Language of document : ECLI:EU:C:2015:509

TOMADA DE POSIÇÃO DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentada em 6 de julho de 2015 (1)

Processo C‑237/15 PPU

Minister for Justice and Equality

contra

Francis Lanigan

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlanda)]

«Reenvio prejudicial — Tramitação prejudicial urgente — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu — Decisão de entrega — Artigo 15.° — Pessoa procurada que não consente na sua entrega e que se encontra detida — Prazo de adoção da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu — Artigo 17.° — Efeitos da inobservância dos prazos — Direitos da pessoa procurada — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 6.° — Direito à liberdade — Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais — Artigo 5.°, n.os 1, alínea f), e 4 — Direito a uma via de recurso célere para efeitos da fiscalização da legalidade da manutenção em detenção — Direito à libertação — Anotações relativas à Carta — Artigo 52.°, n.° 3, da Carta»





1.      A Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (2), que devia ter sido implementada pelos Estados‑Membros até 31 de dezembro de 2003, suscitou rapidamente a apresentação de pedidos de decisões prejudicais (3). A circunstância de nem todos os Estados‑Membros terem consentido, nos termos do artigo 35.°, n.° 2, TUE, na sua versão anterior ao Tratado de Lisboa, em abrir o mecanismo do reenvio prejudicial aos seus órgãos jurisdicionais implica, porém, que só agora, pouco depois de ter expirado o período de transição previsto pelo Protocolo n.° 36 relativo às disposições transitórias, em anexo ao Tratado FUE, sejam pela primeira vez colocadas ao Tribunal de Justiça questões que são, por vezes, específicas de certos Estados‑Membros.

2.      Mais uma vez, o Tribunal de Justiça é confrontado com questões de grande importância relativas ao mandado de detenção europeu, através de um pedido de decisão prejudicial urgente (4). Pode considerar‑se que é normal que assim seja, uma vez que o próprio pedido de decisão prejudicial se inscreve no âmbito de um processo que o legislador da União quis submeter a um regime de urgência (5). Porém, tal não deve impedir‑nos de propor uma resposta que se adeque o melhor possível às circunstâncias particulares do caso em apreço, devendo, pelo contrário, encorajar‑nos a fazê‑lo.

3.      O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court (Irlanda) coloca ao Tribunal de Justiça a questão das consequências da inobservância dos prazos, fixados pelo artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, dentro dos quais um Estado‑Membro deve adotar uma decisão definitiva, num sentido ou noutro, sobre a execução de um mandado de detenção europeu emitido por outro Estado‑Membro, muito especialmente quando tal mandado tenha levado à colocação da pessoa procurada numa situação de privação da liberdade. A High Court pretende saber, em última instância, se os órgãos jurisdicionais nacionais, chamados até então a aplicar as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584 sem o apoio do Tribunal de Justiça, interpretaram corretamente as exigências da Decisão‑Quadro 2002/584 a este respeito, de modo a poder agir em conformidade.

I –    Quadro jurídico

A –    Direito da União

4.      Os considerandos 1, 5, 8, 12 e 13 da Decisão‑Quadro 2002/584 têm a seguinte redação:

«(1)      De acordo com as conclusões do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999, nomeadamente o ponto 35, deverá ser abolido o processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas embora ausentes cuja sentença já tenha transitado em julgado, bem como acelerados os processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infração.

      […]

(5)      O objetivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados‑Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados‑Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré‑sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.

      […]

(8)      As decisões sobre a execução do mandado de detenção europeu devem ser objeto de um controlo adequado, o que implica que deva ser a autoridade judiciária do Estado‑Membro onde a pessoa procurada foi detida a tomar a decisão sobre a sua entrega.

      […]

(12)      A presente decisão‑quadro respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.° do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir ‘Carta’)], nomeadamente o seu capítulo VI. Nenhuma disposição da presente decisão‑quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objetivos que confortem a convicção de que o mandado de detenção europeu é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos. A presente decisão‑quadro não impede que cada Estado‑Membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo, à liberdade de associação, à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão noutros meios de comunicação social.

(13)      Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.»

5.      O artigo 1.° da Decisão‑Quadro 2002/584, intitulado «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», dispõe:

«1.      O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

3.      A presente decisão‑quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.° do Tratado da União Europeia.»

6.      O artigo 5.° da Decisão‑Quadro 2002/584, que define as «[g]arantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais», prevê, no seu ponto 3:

«A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução a uma das seguintes condições:

[…]

3)      Quando a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão.»

7.      Os artigos 11.° e 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584 dispõem:

«Artigo 11.°

Direitos da pessoa procurada

1.      Quando uma pessoa procurada for detida, a autoridade judiciária de execução competente informa‑a, em conformidade com o seu direito nacional, da existência e do conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como da possibilidade ao seu dispor de consentir em ser entregue à autoridade judiciária de emissão.

2.      Uma pessoa procurada e detida para efeitos da execução de um mandado de detenção europeu, tem direito a beneficiar dos serviços de um defensor e de um intérprete, em conformidade com o direito nacional do Estado‑Membro de execução.

Artigo 12.°

Manutenção da pessoa em detenção

Quando uma pessoa for detida com base num mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução decide se deve mantê‑la em detenção em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução. A libertação provisória é possível a qualquer momento de acordo com o direito nacional do Estado‑Membro de execução, na condição de a autoridade competente deste Estado‑Membro tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada.»

8.      O artigo 15.° da Decisão‑Quadro 2002/584, relativo à decisão sobre a entrega, dispõe:

«1.      A autoridade judiciária de execução decide da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro.

2.      Se a autoridade judiciária de execução considerar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro de emissão são insuficientes para que possa decidir da entrega, solicita que lhe sejam comunicadas com urgência as informações complementares necessárias, em especial, em conexão com os artigos 3.° a 5.° e o artigo 8.°, podendo fixar um prazo para a sua receção, tendo em conta a necessidade de respeitar os prazos fixados no artigo 17.°

3.      A autoridade judiciária de emissão pode, a qualquer momento, transmitir todas as informações suplementares úteis à autoridade judiciária de execução.»

9.      O artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, intitulado «Prazos e regras relativos à decisão de execução do mandado de detenção europeu», prevê:

«1.      Um mandado de detenção europeu deve ser tratado e executado com urgência.

2.      Nos casos em que a pessoa procurada consinta na sua entrega, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 10 dias a contar da data do consentimento.

3.      Nos outros casos, a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada no prazo de 60 dias após a detenção da pessoa procurada.

4.      Em casos específicos, quando o mandado de detenção europeu não possa ser executado dentro dos prazos previstos nos n.os 2 ou 3, a autoridade judiciária de execução informa imediatamente a autoridade judiciária de emissão do facto e das respetivas razões. Neste caso, os prazos podem ser prorrogados por mais 30 dias.

5.      Enquanto não for tomada uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução, o Estado‑Membro de execução deve zelar por que continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva da pessoa.

6.      Qualquer recusa de execução de um mandado de detenção europeu deve ser fundamentada.

7.      Sempre que, em circunstâncias excecionais, um Estado‑Membro não possa observar os prazos fixados no presente artigo, deve informar a [Agência Europeia para o Reforço da Cooperação Judiciária (Eurojust)] do facto e das razões do atraso. Além disso, um Estado‑Membro que tenha sofrido, por parte de outro Estado‑Membro, atrasos repetidos na execução de mandados de detenção europeus, deve informar o Conselho do facto, com vista à avaliação, a nível dos Estados‑Membros, da aplicação da presente decisão‑quadro.»

10.    O artigo 23.° da Decisão‑Quadro 2002/584, que define o «prazo para a entrega da pessoa» procurada, esclarece:

«1.      A pessoa procurada deve ser entregue o mais rapidamente possível, numa data acordada entre as autoridades interessadas.

2.      A entrega deve efetuar‑se no prazo máximo de 10 dias, a contar da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu.

3.      Se a entrega da pessoa procurada no prazo previsto no n.° 2[…] for impossível em virtude de caso de força maior num dos Estados‑Membros, a autoridade judiciária de execução e a autoridade judiciária de emissão estabelecem imediatamente contacto recíproco e acordam uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

4.      A entrega pode ser temporariamente suspensa por motivos humanitários graves, por exemplo, se existirem motivos válidos para considerar que a entrega colocaria manifestamente em perigo a vida ou a saúde da pessoa procurada. A execução do mandado de detenção europeu deve ser efetuada logo que tais motivos deixarem de existir. A autoridade judiciária de execução informa imediatamente do facto a autoridade judiciária de emissão e acorda com ela uma nova data de entrega. Nesse caso, a entrega deve ser realizada no prazo de 10 dias a contar da nova data acordada.

5.      Se, findos os prazos referidos nos n.os 2 a 4, a pessoa ainda se encontrar detida, deve ser posta em liberdade.»

11.    Por último, o artigo 26.° da Decisão‑Quadro 2002/584, intitulado «Dedução do período de detenção cumprido no Estado‑Membro de execução», dispõe:

«1.      O Estado‑Membro de emissão deduz a totalidade dos períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu do período total de privação da liberdade a cumprir no Estado‑Membro de emissão, na sequência de uma condenação a uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.      Para o efeito, no momento da entrega, são transmitidas à autoridade judiciária de emissão, pela autoridade judiciária de execução, ou pela autoridade central designada em conformidade com o artigo 7.°, todas as informações relativas ao período de detenção da pessoa procurada ao abrigo da execução do mandado de detenção europeu.»

B –    Direito irlandês

12.    A Decisão‑Quadro 2002/584 foi transposta para o direito irlandês pelo European Arrest Warrant Act 2003 (6), conforme alterado. A section 13 do EAWA 2003 dispõe:

«(1)      A autoridade central do Estado pedirá (ou promoverá o pedido) à High Court, tão cedo quanto possível após a receção de um mandado de detenção europeu transmitido nos termos da section 12, a homologação do mandado de detenção europeu ou de cópia autenticada deste, para efeito da sua execução.

(2)      Se, tendo‑lhe sido apresentado um pedido nos termos da subsection (1), a High Court considerar que as disposições da presente lei foram cumpridas no que respeita ao mandado de detenção europeu, poderá homologar o referido mandado, para efeito da sua execução.

(3)      Uma vez cumprido o disposto na subsection (2), um mandado de detenção europeu pode ser executado por qualquer elemento da Garda Síochána, em qualquer parte do país e sem que seja necessário que tal elemento da Garda tenha na sua posse o mandado de detenção europeu aquando da sua execução; o mandado (ou, conforme o caso, a sua cópia autenticada) homologado nos termos da subsection (2) será exibido à pessoa detida, a quem será entregue uma cópia do mandado no ato da detenção ou, caso o elemento da Garda não tenha em sua posse o mandado (ou, se for o caso, a cópia autenticada deste), no prazo máximo de 24 horas a contar da detenção.

(4)      Uma pessoa detida ao abrigo de um mandado de detenção europeu será informada, aquando da sua detenção, do seu direito de:

(a)      consentir na entrega ao Estado de emissão, nos termos da section 15;

(b)      obter ou ser‑lhe facultado aconselhamento jurídico profissional e representação; e

(c)      obter, sempre que necessário, os serviços de um intérprete.

(5)      O mais cedo possível após a sua detenção, a pessoa detida em execução de um mandado de detenção europeu será presente à High Court e, se a High Court considerar provado que a pessoa detida é a pessoa contra a qual o mandado de detenção europeu foi emitido:

(a)      decretará a sua prisão preventiva ou colocá‑la‑á em liberdade sob caução (e, para esse efeito, a High Court terá os mesmos poderes relativamente às medidas de coação que teria se a pessoa em causa lhe fosse presente por ser indiciada pela prática de um crime);

(b)      fixará uma data para efeitos da section 16 (dentro de um período que não poderá exceder 21 dias após a data da detenção da pessoa); e

(c)      informará a pessoa de que lhe assiste o direito de:

(i)      consentir na entrega ao Estado de emissão, nos termos da section 15,

(ii)      obter ou ser‑lhe facultado aconselhamento jurídico profissional e representação; e

(iii) obter, sempre que necessário, os serviços de um intérprete.»

13.    A section 16(1) do EAW 2003 dispõe:

«Nos casos em que a pessoa não consentir na sua entrega ao Estado de emissão, a High Court poderá, na data fixada nos termos da section 13 ou em data posterior que considere adequada, emitir uma ordem de entrega a outra pessoa devidamente autorizada para esse efeito pelo Estado de emissão, desde que:

(a)      a High Court considere provado que a pessoa que lhe foi presente é a pessoa contra a qual o mandado de detenção europeu foi emitido;

(b)      o mandado de detenção europeu ou a sua cópia autenticada tenha sido homologado nos termos da section 13, para efeito da sua execução;

[…]

(d)      a High Court não esteja obrigada a recusar a entrega, por força das sections 21A, 22, 23 ou 24 [aditadas pelas sections 79, 80, 81 e 82 da Criminal Justice (Terrorist Offences) Act 2005]; e

(e)      a entrega da pessoa não seja proibida pela parte 3.»

14.    A section 16(9) e (10) do EAW 2003 prevê:

«(9)      Se, decorridos 60 dias sobre a detenção da pessoa em causa, nos termos da section 13 ou 14, a High Court não tiver proferido um despacho nos termos da subsection (1) ou (2) ou nos termos da subsection (1) ou (2) da section 15, ou se tiver decidido não proferir um despacho nos termos da subsection (1) ou (2), instruirá a autoridade central do Estado para informar a autoridade judiciária de emissão e, quando necessário, a Eurojust, desse facto e dos respetivos fundamentos especificados nas suas instruções, e a autoridade central cumprirá as referidas instruções.

(10)      Se, decorridos 90 dias sobre a detenção da pessoa em causa, nos termos da section 13 ou 14, a High Court não tiver proferido um despacho nos termos da subsection (1) ou (2) ou nos termos da subsection (1) ou (2) da section 15, ou se tiver decidido não proferir um despacho nos termos da subsection (1) ou (2), instruirá a autoridade central do Estado para informar a autoridade judiciária de emissão e, quando adequado, a Eurojust, desse facto e dos respetivos fundamentos especificados nas suas instruções, e a autoridade central cumprirá as referidas instruções.»

II – Factos na origem do litígio no processo principal

15.    Em 17 de dezembro de 2012, a Magistrates’ Courts in Dungannon, no condado de Tyrone, na Irlanda do Norte (Reino Unido) (7), emitiu um mandado de detenção europeu contra F. Lanigan (8), nos termos da Decisão‑Quadro 2002/584, a pedido do Ministério Público da Irlanda do Norte, para que o demandado seja julgado pelos crimes de homicídio e de posse de arma de fogo com intenção de atentar contra a vida de outrem, os quais se presume ter cometido em 31 de maio de 1998 em Dungannon, no condado de Tyrone na Irlanda do Norte (Reino Unido).

16.    Em 7 de janeiro de 2013, a High Court (Irlanda) homologou o mandado de detenção europeu com vista à sua execução pelas forças policiais irlandesas (An Garda Síochána).

17.    Em 16 de janeiro de 2013, o demandado no processo principal foi detido em execução do mandado de detenção europeu e foi presente nesse mesmo dia à High Court. Recusou‑se a consentir na sua entrega ao Estado‑Membro de emissão e foi colocado em detenção enquanto se aguardava a decisão definitiva sobre o pedido de entrega a seu respeito.

