CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE
apresentadas em 6 de dezembro de 2018 (1)
Processo C‑396/17
Martin Leitner
contra
Landespolizeidirektion Tirol
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria)]
«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2000/78/CE — Proibição das discriminações baseadas na idade — Sistema nacional de remuneração e progressão dos funcionários — Regulamentação de um Estado‑Membro julgada discriminatória — Adoção de uma nova regulamentação para obviar a essa discriminação — Modalidades de transição das pessoas em causa para o novo sistema — Perpetuação da diferença de tratamento — Justificações — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Direito à reparação — Princípio do primado»
I. Introdução
1. O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) incide sobre a interpretação dos artigos 21.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos artigos 1.o, 2.o, 6.o, 9.o, 16.o e 17.o da Diretiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (2).
2. Este pedido insere‑se no âmbito de um litígio que opõe um funcionário à Administração austríaca a que pertence e tem por objeto uma decisão tomada por esta ao abrigo do regime federal de remuneração e progressão dos funcionários, adotado na Áustria no início de 2015 para pôr termo a uma discriminação baseada na idade, na sequência do Acórdão Schmitzer (3).
3. Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se as modalidades segundo as quais os funcionários a prestar serviço transitam do antigo regime de remuneração e progressão para este novo regime conduzem à manutenção de uma discriminação baseada na idade que é proibida pelo direito da União, em especial à luz dos artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, lidos em conjugação com o artigo 21.o da Carta. Considero que assim é, pelas razões que exporei nas presentes conclusões.
4. Em seguida, remetendo para estas mesmas disposições e ainda para o artigo 47.o da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da conformidade com o direito da União da regulamentação nacional controvertida, que, segundo ele, apenas elimina a discriminação em causa de forma declaratória, não de forma concreta, e obsta ao exercício do direito a uma ação efetiva. Entendo que estas considerações não devem ter repercussão no referido litígio.
5. Por último, o referido órgão jurisdicional pretende saber se o direito da União, mais especificamente o artigo 17.o da Diretiva 2000/78 e o artigo 47.o da Carta, se opõe à regulamentação em causa. Em caso afirmativo, pergunta se o princípio do primado do direito da União exige que as disposições da antiga regulamentação, revogadas com efeitos retroativos, continuem, no entanto, a ser aplicadas para colmatar as lacunas da nova regulamentação. Entendo que deve ser dada a estas duas questões uma resposta mitigada, baseada antes no artigo 16.o desta diretiva.
6. Sublinho que há uma conexão estreita entre o presente processo e o processo C‑24/17, Österreichischer Gewerkschaftsbund, que é objeto de conclusões distintas, mas datadas do mesmo dia que as presentes conclusões (4).
II. Quadro jurídico
A. Direito da União
7. O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 dispõe que esta «tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da […] idade […], no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».
8. O artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Conceito de discriminação», define, no seu n.o 1, o «princípio da igualdade de tratamento» como sendo «a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o». No seu n.o 2, alínea a), dispõe que «[c]onsidera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável».
9. O artigo 6.o da referida diretiva, intitulado «Justificação das diferenças de tratamento com base na idade», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo, que «[s]em prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários». O seu segundo parágrafo especifica que «[e]ssas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente […] [a] fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego […]».
10. O artigo 9.o da mesma diretiva, intitulado «Defesa dos direitos», prevê, no seu n.o 1, que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que todas as pessoas que se considerem lesadas pela não aplicação, no que lhes diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, possam recorrer a processos judiciais e/ou administrativos, incluindo, se considerarem adequado, os processos de conciliação, para exigir o cumprimento das obrigações impostas pela presente diretiva, mesmo depois de extintas as relações no âmbito das quais a discriminação tenha alegadamente ocorrido».
11. O artigo 16.o da Diretiva 2000/78, intitulado «Cumprimento», prevê, na sua alínea a), que «[o]s Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que […] [s]ejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento».
12. O artigo 17.o desta diretiva, intitulado «Sanções», dispõe que «[o]s Estados‑Membros determinam o regime de sanções aplicável às violações das disposições nacionais aprovadas em execução da presente diretiva, e adotam as medidas necessárias para assegurar a aplicação dessas disposições. As sanções, em que se pode incluir o pagamento de indemnizações à vítima, devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas […]».
B. Direito austríaco
1. GehG 2010
13. A classificação dos funcionários na tabela salarial e respetiva progressão, que ocorre, em princípio, de dois em dois anos, regem‑se pela Gehaltsgesetz 1956 (5) (Lei de 1956 relativa aos salários, a seguir «GehG 1956»), com as alterações que lhe foram introduzidas sucessivamente, em especial para ter em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos no âmbito de litígios relativos às disposições do direito austríaco nesta matéria.
14. Na sequência do Acórdão Hütter (6), a GehG 1956 foi alterada por uma Lei federal publicada em 30 de agosto de 2010 (7) (GehG 1956 na versão resultante desta lei, a seguir «GehG 2010»).
15. O § 8, n.o 1, da GehG 2010 enunciava que «[a] progressão na carreira é determinada em função de uma data de referência» e que «[s]alvo disposição em contrário no presente artigo, o período necessário à progressão para o segundo escalão de cada categoria de emprego é de cinco anos, e de dois anos para os outros escalões».
16. O § 12, n.o 1, da GehG 2010 previa que «[s]em prejuízo das restrições enunciadas nos n.os 4 a 8, a data de referência para efeitos de progressão de escalão é determinada tendo em conta, retroativamente, os períodos posteriores a 30 de junho do ano seguinte à admissão ao serviço em que foram ou deveriam ter sido concluídos nove anos de escolaridade após ingresso no primeiro grau de ensino […]».
2. GehG, conforme alterada
17. Na sequência do Acórdão Schmitzer (8), o teor dos §§ 8 e 12 da GehG 1956 foi novamente alterado, com efeito retroativo, por força de uma Lei federal publicada em 11 de fevereiro de 2015 (9) (GehG 1956 na versão resultante desta lei, a seguir «GehG 2015»).
18. Aliás, a fim de dar cumprimento a um acórdão do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria) (10), uma Lei federal publicada em 6 de dezembro de 2016 (11) alterou novamente a GehG 1956 (na versão resultante desta lei, a seguir «GehG 2016» e, em conjunto com a GehG 2015, «GehG, conforme alterada»), no que diz respeito à data da entrada em vigor dos §§ 8 e 12 da GehG 2015.
19. Sob a epígrafe «Classificação e progressão», o § 8, n.o 1, da GehG 2015 prevê que «[a] classificação e progressão na carreira é determinada pela antiguidade no escalão».
