Language of document : ECLI:EU:C:2007:655

Processo C‑379/05

Amurta SGPS

contra

Inspecteur van de Belastingdienst/Amsterdam

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Gerechtshof te Amsterdam)

«Artigos 56.° CE e 58.° CE – Livre circulação de capitais – Legislação fiscal nacional que prevê a isenção das participações do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas – Tributação dos dividendos – Retenção na fonte – Isenção da retenção na fonte – Aplicação às sociedades beneficiárias que dispõem de uma sede ou de um estabelecimento estável no Estado‑Membro que atribui a isenção e cujas participações beneficiam da isenção do imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas – Recusa de aplicar a isenção da retenção na fonte aos dividendos distribuídos a uma sociedade beneficiária que não dispõe de sede nem de estabelecimento estável no referido Estado‑Membro»

Sumário do acórdão

1.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades

(Artigos 56.° CE e 58.° CE; Directiva 90/435 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1)

2.        Questões prejudiciais – Admissibilidade – Limites

(Artigo 234.° CE)

3.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal – Imposto sobre as sociedades

(Artigo 56.° CE)

1.        Os artigos 56.° CE e 58.° CE opõem‑se à legislação de um Estado‑Membro que, quando não é ultrapassado o limiar mínimo das participações da sociedade‑mãe no capital da filial previsto no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 90/435, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes, prevê uma retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade estabelecida nesse Estado‑Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida noutro Estado‑Membro, isentando dessa retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária que esteja sujeita, no primeiro Estado‑Membro, ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas ou disponha, nesse mesmo Estado‑Membro, de um estabelecimento estável a que pertençam as acções detidas pela sociedade que procede à distribuição.

Com efeito, esse tratamento desfavorável dos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado‑Membro, relativamente ao tratamento reservado aos dividendos pagos às sociedades beneficiárias estabelecidas nos Países Baixos, é susceptível de dissuadir as sociedades estabelecidas noutro Estado‑Membro de procederem a investimentos nos Países Baixos e constitui, consequentemente, uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.° CE.

Na verdade, relativamente às medidas previstas por um Estado‑Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado‑Membro. Todavia, a partir do momento em que um Estado‑Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha‑se à dos accionistas residentes. Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado‑Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar‑se de que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes. Não é esta a situação quando a dupla tributação económica, de que são objecto os dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias não estabelecidas no Estado de residência da sociedade distribuidora resulta do mero exercício da competência fiscal desse Estado‑Membro, que submete esses dividendos ao imposto sobre os dividendos, ao passo que optou por evitar essa dupla tributação económica em relação às sociedades beneficiárias que tenham nesse mesmo Estado‑Membro a sua sede ou um estabelecimento estável a que pertençam as acções da sociedade que procede à distribuição.

Essa legislação não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do sistema fiscal nacional nem pela necessidade de salvaguardar a repartição do poder de tributação entre os Estados‑Membros. Dado que um Estado‑Membro tenha optado por não tributar as sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território relativamente a este tipo de rendimentos, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados‑Membros para justificar a tributação das sociedades beneficiárias estabelecidas noutro Estado‑Membro.

(cf. n.os 28, 37‑40, 59‑61, disp. 1)

2.        As questões relativas à interpretação do direito comunitário colocadas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que o mesmo define sob sua responsabilidade, e cuja exactidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas. A referida presunção de pertinência não pode ser ilidida pelo simples facto de uma das partes no processo principal contestar determinados factos cuja exactidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar e de que depende a definição do objecto do referido litígio.

(cf. n.os 64, 65)

3.        Um Estado‑Membro não pode invocar a existência de um crédito integral de imposto, concedido unilateralmente por outro Estado‑Membro a uma sociedade beneficiária estabelecida neste último Estado‑Membro, a fim de se eximir à obrigação de evitar a dupla tributação económica dos dividendos resultantes do exercício do seu poder de tributação, numa situação em que o primeiro Estado‑Membro evita a dupla tributação económica dos dividendos distribuídos às sociedades beneficiárias estabelecidas no seu território. Quando um Estado‑Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado‑Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.

(cf. n.° 84, disp. 2)