Language of document : ECLI:EU:C:2019:472

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

6 de junho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Procedimentos para contratação pública de empreitada de obras públicas, de fornecimentos e de serviços — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v) — Validade — Âmbito de aplicação — Exclusão dos serviços de arbitragem e de conciliação e de determinados serviços jurídicos — Princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade — Artigos 49.o e 56.o TFUE»

No processo C‑264/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional, Bélgica), por decisão de 29 de março de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de abril de 2018, no processo

P. M.,

N. G.d.M.,

P. V.d.S.

contra

Ministerraad,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, C. Lycourgos, E. Juhász, M. Ilešič e I. Jarukaitis, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de P. M., P. V.d.S. e N. G.d.M., por P. Vande Casteele, advocaat,

–        em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux, P. Cottin, L. Van den Broeck e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidos por D. D’Hooghe, C. Mathieu e P. Wytinck, advocaten,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou, S. Papaioannou e S. Charitaki, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo cipriota, por D. Kalli e E. Zachariadou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Parlamento Europeu, por A. Pospíšilová Padowska e R. van de Westelaken, na qualidade de agentes,

–        em representação do Conselho da União Europeia, por M. Balta e F. Naert, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Haasbeek e P. Ondrůšek, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a validade do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P. M., N. G.d.M. e P. V.d.S. ao Ministerraad (Conselho de Ministros, Bélgica) a respeito da exclusão, pela legislação belga que transpôs as disposições da Diretiva 2014/24, de determinados serviços jurídicos dos procedimentos de contratação pública.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 4, 24 e 25 da Diretiva 2014/24 enunciam:

«(1)      A adjudicação de contratos públicos pelas administrações dos Estados‑Membros ou por conta destas deve respeitar os princípios do Tratado [FUE], designadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, bem como os princípios deles decorrentes, como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Contudo, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, deverão ser estabelecidas disposições que coordenem os procedimentos nacionais de contratação pública, a fim de garantir que esses princípios produzam efeitos práticos e os contratos públicos sejam abertos à concorrência.

[…]

(4)      As formas cada vez mais diversificadas de ação pública tornaram necessário definir de forma mais clara o próprio conceito de contratação; essa clarificação não deverá contudo alargar o âmbito de aplicação da presente diretiva em relação ao da Diretiva 2004/18/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114)]. As regras da União em matéria de contratação pública não pretendem abranger todas as formas de despesa pública, mas apenas a aquisição de obras, fornecimentos ou serviços, a título oneroso, por contratação pública. […]

[…]

(24)      Convém recordar que os serviços de arbitragem e de conciliação, e outras formas semelhantes de resolução alternativa de litígios, são habitualmente prestados por pessoas ou organismos designados ou selecionados de um modo que não pode estar sujeito às regras de contratação pública. Importa esclarecer que a presente diretiva não se aplica aos contratos que tenham por objeto a prestação de tais serviços, seja qual for a sua designação na legislação nacional.

(25)      Alguns serviços jurídicos são efetuados por prestadores de serviços designados por um tribunal de um Estado‑Membro, implicam a atuação de advogados em representação de clientes numa ação judicial, são obrigatoriamente prestados por notários ou estão ligados ao exercício da autoridade pública. Tais serviços jurídicos, habitualmente prestados por pessoas ou organismos designados ou selecionados de um modo que não pode estar sujeito a regras de contratação pública, como por exemplo no caso da designação dos Procuradores‑Gerais em determinados Estados‑Membros. Esses serviços jurídicos deverão por conseguinte ficar excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva.»