18.    A audiência na High Court relativa ao pedido de entrega, inicialmente marcada para 29 de fevereiro de 2013, foi adiada várias vezes por diferentes motivos, entre os quais, designadamente, um pedido para beneficiar de apoio judiciário, apresentado em 3 de julho de 2013 e finalmente deferido em 26 de julho de 2013.

19.    Entretanto, a High Court indeferiu, em 26 de fevereiro de 2013, um pedido de libertação sob caução do demandado no processo principal.

20.    Foi só em 26 de novembro de 2013 que o demandado no processo principal invocou onze fundamentos de oposição («points of objection») à sua entrega, em apoio dos quais apresentou uma declaração juramentada («affidavit») de 16 de dezembro de 2013 e uma declaração juramentada do seu mandatário em Belfast, de 19 de fevereiro de 2014.

21.    Segundo as observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo demandante e pelo demandado no processo principal, este último alegou, principalmente, que a sua vida seria posta em perigo se fosse entregue ao Estado‑Membro de emissão. Sendo membro, desde os 17 anos, do Provisional Irish Republican Army e depois do Irish National Liberation Army (INLA), declarou ter sido vítima, em 7 de setembro de 1993, de uma primeira tentativa de assassinato por parte da organização unionista paramilitar da Irlanda Ulster Freedom Fighters (UFF). Alegou também ter sido vítima de uma segunda tentativa de assassinato por parte do INLA, em 1 de dezembro de 1995. Indicou, na sua declaração juramentada, que cinco dos seus companheiros tinham sido assassinados nos anos 90, pelo INLA, no âmbito de uma vingança («feud»), ou pelos paramilitares unionistas. Consequentemente, decidiu refugiar‑se na Irlanda, onde mudou de nome por razões de segurança. Recusa‑se, portanto, a voltar à Irlanda do Norte, por receio de aí ser assassinado por dissidentes lealistas e republicanos, uma vez que acredita que não pode ser protegido pelas forças de segurança nem pelas autoridades prisionais.

22.    Em 17 de dezembro de 2013, o processo foi transferido para um juiz designado para a audiência, marcada para 3 de fevereiro de 2014. Porém, esta audiência foi adiada duas vezes, para 28 de abril de 2014 e depois para 30 de junho de 2014, a pedido do demandante no processo principal, enquanto se aguardavam informações pedidas às autoridades do Reino Unido relativas à ameaça que impendia sobre a vida do demandado no processo principal.

23.    Com efeito, em 9 de abril de 2014, o demandante no processo principal pediu à autoridade central da Irlanda do Norte, a UK National Crime Agency, informações relativas aos procedimentos em vigor nas prisões da Irlanda do Norte destinados a proteger os prisioneiros em situação de risco. Em 10 de abril de 2014, o Northern Ireland Prison Service (NIPS) respondeu a este pedido, fornecendo esclarecimentos sobre os procedimentos em vigor nos estabelecimentos prisionais da Irlanda do Norte, destinados a proteger e a apoiar os detidos considerados suscetíveis de ser ameaçados pelos outros detidos.

24.    Em 16 de abril de 2014, o demandante no processo principal enviou um segundo pedido de informações à autoridade central da Irlanda do Norte, relativamente às razões pelas quais o mandado de detenção europeu só tinha sido emitido em dezembro de 2012, por infrações penais cometidas em maio de 1988. O Crown Solicitor’s Office, representante do Governo do Reino Unido na Irlanda do Norte, respondeu a este pedido por carta de 24 de abril de 2014, declarando que, embora o demandado no processo principal tivesse sido rapidamente identificado como suspeito, só em 2011 se tinham podido reunir provas suficientes para intentar a ação penal contra o mesmo, a qual foi iniciada pelo Ministério Público da Irlanda do Norte (Public Prosecution Service for Northern Ireland) em 4 de maio de 2012.

25.    Só em 30 de junho de 2014 se deu finalmente início à audiência relativa ao pedido de entrega na High Court, a qual durou três dias, no decurso dos quais o demandado no processo principal suscitou várias questões processuais e de prova. Nomeadamente, alegou que, atendendo às exigências do contraditório, a High Court não podia decidir com base numa informação obtida do Estado‑Membro de emissão, exceto no caso de ser certificada sob juramento e de o advogado do arguido ter o direito de interrogar qualquer testemunha proposta pela parte demandante. Os diferentes pedidos do demandado no processo principal foram indeferidos, por inúteis, pela High Court que, em 4 de julho de 2014, suspendeu o processo.

26.    Em 17 de novembro de 2014, a High Court decidiu sobre as questões preliminares suscitadas. Em primeiro lugar, salientou que os procedimentos relativos ao mandado de detenção europeu não estavam sujeitos às regras processuais e de prova ordinárias que regem os processos em direito irlandês e que, na sua qualidade de autoridade judiciária de execução, estava legitimada para examinar as informações obtidas do Estado‑Membro de emissão. Seguidamente, no que respeita aos elementos de prova apresentados pelo demandado no processo principal destinados a demonstrar que a sua vida seria colocada em perigo se fosse entregue ao Estado‑Membro de emissão, indicou que, antes de ordenar a entrega, devia assegurar‑se, na medida de possível, de que seria respeitado o direito à vida do arguido, conforme reconhecido pela Constituição irlandesa e pelo artigo 2.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Consequentemente, convidou o demandante no processo principal a examinar tais elementos de prova, que até à data não foram contestados, e a pedir ao Estado‑Membro de emissão informações complementares relativas aos receios expressos pelo demandado no processo principal. A High Court informou que suspendia o seu exame das outras objeções do demandado no processo principal até lhe serem apresentadas as informações pedidas.

27.    Por conseguinte, em 27 de novembro de 2014, o demandante no processo principal apresentou um novo pedido de informações à autoridade central da Irlanda do Norte, através de carta em que recordava que o demandado no processo principal sustentava que, se fosse preso na Irlanda do Norte, a sua vida seria ameaçada por dissidentes lealistas e republicanos, na medida em que as autoridades prisionais seriam incapazes de garantir a sua segurança. Esta carta, acompanhada da declaração juramentada do demandado no processo principal, de 16 de dezembro de 2013, e da do seu mandatário, de 19 de fevereiro de 2014, convidava‑a a tomar posição quanto à questão de saber se existia um risco real e imediato para a vida do demandado no processo principal e, admitindo que fosse esse o caso, se o NIPS estava em condições de garantir uma proteção efetiva ao interessado (Observações do Reino Unido, n.° 6). O NIPS e os serviços policiais da Irlanda do Norte (Police Service of Northern Ireland) satisfizeram este pedido de informações através de duas cartas, com data de 3 de dezembro de 2014, transmitidas ao demandante no processo principal em 4 de dezembro de 2014.

28.    Por declaração juramentada de 28 de novembro de 2014, que deu entrada na High Court em 1 de dezembro de 2014, o demandado no processo principal apresentou um novo pedido de libertação sob caução.

29.    Em 8 de dezembro de 2014, o demandado no processo principal apresentou observações em defesa do indeferimento da sua entrega, com o fundamento de que, à luz das normas nacionais em matéria de processo penal e de provas, e igualmente da Constituição irlandesa e da Carta, os documentos apresentados pelo demandante no processo principal não podiam ser admitidos como prova e, mesmo que o pudessem ser, deviam ser afastados por não poderem ser contestados através de contrainterrogatório («cross‑examination»). Porém, este pedido foi indeferido pela High Court, na medida em que respeitava às questões preliminares sobre as quais a High Court já se tinha pronunciado.

30.    Em 8 de dezembro de 2014, o demandado no processo principal apresentou uma objeção adicional à sua entrega.

31.    Em 15 de dezembro de 2014, a High Court realizou nova audiência, durante a qual o mandatário do demandado no processo principal alegou, nomeadamente, que o pedido de entrega devia ser recusado devido ao atraso excessivo sofrido pelo processo. Solicitou igualmente que fosse submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial quanto à questão do atraso. Por último, requereu a sua libertação sob caução.

32.    Em 19 de dezembro de 2014, a High Court decidiu sobre o pedido de libertação sob caução do demandado no processo principal. O demandado no processo principal não pôde cumpir as condições impostas, dado que a caução foi fixada num valor que excedia as suas possibilidades.

33.    Em 12 de janeiro de 2015, a High Court realizou nova audiência, durante a qual o demandante no processo principal indicou que se opunha a que o atraso sofrido pelo processo fosse invocado nessa fase, alegando, além disso, que a Supreme Court of Ireland já tinha decidido essa questão no seu acórdão de 19 de dezembro de 2005, Dundon v. The Governor of Cloverhill Prison (9). Por seu turno, o demandado no processo principal alegou que, desde 1 de dezembro de 2014, os órgãos jurisdicionais irlandeses tinham a possibilidade de apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia, sustentando que a interpretação dada pelo acórdão Dundon já não vinculava a High Court.

34.    O processo foi então adiado para 18 de janeiro de 2015, data em que a High Court decidiu, nomeadamente, apresentar ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa ao atraso do processo, observando que o sistema irlandês não podia funcionar dentro dos prazos estabelecidos pelo artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 e que, consequentemente, pretendia obter esclarecimentos quanto à interpretação desta disposição.

35.    Seguidamente, o processo foi por várias vezes adiado, de modo a permitir às partes no processo principal apresentarem as suas propostas quanto à redação da questão a submeter ao Tribunal de Justiça e formular as suas observações.

36.    Entretanto, em 2 de fevereiro de 2015, a High Court recebeu um pedido de alteração das condições financeiras da caução estabelecida em 19 de dezembro de 2014, mas indeferiu‑o em 9 de fevereiro de 2015. O demandado no processo principal recorreu então para a Court of Appeal.

III – Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

37.    Foi nestas circunstâncias que, por decisão de 19 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 22 de maio seguinte, a High Court apresentou ao Tribunal de Justiça as duas questões prejudiciais seguintes:

«1)      Quais as consequências da inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro [2002/584], lido em conjugação com as disposições do artigo 15.° da referida decisão‑quadro?

2)      A inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro [2002/584] confere direitos a uma pessoa que tenha estado detida durante um período superior aos prazos previstos, enquanto se aguardava uma decisão sobre a sua entrega?»

38.    A High Court teve o cuidado de esclarecer que considerava que o sistema irlandês não podia funcionar dentro dos prazos estabelecidos pelo artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, que as consequências decorrentes desta impossibilidade constituem um problema real que justifica o pedido de decisão prejudicial e que a interpretação desta disposição pelo Tribunal de Justiça poderia afetar a decisão final que é chamada a proferir no processo principal.

39.    A este respeito, salienta que, no seu acórdão Dundon, a Supreme Court indeferiu o pedido de habeas corpus de uma pessoa que se encontrava em prisão preventiva ao abrigo de um mandado de detenção europeu em condições análogas às do processo principal.

40.    Essa pessoa alegava que devia ser libertada, por a High Court não ter adotado uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu no prazo de 60 dias previsto pela legislação irlandesa. Porém, a Supreme Court declarou que a detenção era legal, indicando, antes de mais, que a pessoa procurada não tem o direito de obter a sua libertação imediata quando a High Court não decida dentro dos prazos previstos e que tal consequência deve estar clara e inequivocamente prevista, atendendo à obrigação fundamental que recai sobre os Estados‑Membros de executar um mandado de detenção europeu. Além disso, a Supreme Court salientou que a obrigação de executar o mandado de detenção europeu que recai sobre a High Court não tinha cessado findo esse prazo de 60 dias. Acrescentou que os prazos previstos tinham sido estabelecidos para efeitos de disciplina interna nos Estados‑Membros e não com o objetivo de conferir direitos aos particulares. Por último, esclareceu que lhe incumbia interpretar o direito nacional em conformidade com a Decisão‑Quadro 2002/584.

41.    Na mesma decisão, o órgão jurisdicional de reenvio pediu igualmente ao Tribunal de Justiça que aplicasse ao presente reenvio a tramitação prejudicial urgente, prevista no artigo 107.° do seu Regulamento de Processo.

42.    A este respeito, sustentou que o referido reenvio suscitava uma ou várias questões relativas aos domínios objeto da terceira parte do TFUE, título V, e que o demandado no processo principal se encontrava detido desde 16 de janeiro de 2013. Por outro lado, precisou que estava inclinada a seguir o acórdão Dundon da Supreme Court, mas que pretendia aproveitar a ocasião para verificar a posição do Tribunal de Justiça antes de se pronunciar nesse sentido.

43.    Consequentemente, a Quarta Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 28 de maio de 2015, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de submeter o presente reenvio prejudicial a tramitação urgente. Decidiu igualmente, nos termos do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, propor ao Tribunal de Justiça que remetesse o processo a uma formação de julgamento mais importante.

44.    Nos termos do artigo 109.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a Quarta Secção do Tribunal de Justiça convidou as partes no processo principal, o Estado‑Membro a que pertence o órgão jurisdicional de reenvio e as instituições referidas no artigo 23.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia a apresentar observações escritas até 15 de junho de 2015. Nos termos do artigo 109.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça convidou igualmente o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte a apresentar observações escritas até à mesma data ou a comparecer na audiência.

45.    O demandante e o demandado no processo principal, o Governo do Reino Unido e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo fixado.

46.    O demandante e o demandado no processo principal, os Governos irlandês, alemão, espanhol, francês, neerlandês e do Reino Unido, bem como a Comissão, apresentaram também alegações orais na audiência realizada em 1 de julho de 2015.

IV – Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

A –    Observações do demandante no processo principal

47.    O demandante no processo principal, que propõe uma resposta separada às duas questões, apesar de as examinar conjuntamente, considera que o órgão jurisdicional de reenvio procura, essencialmente, determinar as consequências, relativamente ao processo de entrega, da inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584. Referindo‑se, a este respeito, ao acórdão Dundon da Supreme Court, considera que a expiração destes prazos não confere nenhum direito ao demandado no processo principal, nem a ser libertado nem a qualquer outra coisa. Nos termos do princípio da autonomia processual nacional, é ao órgão jurisdicional nacional que compete examinar se a duração do processo lesou os direitos da pessoa procurada de tal modo que a sua entrega violaria os seus direitos fundamentais. Na audiência, acrescentou que a ideia aduzida pelo demandado no processo principal, segundo a qual o indeferimento do pedido de entrega constituiria a sanção mais dissuasiva para os Estados‑Membros de execução em caso de inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, não encontra nenhum fundamento na referida decisão‑quadro.

48.    Em primeiro lugar, observa que o artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não contém nenhuma disposição relativa ao resultado do processo de entrega após o decurso dos prazos nele fixados e não prevê, ao invés do artigo 23.° da mesma decisão‑quadro, a libertação da pessoa procurada. Os n.os 2 e 3 desse artigo 17.° utilizam, de resto, uma linguagem que não é imperativa, mas condicional (10). Embora seja certo que o artigo 15.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 especifica «que a autoridade judiciária de execução ‘decide’ [(11)] da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos na presente decisão‑quadro», esta disposição deve, todavia, ser lida à luz dos termos do artigo 17.°, n.os 2 e 3, da referida decisão‑quadro. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no seu acórdão F (12), que «os prazos previstos no artigo 17.° da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que exigem que a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada, ‘em princípio’, quer nos dez dias a seguir ao consentimento na entrega da pessoa procurada quer, nos outros casos, nos sessenta dias a partir da detenção desta última». Consequentemente, o Tribunal de Justiça reconheceu que é legalmente possível adotar a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu fora dos prazos previstos e que a inobservância de tais prazos não implica a caducidade do processo.

