Language of document : ECLI:EU:C:2014:2364

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

12 de novembro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.° 2201/2003 — Artigo 12.°, n.° 3 — Filho de pais não casados — Extensão da competência — Inexistência de outro processo conexo pendente — Aceitação da competência — Contestação da competência de um tribunal por uma parte que nele deu início a um processo»

No processo C‑656/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Nejvyšší soud (República Checa), por decisão de 12 de novembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de dezembro de 2013, no processo

L

contra

M,

sendo intervenientes:

R,

K,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas (relator) e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M, por E. Zajíčková, advokátka,

–        em representação de R e K, por Z. Kapitán, advokát,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e J. Hradil, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L, mãe de R e K, a M, pai destes últimos, quanto à guarda das crianças, que estão com a mãe na Áustria, vivendo o pai na República Checa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.° 2201/2003

3        Os considerandos 5 e 12 do Regulamento n.° 2201/2003 enunciam:

«(5)      A fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial.

[…]

(12)      As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado‑Membro de residência habitual da criança, exceto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.»

4        O artigo 1.° do Regulamento n.° 2201/2003 precisa o âmbito de aplicação deste último. Dispõe, nomeadamente:

«1.      O presente regulamento é aplicável […] às matérias civis relativas:

[…]

b)      À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2.      As matérias referidas na alínea b) do n.° 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a)      Ao direito de guarda e ao direito de visita;

[…]

3.      O presente regulamento não é aplicável:

[…]

e)      Aos alimentos;

[…]»

5        O artigo 2.°, ponto 7, deste regulamento define, para efeitos do mesmo regulamento, o conceito de «responsabilidade parental» como «o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança[; o] termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita».

6        O capítulo II do Regulamento n.° 2201/2003, sob a epígrafe «Competência», é composto por três secções. A secção 1 desse capítulo, intitulada «Divórcio, separação e anulação do casamento», contém os artigos 3.° a 7.° O artigo 3.° enuncia os critérios que servem, a título principal, para determinar os tribunais dos Estados‑Membros competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento. O artigo 7.° trata das competências residuais em matéria de divórcio, separação ou anulação do casamento.

7        A secção 2 do mesmo capítulo II do Regulamento n.° 2201/2003, relativa à competência em matéria de responsabilidade parental, contém os artigos 8.° a 15.° O artigo 8.°, sob a epígrafe «Competência geral», dispõe:

«1.      Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

2.      O n.° 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»

8        O artigo 12.° deste regulamento, sob a epígrafe «Extensão da competência», prevê, no seu n.° 1, que «[o]s tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido», quando as condições que enumera estiverem satisfeitas.

9        O artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2201/2003 precisa:

«A competência exercida nos termos do n.° 1 cessa:

a)      Quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transite em julgado; ou

b)      Se, à data referida na alínea a), ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado; ou

c)      Nos casos referidos nas alíneas a) e b), logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.»

10      Nos termos do artigo 12.°, n.° 3, deste regulamento:

«Os tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.° 1, quando:

a)      A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e

b)      A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança.»

11      O artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003, sob a epígrafe «Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar a ação», precisa as condições em que, excecionalmente, os tribunais de um Estado‑Membro competentes para conhecer do mérito do processo podem remeter o referido processo ou alguns dos seus aspetos específicos a um tribunal de outro Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular e que consideram estar mais bem colocado para dele conhecer.

12      O artigo 16.° deste regulamento, sob a epígrafe «Apreciação da ação por um tribunal», dispõe:

«1.      Considera‑se que o processo foi instaurado:

a)      Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido; ou

b)      Se o ato tiver de ser citado ou notificado antes de ser apresentado ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela citação ou notificação, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o ato seja apresentado a tribunal.»

 Regulamento (CE) n.° 4/2009

13      O Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1; retificação no JO 2011, L 131, p. 26), aplica‑se, segundo os termos do seu artigo 1.°, n.° 1, «às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade».

14      O artigo 3.° desse regulamento, sob a epígrafe «Disposições gerais», tem a seguinte redação:

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

[…]; ou

d)      O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.»

 Direito checo

15      O § 39, n.° 1, da Lei n.° 97/1963 relativa ao direito internacional privado e ao direito processual, dispõe:

«Em matéria de guarda e de pensão de alimentos de menores e noutros processos que lhes digam respeito, se estes últimos forem nacionais checoslovacos, a competência dos tribunais checoslovacos é estabelecida mesmo que vivam no estrangeiro. […]»

16      O § 104, n.° 1, do Código de Processo Civil enuncia:

«Quando não estiver preenchida uma condição processual que não pode ser afastada, o juiz encerra o processo. Se o processo não for da competência do juiz ou se dever ser precedido de outro, o juiz remete o processo ao órgão competente, depois do trânsito em julgado do despacho que põe termo ao processo; os efeitos jurídicos ligados à interposição de um recurso (petição inicial) são mantidos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      Resulta da decisão de reenvio que L e M, um casal que vivia em união de facto, tiveram dois filhos, R e K. Estas duas crianças nasceram na República Checa e têm a nacionalidade desse Estado‑Membro. Até ao mês de fevereiro de 2010, os pais e as crianças viveram na República Checa. A partir desse mês, L começou a trabalhar na Áustria e as crianças viveram alternadamente com a mãe e o pai, que vive e trabalha em Český Krumlov (República Checa).

