Language of document : ECLI:EU:F:2014:250

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

19 de novembro de 2014 (*)

«Função pública — Funcionário — Remuneração — Prestações familiares — Regra de não acumulação das prestações familiares nacionais e estatutárias — Recebimento pelo cônjuge do funcionário de prestações familiares nacionais — Não declaração pelo funcionário da alteração da sua situação pessoal à sua Administração — Processo disciplinar — Sanção disciplinar — Redução de escalão — Proporcionalidade — Fundamentação — Circunstâncias atenuantes — Falta de diligência da administração»

No processo F‑42/14,

que tem por objeto um recurso interposto nos termos do artigo 270.° TFUE, aplicável ao Tratado CEEA ao abrigo do seu artigo 106.°‑A,

EH, funcionário da Comissão Europeia, residente em Etterbeek (Bélgica), representado por S. Rodrigues e A. Blot, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Currall e C. Ehrbar, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Segunda Secção),

composto por: M. I. Rofes i Pujol, presidente, K. Bradley e J. Svenningsen (relator), juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administrador

vistos os autos e após a audiência de 25 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública em 6 de maio de 2014, EH pede a anulação da decisão da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») da Comissão Europeia, de 24 de junho de 2013, na qual lhe foi aplicada uma sanção de descida de três escalões bem como a anulação da decisão, de 24 de janeiro de 2014, de indeferimento da sua reclamação.

 Quadro jurídico

 Direitos e deveres do funcionário

2        O artigo 11.° do Estatuto dos funcionários da União Europeia, na sua versão aplicável ao litígio (a seguir «Estatuto») prevê, nomeadamente, que «[o] funcionário deve desempenhar as suas funções e pautar a sua conduta tendo unicamente em vista os interesses da União [e] deve desempenhar as funções que lhe sejam confiadas de forma objetiva e imparcial e observando o seu dever de lealdade para com a União».

 Disposições relativas ao regime disciplinar

3        No título VI, intitulado «Regime disciplinar», o artigo 86.° do Estatuto dispõe:

«1.      Todo e qualquer incumprimento dos deveres com fundamento no presente Estatuto, a que o funcionário ou o ex‑funcionário se encontra vinculado, voluntariamente efetivado ou por negligência, sujeita o mesmo a uma sanção disciplinar.

2.      Sempre que a [AIPN] ou o OLAF, tomem conhecimento de provas de um incumprimento na aceção do n.° 1, podem dar início a um inquérito administrativo para verificar se esse incumprimento se verificou.

3.      As regras, procedimentos e medidas disciplinares, bem como as regras e procedimentos relativos aos inquéritos administrativos, constam do anexo IX.»

4        Na Secção 3, intitulada «Sanções disciplinares», do anexo IX do Estatuto, o artigo 9.° deste anexo prevê:

«1.      A [AIPN] pode aplicar uma das seguintes sanções:

a)      Advertência por escrito;

b)      Repreensão;

c)      Suspensão de subida de escalão por um período determinado que pode variar entre um e 23 meses;

d)      Descida de escalão;

e)      Classificação num grau inferior por um período determinado que pode variar entre [quinze] dias e um ano;

f)      Classificação num grau inferior no mesmo grupo de funções;

g)      Classificação num grupo de funções inferior, com ou sem descida de grau;

h)      Demissão […]»

5        O artigo 10.° do Anexo IX do Estatuto dispõe:

«A severidade da sanção disciplinar imposta deve ser proporcional à gravidade da falta cometida. Para determinar a gravidade da falta e tomar uma decisão quanto à sanção a aplicar, serão tidos em conta, em especial:

a)      A natureza da falta e as circunstâncias em que ocorreu;

b)      A importância do prejuízo causado à integridade, à reputação ou aos interesses das instituições em consequência da falta cometida;

c)      O grau de dolo ou da negligência que envolve a falta cometida;

d)      Os motivos que levaram o funcionário a cometer a falta;

e)      O grau e a antiguidade do funcionário;

f)      O grau de responsabilidade pessoal do funcionário;

g)      O nível das funções e das responsabilidades do funcionário;

h)      A repetição dos atos ou comportamentos faltosos;

i)      A conduta do funcionário ao longo da sua carreira.»

 Disposições relativas às prestações familiares

6        Nos termos do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, «[o]s funcionários, beneficiários das prestações familiares [, concretamente, subsídio de lar, subsídio por filho a cargo e subsídio escolar], são obrigados a declarar as prestações da mesma natureza, recebidas de outra proveniência, sendo estas últimas deduzidas das que forem pagas por força dos artigos 1.°, 2.° e 3.° do Anexo VII».

7        O artigo 2.° do Anexo VII do Estatuto dispõe:

«1.      O funcionário que tenha um ou vários filhos a cargo beneficia, nas condições enunciadas nos n.os 2 e 3, de uma prestação [mensal] por cada filho a seu cargo.

2.      É considerado como filho a cargo, o filho legítimo, natural ou adotivo do agente ou do seu cônjuge, que for efetivamente sustentado pelo agente.

[…]

Uma criança que o funcionário tenha a responsabilidade de sustentar por força de uma decisão judicial baseada na legislação dos Estados‑Membros em matéria de proteção de menores é equiparad[a] a filho a cargo.

[…]

7.      Quando o filho a cargo, na aceção dos n.os 2 e 3, for confiado, por força de disposições legais, por decisão judicial ou por decisão da autoridade administrativa competente, à guarda de uma outra pessoa, o abono é pago a esta por conta e em nome do agente.»

 Factos na origem do litígio

8        Entrado ao serviço das Comunidades Europeias em 1991 na qualidade de agente temporário, o recorrente é funcionário titular da Comissão desde 1 de março de 1998, e, antes da sanção disciplinar de descida de escalão, aplicada pela AIPN, exercia as funções de administrador de grau AD 13, escalão 1, encarregado da gestão de programas na Direção Geral (DG) «Agricultura e Desenvolvimento rural».

9        O recorrente tem cinco filhos e beneficiou, a este título, de prestações familiares ao abrigo do artigo 2.° do anexo VII do Estatuto (a seguir «prestações familiares previstas no Estatuto»).

10      No que respeita aos dois primeiros filhos do recorrente, nascidos do primeiro casamento, dissolvido em 14 de janeiro de 2000, o subsídio familiar por filho a cargo previsto no Estatuto foi pago na íntegra pelo Instituto de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) à ex‑mulher do recorrente em nome e por conta deste último, a partir de 1 de abril de 1994, por dedução da pensão alimentar devida por este à sua ex‑mulher.

11      No que diz respeito aos três outros filhos do recorrente, respetivamente nascidos em 1995, 1998 e 2002, e ao seu cônjuge atual, decorre dos autos que, no formulário de declaração de nascimento da criança nascida em 1998, o recorrente declarou à Comissão que a sua mãe «exer[cia] uma atividade profissional e benefici[ava] de um subsídio de nascimento: ‘sim’», mas que não beneficiava de prestações familiares, tendo indicado expressamente a menção «não».

12      Por cada um dos três filhos, o recorrente recebeu do PMO uma nota redigida do seguinte modo:

«[…]

Dos documentos comprovativos decorre que:

–        Não é paga nenhuma prestação familiar [nacional] por esta criança.

Por conseguinte, informamos que:

–        ao abrigo do artigo 2.° do anexo VII do Estatuto, ser‑lhe‑á concedido o subsídio por criança a cargo […];

–        ao abrigo do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, o subsídio por criança a cargo ser‑lhe‑á pago na íntegra;

[…]

Resumo das disposições administrativas:

–        Cada funcionário é obrigado a assinalar imediatamente à administração, por escrito, qualquer alteração da sua situação.

–        Artigo 85.° do Estatuto: ‘Qualquer quantia indevidamente recebida dá lugar à repetição se o beneficiário teve conhecimento da irregularidade do pagamento ou se esta era tão evidente que dela o agente não podia deixar de ter conhecimento.»

13      Decorre destas notas enviadas ao recorrente, relativas ao subsídio por criança a cargo previsto no Estatuto, que, em 1 de maio de 2002, este beneficiava na íntegra das prestações familiares previstas no Estatuto para cada um dos seus cinco filhos.

 Quanto à correspondência inicialmente trocada entre administrações

14      De uma série de cartas juntas aos autos pelo recorrente decorre que a sua atual mulher, com quem casou em 1 de setembro de 2000, aquando do nascimento de cada um dos seus três filhos, solicitou à Assubel, organismo belga de seguros encarregado do pagamento de prestações sociais nacionais, como o subsídio de nascimento e as prestações familiares, o benefício destas últimas prestações.

15      A este respeito, por carta de 14 de fevereiro de 1996, a Assubel, em resposta ao pedido de concessão das prestações familiares pela criança nascida em 1995, informou a mulher do recorrente de que, na medida em que o montante da prestação familiar paga pela Comissão era mais elevado que o da prestação familiar belga, não era possível conceder‑lhe esta prestação familiar nacional.

16      Por carta de 25 de setembro de 2000, em resposta a outro dos seus pedidos de prestações familiares, formulado por telefone depois do casamento com o recorrente em 1 de setembro do mesmo ano, o organismo de seguros belga Partena (a seguir «Partena»), que sucedeu à Assubel, informou a mulher do recorrente de que, para que essas prestações lhe fossem pagas, este organismo nacional precisava de uma certidão da Comissão na qual esta confirmasse o não‑pagamento de prestações equivalentes por parte da União. A mulher do recorrente não respondeu a esta carta e não pediu à Comissão que lhe fornecesse essa certidão nem que interviesse junto desse organismo nacional.

17      Por carta de 25 de março de 2002, dirigida à Comissão, a Partena indicou a esta instituição que, para poder conceder à mulher do recorrente as prestações familiares nacionais, tinha de dispor de uma certidão da Comissão na qual se precisasse a partir de que data eram pagas as prestações familiares previstas no Estatuto.

18      Por carta de 12 de abril de 2002, dirigida à Partena e, em cópia, ao recorrente, a Comissão certificou que este beneficiava, na íntegra, das prestações familiares previstas no Estatuto pelos seus dois filhos nascidos em 1995 e 1998, concretamente, para o primeiro, desde 1 de novembro de 1995 e, para o segundo, desde 1 de fevereiro de 1998.

