Language of document : ECLI:EU:T:2008:483

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

12 de Novembro de 2008 (*)

«Marca comunitária – Pedido de marca comunitária tridimensional – Tijolo da Lego vermelho – Motivo absoluto de recusa – Sinal composto exclusivamente pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico – Artigo 7. °, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento (CE) n.° 40/94 – Oferecimento de provas»

No processo T‑270/06,

Lego Juris A/S, com sede em Billund (Dinamarca), representada por V. von Bomhard, A. Renck e T. Dolde, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por D. Botis, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

Mega Brands, Inc., com sede em Montreal (Canadá), representada por P. Cappuyns e C. De Meyer, advogados,

que tem por objecto um recurso da decisão da Grande Câmara de Recurso do IHMI de 10 de Julho de 2006 (processo R 856/2004‑G), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Mega Brands, Inc., e a Lego Juris A/S,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas (relator) e A. Dittrich, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Junho de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 1 de Abril de 1996, a Kirkbi A/S, à qual sucedeu a recorrente, Lego Juris A/S, apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado.

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal tridimensional de cor vermelha aqui reproduzido:

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3        Os produtos para os quais o registo foi pedido incluem‑se nas classes 9 e 28, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

–        Classe 9: «Aparelhos e instrumentos científicos, náuticos, geodésicos, fotográficos, cinematográficos, ópticos, de pesagem, de medida, de sinalização, de controlo (inspecção), de socorro (salvamento) e de ensino; aparelhos e instrumentos para a condução, distribuição, transformação, acumulação, regulação ou o controlo da corrente eléctrica; aparelhos para o registo, a transmissão, a reprodução do som ou das imagens; suporte de registo magnético, discos acústicos; distribuidores automáticos e mecanismos para aparelhos de pré‑pagamento; caixas registadoras, máquinas de calcular, equipamentos para o tratamento da informação e computadores; extintores»;

–        classe 28: «Jogos, brinquedos; artigos de ginástica e de desporto não incluídos noutras classes; decorações para árvores de Natal».

4        Em 19 de Outubro de 1999, a marca pedida foi registada como marca comunitária.

5        Em 21 de Outubro de 1999, a Ritvik Holdings Inc., à qual sucedeu a Mega Brands, Inc., requereu que fosse declarada a nulidade deste registo ao abrigo do artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, no tocante aos «jogos de construção» da classe 28, por o referido registo infringir os motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), alínea e), ii) e iii), e alínea f), do mesmo regulamento.

6        Em 8 de Dezembro de 2000, a Divisão de Anulação suspendeu a instância, aguardando pela prolação do acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2002, Philips (C‑299/99, Colect., p. I‑5475, a seguir «acórdão Philips»). A instância foi retomada na Divisão de Anulação em 31 de Julho de 2002.

7        Por decisão de 30 de Julho de 2004, a Divisão de Anulação declarou nulo o registo no tocante aos «jogos de construção» da classe 28, com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, considerando que a marca em causa era composta exclusivamente pela forma dos produtos necessária à obtenção de um resultado técnico.

8        Em 20 de Setembro de 2004, a recorrente interpôs recurso da decisão da Divisão de Anulação para o IHMI, nos termos dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94. O exame deste recurso foi atribuído à Primeira Câmara de Recurso.

9        Em 15 de Novembro de 2004, a recorrente requereu a recusa do presidente da Primeira Câmara de Recurso por suspeita de parcialidade, em aplicação do artigo 132.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94. Através da sua decisão R 856/2004‑1, a Primeira Câmara de Recurso determinou a substituição do presidente inicialmente designado pelo seu primeiro suplente.

10      Por fax de 30 de Setembro de 2005, a recorrente requereu, em razão da complexidade do processo, por um lado, que o recurso fosse objecto de processo oral, em conformidade com o artigo 75.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, e, por outro, que o processo fosse atribuído à Grande Câmara de Recurso, em conformidade com o artigo 130.°, n.os 2 e 3, do mesmo regulamento.

11      Em 7 de Março de 2006, sob proposta do presidente das Câmaras de Recurso, o Presidium das Câmaras de Recurso reenviou o processo à Grande Câmara de Recurso, em conformidade com o artigo 1.°‑B, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 216/96 da Comissão, de 5 de Fevereiro de 1996, que estabelece o regulamento processual das Câmaras de Recurso do IHMI (JO L 28, p. 11).

12      Por decisão de 10 de Julho de 2006 (a seguir «decisão impugnada»), a Grande Câmara de Recurso indeferiu o pedido da recorrente de abertura do processo oral. Quanto ao mais, julgou improcedente o recurso da recorrente, considerando que, em aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, a marca em causa não podia ser registada para os «jogos de construção» da classe 28.

13      Com efeito, a Grande Câmara de Recurso entendeu, nos n.os 32 e 33 da decisão impugnada, que a aquisição do carácter distintivo, prevista no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, não podia obstar à aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do referido regulamento. Salientou ainda, no n.° 34, que o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 visa proibir o registo de formas cujas características essenciais respondem a uma função técnica, de modo a que possam ser livremente utilizadas por todos. No n.° 36, a Câmara de Recurso entendeu que uma forma não escapa a esta proibição se contiver um elemento arbitrário menor, como uma cor. No n.° 58, concluiu que a existência de outras formas susceptíveis de permitir a obtenção do mesmo resultado técnico não era pertinente. No n.° 60, entendeu que o termo «exclusivamente», utilizado pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, significa que a forma não tem outra finalidade que não seja a obtenção de um resultado técnico e que o termo «necessária», utilizado pela mesma disposição, significa que a forma é requerida para obter este resultado técnico, mas que daí não se deduz que outras formas não possam igualmente desempenhar o mesmo papel. Quanto ao mais, realçou, nos n.os 54 e 55, as características da forma em causa que considerava essenciais e efectuou, nos n.os 41 a 63, uma análise da sua funcionalidade.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Setembro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso. Nos dias 29 e 30 de Janeiro de 2007, respectivamente, a interveniente e o IHMI apresentaram as suas alegações de contestação.

