Language of document : ECLI:EU:F:2011:22

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO EUROPEIA (Segunda Secção)

15 de Março de 2011 (*)

«Função pública ― Funcionários ― Reporte de dias de férias anuais ― Artigo 4.° do anexo V do Estatuto ― Razões imputáveis às necessidades do serviço ― Artigo 73.° do Estatuto ― Directiva 2003/88/CE ― Direito a férias anuais remuneradas ― Licença por doença»

No processo F‑120/07,

que tem por objecto um recurso interposto nos termos dos artigos 236.° CE e 152.° EA,

Guido Strack, antigo funcionário da Comissão Europeia, residente em Colónia (Alemanha), representado por H. Tettenborn, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Currall e B. Eggers, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção),

composto por: H. Tagaras, presidente, S. Van Raepenbusch (relator) e M. I. Rofes i Pujol, juízes,

secretário: J. Tomac, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Maio de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal da Função Pública, em 22 de Outubro de 2007, por telecópia (o original foi apresentado em 30 de Outubro seguinte), G. Strack pede:

¾        a anulação das decisões da Comissão das Comunidades Europeias de 30 de Maio de 2005, de 25 de Outubro de 2005, de 15 de Março de 2007 e de 20 de Julho de 2007, na parte em que limitaram a doze dias o reporte das férias anuais não gozadas pelo recorrente em 2004 e em que limitaram o montante pago a título de compensação à data da cessação de funções, na medida correspondente; e

¾        a condenação da Comissão no pagamento de uma compensação correspondente a 26,5 dias de férias anuais acrescida de juros de mora a partir de 1 de Abril de 2005.

 Quadro jurídico

 Estatuto dos funcionários da União Europeia

2        Nos termos do artigo 1.° E, n.° 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»):

«Serão concedidas aos funcionários em actividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequados, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos Tratados.»

3        O artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto dispõe:

«O funcionário tem direito, em cada ano civil, a férias anuais de 24 dias úteis, no mínimo, e 30 dias úteis no máximo, em conformidade com a regulamentação a estabelecer, de comum acordo, entre as instituições [da União], após parecer do Comité do Estatuto.»

4        Nos termos do artigo 1.° do anexo V do Estatuto:

«Aquando do início de funções e da cessação das mesmas, a fracção do ano dá direito a férias de dois dias por cada mês completo de serviço e a fracção do mês dá direito a férias de dois dias úteis se for superior a quinze dias ou de um dia útil se for igual ou inferior a quinze dias.»

5        O artigo 3.° do anexo V do Estatuto precisa:

«Se, durante as férias, um funcionário for atingido por doença que o teria impedido de assegurar o serviço se não se encontrasse de férias, estas serão prolongadas por um período igual ao da incapacidade devidamente comprovada por atestado médico.»

6        O artigo 4.° do anexo V do Estatuto, cuja versão alemã foi objecto de rectificação (JO 2007, L 248, p. 26), prevê:

«Se um funcionário, por razões não imputáveis às necessidades do serviço, não tiver gozado, na totalidade, as suas férias, antes do final do ano civil em curso, o reporte de férias para o ano seguinte não pode exceder [doze] dias.

Se um funcionário não tiver gozado, na totalidade, as suas férias à data de cessação das suas funções, ser‑lhe‑á pago, a título de compensação, por cada dia de férias de que não beneficiou, uma importância igual à trigésima parte da sua remuneração mensal, à data de cessação de funções.

É efectuado um desconto, calculado da forma indicada no parágrafo anterior, à data da cessação de funções de um funcionário que tiver beneficiado de férias que ultrapassem o número de dias a que tinha direito à data da cessação de funções.»

7        Uma circular da Direcção‑Geral (DG) «Pessoal e Administração», publicada nas Informações Administrativas n.° 66‑2002, de 2 de Agosto de 2002, prevê:

«Se o número de dias de férias não gozadas for superior a doze, os dias de férias que excedam os doze dias estatutários só podem ser reportados caso seja feita prova de que o funcionário não pôde gozá‑los durante o ano civil em curso, por razões imputáveis às necessidades do serviço.»

8        A referida circular foi substituída, com efeitos a 1 de Maio de 2004, pela Decisão C (2004) 1597 da Comissão, de 28 de Abril de 2004, que cria disposições de aplicação em matéria de férias, que prevêem, nomeadamente:

«O reporte que ultrapassar os [doze] dias só é autorizado caso seja feita prova de que o interessado(a) não pôde gozar esses dias durante o ano civil em curso, por razões imputáveis às necessidades do serviço (a justificar expressamente), acrescendo aos direitos do ano civil seguinte após decisão do [responsável pelos Recursos Humanos];

[…]

Não será autorizado qualquer reporte que exceda os [doze] dias no caso em que os dias de férias não gozadas decorram de razões diferentes das necessidades do serviço (por exemplo por razões de saúde: doença, acidente, recuperação de férias anuais na sequência de um acidente ou de doença que tenha surgido durante as férias anuais, licença de maternidade, licença de adopção, licença parental, licença para assistência à família, licença sem vencimento, interrupção de serviço sem remuneração, interrupção para prestação de serviço militar, etc.);

[…]»

9        Decorre igualmente da conclusão n.° 53 A/70 dos chefes de administração, de 9 de Janeiro de 1970, que o reporte de férias deve ser limitado a doze dias mesmo em caso de doença prolongada.

