Language of document : ECLI:EU:C:2014:2023

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 19 de junho de 2014 (1)

Processo C‑268/13

Elena Petru

contra

Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu

e

Casa Naţională de Asigurări de Sănătate

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo Tribunalul Sibiu (Roménia)]

«Livre circulação de pessoas — Segurança social — Reembolso de despesas médicas efetuadas noutro Estado‑Membro — Autorização prévia — Alcance da expressão ‘tratamento que apresente o mesmo grau de eficácia’ — Carência de meios materiais num centro hospitalar — Âmbito territorial da carência para obtenção do direito à autorização prévia»





1.        Através da presente questão prejudicial, o Tribunal Sibiu manifesta as suas dúvidas sobre a interpretação do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (2), quando uma cidadã romena pede às autoridades do seu país o reembolso de uma intervenção cirúrgica a que se submeteu na Alemanha, após constatar, segundo alegou no órgão jurisdicional de reenvio, que o hospital romeno onde iria ser operada tinha falta de medicamentos e de material clínico básico.

2.        Em resumo, é perguntado ao Tribunal de Justiça se a carência generalizada de meios sanitários básicos no Estado de residência deve ser considerada uma situação que impossibilita a prestação do tratamento. Se assim fosse, o paciente poderia, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, exercer o direito a ser autorizado a receber tratamento noutro Estado‑Membro, a cargo do regime de previdência do seu Estado de residência.

3.        Apesar de o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, já se ter pronunciado em várias ocasiões sobre o alcance da referida disposição e o âmbito dos serviços de saúde à luz das liberdades de circulação, esta é a primeira vez em que surge um caso no qual a necessidade de receber tratamento noutro Estado‑Membro tem por fundamento a escassez de meios no Estado de residência.

I.      Quadro jurídico

4.        O Regulamento n.° 1408/71 dispõe, no seu artigo 22.°, sob a epígrafe «Estada fora do Estado competente ‑ Regresso ou transferência de residência para outro Estado‑Membro no decurso de uma doença ou maternidade ‑ Necessidade de se deslocar a outro Estado‑Membro a fim de receber tratamentos adequados», o seguinte:

«1.      O trabalhador que preencha as condições exigidas pela legislação do Estado competente para ter direito às prestações, tendo em conta, quando necessário, o disposto no artigo 18.°, e:

[…]

c)      Que seja autorizado pela instituição competente a deslocar‑se ao território de outro Estado‑Membro a fim de nele receber tratamentos adequados ao seu estado, terá direito:

i)      Às prestações em espécie concedidas, por conta da instituição competente, pela instituição do lugar de estada […], nos termos da legislação aplicada por esta instituição, como se nela estivesse inscrito, sendo, no entanto, o período de concessão das prestações regulado pela legislação do Estado competente;

[…]

2.      […]

A autorização exigida nos termos do n.° 1, alínea c), não pode ser recusada quando os tratamentos em causa figurarem entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside o interessado e se os mesmos tratamentos não puderem, tendo em conta o seu estado atual de saúde e a evolução provável da doença, ser‑lhe dispensados no prazo normalmente necessário para obter o tratamento em causa no Estado‑Membro de residência.»

II.    Matéria de facto

5.        E. Petru sofre de uma patologia cardiovascular grave, em razão da qual foi submetida a uma intervenção cirúrgica em 2007. Passados dois anos, o seu estado de saúde piorou e foi internada no Institutul de Boli Cardiovasculare de Timişoara. O relatório médico confirmou que E. Petru sofria de uma patologia grave e que, por conseguinte, necessitava de uma intervenção cirúrgica urgente, operação que devia ser realizada de coração aberto, para substituição da válvula mitral e colocação de dois «stents».