15      Por carta de 11 de Junho de 2007, a interveniente pediu a junção aos autos de um despacho proferido em 2 de Maio de 2007 pelo Tribunal Federal das Marcas alemão. Por decisão de 25 de Julho de 2007, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu este pedido. A recorrente apresentou as suas observações sobre este despacho em 21 de Agosto de 2007. O IHMI não apresentou observações no prazo fixado.

16      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância a contar de 25 de Setembro de 2007, o juiz‑relator foi afectado à Sexta Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi atribuído.

17      Em 12 de Novembro de 2007, a recorrente pediu a junção aos autos de um despacho proferido em 12 de Julho de 2007 pelo Tribunal Regional de Budapeste. Por decisão de 22 de Novembro de 2007, o presidente da Sexta Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu este pedido. A interveniente apresentou as suas observações sobre este despacho em 14 de Dezembro de 2007. O IHMI não apresentou observações no prazo fixado.

18      Na sequência de impedimento do juiz‑relator inicialmente designado, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, por decisão de 9 de Janeiro de 2008, nomeou um novo juiz‑relator, afectado à Oitava Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi atribuído.

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o IHMI nas despesas.

20      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto à admissibilidade dos documentos apresentados pela primeira vez perante o Tribunal de Primeira Instância

21      Importa referir desde logo que os despachos dos tribunais alemão e húngaro, apresentados, respectivamente, pela interveniente e pela recorrente (v. n.os 15 e 17 supra), foram invocados pela primeira vez perante o Tribunal de Primeira Instância.

22      A este respeito, cumpre recordar que o recurso interposto neste Tribunal tem por finalidade a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do IHMI, na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94. Portanto, não é função do Tribunal examinar de novo as circunstâncias de facto à luz das provas que sejam apresentadas perante si pela primeira vez. Com efeito, a admissão destas provas é contrária ao n.° 4 do artigo 135.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do qual as respostas das partes não podem alterar o objecto do litígio perante a Câmara de Recurso [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2003, DaimlerChrysler/IHMI (Grelha de veículo), T‑128/01, Colect., p.  II‑701, n.° 18].

23      É, pois, forçoso concluir que a interveniente e a recorrente não podem invocar os referidos despachos como elementos de prova relativos aos factos do presente processo.

24      Há, contudo, que esclarecer que nem as partes nem o próprio Tribunal podem ser impedidos de se inspirar, na interpretação do direito comunitário, em elementos retirados da jurisprudência comunitária, nacional ou internacional. Esta possibilidade de fazer referência a decisões nacionais não está contemplada na jurisprudência que acaba de ser recordada no n.° 22 supra, pois não se trata de criticar a Câmara de Recurso por não ter tido em conta elementos de facto respeitantes a um determinado acórdão nacional, mas por ter violado uma disposição do Regulamento n.° 40/94, e invocar a jurisprudência em apoio desse fundamento [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Novembro de 2005, Sadas/IHMI – LTJ Diffusion (ARTHUR ET FELICIE), T‑346/04, Colect., p.  II‑4891, n.° 20; de 8 de Dezembro de 2005, Castellblanch/IHMI – Champagne Roederer (CRISTAL CASTELLBLANCH), T‑29/04, Colect., p.  II‑5309, n.° 16; e de 12 de Julho de 2006, Vitakraft‑Werke Wührmann/IHMI – Johnson’s Veterinary Products (VITACOAT), T‑277/04, Colect., p.  II‑2211, n.° 71].

25      Daqui se conclui que os despachos dos tribunais alemão e húngaro, apresentados, respectivamente, pela interveniente e pela recorrente, são admissíveis, na medida em que possam ser úteis, no presente caso, para efeitos da interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94.

 Quanto ao mérito

26      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca um único fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94. Este fundamento divide‑se em duas partes, relativas, a primeira, à errada interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 e, a segunda, à errada apreciação do objecto da marca em causa.

 Quanto à primeira parte, relativa à errada interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

27      A recorrente considera, em primeiro lugar, que a redacção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 não visa excluir as formas funcionais, em si, do registo como marca, mas apenas os sinais compostos «exclusivamente» pela forma dos produtos «necessária» à obtenção de um resultado técnico. Assim, para se enquadrar no âmbito desta disposição, a forma deve estar desprovida de características não funcionais e não deve ser possível modificar a sua aparência externa no respeitante às suas características distintivas sem que esta perca a sua funcionalidade.

28      Em segundo lugar, a recorrente salienta que o contexto do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 demonstra que uma forma que não se enquadra no âmbito do motivo absoluto de recusa previsto por esta disposição deve ainda satisfazer as condições visadas no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do referido regulamento. Resulta da jurisprudência que as formas de produtos só podem ser registadas se tiverem adquirido um carácter distintivo e esta condição só muito raramente é preenchida. Portanto, não é necessário interpretar de modo extensivo o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 para preservar o interesse público na disponibilidade das formas nem para impedir a monopolização das características dos produtos. Donde se conclui que esta disposição não visa preservar a disponibilidade das formas nem impedir que sejam monopolizadas as características dos produtos. Visa unicamente manter as soluções técnicas à livre disposição dos concorrentes.

29      Em terceiro lugar, a recorrente considera que, segundo o acórdão Philips, o objectivo do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 não é excluir da protecção das marcas as formas funcionais per se, mas unicamente as formas funcionais cuja protecção criaria um monopólio sobre as soluções técnicas ou sobre as características utilitárias da forma que podem ser procuradas pelo utilizador nos produtos dos concorrentes. Em seu entender, resulta ainda do acórdão Philips que, no âmbito da apreciação do carácter distintivo, esta disposição não visa impedir o registo de formas sem um qualquer elemento adicional arbitrário, sem um fim funcional. Esta consideração também será aplicável à apreciação da funcionalidade.

