do IVA em benefício dos sujeitos passivos não estabelecidos no Estado‑Membro em que efetuam as aquisições de bens e de serviços ou as importações de bens sujeitas ao IVA, mas estabelecidos noutro Estado‑Membro, é efetuado nos termos da Diretiva 2008/9/CE.

[…]»

2.      Diretiva 2008/9

8.        O artigo 7.o da Diretiva 2008/9 dispõe:

«Para obterem um reembolso do IVA no Estado‑Membro de reembolso, os sujeitos passivos não estabelecidos no Estado‑Membro de reembolso devem dirigir um pedido de reembolso eletrónico a esse Estado‑Membro e apresentá‑lo ao Estado‑Membro em que estão estabelecidos através do portal eletrónico criado por esse Estado‑Membro.»

9.        O artigo 8.o da Diretiva 2008/9 dispõe:

«1.      O pedido de reembolso deve incluir as seguintes informações:

a)      Nome e endereço completo do requerente;

b)      Endereço de contacto por meios eletrónicos;

c)      Descrição da atividade profissional do requerente para a qual foram adquiridos os bens e serviços;

d)      Período de reembolso a que diz respeito o pedido;

e)      Declaração do requerente em como não procedeu a entregas de bens ou prestações de serviços consideradas efetuadas no Estado‑Membro de reembolso durante o período de reembolso, com exceção das operações a que se referem as subalíneas i) e ii) da alínea b) do artigo 3.o;

f)      Número de identificação para efeitos do IVA ou número de identificação fiscal do requerente;

g)      Referência da conta bancária, incluindo os códigos IBAN e BIC.

2.      Além das informações a que se refere o n.o 1, o pedido de reembolso deve conter, relativamente a cada Estado‑Membro de reembolso e a cada fatura ou documento de importação, as seguintes informações:

a)      O nome e endereço completo do fornecedor ou prestador de serviços;

b)      Exceto no caso de importação, o número de identificação para efeitos do IVA ou o número de identificação fiscal do fornecedor ou prestador de serviços, atribuído pelo Estado‑Membro de reembolso nos termos do disposto nos artigos 239.o e 240.o da Diretiva 2006/112/CE;

c)      Exceto no caso de importação, o prefixo do Estado‑Membro de reembolso, nos termos do artigo 215.o da Diretiva 2006/112/CE;

d)      A data e o número da fatura ou do documento de importação;

e)      O valor tributável e o montante do IVA, expressos na moeda do Estado‑Membro de reembolso;

f)      O montante do IVA dedutível, calculado nos termos do artigo 5.o e do segundo parágrafo do artigo 6.o, expresso na moeda do Estado‑Membro de reembolso;

g)      Quando aplicável, o pro rata de dedução, calculado nos termos do artigo 6.o, expresso em percentagem;

h)      A natureza dos bens e serviços adquiridos, indicada de acordo com os códigos constantes do artigo 9.o»

10.      O artigo 15.o da Diretiva 2008/9 dispõe:

«1.      O pedido de reembolso deve ser apresentado ao Estado‑Membro de estabelecimento até 30 de setembro do ano civil subsequente ao período de reembolso. O pedido de reembolso apenas é considerado apresentado quando o requerente tiver comunicado todas as informações exigidas nos termos dos artigos 8.o, 9.o e 11.o

[…]»

11.      O artigo 20.o desta diretiva dispõe:

«1.      Se o Estado‑Membro de reembolso considerar que não recebeu todas as informações pertinentes para basear a sua decisão sobre a totalidade ou parte do pedido de reembolso, pode solicitar, por via eletrónica, informações adicionais, designadamente ao requerente ou às autoridades competentes do Estado‑Membro de estabelecimento, no prazo de quatro meses a que se refere o n.o 2 do artigo 19.o Se as informações adicionais forem solicitadas a uma pessoa que não seja o requerente ou uma autoridade competente de um Estado‑Membro, o pedido só deve ser apresentado por via eletrónica se o destinatário a ela tiver acesso.

Se necessário, o Estado‑Membro de reembolso pode pedir novas informações adicionais.

As informações solicitadas de acordo com o presente número podem incluir o original ou uma cópia da fatura ou do documento de importação pertinentes, se o Estado‑Membro de reembolso tiver dúvidas razoáveis relativamente à validade ou exatidão de determinado pedido. Nesse caso, não são aplicáveis os limiares referidos no artigo 10.o

2.      As informações solicitadas ao abrigo do n.o 1 devem ser fornecidas ao Estado‑Membro de reembolso no prazo de um mês a contar da data em que o pedido tenha sido recebido pela pessoa a quem era dirigido.»