20. Sob a epígrafe «Antiguidade no escalão (idade de referência)», o § 12 da GehG 2015 enuncia:
«1. A antiguidade no escalão compreende a duração dos períodos de atividade úteis para efeitos de progressão, acrescida da duração dos períodos de atividade anteriores suscetíveis de ser tomados em conta.
2. A antiguidade no escalão terá em conta, como períodos de atividade anteriores, os períodos cumpridos
1) no âmbito de uma relação laboral com uma coletividade territorial ou com uma associação de municípios de um Estado‑Membro do Espaço Económico Europeu, da República da Turquia ou da Confederação Suíça;
2) no âmbito de uma relação laboral com um órgão da União Europeia ou com uma organização internacional da qual a [República da] Áustria faça parte;
3) nos quais o agente contratual tenha tido direito a uma pensão de invalidez ao abrigo da Heeresversorgungsgesetz (Lei relativa às pensões das Forças Armadas) […], bem com
4) […] em serviço militar […], em serviço de formação militar […], em serviço cívico […], em serviço militar obrigatório […].
3. Além dos períodos referidos no n.o 2, podem ser tomados em conta como períodos de atividade anteriores, até ao máximo de dez anos, os períodos de exercício de uma atividade profissional ou de um estágio junto de uma administração que sejam pertinentes. […]»
21. Sob a epígrafe «Transição das relações de serviço em vigor», o § 169c da GehG, conforme alterada, prevê, nos seus n.os 1 a 9:
«1. Todos os funcionários das categorias e níveis salariais mencionados no § 169d que estejam ao serviço em 11 de fevereiro de 2015 serão reclassificados, exclusivamente com base nos seus salários anteriores, no novo regime salarial criado por esta lei, de acordo com as disposições seguintes. Num primeiro momento, os funcionários serão classificados, com base no seu salário anterior, num escalão do novo regime salarial no qual o salário anterior será mantido. […]
2. A transição dos funcionários para o novo regime salarial faz‑se através de uma fixação global da sua antiguidade no escalão. Para essa fixação global é determinante o montante de transição. O montante de transição corresponde ao salário integral, sem eventuais progressões extraordinárias, que serviu de base à determinação para calcular o vencimento mensal do funcionário do mês de fevereiro de 2015 (mês da transição). […]
2a. Considera‑se montante de transição o salário de base do escalão que foi efetivamente aplicado para calcular o vencimento pago no mês de transição (classificação de acordo com a folha de salário). Não é permitida a apreciação da regularidade dos salários, quer quanto aos seus fundamentos quer quanto ao seu montante. Uma retificação posterior do vencimento pago só pode ser tida em conta para efeitos do cálculo do montante de transição,
1) se essa retificação tiver por objeto erros materiais cometidos na introdução dos dados num sistema de tratamento automático de dados, e
2) se os dados introduzidos por erro divergirem manifestamente dos dados que deviam ter sido introduzidos, como demonstravam os documentos já existentes no momento dessa introdução.
[…]
2c. Os n.os 2a e 2b da presente disposição transpõem para o direito austríaco, em matéria de estatuto dos empregados federais e do pessoal docente dos Länder, os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 […], com a interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão [Specht e o. (12)]. As modalidades de transição dos funcionários nomeados antes da entrada em vigor da reforma federal das remunerações de 2015 foram, portanto, estabelecidas no novo regime de remuneração e preveem, por um lado, que o escalão remuneratório em que estão doravante classificados é determinado unicamente com base no vencimento obtido ao abrigo do antigo regime de remuneração, apesar de este regime se basear numa discriminação em razão da idade do funcionário, e, por outro, que a ulterior progressão para um escalão remuneratório superior é doravante calculada unicamente em função da experiência profissional adquirida desde a entrada em vigor da reforma das remunerações de 2015.
3. A antiguidade no escalão remuneratório dos funcionários reclassificados é calculada com base no período de tempo necessário para progredir do primeiro escalão (a partir do primeiro dia) para o escalão da mesma categoria profissional a que corresponde, na versão em vigor em 12 de fevereiro de 2015, o salário de montante imediatamente inferior ao montante de transição. Se o montante de transição for igual ao montante mais baixo de um escalão da mesma categoria profissional, será este o nível salarial aplicável. Todos os montantes comparados devem ser arredondados para a unidade de euro mais próximo.
[…]
6. […] Se o novo vencimento do funcionário for inferior ao montante de transição, ser‑lhe‑á pago, a título de prémio complementar, um prémio de manutenção correspondente à diferença, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma […], até atingir um escalão remuneratório superior ao montante de transição. A comparação dos montantes inclui os eventuais prémios de antiguidade ou as progressões excecionais.
[…]
9. A fim de preservar as expectativas ligadas à progressão seguinte, à progressão excecional ou ao prémio de antiguidade no anterior regime de remuneração, é devido ao funcionário um prémio de manutenção, que será considerado para o cálculo da pensão de reforma, sob a forma de um prémio complementar […], assim que atingir o escalão transitório […]»
22. Nos termos do § 175.o, n.o 79, ponto 3, da GehG 2016, «na versão da lei federal publicada no BGB1. I 32/2015, entram em vigor: […] as disposições dos §§ 8 e 12, incluindo as suas epígrafes, em 1 de fevereiro de 1956; todas as versões destas disposições, publicadas antes de 11 de fevereiro de 2015, deixam de ser aplicadas nos processos em curso ou futuros […]».
III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
23. Martin Leitner foi sujeito às regras do antigo regime austríaco de remuneração e progressão dos funcionários até ao mês de fevereiro de 2015 e, seguidamente, foi objeto de uma reclassificação no âmbito do novo regime então adotado pelo legislador austríaco.
24. Em 27 de janeiro de 2015, requereu junto da Landespolizeidirektion Tirol (Direção Regional da Polícia do Tirol, Áustria, a seguir «Direção Regional») uma nova fixação da data de referência pertinente para efeitos de progressão e classificação na tabela, bem como, se fosse esse o caso, o pagamento retroativo das remunerações que lhe eram devidas, tendo em conta a experiência adquirida antes dos 18 anos de idade.
25. Em 30 de abril de 2015, a Direção Regional indeferiu, como sendo inadmissível, o pedido de M. Leitner, com fundamento em que, através da reforma da GehG 1956, no início de 2015 (13), o legislador tinha revogado todas as disposições relativas à antiga data de referência para efeitos de progressão, especificando que as disposições até então pertinentes já não eram aplicáveis, com efeito retroativo, também nos processos em curso ou futuros.
26. M. Leitner interpôs recurso junto do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), alegando que essa decisão de indeferimento não era conforme com as disposições do direito da União relativas à não discriminação, tal como interpretadas pelo Tribunal de Justiça (14). Em 7 de novembro de 2016, esse órgão jurisdicional anulou a decisão impugnada e convidou a Direção Regional a proferir uma decisão sobre o mérito do pedido em causa.
