Language of document : ECLI:EU:C:2019:958

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 12 de novembro de 2019 (1)

Processo C502/19

Processo penal

na presença de

Oriol Junqueras Vies,

Ministerio Fiscal,

Abogacía del Estado,

Partido político VOX

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Nacional de um Estado‑Membro em prisão preventiva, eleito membro do Parlamento Europeu durante a fase de julgamento de um processo penal — Interessado não autorizado a dar cumprimento a uma exigência prevista pelo direito nacional — Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia — Artigo 9.o — Domínio e alcance da imunidade parlamentar — Conceitos de “eleito” e de “membro do Parlamento Europeu” — Ato relativo à eleição dos deputados ao Parlamento Europeu — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 39.o — Direito de ser eleito»






 Introdução

1.        Por ocasião de cada nova legislatura da House of Commons (Câmara dos Comuns, Reino Unido), o speaker (presidente) apresenta uma petição ao Rei (ou, como é o caso atualmente, à Rainha) para que este confira à Câmara «liberdade de expressão, proteção contra detenções, acesso a Sua Majestade se tal for necessário e a interpretação dos seus trabalhos que for mais favorável». O Rei responde, confirmando todos os privilégios concedidos por si ou pelos seus numerosos antecessores (2).

2.        É, com efeito, na história do Parlamento do Reino Unido que a imunidade parlamentar, sob a denominação de parliamentary privilege, encontra as suas origens. A componente mais importante deste privilégio, a liberdade de expressão, foi oficializada no final do século XVI e codificada em 1689 na Declaração de Direitos (Bill of Rights). Deu origem à atual irresponsabilidade (ou imunidade substancial) que se aplica às declarações proferidas ou aos atos praticados no exercício do mandato parlamentar.

3.        No direito continental, o surgimento da imunidade parlamentar está habitualmente associado à Revolução Francesa. Com efeito, a nova instituição criada por ocasião desta revolução, a Assemblée nationale (Assembleia Nacional), necessitava de proteção contra o poder monárquico, até então absoluto. A primeira expressão desta imunidade surgiu nos decretos da própria Assembleia Nacional. Já incluía, naquela época, as duas componentes da imunidade parlamentar tal como é atualmente conhecida: a imunidade substancial (a irresponsabilidade) pelos atos praticados no exercício das funções parlamentares (3) e a imunidade processual (a inviolabilidade) por quaisquer outros atos, salvo no caso de a Assembleia Nacional autorizar que fossem movidos processos judiciais (4). Mais tarde, a Constituição de 1791 conferiu estatuto constitucional à imunidade parlamentar.

4.        A forma desta imunidade, que comporta as duas vertentes, irresponsabilidade e inviolabilidade, instituída durante a Revolução Francesa, foi amplamente retomada nos direitos parlamentares dos Estados da Europa Continental.

5.        Embora a imunidade parlamentar se apresente como uma proteção conferida pessoalmente a cada membro do parlamento, este não é, no entanto, o seu objetivo. A imunidade não é um privilégio do deputado destinado a subtraí‑lo à aplicação da lei comum, mas um mecanismo de proteção do parlamento como um todo (5).

6.        No que se refere mais especificamente à inviolabilidade, um dos objetivos desta proteção consiste em garantir que o parlamento se possa reunir em pleno, sem que procedimentos penais (ou mesmo civis) abusivos ou vexatórios afastem alguns dos seus membros dos debates (6).

7.        Atualmente, a justificação desta imunidade é muitas vezes posta em causa. Com efeito, é alegado que constitui um anacronismo, vestígio de uma época na qual os parlamentos estavam expostos a abusos cometidos pelo poder executivo e pela justiça, a qual estava frequentemente ao serviço de tal poder. Em contrapartida, num Estado de direito moderno, a independência dos juízes é a melhor garantia contra os abusos injustificados suscetíveis de ameaçar o funcionamento ou a composição do parlamento, perdendo assim a imunidade processual a sua razão de ser. É igualmente alegado que esta imunidade constitui, além disso, uma fonte de abusos, bem como uma violação do direito fundamental de acesso à justiça das pessoas lesadas por atos que os parlamentares cometam fora do exercício das suas funções (7).

8.        Há certamente uma grande dose de verdade nestas críticas.

9.        Contudo, por um lado, parece‑me que constituem um testemunho de uma visão muito otimista das coisas: o Estado de direito não progrediu de igual modo em todos os países e a evolução política nem sempre vai no sentido único do seu reforço. Além disso, embora os juízes continuem em princípio a ser independentes, tal não é necessariamente o caso das forças da ordem nem do Ministério Público (8).

10.      Por outro lado, medidas como a fiscalização jurisdicional das decisões de levantamento da imunidade, a limitação da sua extensão ou do seu alcance, bem como a prática dos parlamentos que consiste por princípio em levantar a imunidade, salvo em caso de existência de fumus persecutionis, permitem evitar os abusos e confinar a imunidade nos limites próprios do seu papel de escudo do parlamento.

11.      Corretamente aplicada, a imunidade dos deputados constitui, por conseguinte, uma das garantias da sua independência e, assim, da independência de qualquer parlamento, entre os quais o Parlamento Europeu.

12.      No entanto, para beneficiar desta imunidade, é necessário adquirir previamente a qualidade de parlamentar. Na ordem institucional da União Europeia, o processo de aquisição desta qualidade é regulado em parte pelas disposições nacionais dos Estados‑Membros e em parte pelas disposições do direito da União. Ora, o presente processo coloca a questão da repartição dos âmbitos de aplicação respetivos destas diferentes ordens jurídicas. Reveste assim uma importância constitucional que excede em muito a situação pessoal do recorrente no processo principal e do debate político nacional a que este está associado. É sob este ângulo constitucional que me proponho abordar as questões jurídicas suscitadas no presente processo.

 Quadro jurídico

 Direito da União

13.      Nos termos do artigo 9.o do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (9), anexado aos Tratados UE e FUE (a seguir «Protocolo»):

«Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)      No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

b)      No território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

14.      O processo de eleição dos membros do Parlamento é regulado pelo Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de setembro de 1976 (10), conforme alterado pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de 25 de junho de 2002 e de 23 de setembro de 2002 (11) (a seguir «Ato de 1976»). Nos termos do artigo 5.o deste ato:

«1.      O período quinquenal para que são eleitos os deputados do Parlamento Europeu tem início com a abertura da primeira sessão realizada após cada eleição.

[…]

2.      O mandato de cada representante inicia‑se e cessa ao mesmo tempo que o período previsto no n.o 1.»

15.      Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do referido ato:

«Os deputados do Parlamento Europeu beneficiam dos privilégios e imunidades que lhes são aplicáveis por força do [P]rotocolo, de 8 de abril de 1965, relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias.»

16.      O artigo 8.o, primeiro parágrafo, do mesmo ato dispõe:

«Sob reserva do disposto no presente ato, o processo eleitoral será regulado, em cada Estado‑Membro, pelas disposições nacionais.»

17.      Nos termos do artigo 12.o do Ato de 1976:

«O Parlamento verificará os poderes dos representantes. Para o efeito, registará os resultados proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros e deliberará sobre as reclamações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições do presente Ato, com exceção das disposições nacionais para que ele remete.»

18.      Por último, o artigo 13.o, n.o 1, deste Ato dispõe:

«Um lugar fica vago quando o mandato de um deputado do Parlamento Europeu chega ao seu termo, por demissão ou morte deste ou pela perda do mandato.»

 Direito espanhol

19.      O artigo 71.o da Constituição espanhola enuncia:

«1.      Os deputados e os senadores gozam de inviolabilidade [(12)] pelas opiniões emitidas no exercício das suas funções.

2.      Durante o respetivo mandato, os deputados e os senadores gozam igualmente de imunidade e só podem ser detidos ou presos em caso de flagrante delito. Não podem ser constituídos arguidos nem podem ser julgados em âmbito de procedimento criminal sem autorização prévia da Câmara a que pertencem.

3.      É competente para conhecer dos processos instaurados contra deputados ou senadores a Secção Penal do Tribunal Supremo [Supremo Tribunal, Espanha].

[…]»

20.      A ley orgánica 5/1985 del Régimen Electoral General (Lei Orgânica 5/1985 que Aprova o Regime Eleitoral Geral), de 19 de junho de 1985 (13), conforme alterada (a seguir «Código Eleitoral»), regula o sistema eleitoral espanhol. O título VI deste código contém as disposições especiais para as eleições ao Parlamento Europeu. Nomeadamente, o artigo 224.o, n.os 1 e 2, do referido código prevê:

«1.      A Junta Electoral Central [Comissão Eleitoral Central, Espanha] procede, o mais tardar até ao vigésimo dia após as eleições, à contagem dos votos a nível nacional, à atribuição a cada uma das candidaturas do respetivo mandato e à proclamação dos candidatos eleitos.

2.      No prazo de cinco dias a contar da respetiva proclamação, os candidatos eleitos devem jurar ou prometer cumprir a Constituição perante a Comissão Eleitoral Central. Decorrido o referido prazo, a Comissão Eleitoral Central declara que não foram preenchidos os mandatos que haviam sido atribuídos aos deputados ao Parlamento que não tenham jurado ou prometido cumprir a Constituição e suspende todas as prerrogativas a que estes teriam direito em razão do seu cargo, e isto até que jurem ou prometam cumprir a Constituição.»