12.      O artigo 21.o desta diretiva dispõe:

«Se o Estado‑Membro de reembolso solicitar informações adicionais, deve notificar o requerente da sua decisão de deferir ou indeferir o pedido de reembolso no prazo de dois meses a contar da data de receção das informações solicitadas ou, se não tiver obtido resposta a esse pedido de informações, no prazo de dois meses a contar do termo do prazo estabelecido no n.o 2 do artigo 20.o […]

[…]»

13.      O artigo 23.o desta mesma diretiva dispõe:

«1.      Quando o pedido de reembolso for total ou parcialmente indeferido, os fundamentos da decisão de indeferimento devem ser notificados ao requerente pelo Estado‑Membro de reembolso juntamente com a decisão.

2.      O requerente pode recorrer das decisões de indeferimento de um pedido de reembolso para as autoridades competentes do Estado‑Membro de reembolso de acordo com as formalidades e dentro dos prazos fixados para recursos relativos a pedidos de reembolso apresentados por pessoas estabelecidas nesse Estado‑Membro.

[…]»

B.      Direito nacional

14.      O artigo 242‑0 W do anexo II do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), que foi inserido para transpor o artigo 20.o da Diretiva 2008/9, já referida, dispõe:

«I. — A Autoridade Tributária pode solicitar, por via eletrónica […] informações adicionais, designadamente ao requerente ou às autoridades competentes do Estado‑Membro da União Europeia em que o mesmo está estabelecido, se considerar que não dispõe de todas as informações necessárias para decidir sobre a totalidade ou parte do pedido de reembolso apresentado pelo requerente. Se as informações adicionais forem solicitadas a uma pessoa que não seja o requerente ou a autoridade competente de um Estado‑Membro, o pedido só deve ser apresentado por via eletrónica se o destinatário a ela tiver acesso. Se o considerar necessário, a Autoridade Tributária pode pedir novas informações adicionais. No quadro desses pedidos, a Autoridade Tributária poderá solicitar ao requerente a apresentação do original de uma fatura ou de um documento de importação, se tiver razões para duvidar da validade ou exatidão de um determinado pedido. O pedido pode abranger qualquer das operações independentemente do seu montante.

II. — As informações adicionais solicitadas em conformidade com o disposto em I devem ser fornecidas no prazo de um mês a contar da data em que o pedido tenha sido recebido pela pessoa a quem era dirigido.»

II.    Litígio no processo principal e questão prejudicial

15.      Em 17 de setembro de 2015, a Sea Chefs requereu à Autoridade Tributária francesa o reembolso de um crédito de imposto sobre o valor acrescentado de 40 054,31 euros relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2014. O montante do pedido no processo principal é limitado a 32 143,47 euros.

16.      Por Decisão de 29 de janeiro de 2016, o pedido da Sea Chefs foi indeferido na totalidade, por esta não ter respondido ao pedido de informações adicionais que a Autoridade Tributária francesa lhe havia enviado por correio eletrónico em 14 de dezembro de 2015.

17.      Por petição de recurso e por documento, registados, respetivamente, em 7 de abril de 2016 e em 2 de janeiro de 2017, a Sea Chefs pediu ao tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) que ordenasse, nomeadamente, o reembolso de um crédito de IVA de 32 143,47 euros relativo ao período em questão.

18.      Por documentos apresentados em 24 de outubro de 2016 e em 28 de dezembro de 2017, respetivamente, o diretor da Direção de Impostos dos Não‑Residentes sustentou que o pedido devia ser julgado inadmissível com fundamento em que o prazo de resposta de um mês, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9, transposto para o último parágrafo do artigo 242‑0 W do anexo II do code général des impôts, não tinha sido respeitado. Segundo o diretor em questão, a inobservância do prazo de um mês conduziu à caducidade do pedido. O diretor alegou igualmente que é impossível regularizar um pedido de reembolso do IVA através da apresentação de provas perante o tribunal tributário que decide do direito ao reembolso.

19.      Por Sentença de 27 de junho de 2017, o tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) suspendeu a instância relativa ao pedido da Sea Chefs, remeteu os autos ao Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) nos termos no disposto no artigo L. 113‑1 do code de justice administrative (Código de Procedimento Administrativo) e submeteu várias questões ao Conseil d’État.