27. Em 9 de janeiro de 2017, a Direção Regional, que decidiu de novo esse pedido, indeferiu‑o com fundamento em que M. Leitner não podia invocar direitos previstos no antigo regime de remuneração e progressão, uma vez que esse regime não era aplicável a nenhum processo após a reforma acima mencionada.
28. Em 8 de fevereiro de 2017, M. Leitner interpôs recurso dessa decisão junto do mesmo órgão jurisdicional, com o objetivo de que a sua classificação e as remunerações daí decorrentes sejam fixadas de acordo com o seu pedido de 27 de janeiro de 2015.
29. Neste contexto, por decisão de 30 de junho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de julho de 2017, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o direito da União, em especial os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78[…], conjugados com o artigo 21.o da Carta […], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, [para lutar contra a discriminação em razão da idade,] prevê [um regime transitório] nos termos d[o] qual, [a classificação, a partir] do sistema bianual de classificação até [então] vigente, [num] novo sistema bianual (não discriminatório e não aplicável a novos funcionários) [é efetuada com base num “montante de transição” que, embora calculado em dinheiro, corresponde a uma classificação concreta], mantendo, por conseguinte, inalterada a discriminação em razão da idade dos funcionários [que] já [estão ao] serviço?
2) Deve o direito da União, em especial o artigo 17.o da Diretiva 2000/78[…] e o artigo 47.o da Carta, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, de harmonia com a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia fez dos artigos 9.o e 16.o [desta diretiva] no seu [A]córdão [Schmitzer (15)], […] impede que os funcionários [que estão ao] serviço possam, invocando o artigo 2.o da Diretiva 2000/78/CE, [obter a fixação da] sua categoria remuneratória [na data da] transição para o novo regime remuneratório, [na medida em que declara,] com [caráter] retroativo, [que os correspondentes fundamentos jurídicos já não eram aplicáveis a contar da] entrada em vigor [da lei principal] original e que, em especial, exclui [a possibilidade de] os períodos de [atividade] cumpridos antes dos 18 anos [serem] tidos em conta?
3) Em caso de resposta afirmativa à [segunda questão]: [o] primado do direito da União, afirmado no Acórdão [Mangold (16)] e em outros acórdãos, impõe que as disposições aplicáveis aos funcionários [que estavam ao] serviço antes da transição, derrogadas com eficácia retroativa, continuem a ser aplicadas de modo a que esses funcionários possam ser classificados retroativamente pelo antigo sistema e, assim, transitem sem discriminação para o novo regime remuneratório?
4) Deve o direito da União, em especial os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78/CE, conjugados com os artigos 21.o e 47.o da Carta […], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que elimina, de forma meramente declarativa, uma discriminação existente em razão da idade (quanto à contagem de períodos de serviço cumpridos antes dos 18 anos), ao determinar que os períodos de serviço efetivamente cumpridos em condições discriminatórias [deixam de] ser [considerados discriminatórios], embora essa discriminação permaneça, de facto, inalterada?»
30. Foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça por Leitner, pelo Governo austríaco e pela Comissão Europeia.
31. Por correspondência enviada em 14 de junho de 2018, o Tribunal de Justiça dirigiu um pedido de esclarecimentos, que o órgão jurisdicional de reenvio satisfez, e colocou uma pergunta para resposta escrita, à qual responderam M. Leitner, o Governo austríaco e a Comissão.
32. Na audiência de 12 de setembro de 2018, essas mesmas partes e interessados apresentaram as suas observações orais.
IV. Análise
A. Observações preliminares
33. O presente processo diz respeito à nova regulamentação austríaca relativa às modalidades segundo as quais a experiência adquirida antes do início de funções é considerada para efeitos de classificação e progressão dos funcionários. Este sistema de remuneração, que resulta da reforma da GehG 1956 no início de 2015, é análogo ao que foi instaurado concomitantemente para os agentes contratuais que prestam serviço na função pública (17).
34. Ao abrigo deste novo sistema, a classificação de um funcionário na tabela salarial e sua subsequente progressão de escalão deixam de ser determinadas em função de uma «data de referência», ponto de partida fictício, mas da «antiguidade» na referida tabela (18). Para o cálculo desta última, tem‑se em conta, além da relação laboral em curso, os períodos de atividade anteriores ao início de funções, desde que estes sejam expressamente considerados pertinentes, e isto de forma variável consoante o tipo de empregador, a saber, na íntegra, quando os períodos de atividade foram cumpridos ao serviço das entidades públicas designadas, mas apenas até ao limite máximo total de dez anos, nos restantes casos (19).
35. Os funcionários que estão ao serviço à data da entrada em vigor da reforma (20), que se aplica de forma retroativa (21), transitam para o novo sistema de remuneração por via de uma reclassificação que, resumidamente, opera da seguinte forma (22). Em primeiro lugar, todos os funcionários são classificados num escalão do novo sistema com base na sua remuneração anterior. Em seguida, a sua antiguidade é fixada de forma global na tabela salarial, em função de um «montante de transição», que corresponde ao escalão remuneratório que determinou efetivamente a remuneração paga pelo empregador no mês de fevereiro de 2015, dito «mês da transição», sendo especificado que a regularidade desta remuneração apenas pode ser objeto de apreciação em caso de erros materiais e manifestos (23).
36. As questões submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) convidam o Tribunal de Justiça, em substância, a determinar se a nova regulamentação em causa perpetua a discriminação baseada na idade, contrária ao direito da União, que foi salientada pelo Acórdão Schmitzer (24), como afirma M. Leitner, ou, se não for esse o caso, conforme sustenta a demandada no processo principal. Para fundamentar o seu pedido de decisão prejudicial, esse órgão jurisdicional esclarece que os entendimentos emitidos por órgãos jurisdicionais superiores austríacos nesta matéria são divergentes (25).
37. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a compatibilidade com o direito da União das modalidades segundo as quais é efetuada a transição dos funcionários do antigo regime de remuneração e progressão para o novo regime, por um lado, no que diz respeito, mais especificamente, ao método escolhido do «montante de transição», e, por outro, no que diz respeito ao caráter puramente declarativo da supressão da discriminação (Parte B). Em seguida, pergunta, por um lado, se é contrário ao direito da União, em especial ao artigo 17.o da Diretiva 2000/78 e ao artigo 47.o da Carta, que os funcionários não tenham a possibilidade de invocar esta diretiva para efeitos de determinação do «montante de transição» e, por outro, em caso de resposta afirmativa, se o princípio do primado do direito da União impõe a aplicação do regime revogado com vista a uma transição não discriminatória para o novo sistema (Parte C).