6.        E. Petru alega que, durante o seu internamento no Institutul de Boli Cardiovasculare de Timişoara, constatou que havia uma considerável falta de meios materiais. Ainda segundo a recorrente, o centro não dispunha de materiais clínicos básicos, como analgésicos, álcool desinfetante, algodão hidrófilo ou gazes esterilizadas. O centro estava também exposto a uma grande afluência de pacientes, com uma média de três doentes por cama.

7.        Tendo em consideração a gravidade da intervenção cirúrgica necessária, bem como a escassez dos meios materiais de que dispunha o Institutul de Boli Cardiovasculare, E. Petru apresentou à Casa Judeţeană de Asigurări de Sănătate Sibiu (a seguir «Casa Judeţeană») um pedido de autorização para ser operada na Alemanha e não no centro localizado no seu Estado de residência. A Casa Judeţeană indeferiu o pedido de E. Petru com base no estado de saúde da segurada, na evolução da doença no tempo, no prazo de realização da intervenção e no motivo alegado (falta de meios materiais).

8.        Após o indeferimento do seu pedido, E. Petru recorreu a uma clínica na Alemanha, onde foi realizada a intervenção cirúrgica, tendo o custo total, incluindo a hospitalização pós‑operatória, ascendido a 17 714,70 euros.

9.        Imediatamente em seguida, E. Petru intentou no Tribunalul Sibiu uma ação cível na qual pediu à Casa Judeţeană, nos termos do artigo 22.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, o reembolso das despesas efetuadas na Alemanha.

III. Questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

10.      Em 16 de maio de 2013 deu entrada no Tribunal de Justiça o pedido de decisão prejudicial do Tribunalul Sibiu, com a seguinte questão:

«A impossibilidade de prestar cuidados médicos [a um segurado] no território do Estado onde reside, na aceção do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71, deve ser interpretada de maneira absoluta ou de maneira razoável? Dito de outra forma, uma situação em que, embora a intervenção cirúrgica possa ser efetuada no Estado de residência em tempo útil e de modo satisfatório do ponto de vista técnico, uma vez que existem os especialistas necessários e o mesmo nível de conhecimentos científicos, mas em que faltam medicamentos e produtos médicos de primeira necessidade, pode ser equiparada a uma situação em que os cuidados médicos necessários não podem ser assegurados na aceção das disposições do artigo mencionado?»

11.      E. Petru, o Governo romeno e a Comissão apresentaram observações escritas. Durante a audiência, celebrada no dia 26 de março de 2014, apresentaram observações orais os representantes de E. Petru, os agentes dos Governos do Reino Unido e romeno, assim como o agente da Comissão.

IV.    Argumentos das partes

12.      E. Petru invoca o seu direito a obter uma autorização nos termos do artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71. O n.° 2 desta disposição enumera taxativamente as circunstâncias em que uma autorização não pode ser recusada no Estado de residência, das quais decorre, em seu entender, que a insuficiência de meios materiais hospitalares justifica a concessão da referida autorização. Ainda segundo F. Petru, esta interpretação é fundamentada pelo artigo 35.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que garante a proteção da saúde.

13.      Por seu turno, os Governos romeno e do Reino Unido consideram que o artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71, interpretado à luz do artigo 56.° TFUE, exclui o direito a uma autorização no caso de haver uma insuficiência de meios materiais no Estado de residência. Esta situação não está prevista no referido artigo 22.°, nem pode resultar da expressão «mesmo grau de eficácia» que consta da jurisprudência do Tribunal de Justiça. De igual modo, é difícil provar esta circunstância, especialmente não havendo uma avaliação independente, certificada por um médico, mediante a qual se comprove essa carência de meios. Por conseguinte, ambos os Governos afirmam que o direito da União não se opõe a uma decisão que recusa a autorização ao abrigo do artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71, como a tomada pela Casa Judeţeană no caso em apreço. Inclusivamente no hipotético caso de uma carência de meios originar uma autorização no referido sentido, o Governo romeno insiste em que a dita circunstância não ficou provada no processo principal.