20.      O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pronunciou‑se sobre essas questões através do avis contentieux (parecer em processo contencioso) n.o 412053, de 18 de outubro de 2017.

21.      O tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) considera, nomeadamente, que, quando a Autoridade Tributária francesa não dispõe de todas as informações que lhe permitam assegurar‑se de que o sujeito passivo não estabelecido em França preenche os requisitos previstos para o reembolso do IVA relativo a bens que lhe tenham sido entregues ou a serviços que lhe tenham sido prestados em França, a autoridade pode solicitar tais informações ao sujeito passivo, por via eletrónica. O sujeito passivo dispõe de um mês, a contar da receção do pedido, para prestar as informações.

22.      O mesmo órgão jurisdicional considera, além disso, que, para garantir a eficácia do sistema do IVA, a Diretiva 2008/9 estabelece prazos que asseguram o tratamento rápido de pedidos de reembolso e que os requerentes são obrigados a respeitar. O tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) observa, contudo, que nem a Diretiva 2008/9 nem nenhuma disposição nacional prevê as consequências que o incumprimento do prazo de resposta implica para o direito ao reembolso do IVA. Em especial, segundo o mesmo órgão jurisdicional, nenhum dos textos legislativos prevê, de forma clara, se o sujeito passivo tem a possibilidade de regularizar o seu pedido perante o tribunal tributário ou se o seu pedido caduca.

23.      A Sea Chefs alegou no tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) que, no âmbito de um recurso nos termos do artigo 23.o da Diretiva 2008/9, a impossibilidade de regularizar a sua situação é contrária ao princípio da neutralidade do IVA, garantido pelo direito da União. A neutralidade do IVA é assegurada por um direito à dedução integral, que é um princípio fundamental do IVA e inclui o direito a recurso judicial.

24.      A Sea Chefs alegou igualmente que a impossibilidade de regularizar o seu pedido de reembolso do IVA perante um tribunal é contrária ao princípio da proporcionalidade do IVA. Segundo a Sea Chefs, embora a Autoridade Tributária deva assegurar que o sujeito passivo cumpre as suas obrigações de declaração e de pagamento do IVA e possa impor outras obrigações para garantir a cobrança correta do IVA e evitar a fraude, tais autoridades não devem ultrapassar o que é necessário para atingir esses objetivos.

25.      Segundo o tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil), a questão de saber se a regra de caducidade em causa é compatível com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade é determinante para a resolução do litígio que esse órgão jurisdicional deve decidir e constitui uma dificuldade séria.

26.      Nestas circunstâncias, o tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições do n.o 2 do artigo 20.o da Diretiva [2008/9] ser interpretadas no sentido de que criam uma regra de caducidade que implica que um sujeito passivo de um Estado‑Membro que pede o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado a um Estado‑Membro no qual não está estabelecido não pode regularizar o seu pedido de reembolso perante o órgão jurisdicional competente se não respeitar o prazo de resposta a um pedido de informações formulado pela Administração, em conformidade com as disposições do n.o 1 do mesmo artigo ou, pelo contrário, devem ser interpretadas no sentido de que este sujeito passivo pode, no âmbito do direito ao recurso previsto no artigo 23.o da diretiva e tendo em consideração os princípios da neutralidade e da proporcionalidade do imposto sobre o valor acrescentado, regularizar o seu pedido perante o órgão jurisdicional competente?»

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça

27.      Foram apresentadas observações escritas pela Sea Chefs, pelos Governos francês e espanhol e pela Comissão Europeia. Encerrada a fase escrita do processo, o Tribunal de Justiça considerou que dispunha de informações suficientes para se pronunciar sem audiência de alegações, nos termos do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

IV.    Análise

28.      Nos termos do seu artigo 1.o, a Diretiva 2008/9 tem por objeto definir as modalidades do reembolso do IVA, previsto no artigo 170.o da Diretiva 2006/112, aos sujeitos passivos não estabelecidos no Estado‑Membro do reembolso que preencham as condições previstas no artigo 3.o da Diretiva 2008/9. O direito de um sujeito passivo estabelecido num Estado‑Membro a obter o reembolso do IVA pago noutro Estado‑Membro, conforme regido pela Diretiva 2008/9, é o reflexo do direito, instituído a seu favor pela Diretiva 2006/112, de deduzir o IVA pago a montante no seu próprio Estado‑Membro (5).