B. Quanto às modalidades de transição dos funcionários do antigo regime de remuneração e progressão para o novo regime (primeira e quarta questões)
38. Atendendo a que têm pontos em comum, a primeira e quarta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio devem, a meu ver, ser apreciadas em conjunto, apesar de me parecer conveniente dar‑lhes respostas separadas.
1. Quanto à perpetuação da discriminação gerada pelo sistema de transição adotado (primeira questão)
39. Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, designadamente os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, lidos em conjugação com o artigo 21.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional nos termos da qual um regime de remuneração discriminatório é substituído por um novo regime, quando a transição de todos os funcionários que estão ao serviço para este último regime (26) é efetuada de tal forma que a primeira classificação no novo regime é fixada em função do salário pago num determinado mês, que foi calculado em conformidade com o antigo regime (27). Antes de mais, saliento que, pelos termos utilizados no final da sua questão (28), o órgão jurisdicional de reenvio indica de forma explícita que considera a priori que a discriminação anterior é perpetuada pela regulamentação em causa (29).
40. A este respeito, M. Leitner alega que, uma vez que a regulamentação objeto do litígio no processo principal prevê que a reclassificação dos funcionários que já estão ao serviço é efetuada com base na remuneração paga no mês de fevereiro de 2015, que foi fixada de forma discriminatória, a discriminação baseada na idade decorrente do antigo regime de remuneração persiste por causa desta ligação (30) e que os motivos invocados para justificar esta regulamentação não são conformes ao direito da União. O Governo austríaco não desmente que os efeitos da discriminação criada pelo antigo regime possam perdurar deste modo, mas afirma que as modalidades adotadas para efetuar a transição dos referidos funcionários para o novo regime de remuneração não só são justificadas por objetivos legítimos, mas também adequadas e necessárias para alcançar esses objetivos. Em contrapartida, a Comissão considera que tal regulamentação não é compatível com as exigências decorrentes dos artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, na medida em que mantém uma diferença de tratamento baseada na idade que não é devidamente justificada. Partilho também desta opinião pelos motivos a seguir expostos.
41. Desde logo, no que se refere às disposições visadas na presente questão prejudicial, saliento que o princípio da não discriminação em razão da idade é consagrado no artigo 21.o da Carta e materializado pela Diretiva 2000/78, mas que, no âmbito de um litígio como o do processo principal, convém examinar esta questão à luz desta diretiva, tendo em conta que as medidas nacionais em causa estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação (31). Além disso, uma vez que nem o objeto da Diretiva 2000/78 nem os fatores de discriminação por ela proibidos, conforme definidos no seu artigo 1.o, são diretamente sondados no presente processo, não me parece necessário que o Tribunal de Justiça proceda a uma interpretação desta disposição.
42. Em seguida, no que se refere às alegações formuladas relativamente à regulamentação nacional em causa no processo principal, afigura‑se‑me que esta é contestada no que diz respeito às modalidades segundo as quais os funcionários que já estavam ao serviço aquando da adoção da reforma de 2015 transitam do antigo regime de remuneração, julgado discriminatório (32), para o novo regime. Por outras palavras, há que determinar se as disposições em causa são suscetíveis de perpetuar a discriminação em razão da idade que decorre desse antigo regime, antes de examinar se estas disposições são objetiva e razoavelmente justificadas, de modo a escapar à proibição prevista pela Diretiva 2000/78.
43. Em primeiro lugar, no que respeita à existência de uma discriminação baseada na idade, observo que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, existe uma discriminação direta sempre que, designadamente em razão da idade, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável.
44. Além disso, recordo que, no Acórdão Schmitzer (33), na origem da reforma aqui em causa (34), o Tribunal de Justiça considerou que a regulamentação austríaca anterior a esta reforma continha uma diferença de tratamento diretamente baseada na idade na aceção daquela disposição e que esta diferença não era devidamente justificada por objetivos legítimos, pelo que estava abrangida pela proibição prevista no referido artigo 2.o, n.o 2, alínea a).
45. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou de forma reiterada que sempre que a reclassificação de uma categoria de pessoas num novo sistema de remuneração seja efetuada exclusivamente em função de um parâmetro relacionado com a idade, decorrente do antigo sistema, as disposições nacionais deste tipo são suscetíveis de perpetuar a diferença de tratamento baseada na idade no novo sistema (35).
46. No caso em apreço, o § 169c da GehG, conforme alterada, prevê que a reclassificação dos funcionários que estão ao serviço é efetuada «exclusivamente com base nos seus salários anterior» (36), o qual se baseia, ele próprio, na idade. Deste modo, estas disposições perpetuam uma situação discriminatória nos termos da qual os funcionários que eram desfavorecidos pelo antigo sistema auferem uma remuneração menor do que a auferida por outros funcionários, ainda que as suas situações sejam comparáveis, e isto unicamente devido à idade que tinham quando exerceram as atividades anteriores a ter em conta.
47. O órgão jurisdicional de reenvio pronuncia‑se no mesmo sentido. Remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima mencionada, o Governo austríaco reconhece, aliás, que estas disposições do novo sistema de remuneração são suscetíveis de prolongar os efeitos discriminatórios do antigo sistema (37). Além disso, a Comissão expõe que resulta de trabalhos preparatórios nacionais que foi de forma absolutamente intencional que o legislador austríaco optou por um método com tais consequências (38).
48. Portanto, a meu ver, é inegável que uma regulamentação como a que está em causa perpetua uma situação discriminatória, ou seja, a diferença de tratamento diretamente baseada na idade na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78, que foi constatada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Schmitzer (39). Por conseguinte, as discriminações que existiam antes da reforma em causa vão, inevitavelmente, prosseguir, e isto de forma não apenas provisória, mas duradoura, até mesmo definitiva (40).
49. Em segundo lugar, relativamente à eventual justificação da diferença de tratamento que assim persiste, há que recordar que o artigo 6.o da Diretiva 2000/78 permite afastar a qualificação de discriminação direta na aceção do seu artigo 2.o, e, consequentemente, a proibição daí resultante, sempre que as diferenças de tratamento com base na idade forem «objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo», como os enumerados neste artigo 6.o (41), e desde que «os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários».
50. Em conformidade com jurisprudência constante, no âmbito de um reenvio prejudicial, embora caiba em última instância ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar os factos, determinar se e em que medida a regulamentação interna em causa no processo principal está em conformidade com esses requisitos, o Tribunal de Justiça, chamado a fornecer ao juiz nacional respostas úteis, tem competência para dar indicações, extraídas dos autos do processo principal, bem como das observações que lhe tenham sido submetidas, suscetíveis de lhe permitir proferir a decisão no litígio que lhe está submetido (42).