21.      Nos termos do artigo 384.o‑A do Real Decreto por el que se aprueba la Ley de Enjuiciamiento Criminal (Decreto Real que Aprova o Código de Processo Penal, a seguir «Código de Processo Penal»), de 14 de setembro de 1882 (14):

«Quando a decisão de submeter um processo a julgamento se tornar definitiva e tiver sido decretada a prisão preventiva por um crime cometido por quem pertença ou esteja associado a grupos armados ou a indivíduos terroristas ou rebeldes, o arguido que desempenhar funções públicas ou que ocupar um cargo público fica automaticamente suspenso do exercício das suas funções enquanto a situação de prisão preventiva se mantiver.»

22.      Os artigos 750.o a 755.o deste código têm a seguinte redação:

«Artigo 750.o

Se o juiz ou o tribunal entenderem que existem fundamentos para instaurar procedimento penal contra um senador ou um deputado com assento nas Cortes [Senado e Câmara dos Deputados] devido à prática de um crime, o referido procedimento não será instaurado contra um membro das Cortes no decurso da legislatura enquanto o corpo legislativo a que aquele pertence não der autorização para tal.

Artigo 751.o

Em caso de flagrante delito, o senador ou o deputado pode ser detido e ser constituído arguido sem que seja concedida a autorização a que se refere o artigo anterior; contudo, a Câmara a que aquele pertence deve ser informada do sucedido nas vinte e quatro horas subsequentes à detenção ou à instauração do procedimento penal.

É igualmente dado conhecimento à respetiva Câmara de qualquer processo pendente que corra contra aquele que, tendo anteriormente sido constituído arguido, tenha sido eleito senador ou deputado das Cortes.

Artigo 752.o

Se um senador ou um deputado das Cortes for constituído arguido durante um interregno parlamentar, o juiz ou o tribunal que conhece do litígio deve informar imediatamente desse facto o respetivo corpo legislativo.

O mesmo acontece se um senador ou um deputado eleito para as Cortes tiver sido constituído arguido antes de estas se reunirem.

Artigo 753.o

Em qualquer caso, o secretário judicial suspende a instância no processo a partir da data em que for dado conhecimento às Cortes, independentemente de estas estarem ou não em período de sessão, mantendo‑se essa suspensão até que o respetivo corpo legislativo se pronuncie.

Artigo 754.o

Se o Senado ou a Câmara dos Deputados recusarem a autorização pedida, o processo é arquivado no que diz respeito ao senador ou ao deputado das Cortes, mas prossegue contra os restantes arguidos.

Artigo 755.o

A autorização é pedida mediante apresentação de suplicatorio, ao qual é anexada, com a classificação de reservado, cópia autenticada dos factos imputados ou da acusação deduzida contra o senador ou o deputado, incluindo os pareceres do Fiscal [Ministério Público] e dos pedidos deduzidos por particulares que sejam objeto do pedido de autorização.»

 Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

23.      O recorrente no processo principal, Oriol Junqueras Vies, era vice‑presidente do Gobierno autonómico de Cataluña (Governo Autonómico da Catalunha, Espanha) no momento em que foram adotadas, pelo Parlamento de Cataluña (Parlamento da Catalunha, Espanha), a Ley 19/2017 del referéndum de autodeterminación (Lei 19/2017 sobre o Referendo de Autodeterminação), de 6 de setembro de 2017 (15), e a Ley 20/2017 de transitoríedad jurídica y fundacional de la República (Lei 20/2017 de Transitoriedade Jurídica e Constitutiva da República), de 8 de setembro de 2017 (16), bem como no momento em que se realizou, em 1 de outubro de 2017, o referendo de autodeterminação previsto na primeira destas duas leis, cujas disposições tinham, entretanto, sido suspensas por força de uma decisão do Tribunal Constitucional (Tribunal Constitucional, Espanha).

24.      Na sequência destes acontecimentos, o Ministerio fiscal (Ministério Público, Espanha), o Abogado del Estado (Representante do Estado, Espanha) e o partido político VOX deram início a um processo penal contra um certo número de pessoas, entre as quais O. Junqueras Vies, que acusam de ter participado num processo de secessão do Estado e de ter cometido, nesse âmbito, atos que entendem que se subsomem em três qualificações penais, a saber, primeiro, «rebelión» (rebelião) ou, em alternativa, «sedición» (sedição), segundo, «desobediencia» (desobediência) e, terceiro, «malversión» (desvio de fundos).

25.      Foi decretada a prisão preventiva de O. Junqueras Vies durante a fase de instrução daquele processo penal, em aplicação de uma decisão de 2 de novembro de 2017. Esta decisão foi sucessivamente renovada.

26.      Depois de iniciada a fase de julgamento do processo penal em que era arguido, O. Junqueras Vies candidatou‑se às eleições ao Congreso de los Diputados (Câmara dos Deputados, Espanha) realizadas em 28 de abril de 2019. Foi eleito deputado.

27.      Por Despacho de 14 de maio de 2019 (17), o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) considerou que não havia que pedir à Câmara dos Deputados a autorização prévia prevista no artigo 71.o, n.o 2, da Constituição espanhola e no artigo 755.o do Código de Processo Penal, porque, no momento em que O. Junqueras Vies foi eleito deputado, já tivera início a fase de julgamento do processo penal que corria contra este último. Com efeito, segundo aquele órgão jurisdicional, a imunidade decorrente da referida disposição constitucional só se aplica em relação a processos penais contra o deputado ou o senador em causa que ainda não tenham chegado à fase de julgamento.

28.      No mesmo despacho, aquele órgão jurisdicional, após pedido apresentado nesse sentido por O. Junqueras Vies, concedeu a este último uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional para que pudesse participar, sob vigilância policial e em condições que garantissem a sua segurança, na primeira sessão plenária da Câmara dos Deputados para dar cumprimento, nessa ocasião, às exigências necessárias para tomar posse, nomeadamente para jurar ou prometer cumprir a Constituição espanhola, conforme previstas no artigo 20.o do Regimento da Câmara dos Deputados.

29.      Depois de ter cumprido estas exigências e de ter tomado posse e de em seguida ter regressado ao estabelecimento prisional, O. Junqueras Vies foi suspenso das suas funções de deputado, por força de uma decisão da Mesa da Câmara dos Deputados adotada em 24 de maio de 2019, ao abrigo do artigo 384.o‑A do Código de Processo Penal.

30.      O. Junqueras Vies também se candidatou às eleições ao Parlamento Europeu realizadas em 26 de maio de 2019. Foi eleito membro, tendo este resultado sido proclamado pela Comissão Eleitoral Central numa Decisão de 13 de junho de 2019 relativa à «Proclamação dos deputados eleitos ao Parlamento Europeu por ocasião das eleições realizadas em 26 de maio de 2019» (18), em conformidade com o disposto no artigo 224.o, n.o 1, do Código Eleitoral.

31.      Por Despacho de 14 de junho de 2019 (a seguir «Despacho de 14 de junho de 2019»), o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) pronunciou‑se sobre um pedido apresentado por O. Junqueras Vies requerendo que lhe fosse concedida uma autorização extraordinária de saída do estabelecimento prisional para se apresentar perante a Comissão Eleitoral Central e jurar ou prometer cumprir a Constituição espanhola, conforme imposto pelo artigo 224.o, n.o 2, do Código Eleitoral às pessoas eleitas membros do Parlamento Europeu. Aquele órgão jurisdicional recusou conceder a autorização pedida.

32.      Em 20 de junho de 2019, a Comissão Eleitoral Central adotou uma decisão na qual constatava que O. Junqueras Vies não tinha jurado ou prometido cumprir a Constituição espanhola e, em conformidade com o disposto no artigo 224.o, n.o 2, do Código Eleitoral, declarou vago o lugar no Parlamento Europeu que fora atribuído ao interessado e suspendeu todas as prerrogativas a que teria direito devido às suas funções. Em paralelo, a mesma Comissão comunicou ao Parlamento Europeu uma lista dos deputados eleitos em Espanha, na qual não figurava o nome de O. Junqueras Vies.

33.      Em 2 de julho de 2019, realizou‑se a primeira sessão da nona legislatura do Parlamento Europeu.

34.      Entretanto, O. Junqueras Vies interpôs, no Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), recurso do Despacho de 14 de junho de 2019, no qual invocou a imunidade prevista no artigo 9.o do Protocolo.

35.      Foi nestas circunstâncias que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 9.o do [Protocolo] é aplicável antes do início do período de “sessões” a uma pessoa acusada de crimes graves que esteja em prisão preventiva, decretada judicialmente com base em factos anteriores ao início de um processo eleitoral em resultado do qual essa pessoa foi proclamada eleita para o [Parlamento], mas a quem foi recusada, por decisão judicial, uma autorização extraordinária de saída de prisão que lhe permitiria cumprir os requisitos previstos pela legislação eleitoral interna para a qual remete o artigo 8.o do [Ato de 1976]?