29.      De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de os sujeitos passivos deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou já pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União. O regime das deduções, e, portanto, dos reembolsos, visa liberar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os objetivos ou os resultados dessas atividades, desde que elas próprias estejam, em princípio, sujeitas a IVA. O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao respeito de requisitos ou condições, tanto substantivos como formais (6).

30.      Não obstante o paralelismo estabelecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça entre o direito à dedução do IVA e o direito ao reembolso do IVA, as regras da Diretiva 2008/9 relativas às informações que devem constar de um pedido de reembolso (7) e aos prazos para a apresentação de um pedido de reembolso (8) são muito mais pormenorizadas do que as relativas à dedução de IVA, contidas na Diretiva 2006/112 (9).

31.      Por exemplo, a Diretiva 2006/112 não prevê nenhum prazo dentro do qual o IVA deva ser deduzido. Contudo, no seu Acórdão de 28 de julho de 2016, Astone (10), o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 167.o, 168.o, 178.o, o artigo 179.o, primeiro parágrafo, e os artigos 180.o e 182.o da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê um prazo de preclusão para o exercício do direito a dedução, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade, o que, segundo o Tribunal de Justiça, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Além disso, nos seus Acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade (11), e de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport (12), o Tribunal de Justiça declarou que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais é contrária ao princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal, não seja indefinidamente suscetível de ser posta em causa.

32.      Pelo contrário, a Diretiva 2008/9 estabelece uma série de prazos no que respeita ao procedimento de apresentação de um pedido de reembolso de IVA e de concessão desse reembolso. A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou, no seu Acórdão de 21 de junho de 2012, Elsacom (13), que o artigo 15.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/9 estabelecia um prazo de caducidade para a apresentação de um pedido de reembolso do IVA e que o incumprimento do referido prazo implicaria a perda do direito ao reembolso.

33.      O Tribunal de Justiça considerou, assim, que a utilização dos termos «o mais tardar» («au plus tard»), no artigo 7.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Oitava Diretiva 79/1072/CEE do Conselho, de 6 de dezembro de 1979, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Regras sobre o reembolso do imposto sobre o valor acrescentado aos sujeitos passivos não estabelecidos no território do país (14), e «até» («au plus tard»), no artigo 15.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2008/9, implicam que os prazos previstos são de caducidade e que deixa de ser possível apresentar um pedido de reembolso de IVA após as datas em questão.

34.      Observo de passagem, contudo, que, no seu Acórdão de 21 de junho de 2012, Elsacom (15), o Tribunal de Justiça não deu nenhuma importância ao termo «deve» contido nas disposições em causa.

35.      Ao contrário do prazo previsto no primeiro período do artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2008/9, não resulta claramente da própria letra do artigo 20.o, n.o 2, desta diretiva se o prazo de um mês nele fixado é imperativo, dado que esta última disposição não contém termos como «o mais tardar» ou «até». É certo que o artigo 20.o, n.o 2, da diretiva utiliza o termo «devem», mas, nestas circunstâncias, não considero que a utilização desta palavra permita resolver a questão.

36.      Pelo contrário, considero, pela minha parte, que a ausência de termos como «até», no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9, contrariamente ao artigo 15.o, n.o 1, da mesma, tem importância e não é um mero acaso. Esta omissão sugere claramente que o legislador da União não quis estabelecer um prazo imperativo na primeira destas disposições (16). Atendendo à natureza fundamental do direito ao reembolso do IVA no âmbito do sistema comum do IVA e ao princípio da neutralidade que é crucial nesse sistema, a fixação de prazos imperativos que conduzam à perda deste direito deve, necessariamente, ser feita de forma clara e inequívoca, através de termos explícitos constantes da própria diretiva.

37.      Observo, além disso, que, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, da Diretiva 2008/9, o Estado‑Membro responsável pelo tratamento do pedido de reembolso pode solicitar informações adicionais ao requerente ou às autoridades competentes do Estado‑Membro de estabelecimento ou, até mesmo, a terceiros. Contudo, o artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9 fixa um prazo uniforme de um mês para a prestação das informações solicitadas, independentemente da identidade do destinatário do pedido.