51. Quanto aos objetivos suscetíveis de justificar o teor da regulamentação em causa, o órgão jurisdicional de reenvio (43) e o Governo austríaco referem que as modalidades de transição adotadas na reforma de 2015 visavam, por um lado, evitar as dificuldades demasiado importantes que resultariam de uma fixação específica para cada um dos muitos funcionários em causa (44), por outro lado, manter a operação neutra em termos de custos para o Estado e, por último, prevenir descidas importantes do nível de remuneração para estes funcionários.
52. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que justificações baseadas em eventuais dificuldades administrativas e no aumento dos encargos financeiros não podem, em princípio, servir de fundamento ao desrespeito das obrigações decorrentes da proibição de discriminações em razão da idade, prevista pela Diretiva 2000/78. No entanto, o Tribunal de Justiça admitiu que não se pode exigir um exame de cada caso particular para determinar individualmente os períodos de experiência anteriores, na medida em que a gestão do regime em causa deve ser viável do ponto de vista técnico e económico (45).
53. Por outro lado, é ponto assente que a vontade, expressamente manifestada pelo legislador austríaco (46), de oferecer a uma categoria de pessoas a garantia de uma transição para o novo sistema de remuneração sem perdas financeiras e, portanto, no respeito dos direitos adquiridos e da proteção da confiança legítima destas pessoas constitui um objetivo legítimo de política de emprego e do mercado de trabalho (47), que pode justificar, durante um período transitório, a manutenção das remunerações anteriores e, por consequência, de um regime discriminatório em razão da idade (48).
54. Uma vez que a regulamentação nacional em causa no processo principal prossegue efetivamente um objetivo legítimo na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2000/78, há que verificar, a seguir, se os meios utilizados são adequados e necessários para atingir esse fim, em conformidade com esta disposição.
55. Quanto ao caráter adequado de tais disposições, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio e da Comissão, tenho sérias dúvidas de que o elemento controvertido da reforma de 2015, a saber, a reclassificação de todos os funcionários que estão ao serviço «exclusivamente com base nos seus salários anteriores» (49), possa ser considerada adequada para atingir o objetivo de proteção, tanto dos direitos adquiridos, como da confiança legítima de todas as pessoas abrangidas por esse dispositivo.
56. Com efeito, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que o legislador austríaco adotou diversas medidas destinadas a evitar que todas estas pessoas, quer tenham sido ou não favorecidas pelo antigo regime, sofram uma perda importante de salário por causa da referida reforma (50). Ora, o próprio facto de tais medidas transitórias terem de ser adotadas, em complemento do dispositivo baseado na remuneração anterior que é posto em causa, permite presumir que este não é apto por si só e, portanto, por si mesmo, a preservar os direitos adquiridos e as expectativas legítimas dos interessados.
57. Além disso, quanto ao caráter necessário de disposições como as que estão em causa no processo principal, considero que o dispositivo adotado em 2015 vai além do que é necessário para atingir o objetivo acima referido. Conforme indica a Comissão (51), e apesar da opinião contrária do Governo austríaco, outros tipos de medidas, menos penalizadoras para as pessoas desfavorecidas pelo antigo regime (52), poderiam ter sido aplicadas para preservar os direitos adquiridos e a confiança legítima de todos os funcionários em causa (53), sem que, a meu ver, a gestão do novo regime se torne inviável de um ponto de vista técnico e económico (54).
58. Esta constatação impõe‑se, a meu ver, sobretudo, atendendo à duração ilimitada do novo dispositivo, que não permite uma convergência progressiva do tratamento reservado aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime para o tratamento concedido aos funcionários favorecidos, de modo que os primeiros beneficiem a médio ou mesmo a curto prazo, e, em todo o caso, após um período previsível, de uma recuperação das vantagens concedidas aos segundos (55).
59. A este respeito, recordo que o Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo em causa não pode justificar uma medida que, como no caso em apreço, mantém definitivamente a diferença de tratamento em função da idade que a reforma de um regime discriminatório visa eliminar. Tal medida, embora seja suscetível de assegurar a proteção dos direitos adquiridos e da confiança legítima em relação aos funcionários favorecidos pelo regime anterior, não é adequada para estabelecer um regime não discriminatório para os funcionários desfavorecidos por esse regime anterior (56).
60. Por fim, esclareço que o argumento aduzido pelo Governo austríaco, segundo o qual o Gewerkschaft Öffentlicher Dienst (Sindicato da Função Pública, Áustria) deu o seu acordo em relação às modalidades da reforma em questão não é suscetível de pôr em causa a análise que precede. Com efeito, tal como os Estados‑Membros, os parceiros sociais devem agir no respeito das obrigações resultantes da Diretiva 2000/78 (57), mesmo que o papel por eles desempenhado possa ser crucial aquando da elaboração de determinadas normas (58).
61. Por conseguinte, considero que, não obstante a ampla margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros e aos parceiros sociais na escolha não só da prossecução de um determinado objetivo em matéria de política social e de emprego, mas também na definição das medidas suscetíveis de o realizar (59), o legislador austríaco não podia razoavelmente considerar que era adequado e necessário adotar disposições nacionais como o § 169c da GehG, conforme alterada.
62. À luz de todas estas considerações, entendo que os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a modalidades segundo as quais os funcionários que já estão ao serviço transitam de um antigo regime de remuneração discriminatório para um novo regime, como as modalidades previstas pela regulamentação nacional em causa no processo principal.
2. Quanto ao impacto das declarações feitas pelo legislador nacional e ao direito a uma proteção jurisdicional efetiva (quarta questão)
63. Com a quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio convida o Tribunal de Justiça a declarar se os artigos 1.o, 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78, lidos em conjugação com o artigo 21.o da Carta, disposições já todas visadas na primeira questão, e ainda com o artigo 47.o da Carta, disposição também visada (60), obstam à tomada em consideração das declarações perentórias, feitas pelo legislador nacional, segundo as quais a reforma contestada põe devidamente termo à discriminação gerada pelo regime anteriormente aplicável. Resulta dos fundamentos da decisão de reenvio que o referido artigo 47.o é mencionado para que o Tribunal de Justiça determine, além disso, se o direito a uma proteção jurisdicional efetiva nele consagrado foi violado pelo legislador aquando da adoção desta reforma.
64. Antes de mais, esclareço que centrarei aqui as minhas observações acerca da interpretação do artigo 47.o da Carta, tendo em conta as considerações acima expostas (61) no que diz respeito às outras disposições indicadas na presente questão, para efeitos de uma aplicação conjugada com este artigo.
65. Antes disso, quanto ao valor jurídico a atribuir ao facto de o legislador austríaco afirmar ter eliminado a discriminação baseada na idade, «de forma declarativa», observo que o órgão jurisdicional de reenvio afirma que o modelo escolhido não elimina esta discriminação através de medidas que permitam corrigi‑la de forma concreta, mas tenta fazê‑lo retroativamente através de simples declarações (62), que são contrariadas por uma comparação entre o antigo regime e o novo, que demonstra que a reclassificação constitui uma «deslocação paralela» da discriminação em causa do antigo regime para o novo.