19      Por carta de 28 de agosto de 2003, a Partena informou a Comissão de que estava a analisar o direito a prestações familiares da mulher do recorrente desde 1 de dezembro de 1995. A Partena pediu à Comissão que lhe fornecesse a certidão de nascimento do último filho do recorrente, que alegadamente estava na sua posse, tendo igualmente informado a Comissão de que lhe enviaria um extrato dos pagamentos efetuados desde dezembro de 1995 a favor da mulher do recorrente. Por último, a Partena pedia à Comissão que contactasse a mulher do recorrente «para obter [desta última] as prestações familiares [previstas no Estatuto] que [a Comissão] [tinha] pago […] em vez da [Partena]».

20      Por carta de 6 de janeiro de 2004 dirigida à Partena e, em cópia, ao recorrente (a seguir «carta de 6 de janeiro de 2004»), o PMO respondeu que tinha tomado conhecimento de que a Partena examinava o direito às prestações familiares belgas devido à atividade assalariada da mulher do recorrente, exercida desde 1 de dezembro de 1995. A este respeito, o PMO recordava à Partena que pagava na íntegra as prestações familiares previstas no Estatuto ao recorrente pelos seus três últimos filhos, concretamente pelos dois primeiros, como recordado no n.° 18 do presente acórdão, e, pelo terceiro, desde 1 de maio de 2002. O PMO pedia à Partena que «[lhe] rembol[sasse] a totalidade das prestações familiares belgas a partir de 1 de dezembro de 1995 e que [lhe] envia[sse] uma extrato mensal desse reembolso que de[via] ser efetuado na conta [da Comissão] com menção [d]as referências[, concretamente, o nome do recorrente e o seu número de matrícula]». O PMO também pediu à Partena que emitisse uma certidão na qual precisasse o mês a partir do qual este organismo nacional pagaria as prestações familiares belgas à mulher do recorrente, bem como o montante mensal das mesmas, para que o PMO pagasse, a partir dessa data, as prestações familiares previstas no Estatuto a título complementar. Esta carta do PMO não recebeu qualquer resposta por parte da Partena.

21      Por carta de 9 de novembro de 2006, relacionada com o seu pedido de 7 de novembro de 2006 cujo objetivo, segundo o recorrente, «era obter explicações sobre as razões pelas quais a Partena tinha deixado de proceder aos pagamentos entre abril de 2005 e setembro de 2006», a mulher do recorrente foi informada pela Partena de que lhe fora concedido um montante mensal de 482,14 euros a partir de 1 de outubro de 2006 a título de prestações familiares pelas suas três crianças a cargo.

22      Por carta de 9 de novembro de 2009, dirigida à Partena e junta ao processo pessoal do recorrente, a Comissão informou este organismo nacional de que pagava, na íntegra, as prestações familiares previstas no Estatuto pelos três últimos filhos do recorrente, ao mesmo tempo que recordou que, ao abrigo da jurisprudência decorrente do acórdão de 7 de maio de 1987, Comissão/Bélgica (186/85, EU:C:1987:208), as prestações familiares previstas no Estatuto têm um caráter complementar das prestações familiares, devendo as mesmas ser pagas em primeiro lugar pelas autoridades nacionais.

 Quanto às operações de fiscalização

23      Por carta de 10 de fevereiro de 2010, intitulada «[…] fiscalização das prestaç[ões] por criança a cargo auferidas de outra proveniência (de [1 de janeiro de] 2005 até à atualidade)», o PMO informou o recorrente de que, segundo as informações de que dispunha, o cônjuge do recorrente era trabalhador assalariado ou desempregado, o que implicava o pagamento das prestações familiares belgas, mas que, no entanto, o recorrente não tinha declarado as prestações recebidas de outra proveniência relacionadas com os seus filhos. O PMO recordava a este respeito que as disposições previstas no Estatuto, concretamente o artigo 67.°, n.° 2, e o artigo 68.°, segundo parágrafo, do Estatuto, que preveem a regra «anti‑cúmulo» por qualquer prestação familiar recebida de outra proveniência cuja existência os funcionários são obrigados a declarar (a seguir «regra anti‑cúmulo»), dado que o montante das prestações familiares recebidas prioritariamente de outra proveniência, deve ser deduzido do montante das prestações familiares previstas no Estatuto. O PMO recordou que qualquer cônjuge que tenha direito às prestações familiares nacionais deve apresentar um pedido nesse sentido, no caso vertente junto do serviço nacional de prestações familiares belga através do seu empregador, devendo o PMO ser informado disso. Por último, o PMO pedia ao recorrente que completasse um formulário de declaração intitulado «Prestações familiares […] recebidas de outra proveniência» e que o devolvesse caso recebesse ou devesse receber de outra proveniência prestações familiares nacionais.

24      Na sua resposta, por carta de 10 de fevereiro de 2010, enviada ao PMO com cópia à sua mulher, o recorrente explicou ao PMO que não compreendia o sentido do pedido, uma vez que, na sequência das declarações de nascimento dos seus filhos e relativamente ao pedido de benefício direto das prestações da Partena, o PMO tinha contactado diretamente a Partena que tratava das prestações familiares da sua mulher por conta do empregador desta. O recorrente indicou que, «[p]or conseguinte, [o] PMO já [estava] informado da situação da [s]ua mulher, que recebia prestações familiares do seu empregador» tendo perguntado ao PMO se «pretend[ia] saber algo mais». Assim, nesta ocasião, o recorrente não completou nem devolveu o formulário de declaração que lhe foi transmitido pelo PMO em anexo à carta referida no número anterior. Em contrapartida, enviou uma cópia da carta de 6 de janeiro de 2004, mas não transmitiu uma cópia da carta de 9 de novembro de 2006 dirigida à sua mulher pela Partena.

25      Por carta de 11 de fevereiro de 2010, o PMO informou o recorrente de que estava em contacto com a Partena a propósito das prestações familiares pelos seus três últimos filhos e que «[o] processo ainda [estava] em fase de regularização junto da Partena». O PMO também informou o recorrente de que o pedido de declaração das prestações familiares recebidas de outra proveniência que lhe tinha sido dirigido também dizia respeito aos seus dois primeiros filhos, pois, de acordo com as últimas informações de que o PMO dispunha, a mãe destas duas crianças, pelas quais eram pagas na íntegra as prestações familiares previstas no Estatuto, estava declarada como «sem atividade profissional». O PMO pedia ao recorrente que confirmasse se ainda era essa a situação profissional da sua ex‑mulher.

26      Depois de uma conversa telefónica com o agente do PMO encarregue do seu processo, em 11 de fevereiro de 2010, o recorrente enviou‑lhe uma carta na qual alegava, em primeiro lugar, que no que dizia respeito aos seus três últimos filhos e atendendo ao facto de o PMO aguardar uma resposta da Partena, o recorrente considerava que, nesta fase, não tinha que apresentar um complemento de informações sobre as prestações familiares nacionais recebidas pela sua mulher. Em segundo lugar, o recorrente indicava, no que respeita aos seus dois primeiros filhos, que viviam com a mãe, sua ex‑mulher, que já não tinha contacto com esta última e que, tanto quanto lhe era dado saber, a mesma não trabalhava. Indicou igualmente ao PMO a morada desta última na Bélgica.

27      Por carta de 15 de fevereiro de 2010, o PMO informou o recorrente de que, com base nas informações que lhe tinham sido transmitidas por correio, arquivava a fiscalização relativa aos seus dois primeiros filhos, mas que, caso a situação profissional da sua ex‑mulher se alterasse, o recorrente deveria informar o PMO a esse respeito. Quanto aos seus três primeiros filhos, o PMO indicou ao recorrente que «o [seu] processo continua[va] suspenso» e que, quando o recorrente obtivesse informações da Partena, devia informar o mais rapidamente possível o PMO.

28      Por correspondência enviada no final da manhã de 23 de setembro de 2011, o PMO indicou ao recorrente que, até então, ainda não tinha recebido quaisquer novidades relativamente ao seu processo e que, por conseguinte, pedia que o recorrente o informasse a respeito do estado do seu pedido de regularização junto da Partena.

29      Por correspondência enviada na tarde de 23 de setembro de 2011, o PMO informou o recorrente de que tinha obtido as informações de que necessitava diretamente da Partena e que, por conseguinte, o seu processo ia ser atualizado.

30      Por nota de 29 de setembro de 2011, no essencial, o PMO informou o recorrente de que tinha obtido confirmação por parte da Partena de que, desde 1 de outubro de 2006, o recorrente recebia mensalmente deste organismo, através da sua mulher, prestações familiares de um montante mensal compreendido entre os 482,14 euros e os 586,27 euros, montantes certificados pelo organismo belga e cuja soma equivalia a 33 875 euros. Assim, indicava‑se ao recorrente que, ao abrigo do artigo 85.° do Estatuto, proceder‑se‑ia à recuperação deste montante de acordo com um plano de pagamentos escalonados e que, dado que não tinha declarado que recebia prestações familiares nacionais, o PMO era obrigado a «transmitir [o seu] processo ao [Organismo de Investigação e Disciplina da Comissão] para informação e eventual apreciação da existência de fundamento para uma recuperação que abrangesse um período [superior aos] cinco [últimos anos]».

 Quanto ao processo de inquérito e ao relatório da AIPN

31      Por nota de 27 de janeiro de 2012, relativa ao «[m]andato com vista à audição prevista no artigo 3.° do anexo IX do Estatuto», o Diretor Geral da DG «Recursos Humanos e segurança», atuando na qualidade de AIPN, indicou ao Diretor do Organismo de Investigação e Disciplina da Comissão (IDOC) que tinha sido informado de que o recorrente não tinha declarado prestações familiares recebidas de outra proveniência e que, por conseguinte, tinha decidido proceder à sua audição prévia ao abrigo do artigo 3.° do anexo IX do Estatuto, para poder apreciar as acusações que podiam vir a ser formuladas contra ele e, consequentemente, decidir se as mesmas justificavam a abertura de um inquérito disciplinar. Nesta nota o Diretor do IDOC era encarregado de conduzir a audição do recorrente, a qual teve lugar em 28 de fevereiro de 2012.

32      Decorre nomeadamente da ata da audição que o recorrente confirmou ter recebido as prestações familiares previstas no Estatuto pelo seu primeiro filho, de 1 de agosto de 1991 a 31 de agosto de 2008, pelo seu segundo filho, de 1 de agosto de 1991 a 31 de julho de 2011, pelo seu terceiro filho, desde 1 de janeiro de 1996, pelo seu quarto filho, desde 1 de fevereiro de 1998 e, por fim, pelo seu quinto filho, desde 1 de maio de 2002. O recorrente também confirmou ter recebido cópia de uma nota de 14 de fevereiro de 1994 dirigida pelo PMO à sua ex‑mulher, através da qual esta tinha sido informada de que o subsídio por filho a cargo previsto no Estatuto lhe seria pago por conta e em nome do recorrente desde que fossem respeitadas as disposições que davam direito às prestações familiares previstas no Estatuto.