30      Consequentemente, a recorrente entende que o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 não impede que o conjunto dos «desenhos industriais» beneficie da protecção de uma marca. Tais formas podem ser registadas como marcas mesmo se forem compostas exclusivamente por elementos que têm uma função. A questão determinante é a de saber se a protecção das marcas criará um monopólio sobre soluções técnicas ou características utilitárias da forma em causa, ou se os concorrentes beneficiam de suficiente liberdade para aplicar a mesma solução técnica e utilizar as mesmas características. Segundo a recorrente, foi a constatação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, do risco de criação de um monopólio em razão da indisponibilidade de formas alternativas que levou o Tribunal de Justiça a declarar, no acórdão Philips, que não era possível remeter os concorrentes para outras «soluções técnicas».

31      Efectivamente, o Tribunal de Justiça não declarou, no n.° 84 do acórdão Philips, que todas as formas alternativas eram desprovidas de pertinência. Enunciou que, estando demonstrado que as características funcionais essenciais de uma forma são apenas atribuíveis ao «resultado técnico», o facto de o mesmo resultado poder ser igualmente obtido por outras formas utilizando diferentes «soluções técnicas» não significa que a forma se torne registável. Na realidade, a existência ou não de formas alternativas funcionalmente equivalentes utilizando a mesma «solução técnica» é o único critério para determinar se resultará um monopólio da concessão de uma protecção de marca, o que será reconhecido também pela doutrina americana sobre a funcionalidade.

32      A este respeito, a recorrente salienta que, no acórdão Philips, o Tribunal de Justiça utilizou a expressão «solução técnica» para se referir ao objectivo de impedir a criação de um monopólio, ao passo que utilizou a expressão «resultado técnico» quando se referia a outras formas. Com efeito, segundo a recorrente, estas expressões designam conceitos diferentes, podendo um «resultado técnico» ser obtido através de diferentes «soluções técnicas». Assim, o Tribunal de Justiça excluiu a possibilidade de remeter os concorrentes para soluções técnicas diferentes que conduzam ao mesmo resultado, ainda que a existência de formas alternativas que apliquem a mesma solução técnica prove que não existem riscos de criação de um monopólio.

33      Esta distinção corresponderá também à terminologia do direito das patentes, sendo a locução «solução técnica» sinónima da expressão «invenção patenteada», a qual determina o alcance da protecção da patente e permite obter um «resultado técnico». Segundo a recorrente, este mesmo resultado pode também ser obtido legalmente através de outras invenções patenteadas, ao passo que as formas alternativas que apliquem a mesma «solução técnica» violam esta patente. Em contrapartida, estas mesmas formas alternativas não violam, segundo a recorrente, uma marca que proteja os desenhos específicos de uma mesma «solução técnica», na condição de as diferenças entre os desenhos permitirem aos consumidores distinguir os produtos. Assim, a protecção das marcas não conduzirá à criação de um monopólio técnico permanente, mas permitirá aos concorrentes do titular do direito de marca aplicarem a mesma «solução técnica».

34      Em quarto lugar, a interpretação histórica revela, segundo a recorrente, que o Conselho introduziu, na redacção do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, os termos «exclusivamente» e «necessária» para efeitos da exclusão da possibilidade, para um concorrente, de se aproveitar do prestígio de que beneficia uma forma familiar que tenha uma significativa consequência técnica, não estando o seu registo excluído se este resultado puder ser obtido por meio de outras formas.

35      O IHMI e a interveniente entendem que a interpretação proposta pela recorrente é incompatível com o acórdão Philips, tendo o Tribunal de Justiça considerado que a proibição do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 abrange todas as formas essencialmente funcionais atribuíveis ao resultado técnico.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

36      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, «[s]erá recusado o registo […] [d]e sinais exclusivamente compostos […] [p]ela forma do produto necessária para obter um resultado técnico». De igual modo, segundo o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»), «[s]erá recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efectuados, os registos relativos […] [a]os sinais constituídos exclusivamente […] pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico».

37      No caso em apreço, cabe salientar que, essencialmente, a recorrente alega que a Grande Câmara de Recurso apreciou erradamente o alcance do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, e nomeadamente o dos seus termos «exclusivamente» e «necessária», quando considerou que a existência de formas alternativas funcionalmente equivalentes utilizando a mesma solução técnica não é pertinente para efeitos da aplicação desta disposição.

38      A este respeito, importa concluir, em primeiro lugar, que a palavra «exclusivamente», presente tanto no artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 como no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da directiva, deve ser lida à luz da expressão «características essenciais que respondem a uma função técnica», utilizada nos n.os 79, 80 e 83 do acórdão Philips. Efectivamente, decorre desta expressão que a adição de características não essenciais que não tenham uma função técnica não leva a que uma forma escape a este motivo absoluto de recusa se todas as características essenciais da referida forma responderem a tal função. Foi, pois, de modo juridicamente correcto que a Grande Câmara de Recurso efectuou a sua análise da funcionalidade da forma em causa por referência às características que considerava essenciais. Portanto, há que concluir que interpretou correctamente o termo «exclusivamente».

39      Em segundo lugar, resulta dos n.os 81 e 83 do acórdão Philips que a fórmula «necessária à obtenção de um resultado técnico», presente tanto no artigo 7, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 como no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da directiva, não significa que esse motivo absoluto de recusa só se aplica quando a forma em causa é a única que permite obter o resultado visado. Com efeito, o Tribunal de Justiça enunciou, no n.° 81, que a «existência de outras formas que permitam obter o mesmo resultado técnico [não é] susceptível de afastar o motivo de recusa» e, no n.° 83, que «o registo de um sinal constituído pela referida forma [está excluído], mesmo que o resultado técnico em causa possa ser alcançado por outras formas». Portanto, para que esse motivo absoluto de recusa se aplique, basta que as características essenciais da forma reúnam as características tecnicamente causais e suficientes para a obtenção do resultado técnico visado, de molde a serem atribuíveis ao resultado técnico. Daqui resulta que a Grande Câmara de Recurso não cometeu um erro quando considerou que o termo «necessária» significa que a forma é requerida para obter um resultado técnico, mesmo quando este último possa ser atingido por outras formas.