66. M. Leitner não apresentou observações específicas sobre a questão de saber se é admissível, à luz das disposições acima referidas do direito da União, que uma regulamentação nacional se cinja a declarar que elimina uma discriminação proibida, mantendo‑a intacta na prática.
67. O Governo austríaco sublinha que o ponto crucial não consiste em saber se uma discriminação é eliminada de modo — alegadamente — meramente declarativo, mas se as disposições nacionais aplicáveis são conformes ao direito da União, tal como é debatido no âmbito das precedentes questões prejudiciais. Dentro do mesmo espírito, a Comissão considera que as menções inscritas na legislação nacional, tais como as evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, em nada alteram o facto de ser necessário verificar se a aplicação efetiva desta legislação é feita em conformidade com o direito da União.
68. Partilho, em substância, do mesmo ponto de vista, recordando que o Tribunal de Justiça tem por missão, no âmbito de um processo de reenvio prejudicial, fornecer todos os elementos de interpretação do direito da União que permitem ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a conformidade de uma regulamentação nacional com as disposições do direito da União, entre as quais a Carta (63), e isto, não obstante, a meu ver, as eventuais declarações do legislador nacional sobre essa conformidade.
69. Quanto à eventual incompatibilidade com o artigo 47.o da Carta (64), o órgão jurisdicional de reenvio refere que, nos termos do novo regime de remuneração e progressão dos funcionários, o «montante de transição», fixado com base no antigo regime, só pode ser objeto de uma fiscalização limitada (65). Interroga‑se sobre a questão de saber se estas disposições nacionais privam de efetividade qualquer ação baseada numa classificação incorreta que se revele não ser devida a um simples erro de codificação (66).
70. M. Leitner afirma que o artigo 47.o da Carta proíbe disposições, como as da reforma em causa, que preveem que o antigo sistema de remuneração e progressão, julgado discriminatório, deixa de poder ser aplicado em todos os processos, em curso ou futuros (67). A Comissão não se pronuncia sobre este ponto. Em contrapartida, o Governo austríaco sustenta que tais disposições nacionais cumprem os requisitos do referido artigo 47.o Sou também desta opinião, pelas razões que se seguem.
71. Antes de mais, considero que é incontestável que o presente processo se refere a uma situação em que um Estado‑Membro aplicou o direito da União, na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, pelo que o legislador federal tinha o dever de respeitar os direitos fundamentais garantidos no artigo 47.o da Carta, mais especificamente o direito dos particulares de beneficiarem de uma proteção jurisdicional efetiva das prerrogativas que o direito da União lhes confere (68). Saliento que esta proteção também está, de resto, prevista de forma expressa pela Diretiva 2000/78 (69), cuja transposição era explicitamente visada nos termos da regulamentação aqui em causa (70).
72. Além disso, recordo que cada Estado‑Membro dispõe de uma certa autonomia nesta matéria, que lhe permite definir as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, desde que estas modalidades respeitem os dois limites fixados pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a saber, o princípio da equivalência e o princípio da efetividade (71). Tal como já foi salientado, as exigências decorrentes do artigo 47.o da Carta, que o Tribunal de Justiça pôde estabelecer, são tão circunscritas quanto dependentes de múltiplos fatores, e o direito a uma ação efetiva, em especial, não implica que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes possam necessariamente, em todas as circunstâncias, reformar as decisões impugnadas em relação a todos os elementos em que estas se baseiam (72).
73. Por outro lado, devido às ligações existentes entre o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta e o artigo 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (73), há que ter em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa a esta última disposição (74). Ora, resulta desta jurisprudência que o direito a uma ação efetiva perante um tribunal deve permitir aos litigantes invocar os direitos e liberdades consagrados pela referida convenção, sendo que este direito faz recair sobre os Estados uma obrigação cujo alcance varia em função da natureza da alegação do demandante, e que o caráter efetivo da ação não depende da certeza de um desfecho favorável para o interessado (75).
74. No caso em apreço, constato que, no âmbito do novo regime austríaco de remuneração e progressão, o alcance da fiscalização material que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes podem exercer relativamente ao «montante de transição», que determina a reclassificação dos funcionários em causa (76), é reduzido (77). Com efeito, esta fiscalização pode incidir apenas sobre as inexatidões resultantes de erros de codificação dos dados pertinentes (78), e não sobre uma eventual irregularidade no cálculo do salário sobre o qual se baseia o referido montante, cálculo efetuado com base no antigo regime de remuneração.
75. No entanto, conforme foi referido pelo Governo austríaco, todas as pessoas afetadas pela reforma controvertida — ou seja, os funcionários que já estavam ao serviço, quer tenham sido favorecidos ou desfavorecidos pelo antigo regime — dispõem de vias judiciais que lhes permitem obter a fiscalização da legalidade do sistema ao abrigo do qual transitam para o novo regime de remuneração e progressão (79). Esta fiscalização jurisdicional da validade das normas em causa pode ser exercida, em especial, à luz das exigências do direito da União, de modo que uma eventual incompatibilidade da reforma com essas exigências possa ser detetada. A ação judicial instaurada no processo principal, que deu origem ao presente pedido de decisão prejudicial, é, aliás, reveladora da existência e da eficácia dessas vias judiciais. Os interessados podem, assim, recorrer aos órgãos jurisdicionais austríacos para fazer valer os direitos que lhes são conferidos pelo direito da União, em termos, a meu ver, compatíveis com o conteúdo acima referido do direito fundamental a uma ação efetiva, na aceção do artigo 47.o da Carta, e que permitem, mais especificamente, fazer respeitar as obrigações decorrentes da Diretiva 2000/78.
76. Por conseguinte, proponho que se responda à quarta questão submetida que o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições nacionais como as referidas nesta questão.
C. Quanto à eventual incompatibilidade com o artigo 17.o da Diretiva 2000/78 e às suas potenciais consequências à luz do princípio do primado do direito da União (segunda e terceira questões)
77. Tendo em conta a correlação estabelecida pelo órgão jurisdicional de reenvio entre a segunda e terceira questões submetidas ao Tribunal de Justiça, há que, a meu ver, responder às mesmas conjuntamente.
1. Quanto à incidência do artigo 17.o da Diretiva 2000/78 (segunda questão)
78. A segunda questão convida o Tribunal de Justiça a verificar, principalmente, se «o artigo 17.o da Diretiva 2000/78/CE e o artigo 47.o da Carta» (80) devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal.
79. Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se é admissível, à luz de uma e de outra das referidas disposições, que uma regulamentação nacional impeça os funcionários que já estavam ao serviço de invocar o artigo 2.o desta diretiva, lido em conjugação com os artigos 9.o e 16.o em conformidade com o Acórdão Schmitzer (81), a fim de «determinar a sua categoria remuneratória num período anterior à transição para o novo regime remuneratório», na medida em que essa regulamentação prevê que as disposições do antigo regime deixam de ser aplicáveis retroativamente.
80. Embora a decisão de reenvio não o refira expressamente, parece‑me lógico considerar que a problemática suscitada pela presente questão deverá ser decidida unicamente na hipótese de, em resposta à primeira questão prejudicial, o Tribunal de Justiça considerar, como proponho, que a regulamentação em causa não é conforme às exigências decorrentes dos artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78.
81. Relativamente à interpretação aqui solicitada do artigo 47.o da Carta, remeto para as considerações que desenvolvi sobre esta problemática no âmbito da resposta à quarta questão (82), que visa também este artigo 47.o, mas, baseando‑se em considerações mais claras e adequadas, a meu ver, do que as referentes à presente questão, dado que esta tem por objeto principal as disposições acima mencionadas da Diretiva 2000/78.
82. No que respeita à interpretação do artigo 17.o da Diretiva 2000/78, resulta, em minha opinião, dos fundamentos da sua decisão que o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se este artigo impõe ou não a concessão de uma compensação financeira (83) aos funcionários que já estavam ao serviço e foram alvo de discriminação em razão da idade por força do anterior regime de remuneração e progressão, à luz de acórdãos anteriores do Tribunal de Justiça (84). Na sua resposta ao pedido de esclarecimentos, o referido órgão jurisdicional precisa que deduz do Acórdão Schmitzer (85) que esse funcionário «deve ter a possibilidade, invocando o artigo 2.o desta diretiva, de contestar o efeito discriminatório da regulamentação para lhe pôr fim, independentemente do facto de uma compensação financeira lhe ser devida a este título em relação ao passado». Acrescenta que lhe parece que o legislador austríaco não teve suficientemente em conta as exigências do referido artigo 17.o, ao optar por medidas que visam exclusivamente a neutralidade em termos de custos, e que não são aptas para eliminar eficazmente a discriminação em razão da idade.
83. Sem se referir expressamente ao artigo 17.o da Diretiva 2000/78, M. Leitner alega que, até que o direito da União seja corretamente aplicado, as pessoas desfavorecidas devem beneficiar das mesmas vantagens que as pessoas favorecidas. Em contrapartida, o Governo austríaco alega que, ao adotar a reforma em causa no processo principal, o legislador austríaco respeitou as obrigações decorrentes do artigo 16.o da Diretiva 2000/78. Por seu lado, a Comissão, após ter referido especificamente o artigo 17.o desta diretiva nas suas observações e considerado que uma compensação financeira pode ser devida no caso em apreço, acaba por sugerir que se responda que, na falta de um sistema conforme com esta diretiva, devem ser concedidas aos funcionários desfavorecidos pelo regime anterior as mesmas vantagens de que beneficiaram os funcionários favorecidos por esse regime, no que diz respeito à tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas também à progressão de escalão remuneratório.
84. Apesar de ter um entendimento análogo, em substância, à proposta final da Comissão, considero, no entanto, que o artigo 17.o da Diretiva 2000/78, mencionado na presente questão prejudicial em relação com outras disposições desta diretiva, não é o fundamento jurídico adequado para apreciar a necessidade ou não de conceder uma compensação financeira às pessoas discriminadas, em tais circunstâncias (86).
85. Com efeito, saliento que este artigo 17.o, relativo às sanções que os Estados‑Membros devem aplicar a quem violar as disposições nacionais adotadas para transpor aquela diretiva (87), não abrange o presente caso, em que está em causa a forma como um Estado‑Membro deve eventualmente corrigir (88) uma discriminação gerada, não por uma violação dessas disposições nacionais que deva ser punida de modo adequado (89), mas pelo desrespeito das exigências do direito da União por parte dessas mesmas disposições nacionais.
86. Considero que é mais adequado remeter, neste caso, para o disposto no artigo 16.o da Diretiva 2000/78, relativo à obrigação dos Estados‑Membros de alterarem as suas normas nacionais para as tornar conformes com o princípio da não discriminação, tal como foi feito pelo Tribunal de Justiça, por diversas vezes, inclusive muito recentemente, em contextos semelhantes de reformulação de regimes nacionais de remuneração por motivo de discriminação (90). Assim, proponho responder à presente questão tendo em consideração o disposto no artigo 16.o desta diretiva (91).
87. A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que o referido artigo 16.o impõe aos Estados‑Membros que alterem as suas regulamentações nacionais de modo a ficarem conformes com o direito da União, deixando‑lhes, porém, a liberdade de optar, entre as diferentes medidas destinadas a pôr termo a uma discriminação proibida, pela que lhes pareça mais adequada para o efeito. Em conformidade com esta jurisprudência, a supressão de uma discriminação baseada na idade, como a que está em causa no processo principal, não implica necessariamente que o trabalhador discriminado sob o regime legal anterior beneficie automaticamente do direito a receber retroativamente uma compensação financeira, que consiste na diferença entre o salário que teria auferido na falta de discriminação e o que efetivamente recebeu, ou um aumento dos salários futuros. Só assim será enquanto não forem adotadas pelo legislador nacional medidas que restabeleçam a igualdade de tratamento. Com efeito, neste caso, o cumprimento do princípio da igualdade de tratamento apenas pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada, regime este que, por falta de aplicação correta do direito da União, é o único sistema de referência válido (92).
88. Ora, a regulamentação em causa corresponde, a meu ver, a esta última hipótese, dado que, pelas razões expostas no âmbito da primeira questão prejudicial (93), as medidas adotadas pelo legislador austríaco, com vista à transição dos funcionários a prestar serviço para o novo regime de remuneração e progressão, não permitem restabelecer uma igualdade de tratamento a favor dos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime (94). Uma vez que a nova regulamentação mantém os efeitos discriminatórios da regulamentação anterior (95), o respeito do princípio da igualdade de tratamento implica atribuir a estas pessoas as mesmas vantagens que as concedidas aos funcionários que foram favorecidos pelo antigo regime, tanto no que diz respeito à tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade como à progressão de escalão remuneratório (96). Mais especificamente, entendo a jurisprudência acima referida no sentido de que significa que o restabelecimento de uma igualdade de tratamento pode ir até ter de pagar uma compensação financeira aos funcionários se um reequilíbrio a favor deles não for atingido, o mais rapidamente possível (97), por qualquer outro meio adequado para assegurar a convergência exigida por força do direito da União.
89. É neste sentido que, a meu ver, deve ser interpretado o artigo 16.o da Diretiva 2000/78 para dar uma resposta útil à segunda questão prejudicial.