4        O artigo 10.o desta diretiva, intitulado «Exclusões específicas para os contratos de serviços», dispõe, nas suas alíneas c) e d):

«A presente diretiva não se aplica aos contratos públicos de serviços destinados:

[…]

c)      Aos serviços de arbitragem e de conciliação;

d)      A qualquer dos seguintes serviços jurídicos:

i)      representação de um cliente por um advogado, na aceção do artigo 1.o da Diretiva 77/249/CEE do Conselho[, de 22 de março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados (JO 1977, L 78, p. 17; EE 06 F1 p. 224)]:

–        numa arbitragem ou conciliação realizada num Estado‑Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação, ou

–        em processos judiciais perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado‑Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais,

ii)      aconselhamento jurídico prestado em preparação de qualquer dos processos referidos na subalínea i) da presente alínea, ou quando haja indícios concretos e uma grande probabilidade de a questão à qual o aconselhamento diz respeito se tornar o objeto desses processos, desde que o aconselhamento seja prestado por um advogado, na aceção do artigo 1.o da Diretiva [77/249];

[…]

v)      outros serviços jurídicos que no Estado‑Membro em causa estejam ligados, ainda que a título ocasional, ao exercício da autoridade pública».

 Direito belga

5        Através da loi relative aux marchés publics, de 17 de junho de 2016 (Lei dos contratos públicos, Moniteur belge de 14 de julho de 2016, p. 44219), o legislador belga reviu as regras relativas à contratação pública e conformou a sua legislação com a Diretiva 2014/24. O artigo 28.o desta lei dispõe:

«§ 1.      Não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente lei, sem prejuízo do disposto no n.o 2, os contratos públicos de serviços que tenham por objeto:

[…]

3°      serviços de arbitragem e de conciliação;

4°      um dos seguintes serviços jurídicos:

a)      a representação legal de um cliente por advogado, na aceção do artigo 1.o da Diretiva [77/249], representação essa que seja efetuada no âmbito de:

i.      uma arbitragem ou conciliação realizada num Estado‑Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação, ou

ii.      um processo judicial perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado‑Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais,

b)      aconselhamento jurídico prestado em preparação de qualquer dos processos referidos na subalínea a) do presente ponto, ou quando haja indícios concretos e uma grande probabilidade de a questão à qual o aconselhamento diz respeito se tornar o objeto desses processos, desde que o aconselhamento seja prestado por um advogado, na aceção do já referido artigo 1.o da Diretiva [77/249];

[…]

e)      outros serviços jurídicos que, no Reino, estejam ligados, ainda que a título ocasional, ao exercício da autoridade pública;

[…]

§ 2.      Quando o entender, o Rei pode fixar as regras de contratação a que ficam sujeitos os contratos referidos no n.o 1, 4, a) e b).»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

6        Em 16 de janeiro de 2017, P. M., N. G.d.M. e P. V.d.S., recorrentes no processo principal, advogados e juristas de formação, interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional, Bélgica), um recurso de anulação das disposições da Lei dos contratos públicos, que excluem certos serviços jurídicos, bem como certos serviços de arbitragem e conciliação, do âmbito de aplicação da referida lei.

7        Os recorrentes no processo principal alegam que estas disposições criam uma diferença de tratamento que não é suscetível de ser justificada porquanto as regras de contratação pública, previstas na referida lei, não são aplicáveis à adjudicação dos serviços nela indicados.

8        O órgão jurisdicional de reenvio considera assim que se coloca a questão de saber se a exclusão destes serviços dos processos de contratação pública viola os objetivos, prosseguidos pelo legislador da União aquando da adoção da Diretiva 2014/24, relativos à plena concorrência, à livre prestação de serviços e à liberdade de estabelecimento e se os princípios da subsidiariedade e da igualdade de tratamento não deviam ter conduzido a uma harmonização das regras do direito da União também relativamente a estes serviços.

9        Segundo o mesmo órgão jurisdicional, para apreciar a constitucionalidade das disposições legislativas nacionais cuja anulação lhe é pedida, é necessário examinar se as disposições do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), desta diretiva são compatíveis com os princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade, bem como com os artigos 49.o e 56.o TFUE.