40      Em terceiro lugar, cabe salientar que, contrariamente ao que defende a recorrente, o Tribunal de Justiça excluiu, nos n.os 81 e 83 do acórdão Philips, a pertinência da existência «de outras formas que permitam obter o mesmo resultado técnico», sem distinguir as formas que utilizem outra «solução técnica» daquelas que utilizem a mesma «solução técnica».

41      Acresce que, segundo o Tribunal de Justiça, o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva visa «evitar que a protecção do direito da marca leve a conferir ao seu titular um monopólio sobre […] características utilitárias de um produto» e a «evitar que a protecção conferida pelo direito de marca [impeça] que [os concorrentes] possam oferecer livremente produtos que incorporem […] as referidas características utilitárias em concorrência com o titular da marca» (n.° 78 do acórdão Philips). Ora, não se pode excluir que as características utilitárias de um produto, as quais, segundo o Tribunal de Justiça, também devem ser deixadas à disposição dos concorrentes, sejam específicas a uma forma precisa.

42      Além disso, o Tribunal de Justiça realçou, no n.° 80 do acórdão Philips, que o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da directiva «prossegue um objectivo de interesse geral, que exige que uma forma cujas características essenciais respondem a uma função técnica […] possa ser livremente utilizada por todos». Este objectivo não visa, pois, unicamente a solução técnica incorporada em tal forma mas também as próprias forma e suas características essenciais. Uma vez que a forma enquanto tal deve poder ser livremente utilizada, não se pode aceitar a distinção defendida pela recorrente.

43      Resulta de tudo o que precede que o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 se opõe ao registo de toda e qualquer forma composta exclusivamente, nas suas características essenciais, pela forma do produto tecnicamente causal e suficiente para a obtenção do resultado técnico visado, mesmo quando este resultado possa ser alcançado por outras formas que utilizem a mesma, ou outra, solução técnica.

44      Por conseguinte, há que concluir que a Grande Câmara de Recurso não interpretou de modo errado o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94.

45      Esta conclusão não é infirmada pelos outros argumentos avançados pela recorrente.

46      Em primeiro lugar, na medida em que a recorrente alega que não há que interpretar extensivamente o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, porque a forma de um produto só raramente satisfaz as condições impostas pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea b), e pelo artigo 7.°, n.° 3, do referido regulamento, importa referir que estes motivos de recusa prosseguem objectivos diferentes e que a sua aplicação pressupõe a reunião de condições diferentes. Cada um deles deve, pois, como salientou o Tribunal de Justiça no n.° 77 do acórdão Philips, ser interpretado à luz do interesse geral que lhe está subjacente e não por referência a eventuais efeitos práticos decorrentes da aplicação de outros motivos. Portanto, este argumento deve ser rejeitado.

47      Em segundo lugar, no tocante à comparação entre o direito das marcas e o direito das patentes, cabe constatar que repousa na distinção entre as formas que incorporam a mesma solução técnica e as que incorporam outras soluções técnicas (v. n.° 33 supra). Ora, concluiu‑se nos n.os 40 a 44 supra que não se pode fazer tal distinção. Portanto, este argumento deve igualmente ser rejeitado.

48      Em terceiro lugar, cumpre referir que o argumento assente na génese do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 tinha sido avançado no processo que culminou no acórdão Philips, sem porém afectar a análise do Tribunal de Justiça, e que, além disso, foi refutado pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no n.° 41 das conclusões por si apresentadas nesse processo (Colect., p. I‑5475). Portanto, este argumento deve ser rejeitado.

49      Tendo em conta as considerações precedentes, a primeira parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa à errada apreciação do objecto da marca em causa

50      No âmbito da segunda parte, a recorrente faz, no essencial, três alegações, relativas, a primeira, à falta de identificação das características essenciais da marca em causa, a segunda, a erros na apreciação do carácter funcional das características essenciais da referida marca e, a terceira, à errada tomada em conta de uma decisão de um órgão jurisdicional nacional. Importa examinar conjuntamente a primeira e a segunda alegações.

 Quanto à primeira e segunda alegações, relativas à falta de identificação das características essenciais da marca em causa e a erros na apreciação do carácter funcional das referidas características essenciais

–       Argumentos das partes

51      No que toca, em primeiro lugar, à alegação relativa à falta de identificação das características essenciais da marca em causa, a recorrente sustenta, em primeiro lugar, que a Grande Câmara de Recurso omitiu a identificação das características essenciais da forma em causa, a saber, o desenho e a proporção dos blocos. Examinou a funcionalidade do tijolo da Lego no seu todo, incluindo elementos não abrangidos pela protecção pedida, tais como a face oca e as projecções secundárias, apesar de a recorrente ter observado que era exclusivamente a forma específica da superfície exterior que era coberta pelo pedido de registo. Assim, a Grande Câmara de Recurso não teve em conta o facto de o registo pedido permitir à recorrente opor‑se a pedidos de registo que visem tijolos de construção que tenham a mesma aparência, mas não aos que visem tijolos com uma aparência diferente, independentemente da questão de saber se aplicam a mesma solução técnica ou não.

52      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que resulta do acórdão Philips que as características essenciais de uma forma devem ser determinadas do ponto de vista do consumidor relevante e não por peritos segundo uma análise puramente técnica, pois é logicamente necessário identificar as características essenciais de uma forma antes de examinar se desempenham uma função técnica.

53      A recorrente realça seguidamente que, se as características essenciais da forma se revelarem puramente funcionais, nascerá um monopólio não pretendido sobre uma função técnica. Em contrapartida, se não o forem, nomeadamente porque podem ser modificadas sem afectar a solução técnica, o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 não se aplica. Porém, para poder ser registada, a forma em causa deve ainda ter adquirido carácter distintivo, o que, segundo a recorrente, é uma condição difícil de satisfazer.