2)      Em caso de resposta afirmativa, caso o órgão designado pela legislação eleitoral nacional tivesse comunicado ao [Parlamento Europeu] que a pessoa eleita, por não cumprir os requisitos estabelecidos em matéria eleitoral (impossibilidade resultante da limitação à sua liberdade de deslocação devido à sua situação de prisão preventiva no âmbito de um processo por crimes graves), não adquiriria a condição de deputado enquanto não cumprisse esses requisitos, seria a interpretação extensiva da expressão “sessões” mantida, apesar da rutura transitória da sua expectativa de tomar posse do seu lugar?

3)      Se a resposta for no sentido da interpretação extensiva, no caso de a pessoa eleita estar em prisão preventiva no âmbito de um processo por crimes graves instaurado com bastante antecedência relativamente ao início do processo eleitoral, a autoridade judicial que decretou a prisão é obrigada, tendo em conta a expressão “quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu” que figura no artigo 9.o do [Protocolo], a revogar em absoluto a situação de prisão e de modo praticamente automático, para permitir o cumprimento das formalidades e deslocações ao [Parlamento Europeu], ou deve ter‑se em conta um critério relativo de ponderação, caso a caso, dos direitos e dos interesses decorrentes do interesse da justiça e da regularidade do processo, por um lado, e dos relativos ao instituto da imunidade, por outro, quer quanto ao respeito do funcionamento e da independência do Parlamento [Europeu] quer quanto ao direito da pessoa eleita de exercer cargos públicos?»

36.      Na sua decisão de reenvio, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) sublinhou que submetia à apreciação do Tribunal de Justiça questões de interpretação do direito da União que tinham sido suscitadas perante si não no quadro da preparação do acórdão quanto ao mérito, que estava em fase de deliberação no âmbito do procedimento penal instaurado contra O. Junqueras Vies, mas no âmbito de um incidente processual que teve origem no recurso que o interessado interpôs do Despacho de 14 de junho de 2019. O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) indicou igualmente que estava obrigado a submeter estas questões ao Tribunal de Justiça na sua qualidade de órgão jurisdicional que se pronuncia em primeira e última instância, em conformidade com o disposto no artigo 71.o, n.o 3, da Constituição espanhola.

37.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2019. Apresentaram observações escritas O. Junqueras Vies, o Ministério Público, o partido político VOX, o Governo espanhol, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia. Todas estas partes estiveram representadas na audiência que se realizou em 14 de outubro de 2019.

38.      Nessa mesma data, o órgão jurisdicional de reenvio proferiu o Acórdão n.o 459/2019 (a seguir «Acórdão de 14 de outubro de 2019»), no qual condenou, nomeadamente, O. Junqueras Vies numa pena de prisão efetiva de treze anos e na pena de perda por treze anos dos seus direitos civis (inhabilitación absoluta). Numa carta dirigida ao Tribunal de Justiça no mesmo dia, aquele órgão jurisdicional declarou que mantinha o reenvio prejudicial.

 Análise

39.      O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça três questões prejudiciais relativas, em substância, ao âmbito de aplicação pessoal e temporal da imunidade dos membros do Parlamento Europeu prevista no artigo 9.o do Protocolo. Resulta, contudo, das observações apresentadas por várias partes no presente processo que, relativamente à situação do recorrente no processo principal, se coloca uma questão prévia e muito mais fundamental: O. Junqueras Vies beneficia da qualidade de deputado (19) ao Parlamento Europeu? Iniciarei, por conseguinte, a minha análise com o exame desta questão.

 A qualidade de membro do Parlamento

40.      Beneficiam da imunidade parlamentar prevista no artigo 9.o do Protocolo os membros do Parlamento Europeu. Ora, as partes no processo principal que apresentaram observações, com exceção, naturalmente, do recorrente no processo principal, consideram que este não adquiriu, ou, em todo o caso, não adquiriu plenamente, esta qualidade. Alegam, com efeito, que, por força do Ato de 1976, o processo eleitoral para as eleições ao Parlamento Europeu é regulado pelo direito nacional dos Estados‑Membros. Ora, segundo estas partes, a obrigação de jurar ou prometer cumprir a Constituição espanhola, imposta aos eleitos ao Parlamento Europeu pelo artigo 224.o do Código eleitoral, constitui uma etapa do processo eleitoral em Espanha, pelo que uma pessoa que tenha sido proclamada eleita só adquire o mandato de deputado ao Parlamento Europeu, com todas as prerrogativas que daí decorrem, incluindo a imunidade, depois de ter cumprido esta obrigação. Foi ao abrigo desta lógica que a Comissão Eleitoral Central comunicou ao Parlamento Europeu uma lista das pessoas eleitas na qual não figurava o nome do recorrente no processo principal.

41.      Este raciocínio é partilhado pelo Parlamento Europeu e, em substância, pela Comissão nas observações que apresentaram no presente processo. Esta parece ser, também, a posição do órgão jurisdicional de reenvio, exposta no pedido de decisão prejudicial.

42.      No que me diz respeito, não partilho deste raciocínio, pelas razões que se seguem.

 Observações preliminares

43.      Nos termos do artigo 14.o, n.o 2, TUE, o Parlamento Europeu é composto por representantes dos cidadãos da União. Estes são eleitos, em conformidade com o disposto no artigo 14.o, n.o 3, TUE, por sufrágio universal direto. Esta eleição é regulada pelas disposições do Ato de 1976. Este Ato prevê que, sob reserva das questões que nele estão harmonizadas, o processo eleitoral é regulado pelo direito nacional dos Estados‑Membros (artigo 8.o do referido ato). Esta remissão para o direito nacional respeita, além do processo eleitoral propriamente dito, a questões como o direito de voto e a elegibilidade, a fiscalização da validade das eleições ou, em parte, as incompatibilidades.

44.      Em contrapartida, o estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu, enquanto representantes dos cidadãos da União eleitos por sufrágio direto e membros de uma instituição da União, só pode ser regido pelo direito da União. Com efeito, deixar ao direito nacional dos Estados‑Membros a regulamentação do estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu afetaria não apenas a independência deste relativamente aos Estados‑Membros, mas também a autonomia da ordem jurídica da União no seu todo.

45.      É sob este ângulo da independência institucional e da autonomia jurídica que há que apreciar a questão da aquisição da qualidade de membro do Parlamento Europeu.

 A natureza do sufrágio direto

46.      Em primeiro lugar, o raciocínio nos termos do qual a qualidade de deputado ao Parlamento Europeu só é adquirida se tiverem sido cumpridas formalidades exigidas pelo direito nacional, como jurar ou prometer cumprir a Constituição, parece‑me contrário à própria ideia de sufrágio universal direto e de mandato representativo. Com efeito, a aquisição de tal mandato só pode resultar do voto dos eleitores e não pode estar subordinada ao subsequente cumprimento de uma qualquer formalidade, cumprimento esse que, como o presente processo demonstra, nem sempre depende apenas do eleito. Na verdade, os eleitores elegem deputados, não elegem «pretendentes a deputados». A decisão expressa pelos eleitores quando da votação não está sujeita a nenhuma «validação» ou «confirmação».

47.      É certo que o mandato parlamentar e a respetiva atribuição estão limitados por um certo número de exigências e de limites formais: a elegibilidade do candidato, as incompatibilidades e a validade da eleição. No entanto, estas são circunstâncias objetivas relativas à qualidade da pessoa eleita ou do processo eleitoral. A inobservância destas exigências torna legalmente impossível a obtenção ou a manutenção do mandato, dela podendo resultar a sua prematura cessação.

48.      É igualmente certo que em diferentes sistemas parlamentares estão previstas obrigações formais que os parlamentares devem cumprir antes de tomarem efetivamente posse, independentemente de se tratar da obrigação de jurar ou prometer cumprir a Constituição, de apresentar uma declaração relativa aos seus interesses financeiros ou outras. No entanto, estas obrigações aplicam‑se aos parlamentares, ou seja, às pessoas que já adquiriram o mandato. Não condicionam, em contrapartida, essa aquisição, que pode decorrer unicamente da vontade popular expressa nas eleições (20).

49.      Deste modo, a proclamação dos resultados constitui o ato que põe termo ao processo eleitoral e por meio do qual as pessoas eleitas adquirem os seus mandatos (21). Todas as formalidades posteriores a este ato, com exceção da eventual anulação das eleições, revestem mero caráter declarativo e não podem condicionar a aquisição do mandato.

50.      Posso assim admitir que, nos termos do direito espanhol, a prestação do juramento de cumprir a Constituição espanhola, obrigação que impende sobre os deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Espanha e está prevista no artigo 224.o do Código Eleitoral, possa condicionar a tomada de posse efetiva destes deputados (22). Em contrapartida, não pode condicionar a aquisição por estes da qualidade de membro do Parlamento Europeu e das prerrogativas que decorrem desta qualidade, nomeadamente a imunidade. O raciocínio segundo o qual só pode beneficiar da qualidade de deputado, e, por conseguinte, da imunidade que dela decorre, aquele que tenha tranquilamente iniciado o exercício efetivo das suas funções conduziria a um círculo vicioso: uma pessoa eleita não poderia invocar a sua imunidade, uma vez que não gozaria da qualidade de deputado, mas, por não gozar dessa imunidade, ficaria impedida de cumprir a obrigação que lhe permitiria adquirir essa qualidade e a imunidade dela decorrente. Ora, impedir uma pessoa regularmente eleita para o exercício de uma função pública de prestar o juramento exigido para poder assumir essa função é um método perfeito para privar essa pessoa da função em questão, não obstante a vontade daqueles que têm a competência legal da investidura.