2. Quanto à incidência do princípio do primado do direito da União (terceira questão)
90. Antes de mais, sublinho que a terceira questão é submetida na hipótese de o Tribunal de Justiça dar uma resposta afirmativa à segunda questão, tal como enunciada pelo órgão jurisdicional de reenvio.
91. Com a terceira questão, este órgão jurisdicional interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a questão de saber em que medida uma aplicação do princípio do primado do direito da União (98) poderia permitir corrigir a incompatibilidade da regulamentação em causa no processo principal com este direito que resulta, em especial, de uma contradição com as disposições do artigo 17.o da Diretiva 2000/78, referido na questão anterior. No entanto, recordo que proponho uma reformulação da segunda questão de modo a dar‑lhe uma resposta útil com base no artigo 16.o da referida diretiva (99).
92. Mais especificamente, esse órgão jurisdicional pergunta se, por força do primado do direito da União, as disposições do antigo regime de remuneração, que foram revogadas com efeitos retroativos (100), devem, porém, continuar a ser aplicadas aos funcionários que já estavam ao serviço aquando da adoção da reforma, para que estes últimos sejam classificados retroativamente e de forma não discriminatória nesse antigo regime e possam, assim, transitar sem discriminação para o novo regime de remuneração.
93. M. Leitner não toma posição sobre esta terceira questão prejudicial. O Governo austríaco considera que a mesma não tem de ser analisada, uma vez que deve ser dada uma resposta negativa à segunda questão, em razão da conformidade com o direito da União, mas, dá, contudo, indicações subsidiárias, remetendo para a jurisprudência do Tribunal Judicial sobre o princípio do primado (101). Segundo a Comissão, há que responder de forma conjunta à segunda e terceira questões, uma vez que estas visam, em substância, determinar se deve ser concedida, quer com base no primado do direito da União quer por força do artigo 17.o da Diretiva 2000/78, uma compensação financeira aos funcionários desfavorecidos pelo antigo regime julgado discriminatório.
94. Quanto a mim, considero que o respeito do primado do direito da União, relativamente à supressão de uma discriminação proibida por este direito, já pode ser assegurado pela aplicação da jurisprudência relativa à interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2000/78, a que fiz referência no âmbito da segunda questão prejudicial, resultando dessa jurisprudência que as pessoas desfavorecidas por um regime discriminatório devem beneficiar das mesmas vantagens que as concedidas às pessoas favorecidas por este regime (102). Com efeito, parece‑me que o princípio do primado do direito da União é materializado pelas disposições da diretiva 2000/78, na matéria por ela abrangida, em especial pelas obrigações constantes do seu artigo 16.o Por conseguinte, a meu ver, não há que responder especificamente a esta terceira questão. No entanto, com a preocupação de ser exaustivo, apresentarei as seguintes observações.
95. Numa situação como a do caso em apreço, em que uma ação é instaurada contra uma autoridade administrativa de um Estado‑Membro, resulta de jurisprudência constante que, se o órgão jurisdicional nacional que conhece da ação se vir na impossibilidade de proceder a uma interpretação e a uma aplicação da regulamentação nacional conforme à Diretiva 2000/78 que não seja contra legem, o princípio do primado do direito da União exige que deixe inaplicada a regulamentação que colide com as exigências do direito da União (103). No caso vertente, para garantir a plena eficácia do direito da União, o respeito do referido princípio implica excluir as disposições do novo regime de remuneração que não respeitam as obrigações decorrentes desta diretiva, mais especificamente à luz da proibição das discriminações baseadas na idade.
96. De acordo com as informações complementares do Governo austríaco, tal obrigaria a deixar inaplicada a regra segundo a qual a transição para esse regime deve ser efetuada de modo global (104) e, portanto, a fixar a antiguidade no escalão de forma individual, para cada agente que já estava ao serviço, recalculando os seus períodos de atividade anteriores e a classificação na tabela salarial que daí resulte (105).
97. A meu ver, o juiz nacional dispõe de uma margem de apreciação no que se refere aos meios a aplicar neste contexto, desde que permitam corrigir efetivamente a discriminação baseada na idade que está em causa no processo principal. O procedimento mais adequado seria, na minha opinião, excluir o elemento da regulamentação em causa que gera uma perpetuação desta discriminação, a saber, o mecanismo ao abrigo do qual a transição é efetuada com base num salário fixado nos termos do antigo regime de remuneração julgado discriminatório. Seguidamente, convinha identificar as vantagens de que puderam beneficiar os funcionários favorecidos por este regime, a fim de conceder o mesmo tratamento aos funcionários desfavorecidos, conforme referi a propósito da interpretação do artigo 16.o da Diretiva 2000/78 (106).
98. Esclareço que, contrariamente ao que a terceira questão prejudicial pode dar a entender, a aplicação da jurisprudência relativa ao princípio do primado não deve, a meu ver, levar a aplicar o antigo regime de remuneração, através de uma espécie de regenerescência das disposições revogadas com efeitos retroativos (107). Com efeito, o respeito do primado do direito da União não vai ao ponto de impor que um órgão jurisdicional nacional aplique uma regulamentação que desapareceu por vontade do legislador de um Estado‑Membro. Além disso, este antigo regime contém disposições que o Tribunal de Justiça julgou criarem uma discriminação baseada na idade (108), pelo que não pode ser aplicado enquanto tal a fim de, precisamente, pôr termo a essa discriminação.
V. Conclusão
99. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) do seguinte modo:
1) Os artigos 2.o e 6.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, para efeitos de tomada em consideração dos períodos de atividade cumpridos antes dos 18 anos de idade, substitui um sistema de remuneração julgado discriminatório em razão da idade por um novo sistema de remuneração, mas prevê que a transição de todas as pessoas que já estão ao serviço para este sistema é efetuado determinando a sua primeira classificação neste novo sistema com base no salário pago num determinado mês e calculado nos termos do antigo sistema, de modo que os efeitos financeiros da discriminação baseada na idade são mantidos.
2) O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que limita a fiscalização material que os órgãos jurisdicionais nacionais competentes podem exercer em relação às decisões impugnadas perante eles, mas permite que exerçam uma fiscalização da legalidade dessas decisões e, neste âmbito, uma fiscalização da conformidade da referida regulamentação com o direito da União.
3) O artigo 16.o da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que, num caso como o do processo principal, em que ainda não tenha sido adotado um sistema que proceda à supressão da discriminação em razão da idade em conformidade com o disposto nesta diretiva, o restabelecimento da igualdade de tratamento implica a concessão às pessoas desfavorecidas pelo regime anterior de vantagens idênticas às que beneficiaram as pessoas favorecidas por esse regime, no que respeita não só à tomada em consideração dos períodos de antiguidade cumpridos antes dos 18 anos de idade, mas igualmente à progressão de escalão remuneratório.