33      No que diz respeito à falta de declaração de exercício de uma atividade profissional por parte da sua ex‑mulher desde 1995, o recorrente indicou que, depois da sua separação e divórcio difícil em 2000, os dois já não estavam em contacto; que, nessa altura, a sua ex‑mulher não trabalhava; que, em aplicação da convenção de divórcio, as prestações familiares previstas no Estatuto, que eram pagas à sua ex‑mulher pelo PMO, eram pagas em dedução do montante da pensão alimentar que tinha de lhe pagar; que tinha, desde então, entrado em contacto com a sua ex‑mulher para que ela confirmasse a data a partir da qual tinha começado a exercer a sua atividade profissional depois do divórcio e para que indicasse as razões pelas quais não tinha, de acordo com as suas próprias declarações, recebido prestações familiares do regime belga.

34      Na audição, o recorrente também reconheceu que o PMO o tinha informado, por três vezes, de que as prestações familiares previstas no Estatuto lhe eram integralmente pagas por cada um dos seus três filhos a cargo, ao abrigo do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, pelo facto de não ser paga nenhuma prestação familiar nacional. Tendo confirmado que, na declaração de nascimento do seu quarto filho em 1998, mas também para os seus outros filhos, tinha declarado não receber uma prestação nacional, o recorrente reconheceu que, desde 1 de outubro de 2006, a sua mulher tinha começado a receber prestações familiares belgas e que o tinha informado disso.

35      Uma vez interpelado a respeito das razões pelas quais, na sequência da correspondência de 9 de novembro de 2006, enviada pela Partena à sua mulher, não tinha declarado ao PMO as prestações recebidas deste organismo nacional, o recorrente indicou que, tendo em conta a carta de 6 de janeiro de 2004, da qual tinha recebido cópia, à data pensava de boa‑fé, por um lado, que a Partena forneceria ao PMO indicações a respeito dos montantes exatos recebidos pela sua mulher e que, por outro, na medida em que essas duas administrações estavam em contacto, estava convicto de que era impossível receber ao mesmo tempo as prestações familiares nacionais e as prestações familiares previstas no Estatuto. De acordo com a ata da audição, o recorrente também afirmou ter dito à sua mulher que o PMO tratava da questão, e que regularizaria a situação em conjunto com a Partena, quando aquela o informou de que passaria a receber prestações familiares pagas pela Partena pelos seus três filhos.

36      Por último, o recorrente sustentou que não tinha verificado nas folhas de vencimento, em concreto, as emitidas pelo período 2006/2011, se continuava a receber ou não a totalidade das prestações familiares previstas no Estatuto e que, por outro lado, a sua mulher e ele não têm uma conta bancária comum.

37      Em 6 de julho de 2012, o Diretor Geral da DG «Recursos humanos e segurança», na qualidade de AIPN, elaborou um relatório dirigido ao Conselho de Disciplina em conformidade com o artigo 12.° do anexo IX do Estatuto (a seguir «relatório da AIPN»).

38      No que respeita aos três últimos filhos do recorrente, o relatório da AIPN indicava ter descoberto que, a partir de agosto de 2003, a Partena tinha começado a pagar mensalmente as prestações familiares belgas na conta bancária pessoal da mulher do recorrente e que, por outro lado, a Partena tinha efetuado transferências bancárias de um montante de 10 866,17 euros e 5 547,27 euros, respetivamente, em setembro de 2003 e em abril de 2005, para regularizar retroativamente o pagamento das prestações familiares pelos três filhos relativas aos períodos compreendidos, respetivamente, entre outubro de 1997 e junho de 2002 e julho de 2002 e fevereiro de 2005.

39      O relatório da AIPN indicava que, além do montante 33 875 euros, referido no n.° 30 do presente acórdão, o montante das prestações familiares nacionais que tinham sido pagas pela Partena à mulher do recorrente pelo período compreendido entre outubro de 1997 e março de 2005 ascendia a 25 816 euros. Na medida em que este montante devia ser deduzido do montante das prestações familiares previstas no Estatuto recebidas pelo recorrente, o prejuízo financeiro total em causa no caso concreto ascendia, no final, a 59 691 euros.

40      No que diz respeito às prestações previstas no Estatuto que tinham sido pagas pelos dois primeiros filhos do recorrente, no relatório da AIPN observava‑se que, mesmo que a ex‑mulher deste exercesse uma atividade profissional pelo menos a partir de 2005, o que lhe teria dado direito às prestações familiares belgas, o recorrente não podia ser criticado por não ter informado o PMO desse facto.

41      No que diz respeito aos seus três últimos filhos, pelos quais a sua mulher tinha recebido prestações familiares nacionais por parte da Partena, o relatório da AIPN constatava que, «[a]o não tomar a iniciativa de declarar à administração as prestações [familiares] belgas recebidas pelos seus filhos quando sabia que estas eram pagas à sua mulher e, por outro lado, ao receber o pagamento das prestações familiares previstas no Estatuto na íntegra pelos mesmos filhos, [o recorrente] viol[ou] o artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto».

42      O relatório da AIPN considerava que, ao contrário do que este alegava, o comportamento do recorrente não podia ser explicado pela existência de contactos diretos entre a Partena e o PMO, contactos esses que alegadamente teriam feito com que o recorrente se convencesse de que os mesmos evitariam qualquer situação de cúmulo das prestações familiares nacionais e das previstas no Estatuto. No relatório da AIPN, esta considerava em particular, que, atendendo ao teor da carta de 6 de janeiro de 2004, cuja cópia o recorrente tinha recebido, este devia, o mais tardar nessa data, ter esclarecido a situação porquanto, contrariamente ao que o PMO então pensava e ao que resultava desta carta, à data a Partena já não estava a examinar os direitos às prestações familiares belgas da mulher do recorrente, e já tinha, pelo contrário, começado a pagar‑lhe as mesmas há mais de cinco meses, circunstância que o recorrente devia ter expressamente comunicado ao PMO.

43      Por outro lado, no relatório da AIPN considerava‑se que, quando a Partena tinha retomado os seus pagamentos em novembro de 2006 em benefício da mulher do recorrente e esta tinha perguntado ao recorrente o que devia ser feito, este último devia ter contactado o PMO para esclarecer a situação à luz deste facto novo. Ora, ao abster‑se de o fazer, quando as prestações familiares previstas no Estatuto continuavam ao mesmo tempo a ser‑lhe pagas na íntegra, circunstância que podia constatar nas fichas de vencimento, o recorrente aceitou, desse modo, e apesar de conhecer a regra anti‑cúmulo, que montantes elevados lhe fossem indevidamente pagos pela Comissão, e tal em violação do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto.

44      Por outro lado, no relatório da AIPN considerava‑se que o comportamento do recorrente também constituía um incumprimento do seu dever de lealdade para com a instituição na aceção do artigo 11.° do Estatuto uma vez que, em conformidade com esse dever, lhe incumbia facilitar a tarefa da administração, ainda que esta estivesse em contacto com a Partena, e tal fornecendo‑lhe todas as indicações úteis que lhe permitissem verificar se o recorrente podia beneficiar do pagamento na íntegra das prestações familiares previstas no Estatuto, o que este não fez.

45      O relatório da AIPN concluiu que, atendendo a tais incumprimentos do artigo 67.°, n.° 2, e do artigo 11.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, que se prolongaram no tempo e provocaram um importante prejuízo financeiro à Comissão, uma classificação num grau inferior constituiria uma sanção proporcional à gravidade da falta cometida.

 Quanto ao parecer fundamentado do Conselho de Disciplina

46      O Conselho de Disciplina, ao qual foi submetido o relatório da AIPN, convocou o recorrente, por nota de 6 de setembro de 2012, para uma audição para o dia 24 de outubro de 2012, tendo‑o simultaneamente convidado a apresentar observações escritas.

47      Por carta de 15 de outubro de 2012, o recorrente apresentou observações escritas através das quais contestou, nomeadamente, certas afirmações constantes do relatório da AIPN, supriu o caráter, segundo ele, incompleto do processo disciplinar e invocou certos elementos abonatórios que não tinham sido tomados em consideração.

48      A este respeito, o recorrente contestou a afirmação que figura no relatório da AIPN segundo a qual a sua mulher lhe perguntara, em novembro de 2006, «o que devia ser feito» depois de «a Partena [ter] recomeçado a pagar‑lhe prestações familiares». Com efeito, de acordo com o recorrente, nessa altura a sua mulher ignorava a natureza e os montantes exatos dos pagamentos em causa efetuados antes de novembro de 2006, circunstância demonstrada pelo facto de, na carta de 9 de novembro de 2006 que recebeu da Partena, este organismo nacional apenas ter fixado o direito às prestações familiares a partir de 1 de outubro de 2006. O recorrente também defendeu que não tinha aceite os pagamentos da Comissão porque pensava sinceramente que o PMO, que estava em contacto com a Partena, podia regularizar a situação com uma simples carta ou telefonema.

49      Além da correspondência referida nos n.os 15 a 18 do presente acórdão, o recorrente apresentou ao Conselho de Disciplina uma correspondência datada de 22 de março de 2012, que a sua mulher dirigira à Partena em resposta a uma correspondência deste organismo de 14 de março de 2012. Nessa correspondência, referente ao documento que reproduz os registos constantes da base de dados deste organismo, de 14 de março de 2012 e que descrevia os pagamentos efetuados na sua conta pessoal a título das prestações familiares durante o período 2000/2012, a mulher do recorrente pedia ao organismo nacional que, relativamente ao documento 14 de março, lhe fornecesse uma cópia da decisão da Partena que à data fixara o direito às prestações familiares belgas para o período anterior a outubro de 2006, na medida em que não se recordava de ter recebido essa correspondência e em que, segundo ela, só lhe tinham sido concedidos direitos a partir de outubro de 2006, circunstância de que foi informada por carta de novembro de 2006.

50      O recorrente também apresentou ao Conselho de Disciplina uma declaração sob compromisso de honra da sua mulher, assinada em 11 de março de 2012, na qual esta declarava que tinha recebido os subsídios de nascimento por parte da Partena, mas que não se recordava de ter recebido prestações familiares da Partena antes de outubro de 2006. A mulher do recorrente também declarou ter «ficado muito surpreendida, para não dizer chocada, com a recente declaração da Partena à Comissão [segundo a qual tinha recebido] prestações d[a] parte [deste organismo] a partir de 1995» e ter a intenção de pedir, se necessário, cópias dos seus extratos bancários, que não tinha conservado, relativos aos períodos durante os quais a Partena alegava ter‑lhe transferido dinheiro.