54      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que a identificação das características essenciais deve ter em conta as provas existentes relativas à percepção dos consumidores. No presente caso, vários inquéritos demonstraram que, olhando para a face superior do tijolo da Lego, uma importante parte dos consumidores reconhece‑o e atribui‑lhe uma origem específica, devido ao desenho e às proporções dos blocos. Um inquérito realizado na Alemanha, em 1991, demonstrou que os consumidores apercebem os elementos funcionais e distinguem o tijolo da Lego de outros tijolos de jogo, que podem funcionar do mesmo modo, devido ao desenho dos seus blocos. Um segundo inquérito, realizado em 2003, confirmou que a configuração dos blocos era um elemento distintivo.

55      Em quarto lugar, a recorrente alega que a Grande Câmara de Recurso não teve em conta os elementos de prova que tinha apresentado, remetendo para o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, quando esta disposição nunca foi objecto do debate, o qual versava sobre o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do referido regulamento. A Grande Câmara de Recurso não teve em consideração que os mesmos factos e provas podem ser pertinentes, no plano jurídico, em contextos diferentes.

56      Seguidamente, no que respeita à alegação relativa a erros na apreciação do carácter funcional das características essenciais da marca em causa, a recorrente considera que a Câmara de Recurso não examinou a funcionalidade das características essenciais da forma em causa. Procedeu a uma análise do tijolo da Lego no seu todo, unicamente com base nas peritagens oferecidas pela interveniente, recusando ter em consideração a existência de formas alternativas que utilizem a mesma técnica e não tendo em conta o alcance e o impacto da protecção anterior em matéria de patentes sobre a apreciação da funcionalidade de uma forma.

57      Em primeiro lugar, no que respeita às peritagens, a recorrente alega, num primeiro ponto, que a Grande Câmara de Recurso se fundou, sem qualquer análise crítica, na peritagem do Sr. M., oferecida e financiada pela interveniente, bem como nas dos Srs. P. e R. Ora, uma vez que a peritagem do Sr. M. visa a funcionalidade do tijolo da Lego no seu todo, não é pertinente para a determinação da funcionalidade das características essenciais da forma em questão, a saber, o desenho dos blocos. Acresce, segundo a recorrente, que as declarações do Sr. P. não são pertinentes no presente caso, pois dizem respeito à patente Duplo e referem‑se unicamente aos «tubos» presentes na face inferior dos tijolos. De igual modo, a afirmação do Sr. R. segundo a qual o bloco cilíndrico é mais polivalente do que o bloco hexagonal aplica‑se a um número infinito de formas cilíndricas com aparências muito diferentes e não apenas ao desenho específico da marca em causa.

58      Seguidamente, a recorrente alega que, contrariamente à afirmação da Grande Câmara de Recurso, refutou as alegações do Sr. M. a respeito da funcionalidade do desenho dos blocos, mais especificamente, com várias peritagens. Ora, a Grande Câmara de Recurso não mencionou estas peritagens nem explicou o porquê da peritagem do Sr. M. ser a única credível e pertinente. Negou mesmo a existência de qualquer prova relativa à falta de funcionalidade das características essenciais do tijolo da Lego. A recorrente alega que remeteu para decisões judiciais que tinham refutado que a forma do tijolo da Lego era ditada por uma função e que juntou sete peritagens que confirmam que o desenho dos blocos não desempenha uma função técnica, a saber, as dos Srs. H., B.‑W., R. e B. Segundo defende, a Grande Câmara de Recurso deveria ter tomado em consideração todas estas provas e violou o direito de defesa da recorrente, a saber, o direito de audiência, não o tendo feito.

59      Em seguida, a recorrente considera que a recusa da Grande Câmara de Recurso de tomar em consideração as peritagens que tinha apresentado conduziu a uma incorrecta apreciação dos factos. Com efeito, segundo a recorrente, resulta da peritagem independente do Sr. B.‑W. que a forma dos blocos pela qual a Lego optou não é tecnicamente necessária, pois trata‑se unicamente de uma das possibilidades infinitas destinadas a assegurar uma fricção ideal entre dois tijolos novos da mesma série após a sua montagem e que existem alternativas técnicas graças às quais a função também poderá ser desempenhada satisfatoriamente. Do mesmo modo, segundo a recorrente, o Sr. R. esclareceu que existe um grande número de desenhos de blocos diferentes que são, em termos funcionais, quanto aos seus custos de produção, à sua qualidade e à sua segurança, inteiramente equivalentes aos do tijolo da Lego e que poderão mesmo ser compatíveis com o tijolo da Lego. As peritagens dos Srs. B. e H. confirmam, segundo a recorrente, a equivalência funcional dos desenhos alternativos e demonstram que a imagem específica do desenho do tijolo da Lego veicula uma forte identidade constituída sobretudo pelos blocos claramente reconhecíveis.

60      Em segundo lugar, a recorrente critica a Grande Câmara de Recurso por ter considerado que os desenhos alternativos funcionalmente equivalentes utilizados pelos seus concorrentes não eram pertinentes, embora sejam importantes para determinar se a protecção de uma forma conduz ou não à criação de um monopólio sobre uma solução técnica. A Grande Câmara de Recurso contradiz‑se, segundo a recorrente, quando afirma que apenas as formas que são necessárias ao desempenho de uma função técnica são excluídas da protecção, ao mesmo tempo que entende que tal não significa que outras formas não poderiam também desempenhar a mesma função técnica.

61      Na realidade, afirma a recorrente, não existe outro meio que não seja o de examinar os desenhos alternativos para determinar se as características essenciais de uma forma são funcionais e poderiam criar um risco de monopólio se estivessem protegidas. Todos os peritos, inclusivamente aqueles em cujos pareceres se terá baseado a Grande Câmara de Recurso, seguem esta abordagem comparativa, particularmente no que respeita aos desenhos alternativos dos blocos. Segundo a recorrente, resulta da jurisprudência de um tribunal de segunda instância dos Estados Unidos que os desenhos alternativos são pertinentes para a apreciação da funcionalidade de uma forma.