14.      A Comissão adotou uma posição intermédia, uma vez que reconhece que a carência estrutural de meios de saúde é uma circunstância que permitiria a obtenção de uma autorização no sentido do artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71, interpretado à luz do artigo 56.° e do artigo 35.° da Carta. Simultaneamente, a Comissão reconhece que a referida autorização só pode ser concedida após uma análise que tome em consideração o conjunto de circunstâncias caraterísticas do caso concreto, questão que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

V.      Análise

15.      O presente pedido de decisão prejudicial suscita duas questões diferentes, cuja dificuldade de resposta é bastante distinta. A primeira questão é a de saber se a deficiência ou a carência de meios nos estabelecimentos hospitalares, em certas circunstâncias, pode equivaler a uma situação em que no referido Estado não é possível realizar atempadamente uma determinada prestação de cuidados de saúde incluída, no entanto, na relação de prestações de cobertura no seu sistema de previdência social. A segunda questão consiste em saber se isto também sucede quando as referidas carências ou deficiências nas instalações de saúde desse Estado não são de caráter pontual ou circunstanciado mas, em contrapartida, correspondem a uma situação sistémica e, por conseguinte, prolongada no tempo, em virtude de circunstâncias de diversa ordem, que podem ser naturais, tecnológicas, económicas, políticas ou sociais.

16.      Para abordar ambos os problemas considero oportuno recordar brevemente as principais referências legislativas e jurisprudenciais que permitirão em seguida analisar pormenorizadamente o caso de E. Petru.

17.      É evidente que o artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71 é o ponto de partida necessário desta análise, uma vez que nele se reconhece expressamente o direito de qualquer paciente solicitar uma autorização da autoridade nacional competente que lhe permita deslocar‑se ao território de outro Estado‑Membro a fim de receber tratamentos adequados ao seu estado de saúde. O n.° 2 desta disposição acrescenta que a autorização terá necessariamente de ser concedida sempre que o tratamento em causa figurar entre as prestações previstas pela legislação do Estado de residência do paciente e quando o tratamento não puder ser dispensado ao paciente no prazo normalmente necessário. (3)

18.      Mas além das considerações anteriores, nada impede os Estados‑Membros de preverem a possibilidade de os seus residentes filiados receberem tratamentos médicos noutros Estados‑Membros em situações distintas das previstas no artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71. Em tal caso, a atuação dos referidos Estados ficará sujeita, como em seguida será explicado, às disposições do Tratado relativas à livre circulação (4).

19.      Com base nestas disposições, o Tribunal de Justiça efetuou uma interpretação orientada para a livre prestação de serviços, mas tendo também em conta as especificidades e circunstâncias muito heterogéneas que caraterizam o setor da saúde na Europa.

20.      Nos acórdãos Decker e Kohll (5), o Tribunal de Justiça confirmou que os serviços de saúde, incluindo os que são prestados pelos sistemas públicos, constituíam serviços de caráter económico e, por conseguinte, serviços sujeitos às normas do Tratado relativas à livre circulação. Este resultado permitiu alargar a proteção conferida pelo direito da União a casos distintos dos expressamente previstos pelo artigo 22.° do Regulamento n.° 1408/71.

21.      No caso de serviços médicos que requerem hospitalização, o acórdão Smits e Peerbooms (6) esclareceu vários aspetos relevantes, começando por reconhecer a competência geral dos Estados‑Membros para fazerem depender de uma autorização o acesso a serviços médicos noutro Estado‑Membro a cargo do Estado de residência, quer o sistema de saúde se baseie em retribuições em espécie ou em reembolsos (7). O mesmo acórdão acrescentou igualmente um critério importante para determinar se o tratamento que o paciente pretende efetuar noutro Estado‑Membro é «necessário» (8). Em relação a este ponto, o Tribunal de Justiça declarou que os Estados‑Membros só poderão recusar a autorização com fundamento na não necessidade da prestação «quando um tratamento idêntico ou com o mesmo grau de eficácia para o paciente possa ser oportunamente dispensado» no Estado‑Membro de residência (9).