51      Nas suas observações escritas, o recorrente defendeu que nunca tivera a intenção de enganar e que, embora eventualmente tivesse cometido erros, os mesmos tinham sido cometidos em parte por ignorância e em parte por excesso de confiança na capacidade do PMO e da Partena em resolverem o processo relativo ao pagamento das prestações familiares sem a sua intervenção. Afirmou, em particular, que o processo revestia especial complexidade, da qual as contradições e erros manifestos cometidos pela Partena nos pagamentos das prestações familiares à sua mulher eram a prova. Além disso, a Partena não concretizou esses alegados pagamentos na sua correspondência, os quais também não eram mencionados nas folhas de vencimento da sua mulher sendo que, no que diz respeito aos pagamentos, o recorrente ignorava a sua existência por não ter acesso à conta bancária pessoal da sua mulher.

52      O recorrente também insistiu no facto de, durante os seus 20 anos de carreira na Comissão, nunca lhe ter sido imputado qualquer incumprimento dos deveres previstos no Estatuto e de, bem pelo contrário, como demonstrava o seu relatório de avaliação de 2010, ser descrito como alguém consciente das regras e práticas e respeitador da ética e da integridade.

53      O recorrente concluiu que a proposta de classificação num grau inferior formulada pela AIPN lhe parecia totalmente desproporcionada.

54      O Conselho de Disciplina emitiu o seu parecer fundamentado em 12 de novembro de 2012. Na sua análise da situação excluiu as prestações familiares relativas aos dois primeiros filhos do recorrente, concluindo que a AIPN não tinha mantido nenhuma acusação a este respeito.

55      No que diz respeito aos três últimos filhos, o Conselho de Disciplina considerou que, até 2003, não havia acumulação das prestações previstas no Estatuto e das prestações belgas, na medida em que, ainda que a mulher do recorrente exercesse uma atividade profissional, não recebia regularmente da Partena as prestações familiares belgas a que tinha direito. Em contrapartida, era esse o caso a partir de agosto de 2003, data a partir da qual a Partena começou a pagar mensalmente à mulher do recorrente, na sua conta bancária pessoal, prestações familiares pelos três últimos filhos do recorrente e tinha, além disso, em setembro de 2003, pago um montante próximo dos 11 000 euros a título de regularização pelo período compreendido entre outubro de 1997 e junho de 2002. Ainda que, a partir de abril de 2005, depois de ter procedido a uma transferência bancária de mais 5 500 euros em benefício da mulher do recorrente, a título de regularização pelo período compreendido entre julho de 2002 e fevereiro de 2005, este organismo nacional tenha, por razões desconhecidas, suspendido os seus pagamentos até setembro de 2006, verificou‑se que, a partir de outubro de 2006, recomeçou o pagamento mensal das prestações familiares, tendo o mesmo continuado a ser feito de forma ininterrupta.

56      O Conselho de Disciplina observou que as declarações do recorrente por ocasião do nascimento dos seus três filhos, concretamente, em 1995, 1998 e 2002, não eram falsas ou enganadoras, pois, à data, a Partena efetivamente não pagava nenhuma prestação familiar.

57      O Conselho de Disciplina considerou que não tinha elementos de facto suficientes no processo que demonstrassem a intenção do recorrente de violar o artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, «[a]inda que fosse difícil de acreditar que a mulher [do recorrente] não o avisara dos pagamentos de 11 000 [euros] e de 5 500 [euros] que [tinha recebido] em 2003 e 2005».

58      Em contrapartida, o Conselho de Disciplina considerou que, a partir de outubro ou de novembro de 2006, data em que, de acordo com as suas próprias declarações, o recorrente foi informado de que a sua mulher ia receber quase 500 euros por mês de prestações familiares belgas, aquele devia ter atuado de forma mais diligente, informando o PMO dessa alteração de situação, a qual implicaria a dedução do montante que a sua mulher iria receber, do montante que continuava a receber na íntegra do orçamento da União, sobretudo por ser titular de um grau elevado, por ocupar um lugar de encarregado da gestão de programas e de estar perfeitamente consciente da regra anti‑cúmulo, recordada pelo PMO aquando do nascimento de cada um dos seus filhos.

59      No que respeita aos argumentos do recorrente segundo os quais não prestava atenção às prestações familiares recebidas pela sua mulher, não via as suas fichas de vencimento para verificar se o montante das prestações familiares por ela recebidas era deduzido do montante que ele recebida a título de prestação estatutária por filho a cargo e esperava que o PMO e a Partena, que tinham entrado em contacto a este propósito, resolvessem a questão de forma autónoma entre administrações, o Conselho de Disciplina considerou que essas explicações não constituíam uma desculpa ou justificação válida. Assim sendo, considerava que devia ser aplicada ao recorrente uma sanção disciplinar mais pesada do que uma simples advertência ou repreensão para que este compreendesse que a instituição tinha o direito de esperar que os seus funcionários tivessem um grau adequado de diligência, sobretudo porque as questões administrativas que implicam a concessão de vantagens financeiras exigem da parte destes uma diligência particularmente acrescida.

60      No que diz respeito à proposta da AIPN de classificação do recorrente num grau inferior, o Conselho de Disciplina considerou por unanimidade que existiam várias circunstâncias atenuantes a ter em conta na determinação da sanção a aplicar.

61      A este respeito, o Conselho de Disciplina considerou como circunstância atenuante a «quase total confusão» instalada durante muito tempo quanto ao direito às prestações familiares belgas da mulher do recorrente, nomeadamente porque, de 1995 a 2000, a Assubel tinha recusado, em violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, pagar as referidas prestações pelo facto de as prestações familiares previstas no Estatuto serem mais elevadas; depois, em 2000, a Partena fez depender a concessão das prestações familiares belgas da apresentação de uma certidão da Comissão que certificasse que já não recebia uma prestação estatutária por filho a cargo; e, por fim, na sequência da resposta da Comissão de 12 de abril de 2002, sobre a situação do recorrente relativamente às prestações familiares previstas no Estatuto, a Partena só tinha começado a pagar as prestações familiares belgas a partir de agosto de 2003.

62      O Conselho de Disciplina também considerou como circunstância atenuante a passividade do PMO na medida em que, depois de, em janeiro de 2004, ter pedido à Partena, sem sucesso, o reembolso das prestações familiares belgas, ignorando que, na realidade a mulher do recorrente já tinha começado a recebê‑las da Partena, este serviço da Comissão nunca voltou a contactar a Partena a este propósito e nunca procurou retificar a situação, a qual perdurou até à realização, em de fevereiro de 2010, de um controlo geral das prestações familiares recebidas de outra proveniência.

63      Com efeito, mesmo que tendo sido em desconhecimento da existência dos dois pagamentos de regularização por parte da Partena à mulher do recorrente que o PMO, por carta de 6 de janeiro de 2004, cuja cópia o recorrente recebeu, pediu à Partena o reembolso à Comissão de todas as prestações familiares belgas a partir de 1 de dezembro de 1995, o Conselho de Disciplina a criticou a inércia do PMO, sobretudo porque os montantes de que era credor da Partena eram elevados. Com efeito, segundo o Conselho de Disciplina, se o PMO tivesse insistido junto da Partena para conseguir este reembolso, o problema dos pagamentos duplos teria sido detetado e resolvido em 2004.

64      Segundo o Conselho de Disciplina, «[p]or outras palavras, desde janeiro de 2004, o mais tardar, o PMO dispunha de todos os elementos necessários para evitar que ocorresse uma situação de cúmulo, mas não os utilizou, [de modo que o Conselho de Disciplina] duvida que, neste contexto, o PMO tenha assumido a sua responsabilidade de defender os interesses financeiros da [União] face à administração nacional [e] constata qu[e,] de qualquer modo, uma gestão mais rigorosa [do] processo em 2004, senão já em 2002, teria podido evitar que este caso tomasse uma dimensão disciplinar.»

65      No entanto, o Conselho de Disciplina considerou por unanimidade que a negligência do recorrente não era desculpável e que merecia a aplicação de uma sanção disciplinar com efeitos pecuniários, tendo considerado necessário imputar uma parte da responsabilidade ao PMO que, apesar de saber que a mulher do recorrente tinha direito a receber prestações familiares belgas, tinha deixado a situação perdurar durante mais de seis anos.

66      Por conseguinte, o Conselho de Disciplina recomendou à AIPN que apenas decidisse no sentido da violação, por negligência, do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, sem a qualificar de incumprimento do dever de lealdade previsto no artigo 11.° do Estatuto. Propôs assim que a AIPN aplicasse ao recorrente a sanção de suspensão da passagem de escalão durante 18 meses.

 Quanto à decisão da AIPN tripartida

67      Por decisão de 24 de junho de 2013, a AIPN tripartida, composta pelo Diretor Geral da DG «Recursos humanos e segurança», pelo Diretor Geral adjunto da DG «Concorrência» e por um conselheiro extra‑quadro da DG «Agricultura e desenvolvimento rural», depois de ter ouvido o interessado numa audição realizada em 5 de março de 2013, decidiu aplicar ao recorrente a sanção de descida de três escalões (a seguir «decisão impugnada»).

68      A este respeito, a AIPN tripartida considerou que, ao receber cópia da carta de 6 de janeiro de 2004, o recorrente tinha sido avisado de que o montante das suas prestações familiares previstas no Estatuto ia ser reduzido do montante das prestações com a mesma natureza pagas pela Partena à sua mulher. Assim, entre 2004 e 2011, podia facilmente ter constatado, pela simples leitura das suas folhas de vencimento em primeiro lugar transmitidas por correio interno, e depois por via eletrónica, que, pelo contrário, continuava a receber as prestações previstas no Estatuto na íntegra. A AIPN tripartida considerou que, o mais tardar a partir de 2006, data em que a sua mulher o informara de que recebia regularmente prestações familiares belgas, o recorrente devia ter contactado a sua administração para esclarecer a sua situação, sendo que, a este respeito, a AIPN não podia aceitar o argumento de que o recorrente não via as suas folhas de vencimento.

69      Além da violação do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, resultante da falta de declaração do recebimento das prestações familiares belgas, a AIPN tripartida sublinhou que, segundo ela, incumbe a qualquer funcionário fornecer à administração todas as informações suscetíveis de a ajudar a determinar se a vantagem solicitada por este funcionário pode ser concedida. Esta diligência proativa decorre do dever de lealdade que implica a obrigação de qualquer funcionário de manter os interesses da instituição acima de qualquer outra consideração, incluindo dos seus interesses pessoais. Assim, por negligência grosseira, o recorrente também violou esta obrigação prevista no artigo 11.° do Estatuto.