49.    Por outro lado, a inobservância dos prazos não está isenta de consequências, estando estas previstas no artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584. Lido no seu conjunto, o artigo 17.° estabelece, assim, um sistema em que as decisões definitivas de execução dos mandados de detenção europeus devem, em princípio, em caso de não consentimento da pessoa procurada, ser proferidas no prazo de 60 dias, que é suscetível de ser prorrogado por mais 30 dias, especificando‑se, por um lado, que, se este prazo não for respeitado, o Estado‑Membro de execução deve informar a Eurojust e, por outro, se tal prazo for repetidamente desrespeitado, o Estado‑Membro de emissão deve informar o Conselho.

50.    Em segundo lugar, esta interpretação é, por outro lado, conforme com o objeto e os objetivos da Decisão‑Quadro 2002/584, que, nos termos do artigo 67.° TFUE, consistem em garantir um elevado nível de segurança, num espaço de liberdade, de segurança e de justiça, através de medidas de cooperação entre as autoridades policiais e judiciárias dos Estados‑Membros em matéria penal. Ora, um sistema que concedesse a libertação a uma pessoa procurada para efeitos de um procedimento penal ou que tenha sido condenada por um crime seria diametralmente oposto ao sistema que prosseguisse esse objetivo. Por outro lado, os objetivos de promoção da cooperação no domínio penal ficariam comprometidos se pessoas procuradas fossem inopinadamente libertadas findos os prazos previstos para o processo de entrega. Obrigar os Estados‑Membros a respeitar os prazos fixados pela Decisão‑Quadro 2002/584, quando estes não estão em condições de o fazer, não é suscetível de promover a cooperação e pode, sobretudo, conduzir à não entrega da pessoa procurada quando não for possível respeitá‑los.

51.    Em terceiro lugar, os objetivos de eficácia e de celeridade prosseguidos pela quinta parte do TFUE, título V, e pela Decisão‑Quadro 2002/584 não visam proteger os direitos fundamentais da pessoa procurada. O seu objetivo é assegurar, na medida do possível, a livre circulação das decisões judiciais de modo a promover a administração da justiça penal em toda a União e, deste modo, combater melhor o crime, designadamente o organizado. O objeto específico dos prazos fixados pela Decisão‑Quadro 2002/584 é garantir que as pessoas fugidas à justiça possam ser presentes ao juiz penal tão rapidamente quanto seja razoavelmente possível. O facto de uma autoridade judiciária de execução levar mais de 60 ou 90 dias para adotar uma decisão definitiva de execução de um mandado de detenção europeu não afeta, consequentemente, nenhum direito da pessoa procurada.

52.    Em quarto lugar, como decorre do considerando 12 e do artigo 1.°, n.° 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, esta não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e das liberdades fundamentais consagrados no artigo 6.° TUE. O considerando 10 da mesma decisão‑quadro vai mais longe, esclarecendo que a execução do mecanismo do mandado de detenção europeu pode ser suspensa, não em caso de inobservância dos prazos fixados, mas apenas em caso de violação dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, TUE. A este respeito, o demandante no processo principal admitiu, na audiência, que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 5.° da CEDH era aplicável, mas apenas a respeitante ao seu n.° 1, alínea f), e não a relativa ao seu n.° 4, ao invés da posição defendida pela Comissão. Ora, só se verifica uma violação do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH quando as autoridades nacionais competentes, em violação das regras processuais nacionais, não conduzam o processo com diligência e, consequentemente, prolonguem a detenção da pessoa para além do que é razoável (13). Não é esse o caso quando a pessoa procurada está na origem da inobservância dos prazos previstos, como acontece no processo principal. Em qualquer caso, a libertação da pessoa detida não pode ser automática, implicando, pelo contrário, sob pena de lesar o objetivo da Decisão‑Quadro 2002/584, a tomada em consideração de todas as circunstâncias, designadamente o risco de fuga, o tempo passado em detenção e a contribuição da pessoa detida para a ultrapassagem dos prazos. Ora, no processo principal, é o demandado que é o principal responsável pelos atrasos no processo de entrega e, consequentemente, pela duração da sua prisão preventiva.

53.    O demandante no processo principal retira daqui a conclusão de que a Decisão‑Quadro 2002/584 não contém nenhuma disposição que faça extinguir o mandado de detenção europeu no caso de a autoridade judiciária de execução não conseguir decidir dentro dos prazos previstos no seu artigo 17.°, e que esta pode sempre cumprir as suas obrigações após o decurso desses prazos.

B –    Observações do demandado no processo principal

54.    O demandado no processo principal alegou, nas suas observações escritas, que os diferentes atrasos que ocorreram no processo na High Court não podem constituir circunstâncias excecionais, na aceção do artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584. Nestas condições, considera várias soluções para a violação do referido artigo 17.°, que poderiam ser adequadas, separada ou cumulativamente, a saber, a recusa em o entregar ao Estado‑Membro de emissão, a dedução da duração total da sua prisão preventiva, a sua libertação sob caução em condições razoáveis e, por último, a concessão de uma indemnização, cujo encargo seria repartido pelos dois Estados‑Membros em causa, na proporção da sua contribuição respetiva para os atrasos sofridos.

55.    A este respeito, precisa que, na falta de disposição equivalente à do artigo 23.°, n.° 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, a recusa de entrega ao Estado‑Membro de emissão, próxima do processo de habeas corpus existente nos sistemas de «common law», constituiria a solução mais dissuasiva contra os atrasos injustificados dos Estados‑Membros de execução dos mandados de detenção europeus, especificando que, no direito irlandês, o Criminal Law (Jurisdiction) Act 1976 permite a instauração de processos penais na Irlanda por crimes cometidos na Irlanda do Norte, como os do processo principal. Na audiência, referiu que a Decisão‑Quadro 2002/584 não excluía tal possibilidade, que respondia, de resto, aos requisitos do princípio da proporcionalidade.

56.    Por outro lado, o demandado no processo principal alegou que tinha apresentado à High Court outras questões prejudiciais, que acabaram por não ser submetidas ao Tribunal de Justiça e informou que gostaria que o Tribunal de Justiça as examinasse.

57.    Nas suas observações orais, o demandado no processo principal acrescentou que, na sua opinião, a razão principal da extensão dos atrasos reside no facto de o demandante no processo principal estar a experimentar um novo processo, sem precedentes nos órgãos jurisdicionais irlandeses.

C –    Observações do Governo alemão

58.    Nas suas observações orais, o Governo alemão propôs que se respondesse à primeira questão no sentido de que o artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o seu artigo 15.°, obriga o Estado‑Membro de execução a dar seguimento ao processo de entrega, apesar de terem sido ultrapassados os prazos previstos. É o que se deduz de uma leitura gramatical e sistemática das disposições desta decisão‑quadro, bem como do acórdão F (14). O objetivo da referida decisão‑quadro é acelerar a entrega, entre as autoridades judiciárias de execução, de pessoas condenadas ou suspeitas. A inobservância pontual destes prazos não prejudica automaticamente a realização deste objetivo, desde que tais atrasos sejam justificados. É o que se verifica no processo principal, uma vez que a autoridade judiciária de execução irlandesa foi obrigada a verificar se a vida do demandado no processo principal ficaria efetivamente em perigo caso este fosse entregue ao Estado‑Membro de emissão.

59.    No que respeita à segunda questão, o Governo alemão considera que a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não gera um direito da pessoa detida a ser libertada, esclarecendo que tal direito pode resultar de outras razões. A análise do Governo alemão a este respeito parte do artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584, que confia à autoridade judiciária de execução a missão de decidir da manutenção da privação da liberdade da pessoa detida em execução de um mandado de detenção europeu. Embora seja certo que esta decisão deve ser adotada em conformidade com o direito nacional, o juiz nacional deve aplicar igualmente a Carta e o artigo 5.° da CEDH, para o qual remetem as Anotações relativas à Carta no que respeita ao seu artigo 6.°

60.    A este propósito, o Governo alemão recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o direito à liberdade da pessoa relativamente à qual está a decorrer um processo de extradição pode ser limitado, nos termos do processo previsto por lei, mas tal limitação só é, todavia, admitida desde que a duração da privação da liberdade seja razoável, o que deve ser apreciado caso a caso. Um requisito indispensável é que o processo seja, em todo o caso, conduzido com diligência. A fiscalização deste requisito implica que se tome em consideração o processo no seu conjunto, bem como todas as suas fases. Nesta perspetiva, o facto de os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 serem excedidos é apenas um dos elementos a tomar em consideração. Nas circunstâncias do processo principal, deveria igualmente tomar‑se em conta o facto de o demandado no processo principal ter exercido profusamente os seus direitos processuais, bem como a lentidão com que diversos incidentes processuais parecem ter sido resolvidos e os sucessivos adiamentos sofridos pelo processo.

D –    Observações do Governo espanhol

61.    O Governo espanhol considera, no que respeita à primeira questão, que a inobservância dos prazos de execução de um mandado de detenção europeu não implica que a autoridade judiciária de execução deva indeferir o pedido de entrega. No que respeita à segunda questão, entende que aos eventuais efeitos de um atraso na execução de um mandado de detenção europeu, como o que está em causa no processo principal, são do âmbito do direito nacional.

62.    Antes de mais, observa que o objetivo da Decisão‑Quadro 2002/584 é estabelecer um processo simplificado de entrega de pessoas suspeitas de terem cometido infrações penais, com vista a reforçar, facilitar e acelerar a cooperação judiciária entre os Estados‑Membros, com base no princípio do reconhecimento mútuo. Este princípio obriga os Estados‑Membros a executar os mandados de detenção europeus em todos os casos, sem prejuízo das exceções previstas e das condições estabelecidas pelos artigos 3.°, 4.° e 5.° da Decisão‑Quadro 2002/584. O Tribunal de Justiça tem, de resto, declarado reiteradamente que nem as dificuldades de ordem interna nem a legislação nacional podem justificar o incumprimento pelos Estados‑Membros das obrigações que lhes são impostas pelo direito da União.

63.    Seguidamente, o Governo espanhol insiste no facto de a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não poder, de modo algum, implicar a extinção da obrigação do Estado‑Membro de execução. As consequências dos atrasos na adoção de uma decisão definitiva de execução de um mandado de detenção europeu estão definidas no artigo 17.°, n.° 7, da referida decisão‑quadro, que prevê uma obrigação de informação da Eurojust e, sendo caso disso, do Conselho. Esta obrigação foi introduzida com vista a estabelecer um mínimo de disciplina entre os Estados‑Membros, atendendo aos limites à fiscalização jurisdicional prevista no antigo artigo 35.° TUE no domínio da cooperação judiciária em matéria penal. A não execução de um mandado de detenção europeu por terem sido excedidos os prazos previstos no artigo 17.° comprometeria o efeito útil da Decisão‑Quadro 2002/584 e poderia incitar as pessoas abrangidas por um mandado de detenção europeu a utilizar manobras dilatórias para se oporem à sua execução. O Governo espanhol refere, a este respeito, o acórdão F (15).

64.    Em terceiro e último lugar, o Governo espanhol considera que os direitos de uma pessoa privada de liberdade por motivo da execução de um mandado de detenção europeu estão definidos nos artigos 11.° a 14.° da Decisão‑Quadro 2002/584. Os efeitos do atraso da execução de um mandado de detenção europeu na situação da pessoa procurada são determinados pelo direito nacional do Estado‑Membro de execução, desde que sejam tomadas as medidas necessárias para evitar o risco de fuga dessa pessoa, em conformidade com o artigo 12.° da referida decisão‑quadro, e que se cumpram as condições materiais necessárias para a entrega efetiva da referida pessoa, nos termos do artigo 17.°, n.° 5, da mesma decisão‑quadro. A decisão sobre a prisão preventiva ou a libertação provisória da pessoa procurada é tomada pela autoridade judiciária de execução, nos termos do seu direito nacional, dado que esta matéria não está harmonizada e continua a ser regida pelo princípio da autonomia processual, dentro do limite dos princípios da equivalência e da efetividade. Nas circunstâncias do processo principal, estes dois princípios foram devidamente respeitados, uma vez que o demandado no processo principal dispôs da possibilidade, nos termos do direito nacional, de apresentar pedidos de libertação condicional, estando o segundo ainda pendente.

E –    Observações do Governo francês

65.    Na audiência, o Governo francês expressou o seu desacordo com a posição da Comissão. No que respeita à primeira questão, considera que a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não tem efeitos na obrigação da autoridade judiciária de execução de decidir sobre a entrega da pessoa procurada, e não implica a libertação da pessoa procurada. Quanto à segunda questão, considera que a inobservância destes prazos não confere direitos particulares a uma pessoa procurada e mantida em detenção depois de os mesmos terem expirado.

66.    No que respeita à primeira questão, recorda, antes de mais, que, nos termos do acórdão F (16) do Tribunal de Justiça, o respeito destes prazos é, em princípio, imperativo. Todavia, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre as consequências da sua inobservância. A Decisão‑Quadro 2002/584 não prevê nenhuma sanção a este respeito, mas apenas a informação da Eurojust e, sendo caso disso, do Conselho, nos termos do artigo 17.°, n.° 7. A autoridade judiciária de execução continua, portanto, obrigada a adotar uma decisão definitiva após o decurso desses prazos.

67.    Seguidamente, salienta que nenhuma disposição da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê a libertação da pessoa procurada após o decurso dos prazos previstos no seu artigo 17.°, o que contrasta com o disposto no seu artigo 23.°, n.° 5, que a prevê expressamente, permanecendo, pelo contrário, a autoridade judiciária de execução obrigada, nos termos do artigo 17.°, n.° 5, a assegurar as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva. Esta interpretação é, além disso, confirmada pelos trabalhos preparatórios da Decisão‑Quadro 2002/584, que não adotou a proposta inicial da Comissão neste sentido.

68.    Por outro lado, considera que esta interpretação é a única suscetível de contribuir para a realização dos objetivos prosseguidos pela Decisão‑Quadro 2002/584, que são não só acelerar a cooperação judiciária entre os Estados‑Membros como também facilitar tal cooperação. Ora, se se admitisse que as pessoas procuradas deviam ser libertadas após o decurso dos prazos, isso incitá‑las‑ia a utilizar manobras dilatórias.

69.    O Governo francês considera igualmente que a necessidade de assegurar o respeito dos direitos fundamentais não pode levar a tais consequências. É certo que o artigo 6.° da Carta e o artigo 5.°, n.os 1, alínea f), e 4, da CEDH são pertinentes, bem como a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que lhes diz respeito. Todavia, considera que a Comissão retira conclusões erradas desta jurisprudência. Com efeito, resulta da mesma que a apreciação da legalidade de uma detenção para efeitos de extradição deve tomar em conta, caso a caso, o conjunto das circunstâncias do processo, pelo que não é possível considerar que a manutenção da detenção de uma pessoa procurada após o decurso dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 é, em si e por princípio, incompatível com o artigo 6.° da Carta. Também não se pode deduzir desta jurisprudência que a mera circunstância de serem excedidos os prazos previstos permite concluir que o processo não foi conduzido com a diligência exigida.