51.      É certo que, em conformidade com o artigo 3.o do Regimento do Parlamento Europeu, o procedimento de verificação dos poderes dos deputados é efetuado com base na comunicação, pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros, dos nomes das pessoas eleitas. Daqui resulta, evidentemente, que o Parlamento Europeu deve ser oficialmente informado do resultado das eleições, uma vez que não pode ser obrigado a folhear o jornal oficial de cada Estado‑Membro para obter esta informação. No entanto, esta comunicação constitui apenas um ato técnico que, contrariamente ao que alega, nomeadamente, a Comissão, não pode ser constitutivo da aquisição do mandato. Presume‑se, aliás, que esta comunicação reflete fielmente o resultado das eleições, uma vez que, nos termos do artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regimento do Parlamento Europeu, a verificação dos poderes se baseia «na comunicação oficial de cada Estado‑Membro relativa à totalidade dos resultados eleitorais, que especifica os nomes dos candidatos eleitos». Por outro lado, nos termos do artigo 12.o do Ato de 1976, para verificar os poderes dos seus representantes, o Parlamento Europeu regista «os resultados proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros» (23). Ora, o Ato de 1976, enquanto ato normativo, prevalece sobre o Regimento do Parlamento (24).

 Conformidade com o Ato de 1976

52.      Em segundo lugar, a consequência que, segundo o direito espanhol, resulta do facto de não se jurar ou prometer cumprir a Constituição espanhola, a saber, a declaração de que o mandato está (temporariamente) vago e a suspensão das prerrogativas que deste decorrem até ao cumprimento da obrigação prestar esse juramento é, em minha opinião, incompatível com as disposições pertinentes do Ato de 1976.

53.      Com efeito, embora atribua aos Estados‑Membros a incumbência de proceder à eleição dos deputados ao Parlamento Europeu, este Ato não lhes permite dispor livremente dos mandatos destes. É certo que os Estados‑Membros têm competência, antes de mais, para verificar a validade das eleições. Isto parece lógico, uma vez que são os Estados‑Membros que assumem a responsabilidade pela condução do escrutínio. Se forem constatadas irregularidades, as eleições e, por conseguinte, os seus resultados, podem ser anulados, o que, em princípio, conduz a uma nova votação. Em seguida, os Estados‑Membros podem declarar a perda do mandato de um deputado ao Parlamento Europeu. Esta perda pode ter origem, nomeadamente, no facto de o deputado deixar de ser elegível ou na ocorrência posterior de uma incompatibilidade com o mandato de deputado ao Parlamento Europeu.

54.      Ora, no presente caso, não se verifica nenhuma destas circunstâncias, pelo menos até à prolação do Acórdão de 14 de outubro de 2019. Com efeito, o facto de o recorrente no processo principal não ter prestado o juramento exigido não levou à perda do seu mandato, mas apenas, segundo os próprios termos do órgão jurisdicional de reenvio, ao «adiamento temporário [da sua aquisição efetiva], até que, em função do eventual desfecho do processo, desapareçam os obstáculos à aquisição da qualidade de parlamentar». No entanto, nem o Ato de 1976 nem nenhuma outra disposição do direito da União preveem a atribuição de competência aos Estados‑Membros para suspenderem (temporalmente), por um período indefinido que pode eventualmente estender‑se por toda a duração da legislatura, o mandato de um deputado ao Parlamento Europeu.

 Direito espanhol

55.      Em terceiro lugar, não creio que resulte do próprio direito espanhol a afirmação segundo a qual a obrigação de prestar o juramento de cumprir a Constituição espanhola, prevista no artigo 224.o do Código Eleitoral, constitui um elemento do processo eleitoral.

56.      Com efeito, esta obrigação, que está prevista no artigo 108.o, n.o 8, do Código Eleitoral, impende sobre todos os eleitos. No entanto, por força deste artigo, a prestação do juramento em questão é exigida «no momento da tomada de posse e a fim de adquirir plenamente a condição inerente ao seu cargo». Deste modo, contrariamente ao que o Governo espanhol alegou na audiência, não resulta do referido artigo que a obrigação em causa condiciona a aquisição do mandato.

57.      Esta conclusão é confirmada, nomeadamente, no caso dos eleitos para as Cortes Generales (Parlamento espanhol). A obrigação em questão é regulada pelo regimento de cada câmara do Parlamento espanhol. O juramento é efetuado perante a câmara respetiva de cada membro deste Parlamento, em princípio na primeira sessão plenária de tal câmara. No entanto, os membros dispõem de três sessões plenárias para dar cumprimento a esta obrigação antes de ser decretada a vacatura do mandato.

58.      Por conseguinte, na minha opinião, trata‑se claramente de uma formalidade que impende sobre os membros do Parlamento espanhol, que são os únicos que estão abrangidos pelas disposições dos regimentos e que podem participar nas sessões plenárias das câmaras. Embora esta formalidade possa condicionar o exercício efetivo do mandato, não condiciona de modo nenhum a sua aquisição, a qual decorre apenas do resultado das eleições.

59.      Este entendimento é expressamente confirmado pelo Tribunal Constitucional espanhol, que afirmou, a respeito da obrigação de prestar o juramento de cumprir a Constituição espanhola, que «em consequência, [o] seu eventual incumprimento não priva da qualidade de deputado ou senador, uma vez que esta resulta unicamente da eleição popular, mas apenas do exercício das funções próprias de tal qualidade» (25). Trata‑se assim, efetivamente, do exercício da função parlamentar e não da aquisição do mandato.

60.      Ora, se este é o entendimento aplicável para os membros do Parlamento espanhol, não vejo como poderia ser diferente para os deputados ao Parlamento Europeu. Com efeito, uma obrigação formal que impende sobre um deputado (ou um senador) e que condiciona a sua tomada de posse efetiva, a saber, a obrigação de jurar cumprir a Constituição espanhola, não pode subitamente mudar de natureza e tornar‑se num elemento necessário do processo eleitoral que reveste uma importância constitutiva para a aquisição do mandato de deputado ao Parlamento Europeu.

 Desigualdade de tratamento dos deputados ao Parlamento Europeu relativamente aos deputados nacionais

61.      Por último, em quarto lugar, para passar às questões relacionadas diretamente com a interpretação do artigo 9.o do Protocolo, importa salientar que a tese segundo a qual o cumprimento da obrigação de jurar cumprir a Constituição espanhola condicionaria a aquisição do mandato dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Espanha colocaria estes deputados, bem como o próprio Parlamento Europeu, numa posição claramente menos vantajosa do que o Parlamento espanhol e os seus membros no que respeita à possibilidade de beneficiar da imunidade parlamentar e à competência para levantar ou defender esta imunidade.

62.      Com efeito, os membros do Parlamento espanhol prestam esse juramento perante as respetivas câmaras, em princípio, na primeira sessão plenária a que assistem. Esta obrigação é regulada pelo regimento de cada câmara. Trata‑se assim de um procedimento interno de cada uma das câmaras, no qual não intervém nenhuma instituição terceira. Por outro lado, conforme já observei, esta obrigação não constitui uma condição para a aquisição da qualidade de deputado, mas apenas para o pleno exercício dessa qualidade. Além disso, pelo menos no que respeita à Câmara dos Deputados, a sanção de suspensão das prerrogativas do deputado só é aplicada se, tendo sido realizadas três sessões plenárias, este não tiver cumprido a obrigação em questão (26). Não é, aliás, certo que esta suspensão também afete a imunidade parlamentar (27).

63.      Em contrapartida, no caso dos deputados ao Parlamento Europeu, a prestação de juramento ocorre perante a Comissão Eleitoral Central, órgão alheio ao Parlamento Europeu, sem que este tenha qualquer tipo de intervenção. O não cumprimento desta obrigação por um deputado europeu (ou pelo «candidato eleito», segundo os termos do artigo 224.o do Código Eleitoral), incluindo por razões independentes da sua vontade, tem como resultado imediato e automático a declaração de que o respetivo mandato ficou vago, pelo que o seu nome não é incluído na lista de pessoas eleitas que é comunicada ao Parlamento Europeu e, como foi alegado, não beneficia de imunidade parlamentar.

64.      Ora, em conformidade com o disposto no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo, os membros do Parlamento Europeu beneficiam, no seu território nacional, das «imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país», tendo a competência para levantar esta imunidade sido atribuída ao Parlamento Europeu pelo artigo 9.o, terceiro parágrafo, do Protocolo. Contudo, não vejo de que forma se poderia considerar que esta imunidade é a mesma que é reconhecida aos parlamentares nacionais se as condições de acesso à qualidade de parlamentar, a qual é anterior ao reconhecimento da imunidade, não são equivalentes.