10      Nestas condições, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 10.o, [alínea c), e alínea d), i), ii) e v),] da Diretiva [2014/24] é compatível com o princípio da igualdade de tratamento, eventualmente conjugado com o princípio da subsidiariedade e com os artigos 49.o e 56.o [TFUE], dado os serviços aí referidos estarem excluídos do âmbito da aplicação das disposições de adjudicação da referida diretiva, apesar de garantirem a plena concorrência e a livre circulação na aquisição de serviços pelo Estado?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

11      Os Governos checo e cipriota contestam a admissibilidade da questão prejudicial e, por conseguinte, do pedido de decisão prejudicial.

12      O Governo checo alega que esta questão não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, o qual diz respeito à questão de saber se a Constituição belga se opõe a que o direito nacional exclua do âmbito de aplicação das regras nacionais em matéria de contratação pública determinados serviços jurídicos que também estão excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24. Ora, o direito da União não impõe a um Estado‑Membro que inclua os serviços em questão no âmbito de aplicação das regras nacionais de transposição. Por conseguinte, esta questão deve ser apreciada apenas à luz da Constituição belga.

13      O Governo cipriota alega, por sua vez, que a questão submetida tem por objeto a conformidade do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), desta diretiva com os artigos 49.o e 56.o TFUE. Ora, qualquer medida nacional que tenha sido objeto de harmonização exaustiva a nível da União deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das disposições do direito primário.

14      A este respeito, há que recordar que, quando uma questão relativa à validade de um ato adotado pelas instituições da União seja suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, compete a este órgão jurisdicional julgar se uma decisão sobre essa questão é necessária para proferir a sua decisão, e, consequentemente, solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre essa questão. Consequentemente, na medida em que as questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional têm por objeto a validade de uma disposição de direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdãos de 11 de novembro de 1997, Eurotunnel e o., C‑408/95, EU:C:1997:532, n.o 19; de 10 de dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, EU:C:2002:741, n.o 34; e de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 49].

15      Só é possível ao Tribunal de Justiça recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, na aceção do artigo 267.o TFUE, quando, designadamente, os requisitos respeitantes ao conteúdo do pedido de decisão prejudicial que figuram no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não sejam respeitados ou quando seja manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União, pedidas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou quando o problema tenha natureza hipotética (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 50).

16      No presente caso, resulta da decisão de reenvio que as disposições nacionais em causa no processo principal, cuja anulação é pedida perante o órgão jurisdicional de reenvio, dizem respeito à lei que transpôs a Diretiva 2014/24 para o direito belga, designadamente a exclusão de determinados serviços jurídicos do seu âmbito de aplicação.

17      Nestas circunstâncias, contrariamente ao que os Governos checo e cipriota alegam, a questão da validade do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24 não é desprovida de pertinência para a resolução do litígio no processo principal. Com efeito, no caso de a exclusão prevista nas referidas disposições vir a ser considerada inválida, as disposições cuja anulação é pedida perante o órgão jurisdicional de reenvio devem ser consideradas contrárias ao direito da União.

18      Resulta das considerações precedentes que a questão submetida, e, por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial, é admissível.

 Quanto à questão prejudicial

19      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a validade do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24, à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade, bem como dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

20      No que diz respeito, primeiro, ao princípio da subsidiariedade e ao respeito dos artigos 49.o e 56.o TFUE, há que recordar, por um lado, que o princípio da subsidiariedade, enunciado no artigo 5.o, n.o 3, TUE, prevê que, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a União só intervém se, e na medida em que, os objetivos da ação projetada não puderem ser suficientemente realizados pelos Estados‑Membros e puderem, assim, devido à dimensão ou aos efeitos da ação projetada, ser mais bem alcançados a nível da União (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C‑547/14, EU:C:2016:325, n.o 215 e jurisprudência referida).

21      Do facto de o legislador da União ter excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24 os serviços referidos no seu artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), decorre necessariamente que, ao fazê‑lo, considerou que cabia aos legisladores nacionais determinar se esses serviços deviam estar sujeitos às regras de contratação pública.