62      Finalmente, a recorrente considera que o argumento segundo o qual poderia ser obtido um monopólio sobre uma solução técnica através do registo do conjunto dos desenhos funcionalmente equivalentes revela que a Grande Câmara de Recurso não estava certa de que a marca em causa conduziria efectivamente à criação de um monopólio. Acresce que este argumento poderia ser contraposto, segundo a recorrente, a todos os pedidos de marca relativamente aos quais existe apenas um número limitado de combinações possíveis, como, por exemplo, as combinações de duas letras, que são, porém, autorizados pelo IHMI. Por outro lado, a recorrente entende que é irrealista afirmar que seria «fácil registar o conjunto das formas possíveis», pois uma forma deve superar o obstáculo dos outros motivos absolutos de recusa, que muito poucos sinais tridimensionais puderam transpor graças à aquisição de um carácter distintivo.

63      Em terceiro lugar, a recorrente considera que a Grande Câmara de Recurso não tomou em consideração o impacto da protecção anterior de uma patente sobre a apreciação da funcionalidade de uma forma. Realça que um só objecto individual pode ser protegido por diferentes direitos de propriedade intelectual.

64      A recorrente começa por alegar que a Grande Câmara de Recurso não teve em conta que, em direito americano, uma patente anterior não constitui prova inilidível da funcionalidade das características divulgadas, mas que se trata de uma prova que pode ser rebatida com a prova da disponibilidade de desenhos funcionalmente equivalentes. Além disso, esta jurisprudência remete para as características reivindicadas numa patente e não para as características divulgadas, o que não teve em consideração a Grande Câmara de Recurso. Por último, não existe no direito das marcas europeu uma doutrina da funcionalidade como a aplicada nos Estados Unidos.

65      Em seguida, a recorrente afirma que a Grande Câmara de Recurso não teve em consideração que as características essenciais da marca em causa, os blocos cilíndricos circulares, não são uma invenção que possa ser patenteada e nunca estiveram cobertos por uma patente. Segundo afirma, o que tinha sido reivindicado era um mecanismo específico de montagem dos tijolos de construção que não depende de um desenho específico dos blocos. O que demonstra, por um lado, a falta de pertinência do desenho dos blocos para a funcionalidade de um tijolo de jogo de construção e, por outro, que as patentes anteriores nunca impediram que os terceiros utilizassem uma forma específica de blocos. Ora, a Grande Câmara de Recurso não procedeu ao exame dos factos e argumentos avançados a este respeito pela recorrente.

66      A recorrente sustenta ainda que o facto de as projecções «cilíndricas» terem sido descritas nas patentes como sendo a representação preferida dos blocos não significa que a solução técnica só possa ser obtida através de tais projecções nem que o desenho dos blocos é funcional. Ao que acresce que o termo técnico «cilíndrico» se refere a um número infinito de formas cilíndricas de aparências diferentes. Assim, nunca existiu um monopólio em matéria de patentes atribuídas para as projecções «cilíndricas».

67      Seguidamente, a recorrente defende que um tijolo de construção de aparência visual semelhante poderia violar os direitos de marca do tijolo da Lego, mas não a patente anterior que aplique uma solução técnica diferente. Inversamente, formas alternativas poderiam violar as patentes anteriores, mas não a marca em causa, se forem distintas em termos da sua superfície superior. Daqui resulta, segundo a recorrente, que a marca em causa não confere direitos exclusivos sobre uma solução técnica e não prolonga a protecção decorrente das patentes anteriores. O facto de numerosos concorrentes terem comercializado tijolos de aparência diferente que aplicam a mesma solução técnica prova que a concorrência não sofre com os direitos exclusivos da recorrente.

68      Em quarto lugar, a recorrente salienta que não obtém um monopólio sobre uma solução técnica devido à protecção como marca da forma em causa, podendo a mesma solução técnica ser obtida através de um número infinito de formas diferentes que podem ser distinguidas pelos consumidores. Assim sendo, os concorrentes, para aplicar a mesma solução técnica, não têm necessidade de copiar a forma do tijolo da Lego, a qual será, enquanto factor de prestígio, economicamente atractiva para os outros operadores. Ora, tal interesse económico não é protegido, segundo a recorrente, pelo artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, o qual não se aplica no caso em apreço, pois não existe um problema de monopólio.

69      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

70      Em primeiro lugar, na medida em que a recorrente alega que a determinação das características essenciais da forma em causa deve ser feita do ponto de vista do consumidor e que a análise deve ter em conta os inquéritos de que foram alvo os consumidores, há que referir que esta determinação é feita, no quadro do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, com a finalidade precisa de permitir o exame da funcionalidade da forma em causa. Ora, a percepção do consumidor escolhido como alvo não é pertinente para a análise das características essenciais de uma forma. Efectivamente, o consumidor‑alvo pode não dispor dos conhecimentos técnicos necessários à apreciação das características essenciais de uma forma, de modo que certas características podem ser essenciais do seu ponto de vista quando não o são no contexto de uma análise da funcionalidade e inversamente. Portanto, importa considerar que as características essenciais de uma forma devem ser determinadas, para efeitos da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94, de modo objectivo, a partir da sua representação gráfica e das eventuais descrições apresentadas com o pedido de marca.

71      Além disso, decorre do enunciado no número anterior que é erradamente que a recorrente alega que a Grande Câmara de Recurso não teve em conta os alcances respectivos do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii) (que visa a funcionalidade de uma forma), e do artigo 7.°, n.° 3 (que visa o seu carácter distintivo adquirido), do Regulamento n.° 40/94 e que é infundadamente que sustenta que os inquéritos aos consumidores são pertinentes em ambos os casos.

72      Em segundo lugar, a recorrente critica a Grande Câmara de Recurso por ter omitido identificar as características essenciais da forma em causa e ter examinado, não a forma em causa, mas o tijolo da Lego no seu todo, incluindo na sua análise elementos invisíveis, tais como a face inferior oca e as projecções secundárias.