 Conclusão e observações finais

65.      Decorre de tudo o que precede que, contrariamente às alegações das partes mencionadas nos n.os 40 e 41 das presentes conclusões, a prestação do juramento de cumprir a Constituição espanhola não constitui uma etapa do processo de eleição para o Parlamento Europeu em Espanha, devendo considerar‑se que este processo se encerra com a proclamação oficial dos resultados. Assim, há que considerar que a qualidade de membro do Parlamento Europeu se adquire apenas com a referida proclamação e a partir do momento em que esta última tem lugar.

66.      Por outro lado, segundo as informações constantes do pedido de decisão prejudicial e das observações do Governo espanhol, o recorrente no processo principal foi suspenso das suas funções eletivas nacionais (de deputado ao Parlamento Regional catalão e à Câmara baixa do Parlamento espanhol) por força do artigo 384.o‑A do Código de Processo Penal.

67.      Uma vez mais, contrariamente ao que o Governo espanhol alega, parece‑me claro que tal medida de suspensão não pode abranger o recorrente no processo principal enquanto membro do Parlamento Europeu. É certo que os deputados ao Parlamento Europeu são eleitos nos Estados‑Membros, segundo as modalidades previstas nos respetivos direitos nacionais, harmonizados num certo número de pontos pelo Ato de 1976. É para efeito desta eleição que o Tratado distribui os lugares de deputados ao Parlamento Europeu entre os Estados‑Membros de acordo com a regra da «proporcionalidade degressiva» (artigo 14.o, n.o 2, terceiro período, TUE). É também por este motivo que os Estados‑Membros aplicam, além das disposições meramente processuais, as suas próprias regras no que diz respeito, nomeadamente, à elegibilidade. Os Estados‑Membros estão também habilitados a aplicar aos membros do Parlamento Europeu eleitos nos respetivos territórios as suas próprias regras relativas às incompatibilidades, que acrescem à lista das incompatibilidades que figuram no artigo 7.o do Ato de 1976. É também natural que seja o direito nacional dos Estados‑Membros a regular os termos em que é controlada a validade das eleições.

68.      No entanto, uma vez eleitos, os membros do Parlamento Europeu dispõem de um mandato regido pelo direito da União, que os Estados‑Membros não podem revogar nem limitar sem uma habilitação expressa decorrente deste direito. Ora, a única circunstância na qual o mandato de um membro do Parlamento Europeu expira antes do seu termo normal, com exceção dos casos de demissão ou de morte, é a perda de mandato (artigo 13.o, n.o 1, do ato de 1976). Esta perda pode resultar da legislação nacional do Estado‑Membro no qual o deputado em questão foi eleito. Isto é natural, uma vez que a perda do mandato parlamentar europeu ocorre habitualmente por o interessado ter deixado de ser elegível ou pela posterior ocorrência de uma incompatibilidade, regendo‑se estes dois elementos, o segundo parcialmente, pelo direito nacional dos Estados‑Membros.

69.      Em contrapartida, o Ato de 1976 não permite a um Estado‑Membro suspender o mandato de um membro do Parlamento Europeu nem as prerrogativas dele decorrentes, quer esse membro tenha sido eleito nesse Estado‑Membro ou noutro (28). Sob reserva das situações de cessação do mandato previstas no artigo 13.o, n.o 1, do Ato de 1976, um membro do Parlamento Europeu conserva essa qualidade durante todo o período de tempo normal do seu mandato.

70.      Para concluir esta parte, considero que uma pessoa cuja eleição para o Parlamento Europeu foi oficialmente proclamada pela autoridade competente do Estado‑Membro no qual essa eleição teve lugar adquire a qualidade de membro do Parlamento Europeu apenas devido a esse facto e a partir desse momento, independentemente de quaisquer formalidades subsequentes que essa pessoa tenha a obrigação de cumprir, por força do direito da União ou do direito nacional do Estado‑Membro em questão. Essa pessoa conserva essa qualidade até ao termo do seu mandato, sem prejuízo das situações de cessação de mandato mencionadas no artigo 13.o, n.o 1, do Ato de 1976.

 Imunidade dos membros do Parlamento

71.      O órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça três questões relativas à interpretação do artigo 9.o do Protocolo. Mais precisamente, a primeira e segunda questões dizem respeito à aplicabilidade temporal e pessoal do artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), deste protocolo. A terceira questão diz respeito à aplicabilidade e ao alcance do artigo 9.o, segundo parágrafo, do referido protocolo.

 Observações preliminares

72.      A imunidade parlamentar dos membros do Parlamento Europeu está prevista nos artigos 8.o e 9.o do Protocolo.

73.      O artigo 8.o do Protocolo consagra a irresponsabilidade destes membros pelas opiniões e pelos votos emitidos no exercício das suas funções (imunidade substancial). É evidente que este artigo não é aplicável ao presente processo.

74.      Por seu lado, o artigo 9.o do Protocolo consagra a inviolabilidade dos membros do Parlamento Europeu (imunidade processual). Em conformidade com o disposto no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo, estes membros gozam, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país (29). É esta disposição que é objeto das duas primeiras questões prejudiciais. No território dos outros Estados‑Membros, os referidos membros gozam, nos termos do artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea b), deste protocolo, da «não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial». Nos termos do artigo 9.o, segundo parágrafo, do referido protocolo, os membros do Parlamento beneficiam igualmente de imunidade quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento. Esta disposição é objeto da terceira questão prejudicial. Nos termos do artigo 9.o, terceiro parágrafo, do Protocolo, a imunidade prevista neste artigo, tanto no primeiro parágrafo, alíneas a) e b), como no segundo parágrafo, pode ser levantada pelo Parlamento. Esta competência exclui a competência de qualquer outra instituição, nacional ou da União.

75.      O texto do atual artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo praticamente não sofreu alterações desde o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço de 1951. Partilho da opinião da doutrina segundo a qual a remissão para o direito nacional no que respeita à imunidade dos deputados ao Parlamento Europeu nos seus próprios Estados‑Membros constitui um vestígio de uma época na qual os membros da Assembleia eram também membros dos parlamentos nacionais. Já beneficiavam, assim, da imunidade prevista no direito nacional e era, por conseguinte, supérfluo acrescentar uma segunda imunidade. Desde que os membros do Parlamento Europeu passaram a ser eleitos por sufrágio direto esta solução é um anacronismo, e é‑o ainda mais desde que passou a ser proibido cumular os dois mandatos. É, aliás, fortemente criticada enquanto tal e como fonte de desigualdade de tratamento (30).

76.      Há que salientar que as propostas de unificação da imunidade parlamentar apresentadas pelo Parlamento Europeu foram infrutíferas (31).

77.      No entanto, o artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo deve ser interpretado de modo a preservar a coerência e a unidade do estatuto dos membros do Parlamento Europeu.

 Quanto à primeira questão prejudicial: a duração da proteção prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo

78.      Nos termos do artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo, a imunidade que neste se encontra consagrada aplica‑se «[e]nquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu». Esta disposição diz respeito tanto à imunidade decorrente do direito nacional [mencionada no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), deste Protocolo] como à imunidade «europeia» [mencionada no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea b), do referido protocolo]. Com efeito, embora o conteúdo material da imunidade decorrente do direito nacional dependa deste direito, a duração da proteção é, no entanto, regulada pelo direito da União de modo idêntico para todos os deputados do Parlamento Europeu. Atendendo à disparidade das legislações dos Estados‑Membros no que respeita ao alcance temporal do benefício decorrente da imunidade parlamentar, qualquer outra interpretação teria por consequência aumentar a desigualdade de tratamento entre os deputados ao Parlamento Europeu em função do Estado‑Membro em que foram eleitos. O conceito de «sessões» do Parlamento Europeu deve, assim, ser interpretado como conceito autónomo do direito da União (32).

79.      Em conformidade com o disposto no artigo 229.o TFUE, o Parlamento Europeu realiza uma sessão anual. Após cada eleição, a primeira sessão do Parlamento Europeu inicia‑se na primeira terça‑feira posterior ao decurso do prazo de um mês após o termo do período eleitoral (artigo 11.o, n.o 3, do Ato de 1976) (33). Cabe ao Parlamento Europeu fixar, enquanto medida de organização interna, o final das sessões anuais. De acordo com a prática atual, a sessão corresponde ao período de um ano, pelo que o Parlamento Europeu está permanentemente em sessão (34). O Tribunal de Justiça já teve a ocasião de declarar que o conceito de «sessões» na aceção do artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo abrange todo este período, independentemente da questão de saber se o Parlamento Europeu está ou não reunido em sessão (35).

80.      Deste modo, há que responder à primeira questão prejudicial, conforme submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a duração das sessões do Parlamento Europeu, na aceção do artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo, começa com a abertura da primeira sessão do Parlamento Europeu após cada eleição, ou seja, na data mencionada no artigo 11.o, n.o 3, do Ato de 1976. Esta disposição do Protocolo é aplicável a partir da mesma data.

 Quanto à segunda questão prejudicial: aplicação pessoal da imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo

81.      A segunda questão prejudicial diz respeito à questão de saber se a imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo também se aplica a uma pessoa que tenha sido eleita deputado ao Parlamento Europeu, mas que não pôde assumir as suas funções por não ter cumprido a obrigação de prestar juramento prevista no direito espanhol.