70.    Por último, e em todo o caso, a Decisão‑Quadro 2002/584 não impede a autoridade judiciária de execução de, se o julgar adequado, libertar a pessoa procurada e detida, nos temos do seu direito nacional, tanto antes como depois de findos os prazos previstos no seu artigo 17.°, em conformidade com o seu artigo 12.°

71.    No que respeita à segunda questão, o Governo francês recorda que a Decisão‑Quadro 2002/584 se limita a prever, no seu artigo 26.°, que todos os períodos de prisão preventiva cumpridos pela pessoa procurada no Estado‑Membro de execução devem ser deduzidos do período total de privação da liberdade a cumprir no Estado‑Membro de emissão. Esta é uma obrigação que impende sobre o Estado‑Membro de emissão, independentemente do respeito dos prazos previstos no artigo 17.° por parte do Estado‑Membro de execução. Por outro lado, a Decisão‑Quadro 2002/584 não prevê qualquer direito a indemnização pela inobservância de tais prazos, sendo os Estados‑Membros livres de a preverem.

F –    Observações do Governo neerlandês

72.    O Governo neerlandês propõe que se responda em sentido negativo às duas questões prejudiciais. Considera que a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não tem nenhuma consequência na obrigação de entrega, limitando‑se esta disposição a impor ao Estado‑Membro de execução uma obrigação de diligência. Os prazos previstos são claros e devem ser respeitados de modo a assegurar a celeridade do processo de entrega. Todavia, no caso de não o serem, isso não tem nenhuma consequência nos direitos da pessoa privada de liberdade e que aguarda uma decisão definitiva sobre a sua entrega.

73.    A Decisão‑Quadro 2002/584 estabelece claramente que a inobservância destes prazos não tem repercussões na obrigação de adotar uma decisão definitiva sobre a entrega. Acresce que o artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não confere nenhum direito à pessoa procurada e detida, no caso de os prazos nele previstos serem excedidos. Se a inobservância de tais prazos tiver consequências na situação da pessoa detida, tais consequências são independentes do artigo 17.° São as Constituições nacionais e o artigo 5.° da CEDH que impõem uma obrigação de diligência no tratamento da situação das pessoas detidas para efeitos de extradição. A Carta não é aplicável, na medida em que é à autoridade judiciária de execução que incumbe, nos termos do artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584, adotar uma decisão sobre a situação de detenção, em conformidade com o direito nacional. Consequentemente, numa situação como a do processo principal, o juiz nacional não aplica os direitos garantidos pela Carta.

74.    No entanto, o Governo neerlandês considera que os Estados‑Membros devem respeitar a sua obrigação de diligência relativamente aos direitos de uma pessoa detida. Nesta perspetiva, essa pessoa deve poder requerer a alteração da sua situação de detenção, a qual pode também ser decidida oficiosamente. É ao órgão jurisdicional nacional competente que incumbe examinar se o prolongamento da duração da detenção é proporcionado, atendendo ao risco de fuga da pessoa procurada, esclarecendo‑se que o prazo máximo de 90 dias previsto no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não pode ser considerado desproporcionado.

G –    Observações do Governo do Reino Unido

75.    O Governo do Reino Unido, que concentrou as suas observações orais na resposta a dar à segunda questão, considera que o facto de os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 serem ultrapassados não confere à pessoa procurada e detida um direito a ser libertada. Baseia a sua posição a este respeito numa interpretação gramatical desta disposição, nos trabalhos preparatórios da referida decisão‑quadro e na sua estrutura, que regula expressamente as consequências da inobservância de tais prazos.

76.    Acrescenta que, mesmo que tal direito decorresse das disposições do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, quod non, a pessoa que, pelo sua própria conduta, se encontra na origem de tais atrasos não o poderia invocar. Qualquer solução contrária afetaria o objetivo prosseguido pela referida decisão‑quadro. Em todo o caso e admitindo, quod non, a existência desse direito, o mesmo não poderia ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, uma vez que a decisão‑quadro, nos termos do antigo artigo 34.°, n.° 2, alínea b), TUE, não tem efeito direto.

77.    O Governo do Reino Unido salienta igualmente que prazos estritos poderiam lesar os direitos fundamentais da pessoa detida, na medida em que, como no processo principal, por exemplo, poderia ser entregue ao Estado‑Membro de emissão sem que se tivesse verificado se a sua vida estava ou não efetivamente em perigo.

78.    No que respeita ao direito fundamental à liberdade da pessoa detida, salienta que os órgãos jurisdicionais nacionais devem permanentemente verificar, nos termos do direito nacional, da CEDH e da Carta, quando o direito da União seja aplicável, em que medida a privação de liberdade é justificada. Esta exigência é também aplicável antes de decorridos os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584. No âmbito desta fiscalização, os órgãos jurisdicionais nacionais devem apreciar o conjunto das circunstâncias, incluindo o exercício pelo detido dos seus direitos processuais, o risco de fuga e as possibilidades deste de obter a liberdade condicional.

79.    O Governo do Reino Unido propõe, em última análise, que se responda à primeira questão no sentido de que as únicas consequências que decorrem da inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 são as reconhecidas nesta mesma disposição, continuando o Estado‑Membro de execução vinculado pela obrigação de executar o mandado de detenção europeu, apesar do decurso desses prazos. Propõe que se responda à segunda questão no sentido de que a pessoa procurada não dispõe de nenhum direito a uma libertação imediata após o decurso dos prazos previstos no referido artigo.

H –    Observações da Comissão

80.    A Comissão recorda, antes de mais, que a Decisão‑Quadro 2002/584 instituiu um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou procuradas para efeitos de procedimentos penais, o qual substituiu os processos tradicionais de extradição, que visa facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça na União. Este sistema baseia‑se no princípio do reconhecimento mútuo, «pedra angular» da cooperação judiciária, cuja importância fundamental foi recordada pelo Tribunal de Justiça no seu parecer 2/13 (17), o qual assenta, por sua vez, na confiança recíproca entre os Estados‑Membros no facto de que os seus ordenamentos jurídicos respetivos estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais. Tal implica que os Estados‑Membros são, em princípio, obrigados a dar seguimento a um mandado de detenção europeu, salvo se for aplicável um fundamento de não execução. A Comissão salientou igualmente, na audiência, que o sistema do mandado de detenção europeu assentava essencialmente, diferentemente dos sistemas tradicionais de extradição, na cooperação entre as autoridades judiciárias, intervindo as autoridades políticas apenas a título de apoio prático e administrativo.

81.    Porém, o princípio do reconhecimento mútuo não visa estabelecer um regime automático de reconhecimento e de execução, sendo ilidível a presunção de que todos os Estados‑Membros respeitam os direitos fundamentais (18). Consequentemente, em certos casos, a autoridade judiciária de execução deve poder ilidir esta presunção.

82.    Seguidamente, a Comissão dedica‑se a responder às duas questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

1.      Quanto à primeira questão

83.    Procedendo à exegese das disposições dos artigos 15.° e 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, a Comissão considera, antes de mais, que a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° não afeta a validade de um mandado de detenção europeu, continuando a autoridade judiciária de execução obrigada a decidir se a pessoa procurada deve ser entregue ao Estado‑Membro de emissão, designadamente findos esses prazos.

84.    Seguidamente, examina a questão de saber se as preocupações expressas pela pessoa procurada no que respeita à sua segurança têm efeitos nesta obrigação de decidir sobre a entrega. A este respeito, salienta que o mecanismo do mandado de detenção europeu só pode ser suspenso em caso de violação grave e persistente por um Estado‑Membro dos princípios enunciados no artigo 6.°, n.° 1, TUE, constatada pelo Conselho nos termos do artigo 7.°, n.° 1, TUE. Observa, porém, que a decisão de reenvio não menciona tal situação.

85.    A Comissão salienta, por outro lado, que o artigo 1.°, n.° 3, da Decisão‑Quadro 2002/584 se refere especialmente à obrigação de respeito dos direitos fundamentais, o que pode levar a autoridade judiciária de execução a proceder a fiscalizações adicionais em caso de alegações credíveis relativas a um risco de graves violações dos direitos do Homem após a entrega. Na audiência, a Comissão insistiu no facto de que tais fiscalizações devem ser efetuadas dentro dos prazos fixados pelo artigo 17.° da referida Decisão‑Quadro 2002/584, como decorre do seu artigo 15.°, n.° 2. Salientou, porém, que a resposta apresentada pelo Estado‑Membro de emissão aos pedidos de informações que lhe foram enviados pela autoridade judiciária de execução, relativamente às preocupações expressas pelo demandado no processo principal, não levou esta última a decidir não executar o mandado de detenção europeu.

86.    A Comissão conclui que a autoridade judiciária de execução continua obrigada a decidir se a pessoa procurada deve ser entregue, designadamente findos os prazos previstos no artigo 17.°, n.os 2 e 3, da Decisão‑Quadro 2002/584.

2.      Quanto à segunda questão

87.    A Comissão considera que se deve responder à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 obriga a autoridade judiciária de execução a libertar a pessoa visada por um mandado de detenção europeu e que se encontra detida a aguardar a decisão relativa à sua entrega, findo o prazo previsto no artigo 17.°, n.° 3, desta Decisão‑Quadro 2002/584, a menos que circunstâncias excecionais, que não possam ser imputadas ao Estado‑Membro de execução, exijam a manutenção da detenção.

88.    Observa, em primeiro lugar, que a circunstância de o artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 não prever a libertação da pessoa detida findos os prazos nele fixados, ao invés do que se prevê no artigo 23.°, n.° 5, da referida decisão‑quadro quanto à entrega, não implica que a manutenção da detenção seja automaticamente justificada.

89.    Antes de mais, o artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584 estabelece, como regra geral, que a libertação provisória «é possível» a qualquer momento, de acordo com o direito nacional do Estado‑Membro de execução, na condição de a autoridade competente tomar todas as medidas que considerar necessárias a fim de evitar a fuga da pessoa procurada. Por outro lado, a Comissão recorda que a sua proposta de decisão‑quadro incluía uma disposição que previa expressamente que, na falta de decisão de entrega da pessoa visada por um mandado de detenção europeu no prazo de 90 dias, esta devia ser imediatamente libertada. Porém, o facto de o legislador da União não ter adotado esta proposta não pode ser interpretado, a contrario, no sentido de que não existe nenhuma obrigação de libertação em caso de inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da referida decisão‑quadro.

90.    Em seguida, a Comissão recorda que, nos termos do seu artigo 1.°, n.° 3, a Decisão‑Quadro 2002/584 não tem por efeito alterar a obrigação dos Estados‑Membros de respeitarem os direitos fundamentais, consagrados pelo artigo 6.° TUE, devendo a própria decisão‑quadro, nos termos do seu considerando 12, respeitar os referidos direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pelo artigo 6.° TUE. Consequentemente, a Comissão examina a situação do processo principal à luz do artigo 6.° da Carta, que consagra o direito à liberdade e à segurança, à luz da jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 5.° da CEDH, em especial o seu n.° 1, alínea f), relativo à detenção para efeitos de extradição, o seu n.° 3, que consagra o direito a ser julgado num prazo razoável ou a ser posto em liberdade durante o processo, e o seu n.° 4, que consagra o direito a que seja decidido, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da detenção.

91.    A este respeito, a Comissão salienta, antes de mais, que o mecanismo específico do mandado de detenção europeu estabelecido pela Decisão‑Quadro 2002/584 constitui um elemento pertinente que deve ser tomado em consideração para apreciar a razoabilidade da duração da prisão preventiva para efeitos de entrega. No caso em apreço, o legislador da União decidiu que a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu devia ser tomada pela autoridade judiciária de execução no prazo de 60 dias, prazo esse considerado suficiente no contexto de uma cooperação entre os Estados‑Membros assente na confiança mútua e na fiscalização limitada da autoridade judiciária de execução. Foi só em casos específicos que o legislador previu um prazo adicional de 30 dias, o qual afeta igualmente a apreciação do prazo razoável de uma detenção.

92.    Ora, a obrigação da autoridade judiciária de execução de tratar e executar com urgência um mandado de detenção europeu, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, corresponde, no que respeita à detenção da pessoa procurada, aos requisitos do artigo 5.°, n.° 4, da CEDH. Consequentemente, enquanto a autoridade judiciária de execução agir de modo diligente dentro deste prazo, a detenção da pessoa afigura‑se, prima facie, compatível com o requisito do prazo razoável, sendo que estes prazos são máximos e não permitem nenhum atraso injustificado. Inversamente, findos esses prazos, a detenção da pessoa procurada é, prima facie, incompatível com este requisito e não se verificam, portanto, as condições essenciais da sua «legalidade».

93.    A detenção da pessoa procurada após o decurso dos prazos fixados no artigo 17.° só se justifica em circunstâncias excecionais, que não sejam imputáveis ao Estado‑Membro de execução. O único caso identificado pelo Tribunal de Justiça até à data, no seu acórdão F (19), é o de um pedido de decisão prejudicial. Convidada a explicar este aspeto na audiência, a Comissão indicou que, segundo a interpretação que faz do referido acórdão F, qualquer detenção para além do prazo máximo de 90 dias se torna «ilegal» na falta de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584. A circunstância de o legislador não ter previsto tal consequência na referida decisão‑quadro não é pertinente, dado que o direito à liberdade é, e continua a ser, aplicável.

94.    As circunstâncias do processo principal caracterizam‑se por uma prisão preventiva com uma duração de quase 30 meses, dez vezes superior à duração máxima permitida nos termos do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584. É o Estado‑Membro de execução que está na origem desta duração excessiva, devido a atrasos injustificados que afetaram o processo. A este respeito, a Comissão cita o longo processo de homologação do mandado de detenção europeu e os adiamentos sucessivos da audiência de entrega, o caráter contraditório dos debates sobre a entrega, não previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584, bem como os repetidos períodos de inatividade da autoridade judiciária de execução, entre os quais os quatro meses e meio que decorreram entre a audiência e a decisão interlocutória e os quatro meses entre a decisão de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial e a decisão de reenvio propriamente dita.

95.    A Comissão retira daqui a conclusão de que a manutenção da detenção da pessoa procurada no processo principal é incompatível com a obrigação de urgência e que a autoridade judiciária de execução é obrigada a libertá‑la, a menos que circunstâncias excecionais, não imputáveis aos Estado‑Membro de execução, exijam a detenção prolongada, circunstâncias essas que não se verificam no caso em apreço. Na audiência, acrescentou que se mantinha, em todo o caso, a obrigação de executar o mandado de detenção europeu, bem como de respeitar as disposições dos artigos 12.° e 17.°, n.° 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, pelo que, se não fosse possível manter a situação de privação da liberdade, seria então necessário recorrer a soluções alternativas menos atentatórias da liberdade para diminuir um eventual risco de fuga.

96.    A Comissão acrescenta que o Estado‑Membro de execução não pode invocar as suas normas constitucionais relativas ao respeito do direito a um processo equitativo, evocado no considerando 12 da Decisão‑Quadro 2002/584, para justificar a inobservância dos prazos previstos no respetivo artigo 17.° Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou, no seu acórdão Melloni (20), que a aplicação dos padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais não pode comprometer o nível de proteção previsto pela Carta nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União.