73      A este respeito, cabe realçar que resulta da jurisprudência que é unicamente a forma reproduzida no n.° 2 supra que deve ser objecto do exame do pedido de registo [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Novembro de 2005, Almdudler‑Limonade/IHMI (Forma de uma garrafa de limonada), T‑12/04, não publicado na Colectânea, n.os 42 a 45; de 17 de Janeiro de 2006, Henkel/IHMI (Pastilha rectangular vermelha e branca com um centro oval azul), T‑398/04, não publicado na Colectânea, n.° 25; e de 31 de Maio de 2006, De Waele/IHMI (Forma de uma salsicha), T‑15/05, Colect., p.  II‑1511, n.° 36]. Com efeito, a representação gráfica, tendo por função definir a marca, deve ser completa por si própria, a fim de determinar, com clareza e precisão, o objecto exacto da protecção conferida pela marca registada ao seu titular (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2002, Sieckmann, C‑273/00, Colect., p.  I‑11737, n.os 48 e 50 a 52). No presente caso, uma vez que, por um lado, a recorrente descreveu a forma em causa, no momento do depósito do pedido de marca, unicamente por intermédio da representação gráfica que figura no n.° 2 supra e, por outro, que não pode ser tida em conta qualquer descrição ulterior (v., neste sentido, acórdão Forma de uma garrafa de limonada, já referido, n.° 42), é única e exclusivamente com base nesta representação que devem ser identificadas as características essenciais.

74      Ora, resulta dos n.os 38, 39, 42, 54, 55 e 61 a 63 da decisão impugnada que a Grande Câmara de Recurso examinou efectivamente o tijolo da Lego no seu todo e identificou nomeadamente, nos n.os 54 e 55 da decisão impugnada, a face inferior oca e as projecções secundárias invisíveis na representação da marca em causa como constituindo características essenciais que eram objecto do exame.

75      Todavia, é forçoso constatar que esta análise também incluiu todos os elementos visíveis na representação gráfica que figura no n.° 2 supra, cada um dos quais desempenha, segundo a Grande Câmara de Recurso, funções técnicas específicas, a saber, nos termos do n.° 54 da decisão impugnada: a altura e o diâmetro dos blocos primários para a força de entrosamento entre os tijolos de jogo, o seu número para a polivalência da montagem e a sua disposição para as configurações da montagem; os lados para serem juntos aos lados de outros tijolos a fim de obter um muro; a forma global de um tijolo de construção e, por último, o seu tamanho, para permitir que uma criança o possa ter na mão. Importa também constatar que não há qualquer elemento nos autos que permita infirmar a exactidão da identificação destas características como constituindo as características essenciais da forma em causa.

76      Ora, uma vez que a Grande Câmara de Recurso identificou correctamente todas as características essenciais da forma em causa, o facto de ter tido igualmente em conta outras características não tem incidência na legalidade da decisão impugnada.

77      Por conseguinte, a primeira alegação deve ser rejeitada.

78      Quanto à segunda alegação, importa realçar que nada há que exclua, no âmbito da análise da funcionalidade das características essenciais assim determinadas, que a Grande Câmara de Recurso possa ter em conta os elementos invisíveis do tijolo da Lego, tais como a face inferior oca e as projecções secundárias, assim como qualquer outro elemento de prova pertinente. No caso em apreço, a Grande Câmara de Recurso fez referência a este propósito às patentes anteriores da recorrente, ao facto de esta última ter admitido que estas patentes descrevem os elementos funcionais do tijolo da Lego e às peritagens dos Srs. M., P. e R.

79      A este propósito, a recorrente invoca a tomada em conta pela Grande Câmara de Recurso, sem análise crítica, da peritagem do Sr. M., a qual, aliás, visava o tijolo da Lego no seu todo. Refere também que as declarações do Sr. P. dizem respeito ao tijolo da Duplo e que as do Sr. R. visam todas as formas cilíndricas de blocos e não apenas as do tijolo da Lego. Ora, importa realçar que os Srs. P. e R. se exprimiam sobre a funcionalidade dos blocos cilíndricos enquanto tais e que a Grande Câmara de Recurso fez referência a estas declarações precisamente a fim de alicerçar a sua apreciação da funcionalidade dos blocos primários cilíndricos da forma em causa. No que diz respeito à peritagem do Sr. M., é certo que foi apresentada e financiada pela interveniente, mas as patentes anteriores corroboram as conclusões do Sr. M. relativamente à funcionalidade das características do tijolo da Lego, de resto, tal como o fazem as peritagens apresentadas pela recorrente. Acresce que o facto, salientado pela recorrente, de as análises do Sr. M. visarem o tijolo da Lego no seu todo é irrelevante, uma vez que incluem a análise da funcionalidade das características essenciais da forma em causa.

80      Resulta igualmente das considerações precedentes que o argumento da recorrente segundo o qual a ausência de funcionalidade das características essenciais da forma em causa foi provada pelas suas próprias peritagens não colhe. Efectivamente, os pareceres dos peritos e os acórdãos dos tribunais nacionais invocados pela recorrente a fim de sustentar que as formas alternativas são pertinentes para demonstrar que o sinal não é funcional provam, em seu entender, que a forma do tijolo da Lego não é a única forma que permite obter o resultado pretendido e que, consequentemente, não é tecnicamente necessária. Ora, concluiu‑se, no n.° 42 supra, que a apreciação da funcionalidade de uma forma deve ser efectuada independentemente da existência de outras formas e, no n.° 39 supra, que o termo «necessária» significa que a forma deve reunir as características tecnicamente suficientes para a obtenção do resultado em causa.

81      Por conseguinte, cumpre também rejeitar o argumento relativo à violação do direito de audiência do facto de a Grande Câmara de Recurso não ter tomado em consideração as peritagens apresentadas pela recorrente. Com efeito, fundando‑se o argumento decorrente destas peritagens na errada distinção entre as formas que incorporam a mesma solução técnica e as que incorporam outras soluções técnicas, a Grande Câmara de Recurso não era obrigada a fazer referência a estas peritagens na decisão impugnada e, consequentemente, não violou, em todo o caso, o direito de audiência da recorrente, omitindo fazê‑lo.

82      Tendo em conta o que precede, há que constatar que são fundadas as conclusões da Grande Câmara de Recurso a respeito da funcionalidade das características essenciais da forma em causa.