10      O artigo 73.°, n.° 1, do Estatuto dispõe:

«Em conformidade com o estatuído em regulamentação estabelecida de comum acordo pelas instituições [da União Europeia], após parecer do Comité do Estatuto, o funcionário está coberto, desde a data de início de funções, contra os riscos de doença profissional e acidentes. […]

Os riscos não cobertos serão especificados na mesma regulamentação.»

 Directiva 2003/88/CE relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho

11      Nos termos do sexto considerando da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9):

«Deve ter‑se em conta os princípios da Organização Internacional do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho, incluindo os relativos ao trabalho nocturno.»

12      O artigo 1.° da Directiva 2003/88 prevê o seguinte:

«Objectivo e âmbito de aplicação

1. A presente directiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2. A presente directiva aplica‑se:

Aos períodos mínimos de descanso […] anual […]»

13      O artigo 7.° desta directiva tem a seguinte redacção:

«Férias anuais

1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2. O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, excepto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

14      O artigo 7.° da Directiva 2003/88 não figura entre as disposições derrogáveis em conformidade com o artigo 17.° da referida directiva.

 Factos na origem do litígio

15      O recorrente entrou ao serviço da Comissão em 1 de Setembro de 1995. A partir desta data e até 31 de Março de 2002, exerceu funções no Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias (OPOCE). Em 1 de Janeiro de 2001 foi promovido ao grau A 6. De 1 de Abril de 2002 a 15 de Fevereiro de 2003, trabalhou na DG «Empresas» da Comissão, antes de ser afectado ao Eurostat, a partir de 16 de Fevereiro de 2003. De 1 de Março de 2004 até à reforma por invalidez, em 1 de Abril de 2005, esteve de licença por doença.

16      Em 27 de Dezembro de 2004 o recorrente solicitou o reporte de 38,5 dias de férias não gozadas em 2004 para o ano de 2005, indicando que não tinha podido gozar esses dias de férias, nomeadamente, devido à sua doença profissional. O pedido foi indeferido em 30 de Maio de 2005 pelo chefe de unidade encarregado dos processos administrativos e do pessoal na Direcção «Recursos» da DG «Eurostat» relativamente aos 26,5 dias que excediam os doze dias reportados por direito (a seguir «decisão de 30 de Maio de 2005»).

17      Em 4 de Julho de 2005, o recorrente apresentou, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, uma reclamação da decisão de 30 de Maio de 2005, na qual pedia, a título subsidiário, a suspensão da referida decisão até adopção de uma decisão de reconhecimento da origem profissional da sua doença com base no artigo 73.° do Estatuto.

18      Esta reclamação foi indeferida por decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN») de 25 de Outubro de 2005. Esta última decisão precisava o seguinte:

«Caso a AIPN venha a acolher favoravelmente um pedido posterior de reconhecimento da origem profissional da sua doença, [o recorrente] pode apresentar um novo pedido de reporte do saldo de férias do ano 2004. Só neste caso deve ser adoptada uma decisão a respeito da questão de saber se a origem profissional da doença implica o reconhecimento da existência de razões imputáveis às necessidades do serviço, na acepção do artigo 4.° do anexo V do Estatuto, quando a razão para as férias anuais não terem sido gozadas é explicada por essa doença.»

19      Por ofício de 8 de Novembro de 2006, a Comissão informou o recorrente de que reconhecia que o seu estado de saúde se tinha agravado desde os exames médicos a que se tinha submetido e que, consequentemente, as despesas com tratamentos médicos directamente relacionadas com esse agravamento lhe seriam reembolsadas até à consolidação das lesões, em conformidade com o artigo 73.° do Estatuto. Decorria igualmente das conclusões do médico designado pela instituição, anexas a este ofício, que a referida consolidação ainda não tinha ocorrido e que só dentro de dois anos poderia ser feita uma reapreciação a este respeito.

20      Em 22 de Novembro de 2006, na sequência deste ofício, o recorrente apresentou um novo pedido de reporte do saldo de dias de férias do ano de 2004, que foi indeferido por decisão de 15 de Março de 2007 do chefe de Unidade encarregue das condições de emprego e dos direitos e obrigações pecuniárias na Direcção B «Estatuto: política, gestão e aconselhamento» da DG «Pessoal e Administração» (a seguir «decisão de 15 de Março de 2007»).