22      Por conseguinte, não se pode alegar que a adoção destas disposições violou o princípio da subsidiariedade.

23      Por outro lado, no que se refere ao respeito dos artigos 49.o e 56.o TFUE, o considerando 1 da Diretiva 2014/24 enuncia que o procedimento de contratação pública pelas autoridades dos Estados‑Membros ou por conta destas deve respeitar os princípios do Tratado FUE, designadamente as disposições relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

24      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a coordenação a nível da União dos procedimentos de contratação pública visa suprimir os entraves à livre circulação dos serviços e das mercadorias que esses procedimentos podem instituir e, assim, proteger os interesses dos operadores económicos estabelecidos num Estado‑Membro que desejem propor bens ou serviços às entidades adjudicantes estabelecidas noutro Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2007, Comissão/Irlanda, C‑507/03, EU:C:2007:676, n.o 27 e jurisprudência referida).

25      No entanto, daqui não resulta que, ao excluir os serviços referidos no artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24 do âmbito de aplicação desta última e, por conseguinte, ao não impor aos Estados‑Membros que sujeitem aqueles serviços às regras de contratação pública, esta mesma diretiva viole as liberdades garantidas pelos Tratados.

26      No que diz respeito, segundo, ao poder de apreciação do legislador da União e ao princípio geral da igualdade de tratamento, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta reconheceu ao legislador da União, no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas, um amplo poder de apreciação quando a sua ação implique escolhas de natureza política, económica e social e quando seja chamado a efetuar apreciações e avaliações complexas (Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 57, e de 30 de janeiro de 2019, Planta Tabak, C‑220/17, EU:C:2019:76, n.o 44). Só o caráter manifestamente desadequado de uma medida adotada nesse domínio, face ao objetivo que as instituições competentes pretendem prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida (Acórdão de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, EU:C:2004:802, n.o 48).

27      Todavia, mesmo perante semelhante poder, o legislador da União tem de basear a sua escolha em critérios objetivos e adequados à finalidade prosseguida pela legislação em causa (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 58).

28      Além disso, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 23 e jurisprudência referida).

29      A apreciação do caráter comparável de situações diferentes é efetuada à luz de todos os elementos que as caracterizam. Estes elementos devem, nomeadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio em que o ato em causa foi adotado (Acórdãos de 12 de maio de 2011, Luxemburgo/Parlamento e Conselho, C‑176/09, EU:C:2011:290, n.o 32, e de 30 de janeiro de 2019, Planta Tabak, C‑220/17, EU:C:2019:76, n.o 37).

30      É à luz destes princípios que há que analisar a validade do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii), e v), da Diretiva 2014/24, tomando para tal em consideração o princípio da igualdade de tratamento.

31      Assim, no que diz respeito, em primeiro lugar, aos serviços de arbitragem e de conciliação, indicados no artigo 10.o, alínea c), da Diretiva 2014/24, o considerando 24 desta enuncia que os organismos ou as pessoas que prestam serviços de arbitragem e conciliação bem como outras formas alternativas semelhantes de resolução de litígios são designados de um modo que não pode estar sujeito às regras de contratação pública.

32      Com efeito, os árbitros e os conciliadores têm sempre de ser aceites por todas as partes no litígio e são designados por estas através de um comum acordo. Um organismo público que dê início a um procedimento de contratação pública para a prestação de um serviço de arbitragem ou de conciliação não pode, assim, impor a adjudicatária desse contrato como árbitro ou conciliador comum à outra parte.

33      Atendendo às suas características objetivas, os serviços de arbitragem e de conciliação, indicados neste artigo 10.o, alínea c), não são, por conseguinte, comparáveis aos outros serviços incluídos no âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24. Daqui resulta que foi sem violar o princípio da igualdade de tratamento que o legislador da União, no âmbito do seu poder de apreciação, afastou os serviços indicados no artigo 10.o, alínea c), da Diretiva 2014/24 do respetivo âmbito de aplicação.