V –    Análise

A –    Considerações preliminares

1.      Contexto nacional

97.    No presente processo, a High Court submeteu ao Tribunal de Justiça, como já referi, um pedido de decisão prejudicial que tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, pouco depois do termo do período de transição de cinco anos previsto pelo Protocolo n.° 36 relativo às disposições transitórias, que ocorreu em 1 de dezembro de 2014, nos termos do seu artigo 10.°, n.° 1. Antes dessa data, e na falta de uma declaração da Irlanda nesse sentido, nos termos previstos pelo artigo 35.°, n.° 2, TUE antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, os órgãos jurisdicionais irlandeses não podiam, com efeito, submeter ao Tribunal de Justiça pedidos de interpretação de decisões‑quadro adotadas, nomeadamente, no âmbito do título VI do TUE, quanto à cooperação policial e judiciária em matéria penal.

98.    Como o próprio órgão jurisdicional de reenvio refere na sua decisão de reenvio, esse órgão estava até então vinculado, ao interpretar a legislação nacional e, em última análise, a Decisão‑Quadro 2002/584, pela doutrina estabelecida pela Supreme Court, nomeadamente no seu acórdão Dundon. Assim, embora afirme partilhar, em princípio, da referida doutrina, a High Court considerou que seria oportuno dispor da interpretação, por parte do Tribunal de Justiça, das disposições pertinentes da Decisão‑Quadro 2002/584 e, mais concretamente, ser informada das consequências que, segundo o Tribunal de Justiça, decorrem da inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° para a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu. Simultaneamente, pediu que fosse aplicada a tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

99.    Faz sentido recapitular este contexto porquanto explica o facto de, no presente processo, o Tribunal de Justiça ser chamado a pronunciar‑se sobre aspetos muito elementares do mandado de detenção europeu, mais de uma década após a sua entrada em vigor, num processo pendente na High Court desde há cerca de trinta meses.

100. Importa acrescentar que o mandado de detenção europeu foi instituído através de uma decisão‑quadro, um ato inicialmente sem efeito direto, nos termos do direito primário (21), e que mantém esse estatuto, por força do artigo 9.° do Protocolo n.° 36 relativo às disposições transitórias. Recorde‑se simplesmente, a este respeito, que o Tribunal de Justiça declarou que, atendendo ao seu caráter vinculativo, as decisões‑quadro impõem às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais uma obrigação de interpretação conforme do direito nacional (22).

2.      A figura do mandado de detenção europeu

101. Como já observei, não se trata, evidentemente, do primeiro processo relativo à interpretação (23) ou à apreciação da validade (24) da Decisão‑Quadro 2002/584 que é apresentado ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se em termos gerais sobre a importância deste ato, que surgiu há quase treze anos, no âmbito do antigo «terceiro pilar» (25). Dito isto, e atendendo ao conteúdo das questões apresentadas ao Tribunal de Justiça com vista a uma resposta urgente, parece‑me oportuno expor algumas reflexões de ordem geral sobre o mecanismo do mandado de detenção europeu, qualificado pelo considerando 6 da Decisão‑Quadro 2002/584 de «primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo» e de «‘pedra angular’ da cooperação judiciária».

102. O mandado de detenção e os processos de entrega entre os Estados‑Membros estabelecidos pela Decisão‑Quadro 2002/584 substituíram os diversos procedimentos de extradição (26) existentes antes de 31 de dezembro de 2003 (27). Consequentemente, os conceituados instrumentos de extradição entre as autoridades estatais deixaram de existir entre os Estados‑Membros, em benefício de um sistema baseado na cooperação direta entre as autoridades judiciárias.

103. Como o Tribunal de Justiça tem sublinhado reiteradamente, resulta, em particular, do artigo 1.°, n.os 1 e 2, bem como dos considerandos 5 e 7 da Decisão‑Quadro 2002/584, que esta tem por objetivo substituir o sistema de extradição multilateral entre Estados‑Membros por um sistema de entrega, entre autoridades judiciárias, das pessoas condenadas ou suspeitas, para efeitos da execução de sentenças ou de procedimentos penais, baseando‑se este último sistema no princípio do reconhecimento mútuo (28).

104. A Decisão‑Quadro 2002/584 pretende, assim, ao instituir um novo sistema simplificado e mais eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de ter infringido a lei penal, facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para realizar o objetivo, atribuído à União, de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, baseado no elevado grau de confiança que deve existir entre os Estados‑Membros (29). O considerando 10 da Decisão‑Quadro 2002/584 insiste no facto de que o «mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros» (30).

105. O mandado de detenção europeu apresenta‑se, assim, como um instituto novo, único e específico da União (31). É um instrumento novo no sentido de que se distingue dos mecanismos tradicionais de entrega, entre os Estados‑Membros, das pessoas procuradas. É de natureza diferente dos processos de extradição que veio substituir. Consequentemente, as categorias específicas da extradição têm apenas um valor relativo para efeitos desta nova figura da cooperação judiciária. É fundamental ter sempre presente esta realidade ao examinar os problemas de interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584.

106. Trata‑se também de um instrumento único no sentido de que, sem prejuízo das características próprias do instrumento normativo que é a decisão‑quadro, estabelece um regime uniforme em todos os Estados‑Membros. O mandado de detenção europeu tornou‑se, assim, um instrumento de primeira ordem na cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros, que se rege, essencialmente, pelo princípio da confiança mútua.

107. Além disso, é específico da União, na medida em que foi o legislador da União que, através de uma decisão‑quadro, concebeu esta figura, criando a obrigação para cada Estado‑Membro de a introduzir na sua legislação. O adjetivo «europeu» que qualifica sistematicamente o mandado de detenção instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584 realça a sua ligação congénita à União.

108. Por último, a circunstância de a aplicação deste instrumento ter podido exigir reformas constitucionais (32) ou ter dado origem a tomadas de posição dos órgãos jurisdicionais supremos ou, consoante o caso, constitucionais dos Estados‑Membros (33), revela claramente a sua importância para os diferentes ordenamentos constitucionais nacionais (34) e, em última análise, para a própria União.

3.      As duas «fases» do processo de entrega da pessoa procurada e a «sistemática» do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584

109. Seguidamente, importa recordar que a entrega de uma pessoa procurada, em execução de um mandado de detenção europeu, é realizada, nos termos das disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, em duas fazes distintas. Depois de o mandado de detenção europeu ser emitido pela autoridade judiciária de emissão em conformidade com as condições de forma e de conteúdo previstas no artigo 8.° da Decisão‑Quadro 2002/584 e, sendo caso disso, traduzido para a língua do Estado‑Membro de execução, é transmitido, consoante as circunstâncias, segundo as modalidades estabelecidas nos artigos 9.° e 10.° da referida decisão‑quadro. Quando a pessoa procurada é detida por um Estado‑Membro em execução de um mandado de detenção europeu, a continuação do processo de entrega decorre em duas fases distintas, a fase da adoção, pela autoridade judiciária de execução, da decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu, em questão no processo principal, e, caso se decida deferir o pedido de entrega, a fase da entrega propriamente dita da pessoa procurada ao Estado‑Membro de emissão.

110. No âmbito da primeira fase, a autoridade judiciária de execução competente deve informar a pessoa procurada da existência e do conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como da possibilidade que lhe é conferida de consentir na sua entrega à autoridade judiciária de emissão, nos termos do artigo 11.° da Decisão‑Quadro 2002/584. Seguidamente, cabe‑lhe adotar uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu, respeitando as disposições dos artigos 13.° a 21.° da Decisão‑Quadro 2002/584, devendo essa decisão ser notificada à autoridade judiciária de emissão, nos termos do artigo 22.° da referida decisão‑quadro.

111. Se a autoridade judiciária de execução decidir entregar a pessoa procurada ao Estado‑Membro de emissão, tal entrega deve ter lugar o mais rapidamente possível após a adoção da decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu, segundo as modalidades e respeitando as condições previstas nos artigos 23.° e 24.° da referida decisão‑quadro. Se esta entrega não puder ser efetuada dentro dos prazos previstos no artigo 23.°, n.os 2 e 4, a pessoa procurada deve então ser libertada, caso se encontre ainda detida, em conformidade com o artigo 23.°, n.° 5.

112. O presente processo respeita apenas aos prazos nos quais se deve completar a primeira fase de adoção da decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu, em conformidade com as disposições do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584.

113. Importa igualmente salientar que o conjunto das disposições do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 traça uma verdadeira sistemática das modalidades de adoção, por parte das autoridades judiciárias de execução, de decisões definitivas sobre a execução dos mandados de detenção europeus, cujo cerne é a fixação dos prazos.

114. Este artigo, que indica, antes de mais, que o mandado de detenção «deve ser tratado e executado com urgência» (n.° 1), estabelece, seguidamente, dois prazos dentro dos quais tal decisão deve ser adotada, consoante a pessoa procurada tenha ou não consentido na sua entrega, sendo o primeiro de dez dias a contar da data do consentimento (n.° 2) e o segundo de sessenta dias a contar da detenção (n.° 3), prevendo, todavia, uma exceção.

115. Com efeito, em casos específicos, quando o mandado de detenção europeu não possa ser executado dentro destes prazos de dez e de sessenta dias, os mesmos podem ser prorrogados por trinta dias adicionais. Nesse caso, a autoridade judiciária de execução deve informar, imediata e diretamente, a autoridade judiciária de emissão desse facto, indicando as respetivas razões (n.° 4). Pode decerto configurar um caso específico deste tipo a situação em que a pessoa procurada se opõe à entrega, invocando um risco para a sua vida ou a sua segurança, o que obrigará a autoridade judiciária de execução a proceder às verificações que se impõem (35), pedindo, sendo caso disso, ao Estado‑Membro de emissão a apresentação urgente de informações complementares, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, da mesma decisão‑quadro.

116. Em todo o caso, enquanto se aguarda a adoção desta decisão definitiva, o Estado‑Membro de execução deve assegurar‑se de que continuam a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva da pessoa procurada (n.° 5).

117. A obrigação de celeridade que decore destas primeiras disposições não prejudica, evidentemente, a possibilidade de a entrega dever ser recusada, nos termos dos artigos 3.°, 4.° e 4.°‑A da Decisão‑Quadro 2002/584, caso em que a autoridade judiciária de execução deve adotar uma decisão de recusa de execução do mandado de detenção europeu, que deve ser devidamente fundamentada e ocorrer, segundo se depreende, dentro dos prazos previstos (n.° 6).

118. Por último, o artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê duas situações que implicam diferentes tipos de «anomalia». Antes de mais, prevê, no primeiro período, circunstâncias excecionais em que um Estado‑Membro «não possa» observar os prazos impostos. Seguidamente, prevê, no segundo período, a hipótese de um incumprimento reiterado por parte de um Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem para com outro, ou seja, de atrasos múltiplos na execução de mandados de detenção europeus.

119. Ao fixar os prazos (36) dentro dos quais deve ser adotada a decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu, estabelecendo simultaneamente as obrigações que incumbem quer à autoridade judiciária de execução, quando esta não possa cumprir tais prazos em casos específicos, quer ao Estado‑Membro de execução, quando este, em circunstâncias excecionais, não possa assegurar o respeito de tais prazos, as disposições deste artigo estabelecem, assim, um sistema completo destinado a reger todas as situações suscetíveis de surgir, independentemente da questão de saber se a pessoa procurada se encontra ou não detida, sem prejuízo da possibilidade de apresentação ao Tribunal de Justiça de um pedido de decisão prejudicial durante o processo de adoção da decisão definitiva de execução do mandado de detenção europeu (37).

4.      As duas questões prejudiciais

120. Antes de proceder à análise de cada uma das duas questões apresentadas pela High Court, parece‑me necessário formular algumas observações sobre o maior ou menor grau de convergência dos problemas suscitados por cada uma delas. A primeira levanta a simples questão dos efeitos que decorrem da circunstância de não terem sido respeitados os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, lido em conjugação com o artigo 15.° da mesma decisão‑quadro, para a adoção por parte da autoridade judiciária de execução de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu. A segunda visa a mesma situação, da inobservância desses prazos, com duas precisões: por um lado, a circunstância de o mandado de detenção europeu ter conduzido à detenção da pessoa procurada e, por outro, o facto de os efeitos da inobservância dos prazos em causa serem considerados em termos de «direitos» para a pessoa procurada e detida.

121. Efetivamente, é difícil responder isoladamente à primeira questão, ou seja, sem tomar em conta a circunstância de a pessoa procurada se encontrar privada de liberdade, em resultado do pedido de entrega de que é objeto. Considero, todavia, que é possível manter a autonomia destas duas questões, tal como foram formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio, respondendo à primeira questão «como se» não estivesse em causa a liberdade individual da pessoa procurada. Assim, será sobretudo a vertente dos deveres mútuos que incumbem aos Estados‑Membros que estará em primeiro plano no âmbito da análise da primeira questão. Portanto, será apenas no âmbito da minha resposta à segunda questão que tomarei em consideração a circunstância de a pessoa procurada continuar detida no âmbito da execução do mandado de detenção europeu contra si emitido. Todavia, parece‑me essencial salientar que há que preservar tanto o respeito pelos Estados‑Membros das obrigações que assumiram mutuamente ao adotarem a Decisão‑Quadro 2002/584 como o respeito dos direitos fundamentais que a sua aplicação exige.

122. Devo ainda esclarecer que examinarei apenas as duas questões prejudiciais apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. É certo que o demandado no processo principal invocou, ao longo de todo o processo de execução do mandado de detenção europeu, o risco que a sua entrega ao Estado‑Membro de emissão implicaria para a sua vida, e que a questão da prova da existência deste risco se encontra no cerne das suas alegações e o levou a convidar o Tribunal de Justiça a responder a questões adicionais. A tomada em consideração deste risco por parte da High Court é também um dos elementos que explica, se não mesmo justifica, que não tenha ainda adotado uma decisão definitiva a este respeito.

123. Todavia, é quase inútil explicar que apenas incumbe ao Tribunal de Justiça dar uma resposta às questões formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio e que não há que ter em conta as questões propostas pelo demandado no processo principal. Com efeito, no âmbito do processo previsto pelo artigo 267.° TFUE, compete apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais, aos quais é submetido um litígio e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, face às especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sua decisão como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça, sem que as partes possam alterar o teor dessas questões (38).

124. Responder a eventuais questões complementares indicadas pelas partes no processo principal nas suas observações seria, de resto, incompatível com o papel reservado ao Tribunal de Justiça pela referida disposição, bem como com a sua obrigação de assegurar aos governos dos Estados‑Membros e às partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações, em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, nos termos desta disposição, apenas as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (39).

B –    Quanto à primeira questão

125. Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em termos muito genéricos, sobre o efeito da inobservância, por parte do Estado‑Membro de execução de um mandado de detenção europeu, dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584.

126. Todavia, o caráter genérico desta questão é mais aparente do que real. Com efeito, resulta das explicações apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que este pretende saber, em última análise, se um mandado de detenção europeu caduca por terem sido ultrapassados os prazos dentro dos quais a autoridade judiciária de execução, neste caso a própria High Court, deve adotar uma decisão definitiva, positiva ou negativa, sobre a execução do referido mandado.

127. Todavia, em última análise, não é apenas esse o problema que se coloca. Com efeito, numa situação em que a Decisão‑Quadro 2002/584 não esclarece quais os efeitos da inobservância dos prazos que fixa no seu artigo 17.°, a primeira questão a resolver, dado que foi suscitada, é a do caráter perentório de tais prazos. Portanto, começarei por examinar esta questão, passando depois a examinar as possíveis consequências da sua inobservância.