82.      Como já indiquei na primeira parte das presentes conclusões, há que considerar que uma pessoa na situação do recorrente no processo principal adquiriu o mandato parlamentar e, por conseguinte, a qualidade de membro do Parlamento Europeu. Esta pessoa pode, assim, beneficiar da imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo. Há, contudo, que determinar o momento a partir do qual esse deputado começa a beneficiar dessa imunidade.

83.      A imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo abrange os membros do Parlamento Europeu, em princípio, a partir da abertura da primeira sessão do Parlamento Europeu realizada após cada eleição. O mandato destes deputados começa a correr no mesmo momento (artigo 5.o, n.o 2, do Ato de 1976). Na medida em que o Parlamento Europeu está permanentemente em sessão, a imunidade em questão coincide com a duração do mandato.

84.      Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, do Ato de 1976, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, deste ato, o mandato de «cada» deputado ao Parlamento Europeu inicia‑se com a abertura da primeira sessão realizada após as eleições (36). Nem esta disposição nem nenhuma outra subordina o início do mandato à presença efetiva do deputado europeu na primeira reunião do Parlamento Europeu após cada eleição, à tomada de posse efetiva em geral ou a qualquer outra circunstância. Por conseguinte, há que considerar que o mandato de um deputado europeu que não tomou efetivamente posse por não ter cumprido todas as formalidades exigidas pelo direito nacional também se inicia com a abertura da primeira sessão do Parlamento Europeu realizada após cada eleição. A partir do mesmo momento, esse deputado beneficia, assim, da imunidade parlamentar prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo.

 Quanto à terceira questão prejudicial: artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo

85.      A terceira questão prejudicial diz respeito à interpretação do artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo.

86.      Nos termos desta disposição, os membros do Parlamento Europeu também beneficiam de imunidade parlamentar quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu. É importante começar por precisar a natureza exata desta imunidade.

87.      A disposição em questão não é explícita a este respeito: refere‑se simplesmente à «imunidade». Em minha opinião, este termo deve ser entendido como uma referência à imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), do Protocolo. Assim, o deputado que se desloca para o local de reunião do Parlamento Europeu ou que dele regressa beneficia, no território do seu Estado‑Membro, da imunidade que é reconhecida aos membros do Parlamento desse Estado‑Membro.

88.      Esta interpretação é corroborada pelo facto de o artigo 9.o, terceiro parágrafo, do Protocolo, que trata nomeadamente do levantamento da imunidade dos deputados europeus, também empregar o termo «imunidade», sem mais precisões. Ora, é facto assente que se trata neste caso da imunidade prevista no artigo 9.o, primeiro parágrafo, deste Protocolo.

89.      No que se refere ao alcance temporal da imunidade prevista no artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de observar que esta pode ser aplicada fora do período durante o qual o Parlamento Europeu se encontra em sessão, a saber, após o encerramento desta (37).

90.      Não vejo razões para que essa imunidade também não se possa aplicar antes do referido período, inclusivamente antes da abertura da primeira sessão realizada após cada eleição. Parece‑me que isto é inclusivamente bastante lógico, uma vez que os deputados têm de se deslocar para o local das reuniões do Parlamento Europeu antes de estas se iniciarem.

91.      Não partilho da tese avançada pela Comissão nas suas observações escritas, e reiterada na audiência, segundo a qual o artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo só foi pertinente no passado, quando o Parlamento Europeu não estava permanentemente em sessão, estando agora obsoleto. Este artigo está em vigor e não deve ser interpretado no sentido de que se refere a hipotéticas funções que terá desempenhado num contexto normativo anterior, devendo ser interpretado à luz das circunstâncias atuais. Seguindo a lógica da Comissão, também se poderia declarar obsoleta a remissão para o direito nacional que figura no artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo.

92.      É certo que tal significa que a imunidade se aplica antes mesmo do início do mandato dos deputados. No entanto, nada me choca nesta interpretação. No direito nacional dos Estados‑Membros, não é excecional que a imunidade se aplique a partir do momento em que os resultados das eleições são proclamados, ainda que o mandato, ou o seu exercício, se iniciem formalmente numa data posterior (38). Esta solução está perfeitamente em linha com o objetivo da inviolabilidade parlamentar, que consiste em garantir que todos os deputados estejam presentes quando o Parlamento Europeu inicia os seus trabalhos. Ora, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio reconhece, este objetivo poderia ser posto em causa se, depois de conhecidos os nomes dos deputados eleitos, estes não beneficiassem de imunidade.

93.      Resta‑me interpretar os termos «quando se dirigem para […] [o] local de reunião do Parlamento Europeu». Segundo uma interpretação estritamente literal, tratar‑se‑ia unicamente do momento em que o deputado se dirige para o local de reunião do Parlamento Europeu. No entanto, em minha opinião, tal interpretação redutora privaria a disposição em questão de utilidade.

94.      Com efeito, o que mais importa não é tanto que o deputado não seja detido quando se dirige para o local de reunião do Parlamento Europeu, mas que possa realizar, de forma útil, essa deslocação, ou seja, que possa cumprir, com toda a liberdade, as diligências necessárias para assumir efetivamente as suas funções e para se dirigir para esse local de reunião. É desta forma que a imunidade prevista no artigo 9.o do Protocolo e da qual os deputados ao Parlamento Europeu podem beneficiar será completa e encontrará plenamente o seu efeito útil. Na verdade, a função da imunidade, que é proteger o funcionamento e a independência do Parlamento Europeu, não exige que, antes do início das sessões deste, os seus membros sejam protegidos contra qualquer medida de que possa resultar de um processo penal. Em contrapartida, esta função exige que não sejam impedidos de assumir as suas funções no momento em que essas sessões se iniciarão.

95.      No que respeita ao Estado‑Membro no qual o deputado em questão foi eleito, as autoridades nacionais têm assim a obrigação de não tomar medidas que possam entravar essas diligências e de suspender as medidas que já estejam em curso, exceto se a imunidade tiver sido levantada pelo Parlamento Europeu. É evidente que, na medida em que o artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo remete, no que respeita ao conteúdo material da imunidade, para o direito nacional, esta obrigação só é válida para as medidas abrangidas pela imunidade parlamentar por força deste direito nacional.

 Quanto às consequências do Acórdão de 14 de outubro de 2019

96.      Recordo que o presente pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um processo em que é contestada a decisão do órgão jurisdicional de reenvio que recusou autorizar o recorrente no processo principal a sair do estabelecimento prisional para prestar o juramento de cumprir a Constituição espanhola, formalismo exigido para se poder exercer efetivamente o mandato de deputado ao Parlamento Europeu.

97.      A prolação, no próprio dia em que se realizou a audiência no presente processo, do acórdão de condenação definitiva do recorrente no processo principal, pôs em causa o próprio objeto deste processo e, por conseguinte, do pedido de decisão prejudicial.

98.      É certo que o órgão jurisdicional de reenvio manteve o seu pedido de decisão prejudicial indicando que «a resposta do [Tribunal de Justiça] é necessária independentemente do facto de [O. Junqueras Vies] estar em prisão preventiva ou de estar a cumprir uma pena de prisão depois de proferida a respetiva condenação».

99.      Todavia, o problema não reside no fundamento da detenção do recorrente no processo principal, mas na pena acessória de perda dos seus direitos civis. Segundo as informações disponíveis, esta pena acarreta, nomeadamente, a perda definitiva do direito de exercer quaisquer funções públicas, incluindo eletivas, bem como a perda de elegibilidade (direito eleitoral passivo) (39). Ora, na medida em que a elegibilidade para o mandato de deputado ao Parlamento Europeu, enquanto elemento da legislação nacional, depende do direito nacional (40), a privação desta última elegibilidade também afeta a elegibilidade para o Parlamento Europeu. Por conseguinte, a perda desta elegibilidade deve acarretar a perda do mandato na aceção do artigo 13.o do Ato de 1976.

100. Deste modo, na medida em que o Acórdão de 14 de outubro de 2019 implica a perda do mandato do recorrente no processo principal (41), não me parece que faça sentido examinar a questão de saber se a autorização em questão lhe devia ter sido concedida, uma vez que a sua eventual prestação de juramento seria, de qualquer modo, inoperante.

101. Tenho assim dúvidas sobre a competência do Tribunal de Justiça para responder às questões prejudiciais submetidas no presente processo. É certo que, nos termos do artigo 100.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este continua a ser competente para se pronunciar sobre um pedido de decisão prejudicial enquanto o órgão jurisdicional que submeteu tal pedido não o tiver retirado. Todavia, em conformidade com o disposto no artigo 100.o, n.o 2, deste regulamento, o Tribunal pode, a qualquer momento, declarar que as condições da sua competência deixaram de estar preenchidas. Ora, por força do artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões de interpretação do direito da União no âmbito de litígios reais e existentes que estejam pendentes perante os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros. Assim, quando o litígio no processo principal deixa de ser atual, o Tribunal de Justiça deixa de ser competente, uma vez que a sua resposta revestiria caráter hipotético.