21      Em 9 de Abril de 2007, o recorrente reclamou desta última decisão, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto. Esta reclamação foi indeferida por decisão da AIPN de 20 de Julho de 2007.

 Pedidos das partes e tramitação processual

22      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

¾        anular as decisões da Comissão de 30 de Maio de 2005, de 25 de Outubro de 2005, de 15 de Março de 2007 e de 20 de Julho de 2007, na parte em que limitam a doze dias o reporte dos dias de férias anuais não gozadas pelo recorrente em 2004 e, por conseguinte, limitam o montante pago ao recorrente a título de compensação aquando da cessação das suas funções;

¾        condenar a Comissão a pagar ao recorrente uma compensação correspondente a 26,5 dias de férias anuais não gozadas e que não foram objecto de nenhuma compensação, em conformidade com o artigo 4.°, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto, acrescida dos juros de mora a partir de 1 de Abril de 2005, calculados à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu para as operações de refinanciamento, acrescida de [dois] pontos»;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

23      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal da Função Pública se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar o recorrente nas despesas.

24      Por decisão do presidente do Tribunal da Função Pública, de 16 de Novembro de 2007, o presente processo foi atribuído à Primeira Secção do Tribunal.

25      Por carta de 16 de Novembro de 2007, a Secretaria convidou as partes para uma reunião informal, em 4 de Dezembro de 2007, para procurar obter um acordo amigável no presente litígio e nos demais litígios pendentes que as opõem no Tribunal da Função Pública.

26      Depois da reunião informal de 4 de Dezembro de 2007, as partes apresentaram as suas observações sobre o projecto de acordo constante da acta da referida reunião, sem que, no entanto, tenham conseguido chegar a acordo a respeito dos seus termos.

27      As partes foram convocadas para uma segunda reunião informal, cuja data foi fixada em 6 de Março de 2008, depois do regresso de férias do recorrente. Contudo, este último recusou o convite, na medida em que, tendo em conta a posição tomada pela Comissão, não via nenhuma utilidade na realização de uma nova reunião informal. A Comissão lamentou que a reunião informal não tenha podido realizar‑se devido à falta do recorrente, tendo exprimido o desejo de que viesse a ser possível encontrar um acordo e tendo‑se demonstrado disposta a trabalhar na elaboração de um acordo amigável.

28      Por decisão de 8 de Outubro de 2008 do presidente do Tribunal da Função Pública, o presente processo foi reatribuído à Segunda Secção do Tribunal.

29      Por carta de 15 de Janeiro de 2010, o recorrente pediu a apensação do presente processo aos seus outros recursos pendentes, registados sob as referências F‑118/07, F‑119/07, F‑121/07, F‑132/07 e F‑62/09. O Tribunal da Função Pública rejeitou este pedido por decisão de 26 de Janeiro seguinte, tendo disso informado o recorrente no ofício da Secretaria de 18 de Março de 2010.

30      Por carta de 30 de Março de 2010, o recorrente contestou a reatribuição do presente processo à Segunda Secção do Tribunal da Função Pública.

31      Durante a audiência de 5 de Maio de 2010, o recorrente foi convidado a enviar ao Tribunal da Função Pública os documentos que lhe diziam respeito, relativos ao desenrolar do procedimento ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto, e aos quais se tinha referido nas suas alegações.

32      Durante esta mesma audiência, o Tribunal da Função Pública convidou a Comissão a enviar observações escritas sobre as eventuais consequências para o presente litígio do acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2009, Schultz‑Hoff (C‑350/06 e C‑520/06, a seguir «acórdão Schultz‑Hoff»), invocado pelo recorrente em apoio do seu recurso nas observações orais.

33      O recorrente e a Comissão satisfizeram estes pedidos do Tribunal da Função Pública, respectivamente, em 26 e 31 de Maio de 2010.

 Questão de direito

 Quanto aos pedidos de anulação

 Quanto ao objecto do recurso

34      Além da anulação das decisões de 30 de Maio de 2005 e de 15 de Março de 2007, o recorrente pede a anulação das decisões de 25 de Outubro de 2005 e de 20 de Julho de 2007 que indeferem as duas reclamações apresentadas, respectivamente, em 4 de Julho de 2005 e 9 de Abril de 2007. A este respeito importa recordar que os pedidos de anulação formalmente dirigidos contra o indeferimento de uma reclamação têm por efeito submeter à apreciação do juiz o acto contra o qual foi apresentada a reclamação e são, como tais, desprovidos de conteúdo autónomo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1989, Vainker/Parlamento, 293/87, n.° 8; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, n.° 43; acórdão do Tribunal da Função Pública de 9 de Julho de 2009, Notarnicola/Tribunal de Contas, F‑85/08, n.° 14). Importa por conseguinte considerar que o recurso apenas se dirige contra as decisões de 30 de Maio de 2005 e de 15 de Março de 2007.

 Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que é dirigido contra a decisão de 30 de Maio de 2005

35      Impõe‑se constatar que a decisão de 30 de Maio de 2005, através da qual a Comissão indeferiu o primeiro pedido de reporte de 26,5 dias de férias anuais que excedem os doze dias de férias anuais reportados, não foi objecto, em conformidade com o artigo 91.°, n.° 3, do Estatuto, de um recurso no Tribunal da Função Pública nos três meses que se seguiram ao indeferimento da reclamação contra a referida decisão de 25 de Outubro seguinte.

36      Ora, os prazos de reclamação e de recurso fixados nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto são de ordem pública e não podem ser deixados à disposição das partes ou do tribunal (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Lacroix/Comissão, T‑54/90, n.° 24, e de 17 de Maio de 2006, Lavagnoli/Comissão, T‑95/04, n.° 41).

37      Deve, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso, na parte em que é dirigido contra a decisão de 30 de Maio de 2005, por interposição tardia.

 Quanto ao mérito

¾       Argumentos das partes

38      O recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 4.°, primeiro e segundo parágrafos, do anexo V do Estatuto. Segundo o recorrente, o primeiro parágrafo deste artigo permite precisamente que o funcionário que não gozou integralmente as suas férias anuais por razões imputáveis às necessidades do serviço obtenha o seu reporte para o ano seguinte, além dos doze dias. Esta interpretação é corroborada pelas Informações Administrativas n.° 66‑2002 da Comissão.

39      No caso em apreço, segundo o recorrente, a doença que o impediu de gozar as suas férias é imputável às necessidades do serviço, precisamente na acepção do artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto, na medida em que, tendo o exercício das funções causado a doença, o motivo do impedimento teve uma origem profissional.

40      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Junho de 2005, Castets/Comissão (T‑80/04), não coincide com esta interpretação pois diz respeito a uma ausência por doença de origem não profissional. No processo que originou este acórdão foram as circunstâncias próprias à pessoa do funcionário que o impediram de gozar as suas férias anuais.

41      Segundo o recorrente, o artigo 4.°, primeiro e segundo parágrafos, do anexo V do Estatuto, prevê um sistema de compensação para os casos em que o funcionário não pôde gozar as suas férias anuais por razões de serviço e não por circunstâncias próprias à sua pessoa ou por um caso de força maior. Ora no caso em apreço o recorrente ficou doente devido a circunstâncias próprias do seu serviço.

42      Na audiência, o recorrente invocou o acórdão Schultz‑Hoff, posterior à interposição do presente recurso, em especial os seus n.os 25, 44 e 45, dos quais decorre que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 se opõe a que um trabalhador que em razão de uma incapacidade de trabalho por razões médicas está impedido de gozar as suas férias, seja privado do direito a férias anuais remuneradas.

43      A Comissão alega que o artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto proíbe o reporte de doze dias de férias anuais caso, por razões não imputáveis às necessidades do serviço, um funcionário não tenha gozado a totalidade das suas férias anuais antes do final do ano civil em curso.

44      Segundo a Comissão, resulta da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1970, Tortora/Comissão, 32/69, n.os 13 e 14; acórdão Castets/Comissão, já referido, n.os 28 e 29) que só existe um direito ao reporte das férias anuais se um funcionário não tiver podido gozar os seus dias de férias anuais por razões imputáveis às necessidades do serviço e, por conseguinte, quando as suas «actividades profissionais» o impediram de beneficiar da totalidade das suas férias anuais. Ora, quando um funcionário beneficia de uma licença por doença, está, por definição, dispensado de exercer as suas funções e, por conseguinte, não está ao serviço, na acepção do artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto. Não estando ao serviço, a fortiori, não pode considerar‑se que está ausente por necessidade do serviço.

45      O facto de a doença de um funcionário ser em seguida reconhecida como doença profissional em nada altera o facto de este funcionário, na acepção da jurisprudência já referida, não estar ao serviço durante a sua licença por doença e de, por conseguinte, não estar impedido de gozar as suas férias anuais devido a necessidades do serviço.

46      A Comissão acrescenta que, de qualquer forma, os direitos do funcionário em matéria de compensação na sequência de uma incapacidade para o trabalho são exaustivamente regidos pelo artigo 73.° do Estatuto e não justificam qualquer indemnização suplementar por dias de férias anuais não gozadas por razões de saúde.

47      Esta interpretação é confirmada pelas Informações Administrativas n.° 66‑2002 e pelas disposições de aplicação em matéria de férias.