22.      Segundo a jurisprudência, para poder apreciar se um tratamento que apresenta o mesmo grau de eficácia para o paciente pode ser obtido atempadamente no Estado‑Membro de residência, a instituição é obrigada a tomar em consideração todas as circunstâncias de cada caso concreto, tendo em devida conta não apenas a situação médica do paciente no momento em que é solicitada a autorização mas, além disso, os seus antecedentes (10). É evidente que estes elementos devem ser devidamente certificados por pessoal médico, para que o órgão jurisdicional possa apreciar todas as circunstâncias mediante critérios adequadamente provados e não com base nas apreciações subjetivas de cada paciente.

23.      Por conseguinte, resulta desta jurisprudência que um residente num Estado‑Membro, inscrito num sistema público de saúde, tem o direito de se deslocar a outro Estado da União, a cargo do sistema de previdência social do seu Estado de residência, quando um tratamento idêntico ou que apresenta o mesmo grau de eficácia para o paciente possa ser conseguido atempadamente nesse outro Estado, e não no Estado de residência. Nestas circunstâncias, o sistema de saúde onde o paciente está inscrito cobre as suas despesas no estrangeiro. Pelo contrário, se o paciente não preencher as condições descritas, terá sempre a possibilidade de se deslocar ao estrangeiro e receber o tratamento a que tinha direito no seu Estado de inscrição, pudendo pedir o custo da intervenção, ao preço previsto no Estado de inscrição e não o do lugar da prestação do serviço (11).

24.      Atendendo ao exposto, há que responder às questões colocadas no caso em apreço

25.      A primeira questão que deve ser apreciada é relativa a uma carência pontual de meios destinados a uma prestação de cuidados de saúde e não é particularmente difícil, considerada em si mesma. É evidente que o Regulamento n.° 1408/71 não distingue os motivos pelos quais uma determinada prestação não pode ser realizada atempadamente. Se o motivo assenta no fato de as infraestruturas materiais não permitirem efetuar a prestação, no caso em apreço, a intervenção cirúrgica necessária, a consequência deve ser idêntica à dos casos em que a deficiência é a falta de pessoal, ou seja, de profissionais de medicina capazes de realizar a intervenção necessária.

26.      Com efeito, importa não excluir que, especialmente em Estados‑Membros mais pequenos, um determinado acidente ou uma determinada ocorrência numa instalação clínica, possivelmente a única em que nesse Estado se pode prestar o serviço de saúde necessário, pode conduzir a uma situação em que, materialmente e não por outras carências, a referida prestação não possa ser realizada e de qualquer modo, atempadamente.

27.      Por conseguinte, em princípio, a resposta deve ser afirmativa, ou seja, tal como nos casos em que a carência é de meios pessoais, também uma deficiência nos estabelecimentos hospitalares pode impor ao Estado‑Membro o dever, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, de autorizar a prestação desse tratamento médico.

28.      Importa agora apreciar a segunda questão. O verdadeiro problema que esta questão prejudicial efetivamente apresenta não é, todavia, o que é colocado em termos de princípio, mas o que decorre de termos, digamos, «dimensionais». Dito de forma mais concreta, o verdadeiro problema surge quando esta carência de meios materiais para realizar a prestação de cuidados de saúde em questão se apresenta com uma dimensão que ultrapassa uma situação pontual, localizada, em conclusão ocasional, para ser expressão de uma situação de deficiência estrutural, generalizada, prolongada no tempo, ou seja, o que poderíamos qualificar como uma deficiência «sistémica».

29.      Antecipo, desde já, que não me compete determinar se é o que sucede na Roménia. Conforme declarou em várias ocasiões o Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial o nosso Tribunal apenas é competente para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de uma norma comunitária a partir dos factos apresentados pelo órgão jurisdicional nacional (12).