38.      Na minha opinião, este facto, por si só, constitui um forte indício de que a interpretação desta disposição adotada pela Autoridade Tributária francesa (17) não pode ser correta. Embora o direito a dedução seja um aspeto fundamental do sistema do IVA no seu conjunto, se esta interpretação fosse correta significaria que o direito do contribuinte a este respeito ficaria completamente vulnerável a atos de terceiros, os quais nem todos estariam em condições de responder a tal pedido dentro desse prazo relativamente curto. Seria, por conseguinte, manifestamente injusto que o incumprimento, por um terceiro — como, por exemplo, a Autoridade Tributária do Estado‑Membro de estabelecimento —, da obrigação de prestar as informações pedidas dentro do prazo previsto no artigo 20.o, n.o 2, da mesma diretiva pudesse implicar a perda do direito de um contribuinte ao reembolso.

39.      Esta conclusão é igualmente corroborada pela análise da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que salienta a importância do direito de qualquer pessoa a uma boa administração (18) e o direito a uma ação garantido pelo artigo 47.o da Carta (19). Neste contexto, considero que um aspeto essencial do direito de qualquer pessoa a uma boa administração e do direito a uma ação é que um direito substantivo garantido pelo direito da União não possa ser frustrado ou eliminado pela imposição de um prazo que é suscetível de ser aplicado de forma injusta ou arbitrária. Contudo, assim ocorreria neste caso se, por exemplo, o direito do contribuinte a dedução caducasse automaticamente em razão da omissão de outra parte de responder ao pedido de informações dentro do prazo de um mês.

40.      Importa igualmente recordar que o artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/9 estabelece um prazo para que o Estado‑Membro de reembolso notifique o requerente da sua decisão de deferir ou indeferir o pedido de reembolso, depois de receber as informações solicitadas nos termos do artigo 20.o, n.o 1, da referida diretiva ou no caso de não ter recebido resposta ao seu pedido. Pode, assim, dizer‑se que o artigo 21.o da Diretiva 2008/9 não exclui, portanto, a possibilidade de o Estado‑Membro aprovar um reembolso do IVA, apesar de o requerente não ter respondido a um pedido de informações adicionais. Tal constitui mais um indício de que o prazo estabelecido no artigo 20.o, n.o 2, não se destinava a ser imperativo, no sentido de que o seu incumprimento extinguia automaticamente o direito a dedução.

41.      Além disso, nos termos do artigo 26.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/9, se o requerente não apresentar dentro do prazo fixado as informações adicionais pedidas pelo Estado‑Membro de reembolso, não são devidos juros ao requerente pelo Estado‑Membro em causa sobre o montante do reembolso a pagar nos termos do prazo estabelecido pelo artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2008/9. O artigo 26.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/9 baseia‑se claramente, portanto, na premissa segundo a qual o incumprimento do prazo para apresentar informações adicionais nos termos do artigo 20.o, n.o 2, não implica a perda do direito ao reembolso do IVA.

42.      Assim, por todas estas razões, vejo‑me obrigado a concluir que o prazo fixado pelo artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9 não é um prazo imperativo no sentido em que foi aplicado pela Autoridade Tributária francesa no caso em apreço. Contudo, apesar de o prazo estabelecido no artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9 não ser imperativo, pode observar‑se que o incumprimento de tal prazo não é desprovido de consequências.

43.      Em primeiro lugar, nos termos do artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/9, se o Estado‑Membro de reembolso não tiver recebido resposta ao seu pedido de informações adicionais, deve notificar o requerente da sua decisão de deferir ou indeferir o pedido de reembolso no prazo de dois meses a contar do termo do prazo previsto no artigo 20.o, n.o 2, da referida diretiva. Assim, a falta de resposta conduz, em princípio, à adoção de uma decisão quanto a um pedido de reembolso que, por sua vez, pode ser objeto de recurso por parte do requerente, nos termos do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9.

44.      O artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9 não prevê normas pormenorizadas sobre o direito de recurso nele contido. Na falta de qualquer indicação ou limitação e sem prejuízo do duplo requisito da equivalência e da efetividade, o âmbito do recurso é determinado pelo direito processual nacional. Daqui resulta, por conseguinte, que, em princípio, podem existir recursos para um órgão administrativo e/ou um órgão jurisdicional, que podem versar sobre questões de direito e de facto.