48      A título subsidiário, a Comissão alega que, apesar de o médico da Comissão, no seu relatório anexo à decisão de 8 de Novembro de 2006, ter considerado que o agravamento da doença pré‑existente do recorrente se deu no exercício das funções, indicou também que esse agravamento não teria ocorrido caso não houvesse uma doença pré‑existente. A Comissão acrescenta que, a este respeito, ainda não foi adoptada uma decisão definitiva ao abrigo do artigo 73.° do Estatuto. Ora, no caso em apreço, o Tribunal da Função Pública não pode decidir nesta matéria, uma vez que, segundo jurisprudência constante, os órgãos jurisdicionais da União não são competentes para decidir a respeito da existência de um nexo de causalidade entre uma actividade profissional e um dano material e moral se o mesmo é objecto de um procedimento em aplicação do artigo 73.° do Estatuto ou se, em princípio, podia ser objecto desse procedimento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal da Função Pública de 2 de Maio de 2007, Giraudy/Comissão, F‑23/05, n.° 200).

49      Por fim, a Comissão observa que o recorrente não afirma que a sua doença foi provocada por acontecimentos de natureza profissional que apenas ocorreram em 2004. Indica, pelo contrário, que as razões da sua incapacidade para o trabalho repousam, nomeadamente, em factos que remontam a 2002 e 2003. Ora, as necessidades do serviço, na acepção do artigo 4.° do anexo V do Estatuto, devem ocorrer durante o ano civil em curso e impedir o funcionário de gozar as suas férias anuais durante esse mesmo ano.

50      Por outro lado, nas suas observações de 31 de Maio de 2010 relativas ao alcance do acórdão Schultz‑Hoff, a Comissão alegou que o artigo 4.° do anexo V do Estatuto constitui uma lex specialis que prevalece sobre o artigo 1.° E, n.° 2, do Estatuto e que, à luz da Directiva 2003/88, não pode ser objecto de uma interpretação conforme contra legem. O conceito de «necessidades do serviço», que consta do artigo 4.°, já referido, não podem incluir uma doença.

51      A Comissão acrescenta que o recorrente não invocou uma excepção de ilegalidade do artigo 4.° do anexo V do Estatuto, ao abrigo do artigo 7.° da Directiva 2003/88, e que, por conseguinte, essa excepção não pode ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal da Função Pública.

52      A título subsidiário, a Comissão observa que o artigo 7.° da Directiva 2003/88 diz respeito ao direito a férias anuais, e não às modalidades de reporte dessas férias, e que não proíbe a extinção do direito a férias anuais não gozadas durante um período de referência ou de reporte. Segundo a Comissão, essa restrição é susceptível de preservar a competitividade económica da Europa.

53      No acórdão Schultz‑Hoff, o Tribunal de Justiça apenas considerou que a impossibilidade de um trabalhador gozar a totalidade das suas férias anuais no fim de um período de reporte, por ter estado em licença por doença durante todo o período de referência e para além do período de reporte fixado pelo direito nacional, é incompatível com a Directiva 2003/88. Esta situação não é comparável à do caso concreto na medida em que o artigo 4.° do anexo V do Estatuto permite precisamente, nos casos em que as férias anuais não puderam ser gozadas por razões médicas, um reporte de doze dias de férias correspondentes à metade das férias anuais.

54      A Comissão acrescenta que aquando da cessação das suas funções o recorrente beneficiou de uma compensação correspondente à metade das suas férias anuais de 2004 e proporcional às suas férias anuais de 2005. Além disso, o recorrente não esteve doente durante todo o ano de 2004 tendo, por conseguinte, tido a possibilidade de gozar dias de férias anuais, em particular as de 2003, que já tinham sido reportadas.

¾       Apreciação do Tribunal da Função Pública

55      Importa recordar, a título preliminar, que, por força do artigo 1.° E, n.° 2, do Estatuto, «[s]erão concedidas aos funcionários em actividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequados, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos Tratados».

56      Ora, como decorre do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 2003/88, adoptada com base no artigo 137.°, n.° 2, CE, tem por objecto estabelecer prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

57      Consequentemente, sem que nesta fase seja necessário examinar a solução a dar a um eventual conflito entre uma disposição estatutária e as prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores adoptadas à escala da União, há que considerar que, no caso em apreço, incumbia à Comissão garantir o respeito dessas prescrições, relativamente ao recorrente, na aplicação e interpretação das regras estatutárias, em particular das regras relativas às férias anuais.

58      Nestas condições, antes de examinar o alcance do artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto, cuja violação é invocada pelo recorrente, ao abrigo das circunstâncias do caso em apreço, importa analisar o conteúdo das prescrições mínimas pertinentes da Directiva 2003/88, em particular o seu artigo 7.°, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

59      A este respeito, resulta de uma jurisprudência constante que o direito de cada trabalhador a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social da União que se reveste de uma importância particular, em relação ao qual não podem existir derrogações e cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser feita dentro dos limites expressamente enunciados na própria directiva (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2001, BECTU, C‑173/99, n.° 43; de 18 de Março de 2004, Merino Gómez, C‑342/01, n.° 29; de 16 de Março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, n.° 48, e Schultz‑Hoff, n.° 22). O artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia garante, além disso, o direito de todos os trabalhadores a um período anual de férias remuneradas.