70      Quanto à existência de contactos diretos entre o PMO e a Partena, a AIPN tripartida considerou que esta circunstância não dispensava de forma alguma o recorrente da sua obrigação de prestar à instituição todas as informações necessárias à determinação dos seus direitos pecuniários. Assim, apesar da alegada inércia do PMO, o recorrente, que não desconhecia o caráter complementar das prestações familiares previstas no Estatuto, tinha de qualquer modo deixado de assinalar ao PMO o pagamento regular das prestações belgas em causa, apesar de continuar a receber as prestações previstas no Estatuto na íntegra. Assim, a AIPN tripartida considerou que «a falta de seguimento do processo por parte das administrações em causa não podia constituir uma circunstância atenuante no que respeita ao comportamento d[o recorrente] a partir de outubro de 2006».

71      Quanto à importância do prejuízo causado aos interesses da Comissão, a AIPN tripartida observou que o recorrente tinha recebido indevidamente 59 691 euros dos quais 32 000 euros tinham sido imediatamente reembolsados em aplicação do artigo 85.° do Estatuto. Por outro lado, registou o compromisso assumido pelo recorrente de reembolsar voluntariamente o resto do montante indevidamente recebido, e que não fora reclamado por estar prescrito, ou seja, um montante de 27 691 euros.

72      Tendo sublinhado a negligência grosseira do recorrente, segundo ela inaceitável da parte de um funcionário, a AIPN tripartida não considerou contudo que, com o seu comportamento, o recorrente tinha procurado deliberadamente enriquecer em detrimento do orçamento da União.

73      Quanto ao grau de responsabilidade pessoal do interessado, a AIPN tripartida considerou que o recorrente era «totalmente responsável» pela falta de informação da sua administração quanto ao pagamento regular à sua mulher, a partir de outubro de 2006, das prestações familiares belgas. Por outro lado, atendendo à sua experiência, ao seu grau e à sua antiguidade, a AIPN tripartida considerou que podia ser esperada maior vigilância e interesse pelas regras aplicáveis por parte do interessado. Por último, no que diz respeito à reincidência e à conduta passada do recorrente, a AIPN tripartida sublinhou a inexistência de incumprimentos das obrigações ao longo da carreira do recorrente.

74      Atendendo a estas considerações, a AIPN tripartida considerou justificada a aplicação da sanção de classificação permanente num grau inferior de um grau. Contudo, considerando que para a determinação do nível da sanção, havia que ter em conta o facto de o recorrente se aproximar do fim da sua carreira, a AIPN tripartida acabou por decidir aplicar‑lhe apenas uma sanção de descida de três escalões.

 Quanto ao processo précontencioso

75      Por nota de 23 de setembro de 2013, o recorrente apresentou uma reclamação dirigida contra a decisão impugnada. Em apoio da sua reclamação, invocava dois fundamentos, baseados, respetivamente, num erro manifesto de apreciação e numa falta de fundamentação. No essencial o recorrente alegou que a AIPN tripartida não tinha tido em conta as circunstâncias atenuantes a que o Conselho de Disciplina tinha atendido.

76      Por decisão de 24 de janeiro de 2014, a AIPN da Comissão, encarregada de decidir a respeito das reclamações, indeferiu a reclamação. A AIPN indicou que, contrariamente ao que o recorrente defendia, a AIPN tripartida tinha tido em conta o facto de o recorrente não ter deliberadamente deixado de declarar o pagamento regular das prestações familiares belgas a partir de 2006, bem como a circunstância de este ter espontaneamente reembolsado os montantes indevidamente recebidos eventualmente prescritos. O mesmo podia dizer‑se do facto de o recorrente não ter cometido outras violações das suas obrigações durante a sua carreira, ainda que a AIPN tripartida tivesse considerado que a conduta passada do recorrente não podia constituir, em si mesma, uma circunstância atenuante da falta grosseira que o recorrente tinha cometido no caso em apreço.

77      Depois de admitir que inicialmente tinha havido uma situação confusa quanto aos direitos da mulher do recorrente às prestações familiares belgas, a AIPN sublinhou, por um lado, que a situação tinha sido esclarecida e regularizada a partir de 2003, e que, por outro, a partir de outubro de 2006, a mulher do recorrente o tinha informado de que recebia prestações da Partena, como demonstrava a carta deste organismo de 9 de novembro de 2006. Por conseguinte, pelo menos a partir desta data, terminara a confusão inicial quanto aos direitos da sua mulher, não sendo a mesma suscetível de influenciar o comportamento do recorrente a partir desta data.

78      A AIPN contestou a possibilidade de o recorrente invocar a confiança legítima, baseada no alegado perfeito conhecimento por parte do PMO, em janeiro de 2004, da existência de pagamentos de prestações por parte da Partena, o que teria permitido que o recorrente não se considerasse obrigado a prestar esclarecimentos complementares ao PMO. Com efeito, a AIPN sublinhou a este respeito que o conteúdo da carta de 6 de janeiro de 2004 deixava precisamente transparecer de forma clara que, à data, o PMO ignorava a existência de pagamentos da Partena em benefício da mulher do recorrente.

79      Quanto à falta de diligência do PMO na gestão do processo do recorrente, mesmo admitindo que um acompanhamento mais atento do processo do recorrente teria permitido evitar que a situação de cúmulo das prestações familiares nacionais e das previstas no Estatuto durasse seis anos, a AIPN considerou que essa falta de diligência não atenuava a responsabilidade própria do recorrente, relacionada com a negligência em declarar à sua administração, desde 2006, que a sua mulher recebia prestações familiares belgas.

80      No que diz respeito à alegada falta de fundamentação, a AIPN considerou que a AIPN tripartida tinha fornecido uma fundamentação suficiente quanto à qualificação do comportamento do recorrente de negligência grosseira. Quanto às razões que justificaram a opção da AIPN tripartida no sentido de não seguir o parecer fundamentado do Conselho de Disciplina, a AIPN sublinhou que tinha afastado a possibilidade de considerar o comportamento do PMO como circunstância atenuante, o que justificava, correlativamente, o agravamento da sanção adotada relativamente à sanção recomendada pelo Conselho de Disciplina.

 Pedidos das partes e tramitação

81      O recorrente pede ao Tribunal da Função Pública que se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        anular, na medida do necessário, a decisão de indeferimento da reclamação;

–        condenar a Comissão nas despesas;

82      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

83      Por cartas da Secretaria de 15 de setembro de 2014, as partes foram convidadas a responder a questões colocadas pelo Tribunal no âmbito de medidas de organização do processo. Acederam devidamente a esse pedido em 22 de setembro de 2014.

 Questão de direito

84      Em apoio do seu recurso o recorrente invoca dois fundamentos de anulação da decisão impugnada e da decisão de indeferimento da reclamação, baseados, em primeiro lugar, num erro manifesto de apreciação e numa violação do princípio da proporcionalidade e, em segundo lugar, em faltas de fundamentação.

 Quanto ao objeto do recurso

85      A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o princípio da economia processual, o juiz da União pode decidir que não há que decidir especificamente sobre os pedidos relativos à decisão de indeferimento da reclamação quando concluir que estes não têm conteúdo autónomo e se confundem, na realidade, com os pedidos relativos à decisão contra a qual a reclamação foi apresentada. Pode ser este, nomeadamente, o caso quando concluir que a decisão de indeferimento da reclamação tem caráter meramente confirmativo da decisão objeto da reclamação e que, portanto, a anulação daquela não produziria na situação jurídica da pessoa interessada um efeito distinto do que decorre da anulação desta última (acórdãos Adjemian e o./Comissão, T‑325/09 P, EU:T:2011:506, n.° 33, e López Cejudo/Comissão, F‑28/13, EU:F:2014:55, n.° 29).

86      Ainda que esse seja o caso em apreço no que respeita à decisão de indeferimento da reclamação, tendo em conta o caráter evolutivo do processo pré‑contencioso, a fundamentação que consta da decisão de indeferimento da reclamação, que, no caso em apreço precisa alguns aspetos da decisão impugnada, também deve ser tida em conta para efeitos da análise da legalidade do ato inicial lesivo, na medida em que esta fundamentação deve coincidir com este último ato (v. acórdão Mocová/Comissão, F‑41/11, EU:F:2012:82, n.° 21).

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro manifesto de apreciação e numa violação do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

87      Em apoio do seu primeiro fundamento, o recorrente alega no essencial que a AIPN cometeu um erro manifesto de apreciação na medida em que não considerou como atenuantes determinadas circunstâncias do caso em apreço. Por conseguinte a AIPN adotou uma sanção que viola o princípio da proporcionalidade.

88      Entre as circunstâncias que deviam ter sido reconhecidas como atenuantes pela AIPN, o recorrente invoca em particular, em primeiro lugar, a inexistência de uma conta bancária comum entre ele e a sua mulher, o que explica porque é que o recorrente não se apercebeu de que a sua mulher recebeu vários montantes avultados por parte da Partena em 2003 e 2005 e de que aquela recebia regularmente prestações familiares pagas pela Partena a partir de novembro de 2006. Em segundo lugar, refere‑se à situação confusa, criada pelo comportamento equívoco da Partena, quanto ao direito da sua mulher de beneficiar das prestações familiares belgas. Em terceiro lugar, realça a falta de diligência do PMO que devia ter sido qualificada como circunstância atenuante. Em quarto lugar, a AIPN não atribuiu um caráter suficientemente atenuante à circunstância de o recorrente ter decidido voluntariamente reembolsar os montantes indevidamente recebidos que, no entanto, se encontravam prescritos. O mesmo pode dizer‑se, em quinto lugar, da inexistência, por parte do recorrente, de intenção de induzir a administração em erro. Por último, em sexto lugar, fez referência à sua conduta irrepreensível ao longo de toda a sua carreira.