30.      A questão é que o tribunal nacional, ao expor a descrição que a recorrente no processo principal fez da situação sanitária no referido país, apresenta uma situação que certamente excede uma circunstância pontual e localizada. O órgão jurisdicional de reenvio descreve uma situação de emergência de cuidados de saúde que não está sequer circunscrita no tempo mas que, pelo contrário, é temporalmente indefinida e se refere genericamente a todo o Estado.

31.      Ora, perante esta situação infeliz, que não nos compete refutar, é evidente que a resposta à mesma não pode resultar do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71. Por definição, o Estado‑Membro que se encontra nessa situação vê‑se incapaz de suportar os encargos económicos decorrentes de uma emigração sanitária dos beneficiários do seu sistema de previdência social para os restantes Estados‑Membros.

32.      A aplicação estrita de tal disposição num contexto como o descrito seria, além disso, dificilmente enquadrável na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Como é sabido, um dos limites introduzidos ao exercício da livre prestação de serviços no setor da saúde é «pôr em causa» os referidos serviços no Estado de residência do paciente. Como já teve oportunidade de declarar o Tribunal de Justiça no acórdão Müller‑Fauré e Van Riet, assim como no acórdão Watts, devem ser evitados «fluxos migratórios de pacientes que [possam] pôr em causa todos os esforços de planificação e de racionalização efetuados pelo Estado‑Membro competente no setor vital dos cuidados da saúde a fim de evitar os problemas de sobrecapacidade hospitalar, de desequilíbrios na oferta de cuidados médicos hospitalares e de desperdício e perdas, tanto logísticos como financeiros» (13).

33.      Por conseguinte, há que concluir que numa situação em que os estabelecimentos hospitalares apresentam uma deficiência de caráter estrutural e prolongado como a exposta nos números anteriores, o artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71, não obriga os Estados‑Membros a autorizarem a prestação de um tratamento incluído na lista de prestações, mesmo que isso implique que determinadas prestações de saúde não possam ser efetivamente realizadas. Exceção feita, evidentemente, aos casos em que tal autorização não ponha em perigo a viabilidade do sistema de previdência no referido Estado‑Membro.

34.      Tendo em consideração o exposto, importa agora responder à questão colocada pelo Tribunalul Sibiu no caso específico de E. Petru.

35.      Conforme consta dos autos, E. Petru decidiu ser operada na Alemanha após constatar pessoalmente os meios de que, no momento do seu internamento, dispunha o Institutul de Boli Cardiovasculare de Timişoara. O órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se existem relatórios periciais que demonstrem tal escassez de meios no referido centro ou se, em contrapartida, está em causa uma apreciação pessoal de E. Petru.

36.      Atendendo aos elementos de facto constantes do processo, o órgão jurisdicional de reenvio deverá apreciar se estamos perante uma das duas situações previamente referidas e se ocorreu, eventualmente, uma falta pontual de meios materiais ou uma situação de deficiência dos estabelecimentos hospitalares de caráter estrutural e prolongado no tempo como a descrita nos n.os 28 a 32 das presentes conclusões.

37.      Por conseguinte, e tendo em consideração o exposto, entendo que o artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71 obriga os Estados‑Membros a autorizarem a prestação de um tratamento incluído na lista de prestações de cobertura, quando uma deficiência, de caráter pontual e transitório, num determinado estabelecimento hospitalar no referido Estado‑Membro tornou efetivamente impossível a prestação de um dos referidos tratamentos.

38.      Pelo contrário, um Estado‑Membro não é obrigado a autorizar a prestação de um tratamento incluído na lista de prestações de cobertura quando nos estabelecimentos hospitalares existe uma deficiência de caráter estrutural e prolongado no tempo, mesmo que isso implique que determinadas prestações de saúde não possam ser efetivamente realizadas, exceto se tal autorização não puser em causa a viabilidade do sistema de previdência social no referido Estado‑Membro.