128. A título incidental, importa recordar que os prazos não têm apenas por função garantir a celeridade da justiça penal. Contribuem igualmente, de modo muito particular em circunstâncias como as do processo principal, para garantir que a pessoa procurada, que beneficia da presunção de inocência, possa comparecer rapidamente perante a justiça do Estado‑Membro de emissão.

129. A questão do caráter perentório dos prazos do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 para os Estados‑Membros de execução tem origem na própria questão do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, a decisão de reenvio toma como ponto de partida a interpretação desta disposição adotada pela Supreme Court no seu acórdão Dundon, em anexo à decisão de reenvio. Nesse processo, a Supreme Court declarou (40) que uma pessoa colocada em prisão preventiva em execução de um mandado de detenção europeu não tinha, de modo algum, direito a ser imediatamente libertada após o decurso dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, uma vez que estes prazos foram estabelecidos para efeitos de «disciplina interna dos Estados‑Membros» e não com o objetivo de conferir direitos aos particulares. Por outro lado, concluiu que a High Court continuava obrigada a dar execução ao mandado de detenção europeu, independentemente do decurso desses prazos.

130. Todas as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça defendem a mesma linha, com algumas nuances. Invocam repetidamente os mesmos argumentos, em particular o facto de os n.os 2 e 3 do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 fixarem os referidos prazos utilizando o condicional, não utilizado noutras disposições, o facto de este artigo 17.° não conter disposições equivalentes às do artigo 23.°, n.° 5, ao invés do que previa a proposta inicial da Comissão (41), e, por último, a interpretação do artigo 17.° acolhida pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão F (42), em particular no seu n.° 64.

131. Não partilho totalmente destas opiniões, pelas razões que se seguem.

132. Em primeiro lugar, o argumento gramatical deve ser relativizado.

133. É certo que os n.os 2 e 3 do artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 indicam que a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu «deve[ria]» (43) ser tomada dentro de um prazo de dez dias ou de sessenta dias. Todavia, o artigo 17.°, n.° 1, da referida decisão‑quadro prevê, em termos imperativos, que um mandado de detenção europeu «deve ser tratado e executado com urgência». O seu artigo 15.°, n.° 1, prevê, utilizando o indicativo, que a autoridade judiciária de execução «decide» da entrega da pessoa nos prazos e nas condições definidos, nomeadamente, no seu artigo 17.° A utilização do condicional deve assim ser entendida, essencialmente, no sentido de que se refere às circunstâncias excecionais em que o Estado‑Membro de execução pode deixar de observar os prazos estabelecidos no artigo 17.°, n.° 7.

134. Em segundo lugar, considero que a interpretação do artigo 17.° adotada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão F (44) não pode ser entendida no sentido de relativizar o caráter perentório dos prazos estabelecidos nesta disposição. Com efeito, o Tribunal de Justiça recorda nesse acórdão, antes de mais, que o artigo 17.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584 prevê que o mandado de detenção europeu deve ser «tratado e executado com urgência» e que os seus n.os 2 e 3 «fixam prazos precisos» (45). Seguidamente, evoca as disposições do artigo 17.°, n.os 4 e 7, que permitem, respetivamente, prolongar os prazos previstos em casos específicos e não os respeitar em circunstâncias excecionais (46). Além disso, salienta, por um lado, que a «importância dos prazos fixados no referido artigo 17.° [se encontra] expressa não apenas neste artigo mas também noutras disposições da decisão‑quadro» (47) e relativiza, por outro lado, o significado da evolução do texto do artigo 17.° da decisão‑quadro que, na proposta inicial da Comissão, utilizava não o condicional, mas o indicativo (48).

135. Por último, conclui estas considerações, declarando que «os prazos previstos no artigo 17.° da decisão‑quadro devem ser interpretados no sentido de que exigem que a decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu deve ser tomada, em princípio, quer nos dez dias a seguir ao consentimento na entrega da pessoa procurada quer, nos outros casos, nos sessenta dias a partir da detenção desta última. Só em casos específicos podem estes prazos ser prorrogados por mais trinta dias e só em circunstâncias excecionais é que um Estado‑Membro pode não respeitar os prazos previstos neste artigo 17.°» (49), designadamente no caso de o órgão jurisdicional competente decidir submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial (50).

136. Em terceiro lugar, a desvalorização da importância dos prazos fixados pelo artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 reduziria consideravelmente o efeito útil desta disposição, com o risco de comprometer seriamente a realização dos objetivos prosseguidos por esta decisão‑quadro.

137. Assim, considero que importa, todavia, admitir um elemento de relativização do caráter estritamente perentório dos prazos fixados no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584. O mandado de detenção europeu é um instrumento de cooperação judiciária entre os Estados‑Membros de tal modo novo que não seria prudente colocar esta questão exclusivamente no âmbito do artigo 17.°, n.° 7. Porém, há que salientar, desde já, que este elemento de relativização não pode, de modo algum, levar a considerar que estes prazos são meramente indicativos, com vista a incitar os Estados‑Membros a executar os mandados de detenção europeus com celeridade.

138. Esclarecida a intensidade do caráter perentório dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, há que proceder à análise da questão colocada em primeiro lugar pelo órgão jurisdicional de reenvio. Pode considerar‑se que a inobservância destes prazos implica a caducidade de um mandado de detenção europeu?

139. A questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio respeita ao efeito da inobservância destes prazos sobre o mandado de detenção em causa no processo principal, ou seja, à perenidade dos efeitos desse mandado. A este respeito, e independentemente da incidência da hipótese, decerto frequente atendendo às disposições do artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584, de a pessoa procurada se encontrar em detenção, a inobservância destes prazos não pode levar à caducidade do mandado de detenção europeu. Com efeito, tal resultado pressuporia que o Estado‑Membro de execução dispusesse da possibilidade de optar por uma decisão negativa de recusa de entrega, explícita e fundamentada, em cumprimento dos requisitos previstos nos artigos 3.°, 4.°, 4.°‑A e 17.°, n.° 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, ou por uma decisão definitiva, e implícita, resultante do seu silêncio ou da sua inércia. Ora, tal extremo não é certamente previsto pela Decisão‑Quadro 2002/584 e não poderia admitir‑se sem comprometer irremediavelmente o efeito útil da Decisão‑Quadro 2002/584 e lesar assim seriamente o objetivo por ela prosseguido.

140. De resto, como decorre de uma leitura tanto literal como sistemática do artigo 17.°, n.° 7, segundo parágrafo, da Decisão‑Quadro 2002/584, os eventuais «atrasos» na execução por parte de um Estado‑Membro dos mandados de detenção europeus não o eximem da sua obrigação de adotar uma decisão definitiva, qualquer que ela seja. Com efeito, ao limitar‑se a «tratar» os atrasos reiterados de um Estado‑Membro de execução, esta disposição confirma implicitamente que, em todo o caso, se continua a esperar que esse Estado‑Membro adote decisões definitivas.

141. Consequentemente, considero que se deve responder à primeira questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que o artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que a inobservância dos prazos por ele estabelecidos e dentro dos quais deve ser adotada uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu não pode ter como efeito a caducidade do referido mandado de detenção europeu, sendo que a perenidade dos efeitos de um mandado de detenção europeu não prejudica as consequências que a tomada em consideração de uma eventual situação de privação da liberdade possa implicar para o gozo, pela pessoa procurada, dos seus direitos fundamentais. A autoridade judiciária de execução e, de um modo geral, o Estado‑Membro de execução continuam, por conseguinte, obrigados a adotar uma decisão a esse respeito, apesar do decurso de tais prazos.

C –    Quanto à segunda questão

142. A High Court interroga‑se, em segundo lugar, sobre se a circunstância de os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 para a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu não terem sido respeitados pela autoridade judiciária de execução confere direitos à pessoa procurada e que se encontra detida enquanto se aguarda essa decisão.

143. Como já observei, esta segunda questão refere‑se à mesma situação que a visada pela primeira, a saber, a de uma autoridade judiciária de execução ter deixado passar os prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, sem adotar uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu, seja deferindo o pedido de entrega seja indeferindo‑o mediante justificação. A diferença essencial relativamente à primeira questão reside no facto de se pedir ao Tribunal de Justiça que tome em consideração a circunstância de, em resposta ao mandado de detenção europeu emitido pelo Estado‑Membro de emissão, a autoridade judiciária de execução ter colocado a pessoa procurada em detenção, nos termos do artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584, sem que esta situação se tenha alterado em consequência do decurso dos referidos prazos. Para delimitar corretamente esta questão, impõem‑se duas observações preliminares.

144. Antes de mais, e como já foi observado, um mandado de detenção europeu pode ser emitido, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584, com vista à detenção e à entrega da pessoa procurada para dois fins claramente distintos (51), a saber, para o cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativa de liberdade, ou para o exercício de um procedimento penal, a fim de que essa pessoa possa ser julgada e, sendo caso disso, punida pelas infrações indicadas no mandado de detenção europeu, que se presume ter cometido (52).

145. O processo principal respeita à segunda situação, embora tal não resulte expressamente da formulação da segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, o demandado no processo principal é procurado pelo Estado‑Membro de emissão para ser julgado por homicídio e por posse ilegal de arma de fogo com a intenção de atentar contra a vida de outrem.

146. Parece‑me necessário tomar em consideração esta circunstância na resposta a dar a esta segunda questão. Com efeito, a detenção de uma pessoa não reveste a mesma gravidade consoante esta tenha já sido condenada numa pena privativa da liberdade, por força de uma decisão judicial definitiva, ou não tenha ainda sido julgada e beneficie, consequentemente, da presunção de inocência (53). A este respeito, basta remeter para as disposições do artigo 26.° da Decisão‑Quadro 2002/584, que prevê que o Estado‑Membro de emissão deve deduzir à duração total da privação da liberdade que aplica à pessoa procurada todos os períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu. Embora seja certo que a pessoa entregue ao Estado‑Membro de emissão para ser julgada pode posteriormente ser objeto de uma condenação numa pena privativa da liberdade, a cuja duração total poderá ser deduzida a duração da prisão preventiva de que tenha sido objeto no Estado‑Membro de execução enquanto aguardava a entrega, nos termos do referido artigo, não se pode excluir, todavia, que venha, afinal, a ser absolvida no Estado‑Membro de emissão, caso em que o referido artigo 26.° não será aplicável.

147. Voltando agora à questão do órgão jurisdicional de reenvio, importa salientar que este evoca a possibilidade de a inobservância dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 criar qualquer «direito» — expresso do modo mais genérico possível — para a pessoa procurada e detida. Evidentemente, há que dar razão, a este respeito, a quem sustenta que a Decisão‑Quadro 2002/584, em particular o seu artigo 17.°, não menciona que possa surgir nenhum direito subjetivo, de qualquer tipo que seja, na esfera de uma pessoa detida em execução de um mandado de detenção europeu, em consequência do decurso dos prazos nele previstos sem ter sido adotada uma decisão definitiva sobre a execução do referido mandado. O n.° 5 desta disposição refere‑se, quando muito, à garantia de que «continuem a estar reunidas as condições materiais necessárias para uma entrega efetiva da pessoa».

148. Dito isto, a mera referência expressa, na questão do órgão jurisdicional de reenvio, a uma situação de detenção, associada à menção da inobservância dos prazos previstos para a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu, é suficiente para suscitar uma questão de direitos e de liberdades. Por conseguinte, a segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio adquire assim todo o sentido, o qual pode ser formulado de modo muito simples: quais são as consequências, para uma pessoa que se encontre detida em execução de um mandado de detenção europeu, do decurso dos prazos previstos para a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução do referido mandado?

149. O que está em causa é a privação do direito à liberdade individual de uma pessoa que, no caso do processo principal, beneficia da presunção de inocência. Esta situação pode, decerto, ser perfeitamente legítima em direito da União, como o pode ser no direito dos Estados‑Membros ou, ainda, à luz do direito da CEDH. Todavia, esta situação só pode ser legal em determinadas condições, o que é, sem dúvida, igualmente válido no que respeita ao direito da União. Consequentemente, a Decisão‑Quadro 2002/584, como qualquer outra disposição do direito da União, deve ser interpretada à luz dos direitos fundamentais. É, de resto, o que resulta tanto do seu considerando 12 como do seu artigo 1.°, n.° 3.

150. Os Estados‑Membros devem, certamente, aplicar a Decisão‑Quadro 2002/584 sem lesar os direitos fundamentais, através dos seus próprios instrumentos legais. O considerando 12 desta decisão‑quadro contém, no seu segundo parágrafo, uma referência geral às «normas constitucionais» dos Estados‑Membros. Além disso, pela sua própria natureza, a decisão‑quadro deixa às autoridades nacionais uma margem de apreciação quanto às modalidades concretas de implementação dos objetivos que prossegue (54). Por conseguinte, a situação em causa no processo principal é comparável à evocada no n.° 29 do acórdão Åkerberg Fransson (55), em que a ação dos Estados‑Membros não é inteiramente determinada pelo direito da União. Nessa situação, embora um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, chamado a fiscalizar a conformidade com os direitos fundamentais de uma disposição ou de uma medida nacional, seja livre de aplicar padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, essa aplicação não pode comprometer o nível de proteção previsto pela Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União (56).

151. Com este raciocínio, posso desde já avançar uma conclusão que me parece incontestável, a saber, que se deve considerar que um Estado‑Membro que se encontre na situação do litígio no processo principal aplica o direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da referida Carta, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (57). Com efeito, tanto a legislação nacional adotada para efeitos da transposição da Decisão‑Quadro 2002/584 como a condução do processo de entrega, por parte da autoridade judiciária de execução, constituem uma aplicação do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, uma vez que o mandado de detenção europeu é, em última análise, uma criação da União. No contexto de um mandado de detenção europeu, a Decisão‑Quadro 2002/584 constitui, em particular, a base jurídica e o fundamento a partir dos quais um Estado‑Membro pode ordenar e manter uma medida privativa da liberdade contra uma pessoa procurada, no âmbito do exercício de procedimentos penais contra a mesma (58), gozando, em princípio, esta pessoa da presunção de inocência, pelo menos no que respeita aos factos pelos quais é procurada e objeto de um mandado de detenção europeu.

152. Resulta do exposto que, nas circunstâncias do processo principal, a Decisão‑Quadro 2002/584 e, em particular, o seu artigo 17.° devem ser interpretados à luz da Carta, que a Carta é aplicável aos Estados‑Membros e que os atos das autoridades nacionais adotados para efeitos da transposição desta decisão‑quadro devem ser abrangidos pelas exigências da interpretação conforme (59).

153. Neste caso, interpretar a Decisão‑Quadro 2002/584 à luz da Carta equivale, nas circunstâncias do processo principal, a interpretá‑la respeitando os requisitos do seu artigo 6.°, o qual garante, em termos lapidares, o direito à liberdade.

154. As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (60) respeitantes a esta disposição remetem diretamente para o próprio texto do artigo 5.° da CEDH, muito mais explícito, que reproduzem na íntegra. Estas anotações esclarecem ainda que os direitos consagrados no artigo 6.° da Carta devem ser respeitados «especialmente» quando o Parlamento Europeu e o Conselho adotam atos legislativos na área da cooperação judiciária em matéria penal, com base nos artigos 82.° TFUE (61), 83.° TFUE e 84.° TFUE.