102. O Acórdão de 14 de outubro de 2019, conjugado com o alcance do Despacho de 14 de maio de 2019, tem como consequência que o recorrente no processo principal, embora tenha sido eleito deputado ao Parlamento Europeu e, conforme expus nas presentes conclusões, tenha adquirido essa qualidade, sem, todavia, ter efetivamente podido iniciar o seu mandato, foi julgado e condenado no âmbito de um processo penal, sem que o Parlamento Europeu tenha tido a oportunidade de se pronunciar sobre o levantamento ou sobre uma eventual defesa da sua imunidade parlamentar.

103. Segundo uma interpretação literal do artigo 9.o do Protocolo, está tudo em ordem. No seu Estado‑Membro, o deputado ao Parlamento Europeu beneficia da imunidade conforme esta se encontra prevista no direito nacional e a interpretação deste cabe em exclusivo aos órgãos jurisdicionais nacionais.

104. Contudo, como já observei, a letra do artigo 9.o do Protocolo não foi alterada desde o Tratado CECA e o seu Protocolo n.o 7. Ora, com exceção deste Protocolo, todos os diplomas normativos que regulam esta matéria sofreram alterações.

105. De simples assembleia consultiva e de controlo, o Parlamento Europeu passou a ser o principal órgão legislativo e político da União, assegurando a sua legitimidade democrática. Já não é composto por representantes dos povos dos Estados‑Membros, mas dos cidadãos da União. Estes representantes deixaram de ser designados pelos parlamentos nacionais, tendo passado a ser eleitos por sufrágio universal direto. A proibição de duplo mandato reforça a independência do Parlamento Europeu relativamente aos parlamentos nacionais.

106. Por outro lado, o direito eleitoral foi elevado ao grau de direito fundamental no artigo 39.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Com efeito, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de declarar que o artigo 39.o, n.o 2, da Carta, nos termos do qual «[o]s membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto, livre e secreto», constitui «a expressão, na Carta, do direito de voto dos cidadãos da União nas eleições para o Parlamento Europeu» (42). Ora, se o artigo 39.o, n.o 2, da Carta protege o direito eleitoral ativo dos cidadãos da União (direito de voto), também deve necessariamente proteger os respetivos direitos eleitorais passivos, ou, dito de outra forma, os direitos dos cidadãos de serem candidatos e de serem eleitos. Com efeito, o direito de voto direto e livre não teria nenhum valor se não existisse o direito de, primeiro, os candidatos se apresentarem livremente às eleições e de, em seguida, uma vez eleitos, exercerem as suas funções, beneficiando, sendo caso disso, da proteção conferida pela imunidade parlamentar.

107. À luz destas alterações, o resultado que decorre da interpretação literal do artigo 9.o do Protocolo é pouco satisfatório. Por conseguinte, importa interrogar‑se sobre se a interpretação desta disposição deve permanecer inalterada desde a época do carvão e do aço ou se deve acompanhar a evolução do panorama normativo e institucional.

108. Sem pôr em causa a remissão para o direito nacional constante do artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo, tal interpretação poderia acentuar a competência do Parlamento Europeu em matéria de imunidade dos seus membros. Nomeadamente, esta disposição remete para as regras nacionais no que respeita ao conteúdo material da imunidade, mas deixa ao Parlamento Europeu a incumbência de aplicar essas regras. Assim, na medida em que o direito nacional de um Estado‑Membro confere imunidade aos parlamentares, parece‑me perfeitamente natural que não seja o órgão jurisdicional nacional competente a apreciar a oportunidade do pedido de levantamento, mas que seja o Parlamento Europeu a julgar da oportunidade de levantar ou defender essa imunidade.

 Observação final

109. Na sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio aborda ainda a questão da ponderação dos interesses a que haveria que proceder no âmbito da decisão sobre uma eventual autorização de saída do estabelecimento prisional do recorrente no processo principal. No entanto, esta questão ficou desprovida de objeto após a prolação do Acórdão de 14 de outubro de 2019. A única questão que continua a ser pertinente é a de saber se, no momento em que esse acórdão foi proferido, o recorrente no processo principal beneficiava de imunidade na qualidade de membro do Parlamento Europeu.

 Conclusão

110. Atendendo a tudo o que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que dê a seguinte resposta às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha):

1)      Uma pessoa cuja eleição ao Parlamento Europeu tenha sido oficialmente proclamada pela autoridade competente do Estado‑Membro no qual essa eleição teve lugar adquire a qualidade de membro do Parlamento Europeu apenas por esse facto e a partir desse momento, independentemente de quaisquer formalidades subsequentes que essa pessoa tenha a obrigação de cumprir, por força do direito da União ou do direito nacional do Estado‑Membro em questão. Essa pessoa conserva esta qualidade até ao termo do seu mandato, sob reserva das situações de cessação de mandato mencionadas no artigo 13.o, n.o 1, do Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo à Decisão 76/787/CECA, CEE, Euratom do Conselho, de 20 de setembro de 1976, conforme alterado pela Decisão 2002/772/CE, Euratom do Conselho, de 25 de junho de 2002 e de 23 de setembro de 2002.

2)      A duração das sessões do Parlamento Europeu, na aceção do artigo 9.o, primeiro parágrafo, do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, anexo aos Tratados UE e FUE, inicia‑se com a abertura da primeira sessão do novo Parlamento Europeu eleito, ou seja, na data mencionada no artigo 11.o, n.o 3, do Ato relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, anexo à Decisão 76/787, conforme alterado pela Decisão 2002/772. Esta disposição do referido Protocolo é aplicável a partir da mesma data. Sucede o mesmo no caso de um membro do Parlamento Europeu que não tenha assumido efetivamente as suas funções por não ter cumprido todas as formalidades exigidas pelo direito nacional.

3)      O artigo 9.o, segundo parágrafo, do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), deste Protocolo, deve ser interpretado no sentido de que, antes da abertura da primeira sessão do Parlamento Europeu após as eleições, as autoridades do Estado‑Membro no qual um membro do Parlamento Europeu foi eleito têm a obrigação de não tomar medidas que possam entravar as diligências a realizar por esse membro que sejam necessárias para a sua tomada de posse efetiva e de suspender as medidas que estejam em curso, exceto se tiver obtido o levantamento da imunidade pelo Parlamento Europeu. Esta obrigação só é válida relativamente às medidas abrangidas pela imunidade parlamentar ao abrigo do direito nacional.

4)      A partir do momento em que o direito nacional de um Estado‑Membro reconhece a imunidade aos membros do parlamento nacional, o artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo (n.o 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 9.o, terceiro parágrafo, deste Protocolo, deve ser interpretado no sentido de que cabe ao Parlamento Europeu pronunciar‑se sobre a oportunidade de levantar ou de defender a imunidade de um dos seus membros.


1      Língua original: francês.


2      Hardt, S., Parliamentary Immunity. A Comprehensive Study of the Systems of Parliamentary Immunity in the United Kingdom, France, and the Netherlands in a European Context, Intersentia, Cambridge, 2013, p. 62.


3      Décret de l’Assemblée nationale du 23 juin 1789 sur l’inviolabilité des députés (Decreto da Assembleia Nacional, de 23 de junho de 1789, relativo à inviolabilidade dos deputados).


4      Décret de l’Assemblée nationale des 26 et 27 juin 1790 qui règle provisoirement les cas où les députés à l’Assemblée nationale peuvent être arrêtés, et la forme des procédures à faire contre eux (Decreto da Assembleia Nacional, de 26 e 27 de junho de 1790, que regula provisoriamente os casos em que os deputados podem ser detidos e a forma de atuação contra estes).


5      V. artigo 5.o, n.o 2, segundo período, do Regimento do Parlamento Europeu, nos termos do qual «[a] imunidade parlamentar não é um privilégio pessoal dos deputados, mas sim uma garantia da independência do Parlamento como um todo, e dos seus membros».


6      O Tribunal Constitucional espanhol exprimiu perfeitamente esta ideia no seu Acórdão 90/1985, de 22 de julho de 1985 (ES:TC:1985:90), segundo o qual a razão de ser da imunidade processual é «evitar que a via penal seja utilizada para perturbar o funcionamento das câmaras ou alterar a composição que resultou da vontade popular» (a tradução é minha).


7      V., a título de exemplo, Santaolalla López, F., Derecho parlamentario español, Editorial Dykinson, Madrid 2013, p. 143. No que se refere à articulação entre a imunidade e os direitos fundamentais, v. Muylle, K., «L’immunité parlementaire face à la Convention européenne des droits de l’Homme», Administration publique, 3/2008, pp. 207 a 216.


8      Esta observação não deve ser lida no sentido de que alude a um Estado em particular, nomeadamente ao Reino de Espanha. Trata‑se de uma constatação objetiva, conforme reconhece, nomeadamente, a Comissão de Veneza, aliás muito crítica a respeito da inviolabilidade parlamentar (v. Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza), «Relatório sobre o âmbito e o levantamento das imunidades parlamentares», adotado em Veneza em 21 e 22 de março de 2014, www.venice.coe.int, n.o 154).