39.      Estas considerações devem ser aplicadas ao caso em apreço pelo órgão jurisdicional de reenvio, único competente para apurar a matéria de facto do processo principal, tendo em conta os relatórios periciais independentes devidamente juntos ao referido processo.

VI.    Conclusão

40.      Atendendo ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Tribunalul Sibiu nos seguintes termos:

«O artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro é obrigado a autorizar a prestação de um tratamento incluído na lista de prestações de cobertura, quando uma deficiência, de caráter pontual e transitório, num determinado estabelecimento hospitalar no referido Estado‑Membro tornou efetivamente impossível a prestação de um dos referidos tratamentos.

Pelo contrário, o artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que não está obrigado a autorizar a prestação de um tratamento incluído na lista de prestações de cobertura quando nos estabelecimentos hospitalares existe uma deficiência de caráter estrutural e prolongado no tempo, mesmo que isso implique que determinadas prestações de saúde não possam ser efetivamente realizadas, exceto se tal autorização não puser em causa a viabilidade do sistema de previdência social no referido Estado‑Membro.

O órgão jurisdicional de reenvio deve comprovar, tendo em conta os relatórios periciais independentes devidamente juntos ao processo, se estas circunstâncias estavam reunidas no momento em que a recorrente solicitou a autorização ao abrigo do artigo 22.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1408/71.»


1 —      Língua original: espanhol.


2 —      Regulamento (CEE) do Conselho, de 14 de junho de 1971, na sua versão alterada e consolidada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1). Importa ter em consideração que os factos do processo principal ocorreram antes da entrada em vigor da reforma efetuada no referido regulamento pelo Regulamento (CE) n.° 592/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 (JO L 177, p. 1).


3 —      V., entre outros, Rodière, P., Droit social de l’Union Européenne, 2.ª ed., Ed. LGDJ, Paris, 2014, pp. 725 e segs.; De la Rosa, S., «The Directive on cross‑border healthcare or the art of codifying complex case law», Common Market Law Review, 49, 2012; Van der Mei, A. P., «Cross‑border access to medical care within the European Union: Some reflections on the judgments in Decker and Kohll», 5, Maastricht Journalof European and Comparative Law, Vol. 5, no 3, 1998, e Lewalle, H., y Palm, W., «Quel est l’impact de la jurisprudence européenne sur l’accès aux soins à l’intérieur de l’Union européenne?», Revue Belge de la Sécurité Sociale, no 4,  2001.


4 —      V. acórdãos Decker (C‑120/95, EU:C:1998:167, n.os 34 e segs.); Kohll (C‑158/96, EU:C:1998:171, n.° 35); e Vanbraekel e o. (C‑368/98, EU:C:2001:400, n.os 40 e segs.).


5 —      Acórdão Decker e Kohl, referidos na nota anterior.


6 —      Acórdão Smits e Peerbooms (C‑157/99, EU:C:2001:404).


7 —      Ibidem, n.os 55 a 59.


8 —      Ibidem, n.os 99 e segs.


9 —      Ibidem, n.° 103.


10 —      V. acórdãos Watts (C‑372/04, EU:C:2006:325, n.os 46 a 62) e Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.° 66).


11 —      V., entre outros, os acórdãos Müller‑Fauré e van Riet (C‑385/99, EU:C:2003:270, n.os 98 e 106) e Elchinov, já referido, n.° 80.


12 —      V., entre outros, acórdãos AC‑ATEL (C‑30/93, EU:C:1994:224, n.° 16); Phytheron International (C‑352/95, EU:C:1997:170, n.° 11); Dumon e Froment (C‑235/95, EU:C:1998:365, n.° 25); WWF e o. (C‑435/97, EU:C:1999:418, n.° 31); e Stadt Papenburg (C‑226/08, EU:C:2010:10, n.° 23).


13 —      V., entre outros, acórdãos Müller‑Fauré e van Riet, já referido, n.° 91, e Watts, já referido, n.° 71.