155. O artigo 5.° da CEDH contém duas disposições de relevo para o processo principal, a saber, por um lado, o seu n.° 1, alínea f), relativo à extradição, que é o processo que, objetivamente, mais se assemelha ao processo de entrega da Decisão‑Quadro 2002/584, e, por outro, o seu n.° 4, que consagra o direito de qualquer pessoa privada da sua liberdade a um recurso específico, que lhe permita obter uma resposta rápida sobre a legalidade de qualquer situação de detenção.

156. O artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH deu origem a abundante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a que oportunamente me referirei. Todavia, parece‑me necessário começar pela observação seguinte.

157. Essencialmente, é a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa aos processos de extradição e, portanto, ao artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH que é a mais pertinente para analisar a situação do processo principal, pelo que é indispensável tomá‑la como ponto de partida. Dito isto, importa não esquecer que, como já observei, o mandado de detenção europeu não constitui uma mera variante dos processos de extradição. A consequência que daqui decorre é que não é necessário, nem sempre suficiente, fiscalizar apenas o respeito da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa à extradição. Os critérios que serão seguidamente examinados, como a duração razoável do processo, a sua complexidade, a conduta da pessoa procurada, a inexistência de períodos de inatividade judiciária, são indiscutivelmente pertinentes, em particular numa situação em que o pedido de decisão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio se limita a convidar o Tribunal de Justiça a apreciar uma situação de prisão preventiva que se mantém desde há trinta meses. Todavia, não se pode excluir que a interpretação das exigências que decorrem do direito à liberdade no contexto de um instituto diferente, como o que constitui o mandado de detenção europeu, possa necessitar de uma abordagem mais estrita relativamente à ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584.

158. O artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH autoriza os Estados partes a limitar a liberdade de qualquer pessoa objeto de um processo de extradição em curso. Esta disposição permite ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem apreciar a «legalidade» da detenção de uma pessoa contra a qual «está em curso» um processo de extradição, especificando‑se que apenas a tramitação do processo de extradição justifica, em tal caso, a privação da liberdade (62).

159. Tanto quanto sei, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não se pronunciou formalmente, até à data, sobre a aplicabilidade do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH à prisão preventiva decretada em aplicação de uma disposição nacional que transpõe o artigo 12.° da Decisão‑Quadro 2002/584. Todavia, não há qualquer dúvida, com a reserva expressa no n.° 157, de que a prisão preventiva ordenada no âmbito da execução de um mandado de detenção europeu, comparável à privação da liberdade para efeitos de extradição, é, em princípio (63), abrangida pelas disposições deste artigo (64).

160. Para ser conforme com o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH, a detenção para efeitos de extradição deve, portanto, antes de mais, ser «legal» e respeitar o «procedimento legal», ou seja, ser decidida em conformidade tanto com as normas materiais como com as normas processuais aplicáveis aos interessados, independentemente de se tratar de normas da legislação nacional ou das que têm origem no direito internacional (65) ou no direito da União (66). Todavia, por essencial que seja, a «legalidade» da detenção, na aceção desta disposição, à luz do direito interno não é, porém, decisiva (67). Além disso, deve respeitar o objetivo prosseguido por este artigo, que é o de proteger os indivíduos contra a arbitrariedade (68).

161. Nesta dupla perspetiva, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente indicado, por um lado, que, embora incumba, em primeira instância, às autoridades nacionais, designadamente aos tribunais, interpretar e aplicar o direito interno, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode e deve igualmente exercer uma certa fiscalização para apurar se o direito interno foi efetivamente respeitado, dado que, à luz do artigo 5.°, n.° 1, da CEDH, a inobservância do direito interno implica a violação da Convenção (69). Por outro lado, esclareceu que deve igualmente assegurar‑se de que o direito interno respeita a CEDH, incluindo os princípios que enuncia ou implica (70), a saber, o princípio do primado do direito e, associado a este, o da segurança jurídica, o princípio da proporcionalidade e o princípio da proteção contra a arbitrariedade, que é, além disso, o objetivo do artigo 5.° (71).

162. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem insiste, a este respeito, que, quando está em causa uma privação da liberdade, é particularmente importante satisfazer o princípio geral da segurança jurídica. Consequentemente, é essencial que as condições da privação da liberdade nos termos do direito interno (72) e/ou do direito internacional (73) estejam claramente definidas e que a própria lei seja previsível na sua aplicação, de modo a satisfazer o critério da «legalidade» estabelecido pela CEDH (74) e a responder à exigências de «qualidade da lei», inerentes a todas as disposições da CEDH.

163. Pode considerar‑se, à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que o mero decurso dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 implica que a detenção da pessoa procurada deixou de ser legal e que esta deve recuperar imediatamente a sua liberdade? Não partilho da opinião da Comissão a este respeito. Não me parece que se possa retirar uma conclusão tão radical. Não me parece, em especial, que se possa sustentar que a mera ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584 torne imediatamente ilegal uma privação da liberdade ordenada em execução de um mandado de detenção europeu, com a consequência de a tornar incompatível com o direito à liberdade garantido pelo artigo 6.° da Carta.

164. Antes de mais, a detenção de uma pessoa pode ser justificada por outras circunstâncias que não sejam o mandado de detenção europeu. A situação de detenção de uma pessoa procurada em execução do mandado de detenção europeu contra ela emitido pode, com efeito, revelar‑se perfeitamente justificada com outro fundamento diferente do referido mandado de detenção europeu, quer por a pessoa já ser objeto de uma medida privativa da liberdade, aplicada em execução de uma decisão judicial definitiva, quer por ser objeto de procedimentos judiciais no Estado‑Membro de execução por outros factos diversos dos referidos no mandado de detenção europeu de que é objeto e ter sido colocada em prisão preventiva a aguardar julgamento, em ambos os casos, em aplicação da legislação do Estado‑Membro de execução, hipóteses estas que são, designadamente, evocadas no artigo 24.° da Decisão‑Quadro 2002/584.

165. Seguidamente, é possível que se verifiquem circunstâncias excecionais que tenham impedido a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu, como prevê, precisamente, o artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584. A este respeito, impõem‑se, todavia, três esclarecimentos quase evidentes. Antes de mais, a possibilidade de um Estado‑Membro invocar circunstâncias excecionais não pode, pela própria natureza destas, transformar‑se numa prática rotineira, acompanhada de uma fundamentação meramente formal. Em seguida, a informação que o Estado‑Membro de execução deve transmitir à Eurojust não pode constituir uma carta‑branca para manter indefinidamente uma situação de privação de liberdade. Por último, como a Comissão sustentou nas suas observações, tais circunstâncias excecionais não podem ser imputáveis ao Estado‑Membro de execução. Em especial, a cláusula contida no artigo 17.°, n.° 7, da Decisão‑Quadro 2002/584 não pode ser entendida como solução para sanar as modalidades processuais estabelecidas por um Estado‑Membro cuja aplicação se traduziria quase inevitavelmente na inobservância dos prazos previstos no seu artigo 17.° É o direito nacional que tem de se adaptar às disposições da referida decisão‑quadro, e não o inverso.

166. Por último, e independentemente das exigências de situações excecionais que tornem materialmente impossível a adoção de uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu dentro dos prazos previstos pela Decisão‑Quadro 2002/584, não se pode excluir absolutamente que se possam verificar circunstâncias que permitam justificar um atraso, embora moderado e em casos isolados, desde que a decisão definitiva esteja, finalmente, prestes a ser adotada. A reserva relativa à existência de um processo prejudicial evocada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão F (75) inscreve‑se nesta lógica.

167. Por conseguinte, atendendo às considerações precedentes, a libertação da pessoa procurada não pode constituir a consequência inevitável do decurso dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584. Esta afirmação constitui um primeiro elemento da resposta à segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio.

168. Todavia, não se pode considerar que a questão do respeito do artigo 5.° da CEDH, conforme integrado no artigo 6.° da Carta, se esgota nesta primeira constatação. Esta disposição contém igualmente um n.° 4, que garante o direito efetivo da pessoa detida em execução de um mandado de detenção europeu a contestar a continuação da sua detenção. Mais precisamente, o artigo 5.°, n.° 4, da CEDH dispõe que «[q]ualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal». Esta disposição enquadra‑se no conteúdo do artigo 6.° da Carta, tanto nos termos do artigo 52.°, n.° 3, da Carta como pela remissão expressa operada pelas Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais, em especial no domínio da cooperação judiciária em matéria penal, e tem uma manifesta incidência no processo principal.

169. Como o Tribunal de Justiça recordou no seu acórdão F (76), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem teve a oportunidade de esclarecer que esta disposição se aplicava igualmente em matéria de extradição (77), como lex specialis face às exigências mais gerais do artigo 13.° da CEDH (78), e que a inexistência de uma qualquer violação dos requisitos do artigo 5.°, n.° 1, da CEDH não a dispensava de fiscalizar o respeito das disposições do artigo 5.°, n.° 4, da CEDH. Com efeito, os dois textos são distintos, sendo que o respeito do primeiro não implica necessariamente o do segundo (79) e a constatação de uma infração ao primeiro não dispensa o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de apurar a existência de uma infração ao segundo (80).

170. Nos termos desta disposição, as pessoas detidas ou presas têm, ao abrigo do artigo 5.°, n.° 4, da CEDH, o direito a que se analise se foram respeitados os requisitos processuais e materiais necessários para garantir a «legalidade», na aceção da CEDH, da sua privação de liberdade, sendo que, por um lado, o conceito de «legalidade» deve ter o mesmo alcance no n.° 4 e no n.° 1 do artigo 5.° da CEDH e, por outro, a «legalidade» de uma «detenção ou prisão» é apreciada não só à luz do direito interno como também do texto da CEDH, dos princípios gerais nela consagrados e do objetivo das restrições permitidas pelo artigo 5.°, n.° 1 (81).

171. É certo que o Tribunal de Justiça salientou igualmente, no seu acórdão F (82), que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tinha declarado que, «quando a decisão privativa de liberdade é proferida por um tribunal que se pronuncia no termo de um processo jurisdicional, a fiscalização pretendida pelo artigo 5.°, n.° 4, da CEDH está incorporada na decisão» (83).

172. Todavia, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem esclareceu igualmente que esta regra só era aplicável à decisão inicial de privação da liberdade, mas não visava a detenção posterior na medida em que surgissem subsequentemente novas questões de legalidade a respeito dessa detenção (84). Com efeito, a continuação de uma detenção inicialmente decretada de modo legal pode tornar‑se ilegal e deixar de ser justificada.

173. Em caso de detenção continuada, o artigo 5.°, n.° 4, da CEDH implica, assim, o direito da pessoa detida de «recorrer a um ‘tribunal’, competente para que este decida a ‘curto prazo’ da questão de saber se a privação da sua liberdade se tornou ‘ilegal’» (85). O conceito de tribunal implica, nomeadamente, que sejam facultadas à pessoa colocada em detenção «as garantias processuais fundamentais em matéria de privação de liberdade», esclarecendo‑se que tais garantias não devem necessariamente ser idênticas às que o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH estabelece para os litígios civis ou penais (86), mas devem ser adaptadas à natureza da privação da liberdade em questão, atendendo à particular natureza das circunstâncias em que esta se verifica (87). Esta via de recurso judicial deve existir com um grau suficiente de certeza, não só em teoria como também na prática, sob pena serem desrespeitados os requisitos de acessibilidade e de efetividade estabelecidos (88). O órgão jurisdicional deve poder decidir a curto prazo sobre a questão de saber se a privação da liberdade se tornou «ilegal» em consequência do surgimento de novos elementos posteriores à decisão inicial e, sendo caso disso, ordenar a libertação (89).

174. As exigências relativas à celeridade e a uma fiscalização jurisdicional periódica, com intervalos razoáveis, explicam‑se pelo facto de que uma pessoa detida não deve correr o risco de permanecer em detenção muito para além do momento em que a sua privação de liberdade deixou de ser justificada (90), sendo que há fatores que afetam a legalidade de uma detenção no âmbito de um processo de extradição, como os progressos da sua tramitação e a diligência com que as autoridades competentes conduzem o processo, que podem evoluir ao longo do tempo (91).

175. Importa agora apreciar a incidência desta jurisprudência sobre o processo principal.

176. Considero que o direito garantido pelo artigo 5.°, n.° 4, da CEDH é aplicável a uma pessoa que se encontre na situação do demandado no processo principal (92) e que a manutenção prolongada da detenção deste, enquanto aguarda uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu contra si emitido, para além dos prazos fixados pelo artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, confere a esse direito um conteúdo específico.

177. Mas precisamente, a ultrapassagem dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, dentro dos quais cabia à autoridade judiciária de execução adotar uma decisão definitiva sobre a entrega do demandado no processo principal, constitui uma circunstância que, por si só e sem antecipar o resultado do recurso, altera o fundamento da situação de prisão preventiva do demandado no processo principal e lhe confere os direitos garantidos pelo artigo 5.°, n.° 4, da CEDH.

178. No contexto de uma prisão preventiva decretada em execução de um mandado de detenção europeu, e em resposta a um pedido nesse sentido da pessoa detida, incumbe ao órgão jurisdicional competente pronunciar‑se, após o decurso dos prazos previstos no artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584, sobre a legalidade da continuação da sua detenção e, em caso de ilegalidade, ordenar a sua libertação, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 4, da CEDH.

179. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio que a Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que uma pessoa que se encontra em prisão preventiva, enquanto aguarda uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu emitido contra si para efeitos de um procedimento penal no Estado‑Membro de emissão, deve poder dispor, no Estado‑Membro de execução, a partir do momento em que tenham expirado os prazos previstos pelo artigo 17.° da referida decisão‑quadro, de uma via de recurso que lhe permita obter com celeridade uma decisão judicial que se pronuncie sobre a questão de saber se, apesar de terem sido ultrapassados os prazos previstos nesse artigo, se justifica todavia a continuação da sua prisão preventiva, seja por razões legítimas diferentes das que deram origem à emissão do mandado de detenção europeu, seja por razões específicas, devidamente identificadas, associadas ao processo de adoção da decisão definitiva sobre a execução do referido mandado, seja, por último, por circunstâncias excecionais não imputáveis ao Estado‑Membro de execução e devidamente justificadas. Caso contrário, deve ser ordenada a sua libertação. Na hipótese de a pessoa ser mantida em detenção, cabe ao órgão jurisdicional nacional competente zelar de modo permanente pelo respeito dos direitos garantidos pelo artigo 6.° da Carta.

VI – Conclusão

180. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às duas questões prejudiciais da High Court nos seguintes termos:

«1)      O artigo 17.° da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, deve ser interpretado no sentido de que a inobservância dos prazos por ele estabelecidos e dentro dos quais deve ser adotada uma decisão definitiva sobre a execução de um mandado de detenção europeu não pode ter como efeito a caducidade do referido mandado de detenção europeu, sendo que a perenidade dos efeitos de um mandado de detenção europeu não prejudica as consequências que a tomada em consideração de uma eventual situação de privação da liberdade possa implicar para o gozo, pela pessoa procurada, dos seus direitos fundamentais. A autoridade judiciária de execução e, de um modo geral, o Estado‑Membro de execução continuam, por conseguinte, obrigados a adotar uma decisão a este respeito, apesar do decurso de tais prazos.