89      A Comissão concluiu no sentido da improcedência do fundamento, alegando, no essencial, que, de qualquer modo, desde 2006, o recorrente sabia que a Partena tinha informado a sua mulher do pagamento das prestações familiares belgas, de modo que, a partir desse momento, não podia continuar, durante quase cinco anos, a receber as prestações familiares previstas no Estatuto sem ter a preocupação de verificar nas suas folhas de vencimento se a regularização que daí devia decorrer, concretamente, uma dedução de 500 euros, tinha efetivamente sido levada a cabo, nem de informar o PMO do teor da correspondência da Partena, datada de novembro de 2006. A Comissão sublinha que o recorrente não podia crer, durante cinco anos, que a situação se resolveria entre administrações enquanto continuava a receber as prestações familiares previstas no Estatuto na íntegra e a sua mulher recebia, por seu lado, as prestações familiares belgas na íntegra.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

90      A título preliminar, importa recordar que a legalidade de qualquer sanção disciplinar pressupõe que esteja demonstrada a existência dos factos imputados ao interessado (acórdãos Daffix/Comissão, T‑12/94, EU:T:1997:208, n.os 63 e 64, e Tzikis/Comissão, T‑203/98, EU:T:2000:130, n.° 51).

91      A avaliação da gravidade dos incumprimentos constatados pelo Conselho de Disciplina imputados ao funcionário e a escolha da sanção que, atendendo a esses incumprimentos, se verifica ser a mais adequada, são abrangidas pelo princípio do amplo poder de apreciação da AIPN, a menos que a sanção aplicada seja desproporcionada relativamente aos factos apurados (v. acórdão E/Comissão, T‑24/98 e T‑241/99, EU:T:2001:175, n.os 85 e 86). Assim sendo, segundo jurisprudência assente, a AIPN dispõe do poder de proceder a uma apreciação da responsabilidade do funcionário, diferente da levada a cabo pelo Conselho de Disciplina, bem como de escolher, em seguida, a sanção disciplinar que considera adequada para sancionar as faltas disciplinares imputadas (acórdãos Y/Tribunal de Justiça, T‑500/93, EU:T:1996:94, n.° 56, e Tzikis/Comissão, EU:T:2000:130, n.° 48).

92      Uma vez demonstrada a materialidade dos factos, atendendo ao amplo poder de apreciação de que a AIPN goza em matéria disciplinar, a fiscalização jurisdicional deve limitar‑se a uma verificação da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão Tzikis/Comissão, EU:T:2000:130, n.° 50).

93      No que em particular diz respeito à proporcionalidade de uma sanção disciplinar relativamente à gravidade da matéria de facto assente, o Tribunal deve ter em consideração o facto de a determinação da sanção ser baseada numa avaliação global, por parte da AIPN, de todos os factos concretos e das circunstâncias específicas de cada caso concreto, sendo de relembrar que o Estatuto não prevê uma relação fixa entre as sanções que indica e as diferentes categorias de incumprimentos cometidos pelos funcionários e não precisa em que medida a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes deve intervir na escolha da sanção. A análise levada a cabo pelo juiz de primeira instância é, por conseguinte, limitada à questão de saber se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes por parte da AIPN foi feita de forma proporcional, precisando‑se que, aquando desta análise, o juiz não pode substituir‑se à AIPN quanto aos julgamentos de valor feitos por esta a este respeito (acórdão BG/Provedor de Justiça, T‑406/12 P, EU:T:2014:273, n.° 64, e jurisprudência referida).

94      No caso em apreço, o Tribunal observa que o recorrente não contesta que ‑ mesmo depois de a sua mulher o ter informado, em 2006, de que recebera confirmação da concessão de prestações familiares nacionais a partir de 1 de outubro de 2006 por parte da Partena ‑ não declarou à sua administração que a sua mulher recebia prestações familiares belgas pagas pela Partena, apesar de continuar a receber na íntegra as prestações familiares previstas no Estatuto até à fiscalização realizada em fevereiro de 2010.

95      Em contrapartida, o recorrente invoca a falta de tomada em conta, ou a insuficiente tomada em conta, na determinação da sanção que lhe foi aplicada pela decisão impugnada, de certas circunstâncias que considera atenuantes. Importa pois apreciá‑las sucessivamente.

–       Quanto à inexistência de conta bancária comum entre o recorrente e a sua mulher

96      Antes de mais, no que respeita ao facto de a Partena pagar as prestações familiares belgas na conta pessoal da sua mulher e de o recorrente e a sua mulher não disporem de uma conta bancária comum, o que teria impedido o recorrente de tomar consciência desde o início da situação de cúmulo, o Tribunal considera que essa circunstância não é relevante no que respeita à obrigação para o recorrente de declarar as prestações recebidas de outra proveniência pela sua mulher pelos seus três filhos pelos quais ele próprio recebia, por seu turno, as prestações previstas no Estatuto na íntegra.

97      A este respeito, além do facto, aliás realçado pela Comissão, de o recorrente nunca ter alegado que tinha deixado de ter contacto com a sua mulher, com a qual vivia, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que, durante todo o período compreendido entre 2003 e 2006, é pouco plausível que a mulher do recorrente, atendendo ao seu nível salarial, não se tenha apercebido de que recebia pagamentos da Partena, incluindo montantes avultados de, respetivamente, 11 000 e 5 500 euros em setembro de 2003 e em abril de 2005, e que também não tenha informado o seu marido a esse respeito.

98      Em segundo lugar, é pacífico que, independentemente das transferências bancárias efetuadas pela Partena, entre 2003 e 2006, na conta bancária da mulher do recorrente, esta última recebeu uma notificação oficial em 9 de novembro de 2006 através da qual a Partena a informava dos seus direitos às prestações familiares belgas, informação essa que ela comunicou ao recorrente, mas que este último decidiu não comunicar à sua administração. Ora, caso tivesse transmitido esta informação ao PMO num prazo razoável, esta última teria tomado conhecimento de forma inequívoca do facto de a mulher do recorrente receber prestações familiares pagas pela Partena e do montante exato das mesmas. O PMO estaria então obrigado a reduzir, imediatamente e como consequência dessa informação, o montante das prestações familiares previstas no Estatuto pagas ao recorrente, o que permitiria ter evitado um processo disciplinar.

99      Em terceiro lugar e de qualquer modo, quando é pedida e concedida uma prestação relacionada com a situação familiar de um funcionário, este último não pode invocar o seu alegado desconhecimento da situação do cônjuge, quer se trate do exercício de uma atividade profissional por parte deste, do montante da remuneração recebidas a título desta atividade quer do recebimento por esse cônjuge de prestações nacionais equivalentes a prestações previstas no Estatuto.

100    Com efeito, se este argumento fosse de aceitar, tal poderia permitir que os funcionários ou agentes que, como no caso em apreço, recebem as prestações familiares previstas no Estatuto na íntegra, se considerassem isentos da obrigação de declarar as prestações familiares nacionais recebidas de outra proveniência, de cada vez que essas prestações familiares nacionais fossem pagas, não diretamente ao funcionário, mas ao seu cônjuge, na conta bancária pessoal deste último. Além disso, esta abordagem poderia incitar à ocultação de informações, prejudicial aos interesses financeiros da União.

–       Quanto á situação confusa causada pela Partena quanto ao direito da mulher do recorrente de beneficiar das prestações familiares belgas

101    Em seguida, no que respeita à situação confusa, causada pelo comportamento da Partena, quanto ao direito da mulher do recorrente de beneficiar das prestações familiares belgas, decorre efetivamente dos autos que este organismo nacional tinha, em primeiro lugar, erradamente negado à mulher do recorrente o direito às prestações familiares belgas, pelo menos até agosto de 2003, e que, a partir desta data, e até outubro de 2006, a Partena efetuou transferências bancárias esporádicas na conta bancária pessoal da mulher do recorrente, sem contudo as ter documentado na notificação das decisões de concessão das prestações familiares nacionais.

102    Assim sendo, o Tribunal constata, por um lado, que o próprio recorrente admite, na sua petição, que «[o]s pagamentos [da Partena] começaram a ser regulares em 2006», e que, em resposta a uma questão do Tribunal, o recorrente chegou mesmo a indicar que, com o seu pedido de 7 de novembro de 2006 à Partena, a sua mulher procurava saber as razões pelas quais este organismo tinha suspendido os seus pagamentos entre abril de 2005 e setembro de 2006. Estes elementos indicam pois que, contrariamente ao que o recorrente deu a entender no Conselho de Disciplina, a mulher do recorrente tinha efetivamente tido consciência durante o período em causa de que beneficiava das prestações familiares belgas pagas pela Partena. Acresce ainda o facto, realçado pela Comissão na audiência, de que, atendendo ao teor da carta de 28 de agosto de 2003 dirigida pela Partena à Comissão, a mulher do recorrente transmitiu certamente à Partena a certidão de nascimento do seu filho para permitir que este organismo procedesse aos pagamentos posteriores a seu favor entre 2003 e 2006.

103    Por outro lado, e de qualquer modo, a mulher do recorrente, que desde 1996 por várias vezes solicitou ativamente estas prestações à Partena, tinha sido informada por este organismo, pela carta acima referida de 9 de novembro de 2006, que a partir de então receberia prestações familiares nacionais pelos seus três filhos. Assim, independentemente dos pagamentos seguintes da Partena efetuados a favor da mulher do recorrente de 2003 a 2006 e das diligências ativas desta última junto da Partena para obter prestações familiares, é evidente que, a partir de novembro de 2006, a situação desta última, no que diz respeito ao seu direito às prestações familiares belgas, foi esclarecida e regularizada.

104    Ora, nas declarações que apresentou ao PMO por ocasião do nascimento de cada um dos seus filhos, o recorrente declarou que não tinha direito ao pagamento de prestações familiares equivalentes à prestação estatutária por filho a cargo pelos seus três filhos e que além disso reconhecia ter perfeito conhecimento da regra anti‑cúmulo. Nessa medida, o recorrente não considerou necessário avisar formalmente o PMO da alteração da situação, concretamente do recebimento por parte da sua mulher das prestações familiares belgas, violando assim a obrigação geral que incumbe a qualquer funcionário que beneficia de vantagens pecuniárias de apresentar todas as informações relativas à sua situação pessoal, e de informar a sua administração de todas as alterações ocorridas na sua situação pessoal (v., neste sentido, acórdão López Cejudo/Comissão, EU:F:2014:55, n.° 67), obrigação que, de resto, é expressamente recordada no artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto em relação à regra anti‑cúmulo.

–       Quanto à alegada falta de diligência ou alegada inércia do PMO

105    No que diz respeito à falta de diligência do PMO na investigação da situação pessoal do recorrente, nomeadamente a partir do mês de janeiro de 2004, data a partir da qual o PMO exigiu da Partena o consequente reembolso, o Tribunal considera que a eventual ineficácia ou inércia de um serviço administrativo encarregado da proteção dos interesses financeiros da União não pode ilibar o funcionário do seu próprio incumprimento da obrigação, a seu cargo, de declarar qualquer alteração na sua situação pessoal suscetível de afetar o seu direito a uma prestação estatutária cujo benefício ele próprio pediu.