34      Em segundo lugar, no que respeita aos serviços prestados por advogados, indicados no artigo 10.o, alínea d), i) e ii), da Diretiva 2014/24, resulta do considerando 25 desta diretiva que o legislador da União tomou em consideração o facto de que estes serviços jurídicos são habitualmente prestados por organismos ou pessoas designados ou selecionados de um modo que não pode estar sujeito às regras de contratação pública em determinados Estados‑Membros, pelo que havia que excluir estes serviços jurídicos do âmbito de aplicação da referida diretiva.

35      A este respeito, há que salientar que o artigo 10.o, alínea d), i) e ii), da Diretiva 2014/24 não exclui do âmbito de aplicação desta diretiva todos os serviços suscetíveis de serem prestados por um advogado a favor de uma entidade adjudicante, excluindo apenas a representação de um cliente no âmbito de um processo perante uma instância internacional de arbitragem ou de conciliação, perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado‑Membro ou de um país terceiro bem como perante tribunais ou instituições internacionais, e ainda o aconselhamento jurídico prestado em preparação de qualquer um destes processos. A prestação de semelhantes serviços por um advogado só pode ser concebida no contexto de uma relação intuitu personae entre o advogado e o seu cliente, a qual se caracteriza pela mais absoluta confidencialidade.

36      Ora, por um lado, de semelhante relação intuitu personae entre o advogado e o seu cliente, caracterizada pela livre escolha do seu defensor e pela relação de confiança que une o cliente ao seu advogado, resulta a dificuldade de descrever objetivamente a qualidade que se espera dos serviços a prestar.

37      Por outro lado, a confidencialidade da relação entre o advogado e o seu cliente, cujo objeto consiste, especialmente nas circunstâncias descritas no n.o 35 do presente acórdão, tanto na salvaguarda do pleno exercício dos direitos de defesa dos sujeitos de direito como na proteção da exigência segundo a qual qualquer sujeito de direito deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão, 155/79, EU:C:1982:157, n.o 18), poderia ser ameaçada pela obrigação, imposta à entidade adjudicante, de especificar os requisitos de adjudicação desse contrato, bem como a publicidade que deve ser dada a esses requisitos.

38      Daqui resulta que, à luz das suas características objetivas, os serviços indicados no artigo 10.o, alínea d), i) e ii), da Diretiva 2014/24 não são comparáveis aos outros serviços incluídos no âmbito de aplicação desta diretiva. Atendendo a esta diferença objetiva, foi igualmente sem violar o princípio da igualdade de tratamento que o legislador da União pôde, no âmbito do seu poder de apreciação, excluir estes serviços do âmbito de aplicação da referida diretiva.

39      Em terceiro lugar, no que diz respeito aos serviços jurídicos cujas atividades, ainda que a título ocasional, estejam ligadas ao exercício da autoridade pública, indicados no artigo 10.o, alínea d), v), da Diretiva 2014/24, estas atividades, e, por conseguinte, estes serviços, estão excluídas, nos termos do artigo 51.o TFUE, do âmbito de aplicação das disposições deste Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e das disposições relativas à livre prestação de serviços nos termos do artigo 62.o TFUE. Tais serviços distinguem‑se dos que se enquadram no âmbito de aplicação desta diretiva na medida em que fazem direta ou indiretamente parte do exercício do poder público e se enquadram nas funções que têm por objeto a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou das outras autoridades públicas.

40      Daqui resulta que, pela sua própria natureza, serviços jurídicos que estejam ligados, ainda que a título ocasional, ao exercício da autoridade pública não são comparáveis, devido às suas características objetivas, aos outros serviços incluídos no âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24. Atendendo a esta diferença objetiva, foi, mais uma vez, sem violar o princípio da igualdade de tratamento que o legislador da União, no âmbito do seu poder de apreciação, os excluiu do âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24.

41      Por conseguinte, a análise das disposições do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24 não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a sua validade à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade, bem como dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

42      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a análise desta não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das disposições do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24 à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade, bem como dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

A análise da questão não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade das disposições do artigo 10.o, alínea c), e alínea d), i), ii) e v), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, à luz dos princípios da igualdade de tratamento e da subsidiariedade, bem como dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.