60      O artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88 prevê em particular a obrigação de os Estados‑Membros tomarem as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas. Decorre do mesmo artigo que o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de descanso efectivo, a fim de garantir uma protecção eficaz da sua segurança e da sua saúde, uma vez que só no caso de a relação de trabalho cessar é que o seu artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 permite que o direito a férias anuais remuneradas seja substituído por uma compensação financeira (v., neste sentido, acórdãos BECTU, já referido, n.° 44; Merino Gómez, já referido, n.° 30 e Schultz‑Hoff, n.° 23). Além disso, o artigo 7.° da Directiva 2003/88 não figura entre as disposições à quais, ao abrigo do seu artigo 17.°, é expressamente permitido derrogar.

61      É também pacífico que a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontracção e de lazer. Neste aspecto, essa finalidade difere da do direito à licença por doença, sendo esta última concedida ao trabalhador para que ele se possa restabelecer de uma doença (acórdão Schultz‑Hoff, n.° 25). A este respeito, importa realçar que segundo o artigo 5.°, n.° 4, da Convenção n.° 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de Junho de 1970, relativa às férias anuais remuneradas (revista), que, nos termos do sexto considerando da Directiva 2003/88, deve ser tido em conta na interpretação da directiva, «[…] as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada, tais como as faltas por motivo de doença [...], serão contadas no período de serviço».

62      No seu acórdão Schultz‑Hoff (n.° 41), o Tribunal de Justiça deduziu do acima exposto, quanto a trabalhadores que se encontrem de licença por doença devidamente certificada, que um Estado‑Membro não pode fazer depender o direito a férias anuais remuneradas, conferido pela própria Directiva 2003/88 a todos os trabalhadores, da obrigação de terem trabalhado efectivamente durante o período de referência instituído por esse Estado. Neste sentido, uma disposição nacional que prevê um período de reporte de férias anuais não gozadas até ao final do período de referência, prossegue a finalidade de conferir ao trabalhador impedido de gozar as suas férias anuais uma possibilidade adicional de gozar essas férias. A fixação desse período faz parte das condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, pelo que, em princípio, é da competência dos Estados‑Membros (acórdão Schultz‑Hoff, n.° 42).

63      Consequentemente, apesar de o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, em princípio, não se opor a uma regulamentação nacional que preveja a perda do direito a férias anuais remuneradas no final de um período de referência ou de um período de reporte, é ainda necessário que, durante o período em causa, o trabalhador tenha efectivamente tido a possibilidade de exercer o direito que a directiva lhe confere. Esse não é evidentemente o caso de um trabalhador que durante todo, ou parte, do período de referência e para além do período de reporte fixado pelo direito nacional, esteve em licença por doença.

64      Assim, o Tribunal de Justiça decidiu, no seu acórdão Schultz‑Hoff (n.os 45 e 50), admitir que, nas circunstâncias específicas de incapacidade para o trabalho, as disposições nacionais pertinentes, e nomeadamente as que fixam o período de reporte, podem prever a extinção do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas garantido pelo artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 2003/88, sem que o trabalhador tenha tido efectivamente a possibilidade de exercer o direito que esta directiva lhe confere, significaria que essas disposições violariam o direito social directamente conferido pelo artigo 7.° da referida directiva a cada trabalhador.

65      Por fim, quando já não é possível o gozo efectivo das férias anuais remuneradas, por razões independentes da vontade do trabalhador, o artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88 prevê que o mesmo tem direito a uma compensação financeira. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a compensação financeira a que o trabalhador tem direito deve ser calculada de forma a que este último fique numa situação comparável àquela em que estaria se tivesse exercido o referido direito durante a relação de trabalho. Daqui resulta que a remuneração normal do trabalhador, que é a que deve ser mantida durante o período de descanso correspondente às férias anuais remuneradas, é igualmente determinante no que respeita ao cálculo da compensação financeira por férias anuais remuneradas não gozadas aquando da cessação da relação de trabalho. (acórdão Schultz‑Hoff, n.° 61).

66      Devem tirar‑se ensinamentos para o caso concreto, a partir da Directiva 2003/88, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, no que respeita às necessidades de aplicação e interpretação das regras estatutárias relativas às férias anuais, nomeadamente do artigo 4.°, primeiro e segundo parágrafos, do anexo V do Estatuto.

67      Resulta dos autos e, em particular, de uma carta de 14 de Abril de 2005 do serviço médico da Comissão, dirigida ao recorrente, que este último esteve ininterruptamente em licença por doença de 2 de Março de 2004 até à sua reforma por invalidez em 1 de Abril de 2005.