45.      Uma vez que considero que o prazo previsto no artigo 20.o, n.o 2, não é imperativo e que o requerente não perde o seu direito ao reembolso do IVA por não responder a um pedido de informações adicionais dentro do prazo especificado, o requerente pode apresentar as informações adicionais anteriormente pedidas pelo Estado‑Membro de reembolso no âmbito de um recurso com vista a regularizar o seu pedido de reembolso.

46.      A fim de garantir que esta faculdade não seja sistematicamente exercida e que o prazo estabelecido pelo artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9 seja, todavia, respeitado, considero que, desde que os princípios da efetividade e da equivalência sejam, mais uma vez, respeitados, o Estado‑Membro de reembolso pode decidir, embora não seja obrigado a isso, que as despesas relativas ao processo de recurso que decorram do incumprimento, pelo requerente, da obrigação de prestar informações adicionais dentro do prazo fixado nessa disposição sejam pagas pelo requerente.

47.      Em segundo lugar, como referi no n.o 41, supra, a falta de resposta atempada ao pedido de informações adicionais pode ter implicações nos termos do artigo 26.o da Diretiva 2008/9, no que respeita aos juros devidos ao requerente em caso de atraso no pagamento do reembolso do IVA.

V.      Conclusão

48.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão submetida pelo tribunal administratif de Montreuil (Tribunal Administrativo de Montreuil, França), do seguinte modo:

O artigo 20.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, que define as modalidades de reembolso do imposto sobre o valor acrescentado previsto na Diretiva 2006/112/CE a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado‑Membro de reembolso, mas estabelecidos noutro Estado‑Membro, deve ser interpretado no sentido de que não fixa um prazo imperativo cujo incumprimento implique a perda automática do direito ao reembolso do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) por um Estado‑Membro. Um sujeito passivo pode, por conseguinte, regularizar o seu pedido de reembolso do IVA através da apresentação de provas no âmbito de um recurso nos termos do artigo 23.o dessa diretiva.


1      Língua original: inglês.


2      JO 2008, L 44, p. 23.


3      JO 2006, L 347, p. 1.


4      JO 2008, L 44, p. 1.


5      Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen (C‑533/16, EU:C:2018:204, n.os 34 e 36 e jurisprudência referida).


6      Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen (C‑533/16, EU:C:2018:204, n.os 37 a 40 e jurisprudência referida).


7      V. artigo 8.o da Diretiva 2008/9. Parece resultar dos autos no Tribunal de Justiça que o pedido de reembolso do IVA da Sea Chefs foi apresentado atempadamente, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da referida diretiva. Além disso, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, nada nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça indica que a Sea Chefs tenha desrespeitado as disposições nacionais de transposição do artigo 8.o da Diretiva 2008/9, pelo que tinha, assim, apresentado um pedido de reembolso do IVA válido e completo. Além disso, não existem indícios de fraude ou de abuso de direito.


8      V. artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2008/9.


9      V. artigo 178.o da Diretiva 2006/112, relativo às condições que regem o direito à dedução do IVA.


10      C‑332/15, EU:C:2016:614, n.o 39.


11      C‑95/07 e C‑96/07, EU:C:2008:267, n.o 44.


12      C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 48.


13      C‑294/11, EU:C:2012:382, n.os 26 e 33.


14      JO 1979, L 331, p. 11; EE 09 F1 p. 116.


15      C‑294/11, EU:C:2012:382, n.os 26 e 33.


16      Esta abordagem seria também consentânea com a abordagem do legislador da União quanto aos procedimentos que regem o direito à dedução do IVA e com a inexistência, na Diretiva 2006/112, de qualquer prazo específico para a apresentação de um pedido de dedução.


17      V. n.o 18 das presentes conclusões.


18      V., por analogia, artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que é vinculativo, designadamente, para as instituições da União. Embora as autoridades do Estado‑Membro não estejam vinculadas pelo artigo 41.o da Carta, estão sujeitas à obrigação de boa administração, conforme consagrada no referido artigo da Carta, quando aplicam o direito da União, dado que esta disposição reflete um princípio geral do direito da União. V. Acórdão de 8 de maio de 2014, N. (C‑604/12, EU:C:2014:302, n.os 49 e 50).


19      V., por analogia, Acórdão de 19 de setembro de 2018, C.E. e N.E. (C‑325/18 PPU e C‑375/18 PPU, EU:C:2018:739, n.o 82). No que respeita ao direito de recurso nos termos do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2008/9, v. n.os 44 a 46 das presentes conclusões.