9      JO 2012, C 326, p. 266.


10      JO 1976, L 278, p. 1.


11      JO 2002, L 283, p. 1.


12      Na linguagem jurídica espanhola, entende‑se por «inviolabilidade» (inviolabilidad) aquilo que na realidade constitui uma irresponsabilidade, ou seja, imunidade substancial, e por «imunidade» (inmunidad) aquilo que noutros países é designado por inviolabilidade, ou seja, imunidade processual.


13      BOE n.o 147, de 20 de junho de 1985, p. 19110.


14      Gaceta de Madrid n.o 260, de 17 de setembro de 1882, p. 803 (BOE‑A‑1882‑6036).


15      DOGC n.o 7449, de 6 de setembro de 2017, p. 1.


16      DOGC n.o 7451, de 8 de setembro de 2017, p. 1.


17      Despacho do Tribunal Supremo 5051/2019 (ES:TS:2019:5051A).


18      BOE 2019, n.o 142, p. 62477.


19      Não sendo a terminologia unânime em todas as línguas oficiais, utilizo os termos «membro do Parlamento Europeu» e «deputado ao Parlamento Europeu» como sinónimos.


20      Relativamente a esta distinção entre aquisição e exercício do mandato parlamentar, v., nomeadamente, Avril, P., Gicquel, J., Droit parlementaire, Montchrestien, Paris, 2004, pp. 35 a 36, e Grajewski, K., Status prawny posła i senatora, Wydawnictwo Sejmowe, Varsovie, 2016, p. 12.


21      V., a título de exemplo, no direito francês, Gicquel, J., Gicquel, J.‑E., Droit constitutionnel et institutions politiques, LGDJ, Paris, 2015, p. 678; no direito polaco, Gierach, E., em: Safjan, M., Bosek, L., Konstytucja RP. Komentarz, C.H. Beck, Varsóvia, 2016, t. 2, pp. 329 e 330; e, no direito espanhol, Álvarez Conde, E., Tur Ausina, R., Derecho constitucional, Tecnos, Madrid, 2013, pp. 557 e segs.


22      Na minha opinião, esta exigência suscita inclusivamente dúvidas no que respeita à sua conformidade com o direito da União, nomeadamente à luz do artigo 14.o, n.o 2, primeiro período, TUE, segundo o qual «[o] Parlamento Europeu é composto por representantes dos cidadãos da União» (o sublinhado é meu). No entanto, deixo de lado este problema, uma vez que o presente processo não diz respeito a esta obrigação em si mesma, mas às consequências do seu não cumprimento.


23      O sublinhado é meu. Nada mais decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente da evocada pelo Governo espanhol e pela Comissão nas respetivas observações, a saber, os Acórdãos de 7 de julho de 2005, Le Pen/Parlamento (C‑208/03 P, EU:C:2005:429), e de 30 de abril de 2009, Itália e Donnici/Parlamento (C‑393/07 e C‑9/08, EU:C:2009:275). Estes processos diziam respeito a casos específicos, respetivamente, de perda do mandato na sequência de uma condenação penal e de renúncia, posteriormente revogada, ao mandato. Não havia diferenças entre a proclamação da eleição (ou da perda) efetuada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa e a comunicação dirigida ao Parlamento Europeu. Por outro lado, o presente processo não diz respeito a um eventual controlo, pelo Parlamento, dos resultados das eleições proclamados ou comunicados pelo Estado‑Membro, mas à apreciação por um órgão jurisdicional nacional do estatuto da pessoa eleita para o Parlamento Europeu.


24      V., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2009, Itália e Donnici/Parlamento (C‑393/07 e C‑9/08, EU:C:2009:275, n.o 48).


25      Acórdão 119/1990 de 21 de junho de 1990, (ES:TC:1990:119) (a tradução é minha). V., igualmente, comentário deste acórdão: Santaolalla López, F., «El juramento y los reglamentos parlamentarios», Revista española de derecho constitutional, n.o 30/1990, p. 149. Segundo este autor, o facto de a obrigação de jurar cumprir a Constituição não condicionar a aquisição do mandato parlamentar é «comummente aceite e não merece mais comentários».


26      No que se refere ao juramento ou à promessa de cumprir a Constituição por parte dos membros do Parlamento espanhol, v., nomeadamente Álvarez Conde, E., Tur Ausina, R., op. cit., pp. 571 a 572.


27      V. Santaolalla López, F., Derecho parlamentario español, op. cit., p. 113. Segundo este autor, tal interpretação poderia ser contrária à Constituição espanhola, por força da qual a imunidade é válida para todo o mandato, ou seja, a partir do momento da eleição.


28      É lógico que uma suspensão por motivo de acusação penal, como a prevista no artigo 384.o‑A do Código Penal, poderia respeitar a um deputado eleito num Estado‑Membro diferente daquele em que corre o procedimento penal.


29      É certo que, ao falar das «imunidades», esta disposição parece literalmente referir‑se a todas as formas de imunidade parlamentar, incluindo a irresponsabilidade (imunidade substancial). No entanto, na minha opinião, tal interpretação não faz sentido. Com efeito, primeiro, no direito nacional dos Estados‑Membros, a irresponsabilidade está habitualmente limitada aos atos cometidos no exercício das funções parlamentares. Ora, a qualidade de deputado ao Parlamento Europeu é incompatível com a de membro de um parlamento nacional por força do artigo 7.o, n.o 2, do Ato de 1976. Assim, a irresponsabilidade decorrente do direito nacional não pode, em caso nenhum, aplicar‑se aos deputados ao Parlamento Europeu. No que a estes diz respeito, esta mesma garantia é assegurada pelo artigo 8.o do Protocolo. Segundo, não faria sentido limitar a duração da irresponsabilidade ao período de sessão do Parlamento Europeu e autorizar processos relativos a opiniões emitidas no exercício da função parlamentar depois de aquelas sessões terem sido encerradas. Para ser eficaz, a irresponsabilidade deve ser ilimitada no tempo. Terceiro e por último, a irresponsabilidade constitui uma imunidade absoluta, está assim em contradição com a faculdade que assiste ao Parlamento Europeu de levantar a imunidade, prevista no artigo 9.o, terceiro parágrafo, do Protocolo. Por conseguinte, sou de opinião que o artigo 9.o, primeiro parágrafo, alínea a), do Protocolo deve ser interpretado no sentido de que diz unicamente respeito à inviolabilidade (imunidade processual).


30      V., nomeadamente, Corbett, R., Jacobs, F., Neville, D., The European Parliament, John Harper Publishing, Londres, 2016, pp. 76 a 77; Hardt, S., op. cit., p. 45; Lis‑Staronowicz, D., Galster, J., «Immunitet posła do Parlamentu Europejskiego», Przegląd Sejmowy, 2006/6, p. 9; e Schultz‑Bleis, Ch., Die parlamentarische Immunität der Mitglieder des Europäischen Parlaments, Duncker&Humblot, Berlin, 1995, pp. 29 e segs.


31      V., nomeadamente, Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de setembro de 1983, relativa ao Estatuto dos Membros do Parlamento Europeu (JO 1983, C 277, p. 135; [N. do T.: não existe versão em língua portuguesa deste documento]) e projeto de revisão do Protocolo (n.o 7) [COM(84) 666], bem como Relatórios Donnez (A2‑0121/86) e Rothley (A5‑0193/03) do Parlamento Europeu.


32      Acórdão de 10 de julho de 1986, Wybot (149/85, EU:C:1986:310, n.os 11 a 13).


33      A primeira sessão do Parlamento Europeu da nona legislatura começou em 2 de julho de 2019.


34      V. artigo 153.o, n.o 2, do Regimento do Parlamento Europeu na nona legislatura.


35      Acórdão de 10 de julho de 1986, Wybot (149/85, EU:C:1986:310, dispositivo).


36      A única exceção evidente é o caso das pessoas que substituíram um deputado cujo mandato expirou antecipadamente.


37      Acórdão de 10 de julho de 1986, Wybot (149/85, EU:C:1986:310, n.o 25).


38      Mencionarei apenas, a título de exemplo, o artigo 105.o, n.o 2, da Constituição polaca, que proíbe os processos penais contra os parlamentares a partir da proclamação dos resultados das eleições, bem como os artigos 751.o e 752.o do Código de Processo Penal, citados no n.o 22 das presentes conclusões.


39      Segundo uma nota informativa publicada no sítio Internet do Consejo General del Poder Judicial (Conselho Nacional da Magistratura, Espanha), a perda dos direitos civis tem como consequência a privação definitiva de todas as honras, empregos públicos e funções públicas, incluindo eletivas, bem como a impossibilidade de receber essas honras ou de ser nomeado para esses empregos públicos ou para essas funções públicas e de ser eleito para cargos públicos (v. artigo 41.o do Código Penal espanhol). Por outro lado, por força do artigo 6.o, n.os 2 e 4, do Código Eleitoral, a condenação numa pena privativa de liberdade implica a inelegibilidade bem como a incompatibilidade.


40      V., neste sentido, Acórdão de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543, n.o 78).


41      No final, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar os efeitos exatos do Acórdão de 14 de outubro de 2019.


42      Acórdão de 6 de outubro de 2015, Delvigne (C‑650/13, EU:C:2015:648, n.o 44).