68      Assim, importa constatar que o recorrente ficou impossibilitado, durante a quase totalidade do ano de 2004, de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. A circunstância de o recorrente ter podido usufruir desse direito em Janeiro e Fevereiro de 2004 não pode, evidentemente, ser tomada em conta, sob pena de tornar totalmente teórica a protecção do direito a férias anuais remuneradas, conforme desenvolvido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Além disso, no seu acórdão Schultz‑Hoff (n.os 50 e 51), o Tribunal de Justiça visou explicitamente a hipótese de um trabalhador que trabalhou durante uma parte do período de referência, antes de estar em licença por doença de longa duração, tendo assimilado esta situação à de um trabalhador que tenha estado em licença por doença durante todo o período de referência e para além do período de reporte fixado pelo direito nacional.

69      Por conseguinte, decorre do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2003/88, que o recorrente, cuja incapacidade para o trabalho medicamente atestada se manteve até à sua reforma por invalidez, em 1 de Abril de 2005, não pode ser privado do benefício de uma compensação financeira pelas férias anuais não gozadas.

70      Resta analisar a questão do alcance desta compensação financeira e a questão de saber se, como defende a Comissão, a letra desse mesmo artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto se opõe, no caso em apreço, ao pagamento de uma compensação financeira pelos dias de férias anuais não gozados além daqueles cujo reporte é autorizado.

71      Segundo a Comissão apenas as razões imputáveis às necessidades do serviço podem justificar um reporte superior a doze dias de férias anuais para o ano seguinte.

72      A este respeito, basta declarar que o artigo 4.° do anexo V do Estatuto não regula a questão, invocada no caso concreto, de saber se há lugar ao reporte dos dias de férias anuais remuneradas quando, durante o período de referência, um funcionário ficou impossibilitado de gozar os seus dias de férias anuais por razões independentes da sua vontade, como razões médicas.

73      Esta conclusão não é contrariada pelo acórdão de 29 de Março de 2007, Verheyden/Comissão (T‑368/04, n.os 61 a 63), no qual o Tribunal de Primeira Instância decidiu que os termos «necessidade do serviço», utilizados no artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V, não podem ser interpretados no sentido de que abrangem a ausência do serviço justificada por uma licença por doença, mesmo em caso de doença prolongada (v. igualmente, neste sentido, acórdão Castets/Comissão, já referido, n.° 33). Com efeito, não só a posição do Tribunal não tem por base qualquer comparação da licença por doença com uma ausência justificada pelas necessidades do serviço, como os factos do processo na origem do acórdão Verheyden/Comissão, já referido, não correspondem aos do presente acórdão, no qual o recorrente se viu impossibilitado, durante quase todo o período de referência, de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

74      De resto, decorre do artigo 3.° do anexo V do Estatuto, que regula outro aspecto da articulação entre a licença por doença e as férias anuais, em concreto a hipótese de um funcionário ser atingido por uma doença durante as suas férias anuais, que o legislador pretendeu distinguir claramente a licença por doença e as férias anuais, cujas respectivas finalidades diferem como resulta do n.° 61, supra.

75      Nestas condições, deve considerar‑se que as prescrições mínimas de segurança e de saúde visadas pelo artigo 1.° E do Estatuto, e nomeadamente as disposições do artigo 7.° da Directiva 2003/88, vêm completar as disposições propriamente ditas do estatuto relativas às férias.

76      É certo que o artigo 7.° da Directiva 2003/88 garante um período mínimo de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, enquanto que as férias anuais de que os funcionários da União podem gozar, em conformidade com o artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto, ascendem a um mínimo de 24 dias. No caso em apreço, o pedido inicial do recorrente de reporte dos seus dias de férias anuais não gozadas em 2004 para o ano de 2005 ascendeu mesmo a 38,5 dias, tendo em conta o reporte de dias de férias não gozadas em 2003 (v. n.° 16, supra).

77      Não deixa de ser verdade que, tendo o legislador da União fixado as férias anuais para os funcionários em 24 dias, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao artigo 7.° da Directiva 2003/88, no acórdão Schultz‑Hoff, relativamente a um caso de um trabalhador impedido de gozar as suas férias anuais devido a uma licença por doença de longa duração, é inteiramente transponível para a totalidade das férias anuais como previstas no Estatuto, por aplicação combinada dos artigos 1.° E e 57.° do Estatuto, apesar das restrições contidas no artigo 4.°, primeiro parágrafo, do seu anexo V, no que diz respeito às possibilidades de reporte das férias anuais não gozadas para o ano seguinte.

78      Por fim, no que respeita ao argumento da Comissão relativo à necessidade de preservar a competitividade económica da Europa, basta declarar que o mesmo não é de forma alguma fundamentado e não pode ser acolhido.

79      Tendo em conta o acima exposto, deve concluir‑se que, nas circunstâncias do caso concreto, a Comissão violou o alcance do artigo 4.°, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto, ao recusar o reporte, para além dos doze dias, dos dias de férias anuais não gozadas pelo recorrente devido a uma licença por doença de longa duração. Por conseguinte, a decisão de 15 de Março de 2007 deve ser anulada.

 Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos das partes

80      O recorrente considera que a admissibilidade do seu pedido de indemnização decorre, em conformidade com uma jurisprudência constante, do carácter acessório deste pedido relativamente ao recurso de anulação.

81      Quanto ao mérito, o recorrente alega que, no caso em apreço, a falta imputável ao serviço reside na ilegalidade de que padecem as decisões controvertidas. O dano sofrido consiste no não pagamento do montante da compensação prevista no artigo 4.°, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto no que respeita aos 26,5 dias controvertidos, e nos juros não recebidos desde então. O nexo de causalidade reside no facto de que, na ausência das decisões impugnadas, a recorrida teria procedido ao pagamento devido.

82      Caso o Tribunal da Função Pública considere que as decisões controvertidas são lícitas, o recorrente pede a indemnização dos danos sofridos devido às demais numerosas falta imputáveis ao serviço cometidas pela Comissão, «nomeadamente, os actos ilícitos dos agentes da Comissão e o assédio sofrido no OPOCE, os erros cometidos no procedimento de investigação conduzido pelo [Organismo Europeu de Luta Antifraude], nomeadamente a falta ilícita de informação do recorrente já denunciada pelo [P]rovedor de Justiça [Europeu], a classificação irregular do recorrente e a sua não promoção, a nomeação para um lugar no [OPOCE] que prejudicou o recorrente, bem como os actos ilícitos da recorrida, exaustivamente evocados na reclamação». O nexo de causalidade entre estas faltas imputáveis ao serviço e a doença do recorrente é comprovado pelos relatórios médicos e pelas decisões da recorrida. Ora, a doença em questão constitui precisamente a razão pela qual o recorrente foi impedido de gozar as suas férias anuais em 2004. Por conseguinte, deve indemnizar‑se o dano sofrido que consiste, nomeadamente, num dano de desgosto decorrente do facto de o recorrente se encontrar em licença por doença em vez de poder descontrair durante as férias anuais, e numa impossibilidade de deixar o local de afectação. O dano sofrido é indemnizável mediante a fixação de um montante com base no artigo 4.°, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto.

83      O recorrente precisa que este pedido, formulado a título subsidiário, foi apresentado na fase do procedimento pré‑contencioso, tendo os requisitos dos artigos 90.° e seguintes do Estatuto sido respeitados.

84      A Comissão alega que o recorrente apresentou um pedido de indemnização ao abrigo do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto para os dias de férias perdidos devido ao comportamento alegadamente faltoso da Comissão, que, além do mais, o recorrente descreveu sumariamente e que, alegadamente, provocou a sua doença física.

85      A acção de indemnização deve, em qualquer dos casos, ser julgada improcedente por listispendência, na medida em que as alegadas causas da doença do recorrente já se encontram integralmente cobertas pelo recurso registado sob a referência F‑118/07, Strack/Comissão.

86      Por fim, a acção de indemnização deve igualmente ser julgada improcedente devido à prioridade do processo do artigo 73.° do Estatuto.

 Apreciação do Tribunal da Função Pública

87      Dos pedidos de indemnização resulta que, a título principal, o recorrente pede a aplicação do artigo 4.°, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto aos 26,5 dias de férias anuais não gozadas em 2004.

88      A este respeito, basta declarar que o referido pedido coincide com as medidas que deverão ser tomadas pela Comissão na execução do presente acórdão de anulação.

89      Por outro lado, o Tribunal da Função Pública não tem de se pronunciar sobre o pedido de indemnização apresentado pelo recorrente, a título subsidiário, na medida em que os argumentos dirigidos contra a decisão de 15 de Março de 2007 foram julgados improcedentes pelo Tribunal.

90      Por conseguinte, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes por falta de objecto.

 Quanto às despesas

91      Nos termos do artigo 122.° do Regulamento de Processo, as disposições do capítulo VIII do título II do referido regulamento, relativas às despesas e aos encargos judiciais, apenas se aplicam aos processos intentados no Tribunal da Função Pública, e isto a contar da data de entrada em vigor deste Regulamento de Processo, isto é, em 1 de Novembro de 2007. As disposições pertinentes na matéria do Regulamento de Processo do Tribunal Geral continuam a aplicar‑se mutatis mutandis aos processos pendentes no Tribunal da Função Pública antes dessa data.

92      O artigo 87.° Regulamento de Processo do Tribunal Geral da União Europeia dispõe, no seu n.° 2, que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente pedido a condenação da Comissão, e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA (Segunda Secção)

decide:

1)      A decisão de 15 de Março de 2007 da Comissão Europeia que indefere o pedido de G. Strack destinado a obter o benefício do reporte do saldo dos dias de férias do ano de 2004 é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas bem como as efectuadas por G. Strack.

Tagaras

Van Raepenbusch

Rofes i Pujol

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Março de 2011.

O secretário

 

       O presidente

W. Hakenberg

 

       H. Tagaras


* Língua do processo: alemão.