106    Com efeito, em primeiro lugar, sendo embora certo que se pode esperar que uma administração diligente atualize, pelo menos anualmente, os dados dos beneficiários das prestações previstas no Estatuto pagas mensalmente, importa contudo recordar que a situação de uma administração encarregada de garantir o pagamento de milhares de vencimentos e de prestações diversas não pode ser comparada à de um funcionário, que tem um interesse pessoal em verificar os montantes que lhe são mensalmente pagos e em assinalar tudo o que possa constituir um erro em seu prejuízo ou em seu benefício (v., neste sentido, despacho Michel/Comissão, F‑44/13, EU:F:2014:40, n.° 54, e jurisprudência referida).

107    Em segundo lugar, um funcionário diligente, que tomou conhecimento das disposições previstas no Estatuto com base nas quais lhe é paga uma prestação a seu pedido, nomeadamente quando essas disposições são relembradas na decisão de concessão da prestação em causa, como no caso em apreço, não se pode limitar a continuar a receber em silêncio a referida prestação na íntegra, concretamente as prestações familiares previstas no Estatuto, ao mesmo tempo que o seu cônjuge recebe na íntegra as prestações nacionais equivalentes pelos mesmos filhos. Nessa situação, o funcionário não pode justificar o seu silêncio com o facto de esses pagamentos terem sido, por negligência, implicitamente aceites ou tolerados pela sua administração. Com efeito, admitir como circunstância atenuante tal negligência da administração equivaleria a encorajar os funcionários e agentes a aproveitarem‑se dos eventuais erros desta.

108    Por último, em terceiro lugar, como acertadamente sublinha a Comissão, a Partena não estava necessariamente obrigada, em resposta aos eventuais pedidos da Comissão, a fornecer informações detalhadas a respeito da situação pessoal da mulher do recorrente, a qual não é funcionária desta instituição. Assim, em semelhante situação, cabe sobretudo ao funcionário beneficiário da prestação estatutária, como o recorrente, fornecer os documentos que já se encontram na sua posse e, de qualquer modo, informar a sua administração de eventuais pagamentos de prestações sociais ao seu cônjuge por parte de um organismo como a Partena. O dever de lealdade previsto no artigo 11.° do Estatuto implica, com efeito, que os funcionários facilitem a tarefa da administração no que diz respeito à determinação da extensão dos seus direitos pecuniários previstos no Estatuto.

–       Quanto à crença do recorrente de que a questão do cúmulo das prestações se resolveria entre administrações

109    O argumento do recorrente, segundo o qual pensava que a situação se resolveria entre administrações, é irrelevante ou mesmo de má‑fé, se se tiver em conta que, depois da informação definitiva comunicada pela carta de 9 de novembro de 2006 da Partena à mulher do recorrente, a situação de cúmulo da totalidade das prestações familiares belgas e das prestações familiares previstas no Estatuto, perdurou durante muitos anos.

110    A este respeito, mesmo admitindo que recorrente podia crer erradamente que a situação se resolveria entre administrações, não pode deixar de se considerar que, pela sua própria inércia, o recorrente beneficiou, durante muitos anos, da falta de regularização da sua situação administrativa. Com efeito, de qualquer modo, o recorrente deveria ter dúvidas quanto à justeza dos pagamentos que continuava a receber do PMO, concretamente as prestações familiares previstas no Estatuto na íntegra, e que surgia nas suas fichas de vencimento mensais das quais era suposto tomar regularmente conhecimento. Como sublinhou a Comissão, este raciocínio continua a ser válido mesmo que nesta instituição as fichas de vencimento já não sejam comunicadas aos interessados por correio interno, sendo acessíveis através de um hyperlink comunicado por correio.

111    Assim, a partir de novembro de 2006 e até fevereiro de 2010, data da fiscalização geral, o recorrente devia ter‑se manifestado junto da sua administração para que esta última efetuasse as verificações necessárias (v., neste sentido, acórdão Tsirimiagos/Comité das regiões, F‑100/07, EU:F:2009:21, n.° 75), pois deveria ter‑lhe parecido cada vez mais certo e evidente, à medida que os anos passavam, que a sua situação não tinha de modo algum sido reapreciada pelo PMO nem mesmo resolvida entre o PMO e a Partena, e isto na medida em que continuava a receber as prestações familiares previstas no Estatuto na íntegra e que a sua mulher continuava a receber as prestações familiares belgas em flagrante violação do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto.

112    De qualquer modo, por um lado, um funcionário normalmente diligente não pode deixar de reparar que um parecer relativo a uma alteração da sua situação familiar, como a correspondência da Partena, de 9 de novembro de 2006, que notificava a mulher do recorrente dos seus direitos às prestações familiares belgas, deve ser diretamente dirigido ao serviço competente da sua instituição, de forma clara e inequívoca, o que manifestamente o recorrente não fez, sendo que, a este respeito, o funcionário não pode invocar o facto de a administração ter obtido certas informações de modo acidental ou indireto (v. acórdão Costacurta/Comissão, T‑34/89 e T‑67/89, EU:T:1990:20, n.os 45 e 46). Isto é tanto mais válido quanto, como no caso em apreço, resulta sem qualquer ambiguidade da letra do artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto que não incumbe à Comissão informar‑se a respeito de um eventual recebimento de prestações familiares da mesma natureza recebidas de outra proveniência, mas aos membros do pessoal declararem que recebem essas prestações de outra proveniência.

113    Por outro lado, em vez de alegadamente se contentar com uma interpretação pessoal da sua situação, incumbia ao recorrente suscitar esta questão junto da AIPN (v., neste sentido, acórdãos Costacurta/Comissão, EU:T:1990:20, n.° 40, e López Cejudo/Comissão, EU:F:2014:55, n.° 78).

114    De resto, o recorrente não pode alegar que, em 2004, o PMO estava perfeitamente ao corrente da situação da sua mulher. Com efeito, é certo que decorre da carta da Partena de 28 de agosto de 2003, dirigida ao PMO, que este organismo tinha efetuado pagamentos à mulher do recorrente, ainda que os montantes dos mesmos não fossem precisados. No entanto, decorre da carta de 22 de janeiro de 2004 dirigida pelo PMO à Partena que, pelo contrário, à data, o PMO apenas tinha depreendido dos termos ambíguos da carta de 28 de agosto de 2003 que a Partena estava a analisar os direitos da mulher do recorrente, ao passo que, na realidade, esta última já recebia prestações familiares deste organismo nacional. Assim, com a sua inação e silêncio, o recorrente acabou por deixar o PMO nesta convicção errada, mesmo depois de ter enviado a carta de 9 de novembro de 2006 da Partena à mulher do recorrente, na qual esta era notificada dos seus direitos às prestações familiares belgas.

–       Quanto à inexistência de um prejuízo financeiro para o orçamento da União e à falta de vontade deliberada do recorrente de receber indevidamente as prestações previstas no Estatuto

115    No que respeita ao facto de o recorrente, depois de ter tomado conhecimento do parecer do Conselho de Disciplina, ter pago voluntariamente os montantes indevidamente recebidos durante o período anterior a setembro de 2006, por um lado, o Tribunal observa que a AIPN registou esse facto na decisão impugnada na perspetiva da «importância do prejuízo causado aos interesses da Comissão» na aceção do artigo 10.°, alínea b), do anexo IX do Estatuto. Por outro lado, o Tribunal considera que este aspeto deve ser relativizado na medida em que nada acrescenta à qualificação do incumprimento imputado, o qual só foi descoberto na sequência de uma fiscalização da Comissão e não devido a uma declaração atempada por iniciativa do recorrente.

116    Para ser exaustivo, o Tribunal observa igualmente que, à luz da jurisprudência (v. acórdão López Cejudo/Comissão, EU:F:2014:55, n.° 67), não estava necessariamente excluído que, terminado um inquérito nesse sentido, a Comissão pudesse recolher elementos suficientes para invocar o artigo 85.°, n.° 2, segundo período, do Estatuto. Tal é, de resto, sublinhado pela Comissão na sua contestação, quando observa que esse gesto de cooperação do recorrente foi apreciado, na medida em que evitou iniciar uma troca de argumentos suscetível de conduzir a um outro processo judicial, relativo, concretamente, à eventual aplicação daquela disposição do Estatuto.

117    No que diz respeito à inexistência de intenção fraudulenta, importa constatar que nem o Conselho de Disciplina nem a AIPN consideraram que existia essa intenção por parte do recorrente, tendo tomado expressamente em conta esta inexistência de intenção fraudulenta na determinação da sanção a aplicar‑lhe. A este respeito, o Tribunal realça que a razão alegada pelo Conselho de Disciplina para justificar essa escolha foi o facto de não existirem suficientes elementos factuais no processo que demonstrassem uma intenção fraudulenta, ainda que o Conselho de Disciplina tenha observado que era «difícil de acreditar que [o recorrente] não [tinha sido] avisa[do] dos pagamentos de 11 000 [euros] e de 5 500 [euros] que [a sua mulher] [tinha recebido] em 2003 e 2005».

118    Por seu lado, a AIPN constatou na decisão impugnada, «[n]o que diz[ia] respeito ao grau de dolo ou negligência que envolve a falta cometida», como previsto no artigo 10.°, alínea c), do anexo IX do Estatuto, que o recorrente cometera «uma negligência grosseira», concretamente um erro que, apesar de não traduzir uma intenção deliberada de enriquecer em detrimento do orçamento da União, era dificilmente desculpável, sobretudo atendendo às funções e responsabilidades do interessado, ao seu grau e à sua antiguidade ao serviço da Comissão.

–       Quanto às outras circunstâncias alegadamente atenuantes

119    Quanto à conduta do recorrente no serviço, a AIPN indicou ter tido em conta o facto de que, além dos incumprimentos imputados no caso vertente, o recorrente não tinha praticado outros incumprimentos durante a sua longa carreira. Contudo, como acertadamente alegou a Comissão na audiência, a tomada em consideração desse aspeto, exigida pelo artigo 10.° do anexo IX do Estatuto, não equivale necessariamente ao reconhecimento de uma circunstância atenuante.

120    No que diz respeito ao argumento baseado no volume de trabalho profissional e doméstico do recorrente, indeferido pela AIPN na sua decisão de indeferimento da reclamação, não pode deixar de se constatar que a situação de acumulação das prestações familiares durou mais de cinco anos depois de a Partena ter formalmente notificado a mulher do recorrente dos seus direitos às prestações familiares belgas. Assim, de qualquer modo, o Tribunal considera que, mesmo supondo que esse argumento pudesse, em certa medida, ser tomado em conta por um determinado período, o mesmo não pode contudo justificar a negligência durante um período tão longo.