83      Os outros argumentos da recorrente não infirmam as conclusões precedentes.

84      Em primeiro lugar, a recorrente considera irrealista, à luz dos requisitos em matéria de carácter distintivo decorrentes da jurisprudência, o argumento da Grande Câmara de Recurso segundo o qual poderia ser obtido um monopólio sobre uma solução técnica pela via do registo de todas as formas que utilizem esta solução. Ora, mesmo supondo que o Tribunal deva considerar que o registo de tais formas é irrealista, tal não infirmaria a constatação da funcionalidade da forma em causa. Consequentemente, o argumento da recorrente deve ser rejeitado.

85      Em segundo lugar, a natureza inilidível ou não, em direito americano, de uma prova resultante de uma patente também deve ser considerada não pertinente. Com efeito, quando evocou, no n.° 40 da decisão impugnada, a jurisprudência americana, a Grande Câmara de Recurso não fundou a sua análise da funcionalidade do tijolo da Lego nessa natureza inilidível. Fundou a sua análise, efectuada nos n.os 41 a 63 da decisão impugnada, no acórdão Philips e teve em conta as patentes anteriores, nos n.os 42 a 48 e 52 e 53 da decisão impugnada, como um factor entre outros, sem considerar a seu respeito que se tratava de uma prova inilidível.

86      Em terceiro lugar, importa realçar que os argumentos relativos, por um lado, ao facto de uma protecção de uma solução técnica por uma patente não impedir a protecção pelo direito das marcas de uma forma que incorpora esta solução e, por outro, à diferença entre o alcance destas duas protecções distintas não são pertinentes. Com efeito, a Grande Câmara de Recurso reconheceu esta situação no n.° 39 da decisão impugnada e, seguidamente, fez unicamente referência às patentes anteriores para salientar o carácter funcional das características essenciais do tijolo da Lego.

87      Em quarto lugar, a recorrente argumenta que os seus concorrentes não necessitam, para efeitos da aplicação da mesma solução técnica, de copiar a forma do tijolo da Lego e que, na ausência do risco da criação de um monopólio, o artigo 7.°, n.° 1, alínea e), ii), do Regulamento n.° 40/94 não se aplica. Ora, este argumento assenta na concepção errada segundo a qual a disponibilidade de outras formas que incorporam a mesma solução técnica demonstra a ausência de funcionalidade da forma em causa, tendo sido realçado no n.° 42 supra que, segundo o acórdão Philips, é a própria forma funcional que deve estar à disposição de todos. Consequentemente, este argumento deve ser rejeitado.

88      Em face do exposto, há que considerar que foi de forma juridicamente correcta que a Grande Câmara de Recurso concluiu pela funcionalidade da forma em causa. Consequentemente, a segunda alegação deve ser rejeitada.

 Quanto à terceira alegação, relativa à errada tomada em conta de uma decisão de um órgão jurisdicional nacional e à pretensa parcialidade da decisão impugnada

–       Argumentos das partes

89      A recorrente alega que a Grande Câmara de Recurso, por um lado, teve em conta uma decisão do Tribunal Supremo do Canadá e, por outro, considerou que uma decisão do Rechtbank Breda (Tribunal de Breda, Países Baixos) não era pertinente. Ora, segundo afirma, estas duas decisões versavam sobre a pretensa funcionalidade da forma do tijolo da Lego, foram proferidas num contexto de concorrência desleal e de contrafacção e respeitavam a uma imitação servil. A única diferença residia no facto de o órgão jurisdicional canadiano ter chegado a uma conclusão oposta à do órgão jurisdicional neerlandês. A recorrente entende que a tomada em conta selectiva pela Grande Câmara de Recurso desse acórdão do Tribunal Supremo do Canadá assim como unicamente das peritagens favoráveis à sua conclusão demonstram uma abordagem que enferma de parcialidade.

90      O IHMI e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

91      Em primeiro lugar, no tocante à referência pela Grande Câmara de Recurso a uma decisão do Tribunal Supremo do Canadá e ao facto de ter ignorado um acórdão proferido nos Países Baixos, basta referir que a própria recorrente reconhece que as decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais não têm a mínima incidência nas decisões das Câmaras de Recurso do IHMI. Efectivamente, o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo e a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso aprecia‑se unicamente com base no Regulamento n.° 40/94, tal como este é interpretado pelo juiz comunitário [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Março de 2008, Suez/IHMI (Delivering the essentials of life), T‑128/07, não publicado na Colectânea, n.° 32 e jurisprudência aí referida]. Acresce que resulta da decisão impugnada que a Grande Câmara de Recurso não apoiou a sua decisão na decisão canadiana, mas que, tendo já concluído pela funcionalidade do tijolo da Lego, observou que a sua análise era confirmada pela jurisprudência de numerosos órgãos jurisdicionais nacionais, inclusivamente pelo acórdão do Tribunal Supremo do Canadá.

92      Em segundo lugar, impõe‑se concluir que é erradamente que a recorrente imputa à Grande Câmara de Recurso uma atitude parcial. Efectivamente, por um lado, a Grande Câmara de Recurso expôs, no n.° 65 da decisão impugnada, as razões pelas quais entendia que o acórdão proferido nos Países Baixos não era pertinente. Por outro lado, resulta da análise efectuada nos n.os 36 a 50 supra que foi correctamente que a Grande Câmara de Recurso considerou que as peritagens apresentadas pela recorrente não eram pertinentes, porquanto visavam todas elas a disponibilidade de outras formas que incorporam a mesma solução técnica. De resto, o IHMI realça com razão que o processo em causa foi reenviado à Grande Câmara de Recurso, que o presidente da Primeira Secção foi substituído pelo seu suplente após a recorrente ter requerido a sua recusa e que o IHMI tomou diversas outras medidas destinadas a garantir a imparcialidade do processo.

93      Por conseguinte, esta alegação deve ser rejeitada.

94      Visto o conjunto das considerações precedentes, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

95      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, como pedido pelo IHMI e pela interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Lego Juris A/S é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Novembro de 2008.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.