2)      A Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretada no sentido de que uma pessoa que se encontra em prisão preventiva, enquanto aguarda uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu emitido contra si para efeitos de um procedimento penal no Estado‑Membro de emissão, deve poder dispor, no Estado‑Membro de execução, a partir do momento em que tenham expirado os prazos previstos pelo artigo 17.° da referida decisão‑quadro, de uma via de recurso que lhe permita obter com celeridade uma decisão judicial que se pronuncie sobre a questão de saber se, apesar de terem sido ultrapassados os prazos previstos nesse artigo, se justifica todavia a continuação da sua prisão preventiva, seja por razões legítimas diferentes das que deram origem à emissão do mandado de detenção europeu, seja por razões específicas, devidamente identificadas, associadas ao processo de adoção da decisão definitiva sobre a execução do referido mandado, seja, por último, por circunstâncias excecionais não imputáveis ao Estado‑Membro de execução e devidamente justificadas. Caso contrário, deve ser ordenada a sua libertação. Na hipótese de a pessoa ser mantida em detenção, cabe ao órgão jurisdicional nacional competente zelar de modo permanente pelo respeito dos direitos garantidos pelo artigo 6.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO L 190, p. 1, conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO L 81, p. 24, a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»).


3 —      V., em primeiro lugar, acórdão Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261).


4 —      V. acórdãos Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, EU:C:2008:457); Leymann e Pustovarov (C‑388/08 PPU, EU:C:2008:669); West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404); e F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358).


5 —      V., em especial, artigo 17.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584.


6 —      A seguir «EAW 2003».


7 —      A seguir «Estado‑Membro de emissão».


8 —      Demandado no processo principal.


9 —      [2005] IESC 87 (http://www.bailii.org/ie/cases/IESC/2005/S87), a seguir «acórdão Dundon».


10 —      «Should» e não «shall» em inglês. [NT: Esta observação do advogado‑geral, à semelhança das constantes dos n.os 130, 133 e 134 das presentes conclusões, no mesmo sentido, não são pertinentes em relação à versão portuguesa da Decisão‑Quadro 2002/584, que utiliza o tempo presente do indicativo («deve»).]


11 —      «Shall decide» em inglês.


12 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 64.


13 —      Refere‑se, a este respeito, ao acórdão do TEDH, Amie e outros c. Bulgária, n.° 58149/08, §§ 80 a 84, de 12 de fevereiro de 2013.


14 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358.


15 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358.


16 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358.


17 —      EU:C:2014:2454, n.os 191 e 192.


18 —      Acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.° 81).


19 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 65.


20 —      C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 60.


21 —      Nos termos do artigo 34.°, n.° 1, alínea b), TUE, na sua redação resultante do Tratado de Amesterdão e antes da sua revogação pelo Tratado de Lisboa.


22 —      V. acórdãos Pupino (C‑105/03, EU:C:2005:386, n.os 33 e 34); Dell’Orto (C‑467/05, EU:C:2007:395, n.° 49); e Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.° 53).


23 —      V. acórdãos Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:616); B. (C‑306/09, EU:C:2010:626); Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:683); Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517); Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39); Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107); e Baláž (C‑60/12, EU:C:2013:733). Quanto a processos sujeitos a tramitação processual urgente, v. acórdãos Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, EU:C:2008:457); Leymann e Pustovarov (C‑388/08 PPU, EU:C:2008:669); West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404); e F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358). Para um processo sujeito a tramitação acelerada, v. acórdão Kozłowski (C‑66/08, EU:C:2008:437).


24 —      V. acórdão Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261).


25 —      V., igualmente, conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2006:552); tomada de posição do advogado‑geral Y. Bot no processo Kozłowski (C‑66/08, EU:C:2008:253); e suas conclusões nos processos Wolzenburg (C‑123/08, EU:C:2009:183), Mantello (C‑261/09, EU:C:2010:501) e Melloni (C‑399/11, EU:C:2012:600); tomada de posição da advogada‑geral J. Kokott no processo Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, EU:C:2008:455); conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:151); conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Radu (C‑396/11, EU:C:2012:648); minhas conclusões no processo B. (C‑306/09, EU:C:2010:404) e minha tomada de posição no processo West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:322).


26 —      V., a este respeito, explicações apresentadas nos considerandos 3 e 4 da Decisão‑Quadro 2002/584, bem como o seu artigo 31.°, e, quanto ao alcance desta última disposição, v. acórdão Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, EU:C:2008:457, n.os 51 a 56).


27 —      O prazo de transposição da Decisão‑Quadro 2002/584 terminava em 31 de dezembro de 2003, nos termos do seu artigo 34.°, n.° 1.


28 —      V., designadamente, acórdãos Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261, n.° 28); Lopes Da Silva Jorge (C‑42/11, EU:C:2012:517, n.° 28); Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 36); Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.° 33); e F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 34).


29 —      V., designadamente, acórdãos West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404, n.° 53); Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 37); Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.° 34); e F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 35).


30 —      Quanto à importância desta confiança mútua para a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584, v. acórdão West (C‑192/12 PPU, EU:C:2012:404, n.os 62 e 77); e, de um modo mais geral, quanto à interpretação dos atos adotados no âmbito da construção de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, acórdão N. S. e o. (C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.os 78 a 83), quanto ao sistema europeu comum de asilo; acórdãos Health Service Executive (C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.os 102 e 103) e C (C‑376/14 PPU, EU:C:2014:2268, n.° 66), quanto à cooperação em matéria civil.


31 —      V., designadamente, Bot, S. — Le mandat d’arrêt européen, Larcier, 2009, pp. 129 e segs.


32 —      Foram necessárias revisões constitucionais em França, em Chipre, na Áustria, na Polónia, em Portugal, na Eslovénia e na Finlândia; v. Iglesias Sánchez, S. — «La jurisprudencia constitucional comparada sobre la orden europea de detención y entrega, y la naturaleza jurídica de los actos del tercer pilar», Revista de derecho comunitario europeo, 2010, volume n.° 35, p. 169.


33 —      Fiscalizações que levaram a anulações totais das leis de transposição, como na Alemanha, ou a anulações parciais, como na Polónia ou em Chipre; o Arbitragehof (Bélgica), por seu turno, apresentou uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça para apreciação de validade, que deu origem ao acórdão Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261).


34 —      V., a este respeito, Bot, S. — Le mandat d’arrêt européen, Larcier 2009, pp. 247 e segs.


35 —      V., a este respeito, considerando 13 da Decisão‑Quadro 2002/584.


36 —      Cuja «importância» o Tribunal de Justiça salientou no seu acórdão F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 62).


37 —      V. acórdão F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.os 64 e 65).


38 —      V., designadamente, acórdãos Bruyère e o. (C‑297/94, EU:C:1996:124, n.° 19); Kaba (C‑466/00, EU:C:2003:127, n.os 40 e 41); Welmory (C‑605/12, EU:C:2014:2298, n.° 33); e Herbaria Kräuterparadies (C‑137/13, EU:C:2014:2335, n.° 50).


39 —      V., designadamente, acórdãos Kainuun Liikenne e Pohjolan Liikenne (C‑412/96, EU:C:1998:415, n.os 22 a 24), e Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, EU:C:2008:457, n.os 46 e 47).


40 —      V., a este respeito, n.° 40 da presente tomada de posição.


41 —      V. Proposta de Decisão‑Quadro do Conselho relativa ao mandado de captura europeu e aos procedimentos de entrega entre Estados‑Membros, de 19 de setembro de 2001 [COM(2001) 522 final].


42 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 64.


43 —      «Devrait» e não «doit» em francês, «sollte» e não «soll» em alemão, «should» e não «shall» em inglês, «debería» e não «debe» em espanhol, por exemplo. [NT: esta observação do advogado‑geral, à semelhança das constantes dos n.os 48, 130, e 134 das presentes conclusões, no mesmo sentido, não são pertinentes em relação à versão portuguesa da Decisão‑Quadro 2002/584, que utiliza o tempo presente do indicativo («deve»).]


44 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 64.


45 —      Ibidem, n.° 60.


46 —      Ibidem, n.° 61.


47 —      Ibidem, n.° 62.


48 —      Ibidem, n.° 63.


49 —      Ibidem, n.° 64.


50 —      Ibidem, n.° 65.


51 —      V. acórdão B. (C‑306/09, EU:C:2010:404, n.° 49).


52 —      Nos termos do artigo 8.°, n.° 1, alínea d), da Decisão‑Quadro 2002/584.


53 —      Quanto à necessidade de tal distinção, v., igualmente, TEDH, Gallardo Sanchez c. Itália, n.° 11620/07, § 42, de 24 de março de 2015.


54 —      V. acórdão F (C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 52).


55 —      C‑617/10, EU:C:2013:105.


56 —      V. acórdão Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.° 60).


57 —      V., designadamente, acórdãos Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107) e Radu (C‑396/11, EU:C:2013:39, n.° 33).


58 —      Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão‑Quadro 2002/584; v., igualmente, artigo 18.°, n.° 1, da mesma, bem como o formulário do mandado de detenção europeu em anexo à referida decisão‑quadro.


59 —      V. nota 20.


60 —      JO 2007, C 303, p. 17.


61 —      Recorde‑se que a Decisão‑Quadro 2002/584 foi adotada com base, nomeadamente, no artigo 31.°, alíneas a) e b), TUE, atual artigo 82.° TFUE.


62 —      V., designadamente, Comissão EDH, Lynas c. Suíça, de 6 de outubro de 1976, n.° 317/75, D. R. 6, p. 141, p. 153.


63 —      V. TEDH, Khadziev c. Bulgária, n.° 44330/07, § 62, de 3 de junho de 2014.


64 —      O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já admitiu, com efeito, que uma convenção bilateral ou um tratado internacional possam constituir a base legal de uma detenção para efeitos de extradição. V., a este respeito, TEDH, Soldatenko c. Ucrânia, n.° 2440/07, § 112, de 23 de outubro de 2008, e Toniolo c. São Marinho e Itália, n.° 44853/10, § 46, de 26 de junho de 2012.


65 —      Comissão EDH, X. c. Reino Unido, de 21 de maio de 1976, n.° 6565/74, D. R. 5, p. 55, 56; TEDH, Medvedyev e outros c. França, n.° 3394/03, CEDH 2010, § 79; e Toniolo c. São Marinho e Itália, n.° 44853/10, § 44, de 26 de junho de 2012.


66 —      Comissão EDH, Caprino c. Reino Unido, de 3 de março de 1978, n.° 6871/75, D. R. 14, pp. 23, 26 a 28, no que respeita à detenção para efeitos de expulsão, cuja legalidade, na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), da CEDH, é examinada à luz da Diretiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 56, p. 850; EE 05 F1 p. 36).


67 —      TEDH, Ciobanu c. Roménia e Itália, n.° 4509/08, § 60, de 9 de julho de 2013.


68 —      TEDH, Bozano c. França, de 18 de dezembro de 1986, série A, n.° 111, p. 23, § 54; Ciobanu c. Roménia e Itália, n.° 4509/08, § 60, de 9 de julho de 2013; e Raf c. Espanha, pedido n.° 53652/00, § 63, de 17 de junho de 2003.


69 —      TEDH, Douiyeb c. Países Baixos, n.° 31464/96, § 45, de 4 de agosto de 1999, e Ciobanu c. Roménia e Itália, pedido n.° 4509/08, § 59, de 9 de julho de 2013.


70 —      TEDH, Winterwerp c. Países Baixos, de 24 de outubro de 1979, série A, n.° 33, § 45, e Ciobanu c. Roménia e Itália, n.° 4509/08, § 60, de 9 de julho de 2013.


71 —      V. TEDH, Simons c. Bélgica, n.° 71407/10, § 32 e jurisprudência referida, de 28 de agosto de 2012.


72 —      O que inclui a jurisprudência, desde que seja constante e suficientemente precisa; v., designadamente, TEDH, Firoz Muneer c. Bélgica, n.° 56005/10, §§ 57 a 61, de 11 de abril de 2013.


73 —      TEDH, Medvedyev e outros c. França, n.° 3394/03, CEDH 2010, § 80.


74 —      TEDH, Ciobanu c. Roménia e Itália, n.° 4509/08, § 61, de 9 de julho de 2013.


75 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 65.


76 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 43.


77 —      TEDH, Sanchez‑Reisse c. Suíça, de 21 de outubro de 1986, série A, n.° 107.


78 —      TEDH, Chahal c. Reino Unido, de 15 de novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions 1996 V, § 126.


79 —      V., designadamente, TEDH, De Wilde, Ooms e Versyp c. Bélgica, de 18 de junho de 1971, série A, n.° 12, § 73, e Van Droogenbroeck c. Bélgica, de 24 de junho de 1982, série A, n.° 50, § 43.


80 —      V., designadamente, TEDH, Bouamar c. Bélgica, de 29 de fevereiro de 1988, série A, n.° 129, § 55.


81 —      V. TEDH, Bogan e o. c. Reino Unido, de 29 de novembro de 1988, série A, n.° 145‑B, § 65, e Stephens c. Malta, n.° 11956/07, § 95, de 21 de abril de 2009.


82 —      C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 43.


83 —      V. TEDH, De Wilde, Ooms e Versyp c. Bélgica, de 18 de junho de 1971, série A, n.° 12, § 76; Engel e outros c. Países Baixos, de 8 de junho de 1976, série A, n.° 22, § 77; Khodzhamberdiyev c. Rússia, n.° 64809/10, § 103, de 5 de junho de 2012; e Soliyev c. Rússia, n.° 62400/10, § 50.


84 —      V. TEDH, Van Droogenbroeck c. Bélgica, de 24 de junho de 1982, série A, n.° 50, § 46; Weeks c. Reino Unido, de 2 de março de 1987, série A, n.° 114, § 56; e Abdulkhakov c. Rússia, n.° 14743/11, § 208, de 2 de outubro de 2012.


85 —      TEDH, Weeks c. Reino Unido, de 2 de março de 1987, série A, n.° 114, § 58; Ismoilov e outros c. Rússia, de 24 de abril de 2008, § 146; e Abdulkhakov c. Rússia, n.° 14743/11, § 208, de 2 de outubro de 2012.


86 —      TEDH, Megyeri c. Alemanha, de 12 de maio de 1992, série A, n.° 237‑A, § 65, e Stephens c. Malta, n.° 11956/07, § 95, de 21 de abril de 2009.


87 —      V., designadamente, TEDH, Winterwerp c. Países Baixos, de 24 de outubro de 1979, n.° 6301/73, série A, n.° 33, § 57, e Bouamar c. Bélgica, de 29 de fevereiro de 1988, série A, n.° 129, § 55.


88 —      V. TEDH, Vachev c. Bulgária, n.° 42987/98, § 71, CEDH 2004‑VIII, § 71.


89 —      V. TEDH, Abdulkhakov c. Rússia, n.° 14743/11, § 208, de 2 de outubro de 2012.


90 —      V. TEDH, Bezicheri c. Itália, de 25 de outubro de 1989, série A, n.° 164, § 20, e Rahmani e Dineva c. Bulgária, n.° 20116/08, § 78, de 10 de maio de 2012.


91 —      V. TEDH, Čalovskis c. Letónia, n.° 22205/13, § 217, de 24 de julho de 2014.


92 —      V., designadamente, Grabenwarter, C. — European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms — Commentary, Beck, Hart, Nomos, Helbing Lichtenhahn, 2014; «Article 5 — Right to liberty and security», p. 92; Koering‑Joulin, R. — «Article 5 § 4,» em Petiti, L.‑E. E outros (dir.), La Convention européenne des droits de l’homme, Commentaire article par article, Economica, 2.ª ed., 1999, p. 229.