121    Quanto à alegada cooperação exemplar do recorrente, alegadamente realçada numa correspondência de 29 de março de 2013 pela pessoa do PMO encarregada da cobrança dos montantes indevidamente recebidos, o Tribunal observa que, apesar de o agente do PMO encarregado da fiscalização inicial ter pedido, em fevereiro de 2010, que «[assim que] o recorrente obtivesse informações da Partena, devia informar o mais rapidamente possível o PMO», o recorrente não considerou oportuno preencher o formulário de declaração das «[p]restações familiares […] recebidas de outra proveniência», que então lhe tinha sido transmitido pelo referido agente, nem fornecer‑lhe a carta da Partena de 9 de novembro de 2006 que, nessa altura, já se encontrava na posse da sua mulher, ou ainda outros documentos posteriormente emitidos pela Partena. Semelhante diligência do recorrente poderia ter permitido à Comissão encerrar imediatamente o processo de fiscalização. No entanto, devido à inércia do recorrente, passaram‑se mais de 18 meses antes que a Comissão obtivesse, pelos seus próprios meios, as informações pertinentes diretamente da Partena e não do recorrente, concretamente, em 23 de setembro de 2011.

122    Resulta do acima exposto que a AIPN não deixou de tomar em consideração as circunstâncias atenuantes pertinentes do caso concreto.

–       Quanto à proporcionalidade da sanção aplicada

123    No que respeita à questão de saber se, com vista à determinação da sanção em causa, a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes por parte da AIPN foi feita de forma proporcionada, o Tribunal recorda que o artigo 11.° do Estatuto constitui uma das expressões específicas do dever de lealdade, que impõe que o funcionário não apenas se abstenha de condutas que atentam contra a dignidade das suas funções e contra o respeito devido à instituição e às suas autoridades, mas igualmente que faça prova, especialmente se tiver um grau elevado, como no caso vertente, de um comportamento acima de qualquer suspeita para que os elos de confiança entre a instituição e o funcionário fiquem sempre preservados (acórdão Andreasen/Comissão, F‑40/05, EU:F:2007:189, n.° 233, e jurisprudência referida).

124    Atendendo às circunstâncias do caso vertente, o Tribunal considera, por um lado, que a AIPN concluiu acertadamente que o recorrente tinha cometido uma «negligência grosseira» ao não declarar o recebimento, por parte da sua mulher, das prestações familiares belgas durante um período de tempo tão longo. Por outro lado, a sanção aplicada não se afigura desproporcionada. Em particular, atendendo ao seu amplo poder de apreciação, a AIPN podia considerar que a aplicação de uma sanção de suspensão da passagem de escalão durante 18 meses, como recomendada pelo Conselho de Disciplina, não era suficiente, sobretudo no caso concreto no qual, ao contrário do Conselho de Disciplina, a AIPN considerou que o recorrente violara, não só o artigo 67.°, n.° 2, do Estatuto, mas também o artigo 11.° do Estatuto.

125    Para ser exaustivo, o Tribunal observa que nada na letra do artigo 10.° do anexo IX do Estatuto impunha que a AIPN, como acabou por fazer, considerasse o facto de o recorrente estar perto da idade da reforma como circunstância que justificava atenuar a sanção aplicada. Por conseguinte, atendendo a esta tomada em consideração ex gratia desse aspeto na adoção da sua decisão, a sanção que acabou por ser aplicada não pode, a fortiori, ser qualificada de desproporcionada.

126    Resulta do acima exposto que a AIPN não ignorou algumas circunstâncias atenuantes e, no que diz respeito à tomada em consideração das diferentes circunstâncias do caso do recorrente, não ponderou as mesmas de forma desproporcionada no que respeita à determinação da sanção que acabou por lhe ser aplicada.

127    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado numa falta de fundamentação

 Argumentos das partes

128    Em apoio do seu segundo fundamento, o recorrente alega, no essencial, por um lado, que na decisão impugnada e na decisão de indeferimento da reclamação, a AIPN não desenvolveu suficientemente as razões pelas quais qualificou de «grosseira» a negligência do recorrente, nomeadamente ao não explicar, ou ao explicar pouco, as razões pelas quais recusava reconhecer certas circunstâncias como atenuantes. Por outro lado, a AIPN não desenvolveu suficientemente as razões pelas quais aplicou ao recorrente uma sanção mais pesada do que a proposta pelo Conselho de Disciplina.

129    A Comissão pede que o segundo fundamento seja julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal Geral

130    O dever de fundamentação previsto artigo 296.° TFUE, recordado no artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e retomado no artigo 25.°, segundo parágrafo, do Estatuto, é um princípio essencial do direito da União que tem por objetivo, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para apreciar a justeza do ato lesivo e, por outro, permitir que este último exerça o seu controlo sobre a legalidade do ato jurisdicional (v., acórdãos Michel/Parlamento, 195/80, EU:C:1981:284, n.° 22; Lux/Tribunal de Contas, 69/83, EU:C:1984:225, n.° 16, e Camacho‑Fernandes/Comissão, F‑16/13, EU:F:2014:51, n.° 111).

131    Em matéria disciplinar, a questão de saber se a fundamentação da decisão da AIPN que impõe uma sanção preenche estas exigências deve ser apreciada à luz, não apenas da sua letra, mas também do seu contexto e do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. A este respeito, embora o Conselho de Disciplina e a AIPN sejam obrigados a mencionar os elementos de facto e de direito dos quais depende a justificação legal das suas decisões, bem como as considerações que os levaram a adotá‑las, não se exige que sejam discutidos todos os pontos de facto e de direito que foram suscitados pelo interessado durante o processo (acórdão Stevens/Comissão, T‑277/01, EU:T:2002:302, n.° 71). De qualquer modo, uma decisão está suficientemente fundamentada quando é proferida num contexto que é conhecido do funcionário em causa e que lhe permite compreender o alcance da medida que lhe é aplicada (acórdão N/Comissão, T‑198/02, EU:T:2004:101, n.° 70, e jurisprudência referida).

132    Se a sanção disciplinar aplicada ao interessado for mais severa do que a sugerida pelo Conselho de Disciplina, a decisão da AIPN deve contudo precisar de forma circunstanciada os fundamentos que conduziram a referida autoridade a afastar‑se do parecer emitido por esse Conselho (acórdãos F./Comissão, 228/83, EU:C:1985:28, n.° 35, e N/Comissão, EU:T:2004:101, n.° 95, e jurisprudência referida).

133    No caso vertente, o Tribunal observa que, na decisão impugnada, a AIPN analisou as circunstâncias do caso concreto à luz de cada um dos aspetos pertinentes referidos no artigo 10.° do anexo IX do Estatuto. Além disso, na decisão de indeferimento da reclamação, respondeu de forma circunstanciada aos diferentes argumentos suscitados pelo recorrente.

134    Quanto à questão de saber se a AIPN explicou de forma suficiente as razões pelas quais qualificou de «grosseira» a negligência do recorrente, o Tribunal observa que, já na decisão impugnada, a AIPN tinha analisado em detalhe o alcance do dever de diligência que incumbe aos funcionários e tinha explicado, de forma juridicamente bastante, que o facto de ter deixado perdurar durante vários anos uma situação de acumulação de prestações nacionais e de prestações previstas no Estatuto, como a do caso em apreço, devido a uma falta de declaração que, no entanto, incumbia ao funcionário, só podia ter por base uma negligência grosseira, por não ser qualificada ou qualificável de violação dolosa dos artigos 11.° e 67.°, n.° 2, do Estatuto. Na decisão de indeferimento da reclamação, a AIPN explicou novamente este aspeto em resposta aos argumentos do recorrente, apesar de a decisão impugnada, como a decisão de indeferimento da reclamação, constituírem o termo de um processo cujos pormenores eram amplamente conhecidos do recorrente (v., neste sentido, acórdão Comissão/Daffix, C‑166/95 P, EU:C:1997:73, n.° 34).

135    No que respeita ao facto de a AIPN ter aplicado ao recorrente uma sanção mais pesada do que a preconizada pelo Conselho de Disciplina, decorre, nomeadamente, da decisão de indeferimento da reclamação, que a AIPN explicou por que razão essencial tinha considerado oportuno agravar a sanção proposta pelo Conselho de Disciplina, concretamente que, ao contrário deste, recusava considerar a inércia do PMO como circunstância atenuante. Ora, como constatado no âmbito da análise do primeiro fundamento, a AIPN podia não atender a este aspeto como circunstância atenuante, o que, correlativamente, seria, por si só, suficiente para explicar a sua opção de aplicar uma sanção mais pesada do que a preconizada pelo Conselho de Disciplina.

136    Por outro lado, ainda no que diz respeito ao agravamento da sanção aplicada relativamente àquela proposta pelo Conselho de Disciplina, o Tribunal observa que a AIPN, através da decisão impugnada, pretendeu sancionar uma violação dos artigos 11.° e 67.°, n.° 2, do Estatuto, quando a sanção proposta pelo Conselho de Disciplina apenas visava uma violação deste último artigo.

137    Atendendo ao acima exposto, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, devendo ser negado provimento à totalidade do recurso.

 Quanto às despesas

138    Nos termos do artigo 101.° do Regulamento de processo, sem prejuízo de outras disposições do Capítulo VIII do Título II do referido Regulamento, a parte vencida suporta as suas próprias despesas e é condenada nas despesas da outra parte se tal tiver sido requerido. Ao abrigo do artigo 102.°, n.° 1, do mesmo regulamento, o Tribunal pode decidir, quando razões de equidade o exijam, o Tribunal pode decidir que uma parte vencida suporte as suas próprias despesas, mas que seja condenada apenas parcialmente nas despesas efetuadas pela outra parte, ou mesmo que não deve ser condenada a suportar tais despesas.

139    Resulta do presente acórdão que o recorrente é a parte vencida. Por outro lado, a recorrida pediu expressamente que o recorrente fosse condenado nas despesas. Como as circunstâncias do presente caso não justificam a aplicação das disposições do artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, o recorrente deve suportar as suas próprias despesas e deve ser condenado a suportar as despesas efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA

(Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      EH suporta as suas próprias despesas e é condenado a suportar as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Rofes i Pujol

Bradley

Svenningsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de novembro de 2014.

O secretário

 

      O presidente

W. Hakenberg

 

      K. Bradley


* Língua do processo: francês.