18      Em 20 de maio de 2012, L registou o domicílio das crianças na Áustria e, em setembro do mesmo ano, disse a M que as crianças não voltariam à República Checa. Nessa altura, as crianças foram escolarizadas na Áustria. A questão de saber se a mudança das crianças para a Áustria tinha sido feita com o acordo de M é discutida no âmbito do processo relativo à guarda das crianças.

19      Em 26 de outubro de 2012, M apresentou no Okresní soud (tribunal de primeira instância) de Český Krumlov um pedido relativo à «organização das relações entre pais e filhos», a fim de obter a guarda das crianças e uma pensão de alimentos.

20      Em 28 de outubro de 2012, após a visita dos filhos e violando o acordo celebrado com L, M não entregou as crianças à mãe.

21      Por seu turno, em 29 de outubro de 2012, L apresentou um pedido no Okresní soud de Český Krumlov para obter a guarda das crianças e uma pensão de alimentos. Posteriormente, apresentou um pedido semelhante nos tribunais austríacos.

22      Em 1 de novembro de 2012, por força de uma medida provisória adotada pelo Okresní soud de Český Krumlov, as crianças regressaram a casa da mãe na Áustria, onde têm sido escolarizadas desde então. Por decisão de 12 de dezembro de 2012, o Krajský soud (tribunal regional) de České Budějovice (República Checa) confirmou esta medida provisória.

23      Por decisão de 1 de fevereiro de 2013, o Okresní soud de Český Krumlov declarou‑se incompetente e pôs termo ao processo, nos termos do § 104, n.° 1, do Código de Processo Civil, uma vez que, residindo as crianças na Áustria no momento em que tal processo foi instaurado, os tribunais austríacos eram competentes ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003.

24      Em 19 de março de 2013, o órgão central austríaco recebeu, por iniciativa de M, um pedido de regresso das crianças em aplicação da Convenção de Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Recueil des Traités des Nations Unies, vol. 1343, n.° 22514).

25      Por decisão de 11 de abril de 2013, o Krajský soud de České Budějovice reformou a decisão proferida pelo Okresní soud de Český Krumlov em 1 de fevereiro de 2013, pelo que o processo não está encerrado. Este tribunal considerou que a competência internacional dos tribunais checos estava estabelecida ao abrigo do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, considerando que as crianças têm uma ligação particular com a República Checa, que os dois progenitores aceitaram a competência internacional desses tribunais, assim como o tutor das crianças, designado posteriormente no âmbito do processo, e que a competência do Okresní soud de Český Krumlov era exercida no interesse das crianças.

26      No que respeita, mais particularmente, à questão da aceitação da competência internacional dos tribunais checos, o Krajský soud de České Budějovice salientou que o pedido de M de 26 de outubro de 2012 tinha sido apresentado num tribunal checo; que, em 29 de outubro de 2012, a própria L tinha apresentado um pedido no mesmo tribunal, e que só posteriormente tinha afirmado que M devia ter recorrido aos tribunais austríacos e tinha apresentado um pedido num tribunal austríaco.

27      L apresentou um recurso de cassação desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a suspensão da execução da decisão do Krajský soud de České Budějovice. Esse pedido foi deferido por decisão de 31 de julho de 2013.

28      Em apoio do seu recurso, L afirma nomeadamente que a condição de aceitação da competência internacional dos tribunais checos prevista no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 não está preenchida no caso em apreço. Tinha apresentado o seu pedido no Okresní soud de Český Krumlov, a conselho do serviço checo de proteção jurídica e social da infância, porque ignorava onde se encontravam os filhos. Recorreu também às autoridades competentes na Áustria e, desde 31 de outubro de 2012, tendo tido conhecimento de todos os factos, tinha claramente expresso o seu desacordo quanto à competência internacional dos tribunais checos.

29      O tribunal de reenvio salienta que, por um lado, segundo uma interpretação realmente muito restritiva, mas que permite garantir o pleno efeito do artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003, se pode considerar que o artigo 12.°, n.° 3, deste regulamento só permite, à semelhança do n.° 1 desse artigo, uma extensão da competência a favor do tribunal onde foi já instaurado um pedido de divórcio ou de anulação de casamento, quando a sua competência se baseia no artigo 7.° do referido regulamento. Por outro lado, é possível considerar que o artigo 12.°, n.° 3, se pode aplicar mesmo na falta de qualquer outro processo conexo com o processo relativo à guarda das crianças.

30      Além disso, este tribunal interroga‑se sobre a questão de saber se se pode considerar que, nas circunstâncias do caso em apreço, L tinha «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca» a competência dos tribunais checos. Indica que o Krajský soud de České Budějovice tinha associado a sua conclusão relativa à aceitação por L da competência dos tribunais checos ao pedido apresentado por esta última no Okresní soud de Český Krumlov em 29 de outubro de 2012. O órgão jurisdicional de reenvio indica todavia que não vislumbra o caráter inequívoco de tal manifestação de vontade. Observa em particular que parece credível, atendendo às circunstâncias do processo, que L apenas tenha apresentado um pedido no Okresní soud de Český Krumlov para obter informações sobre a situação dos filhos. O órgão jurisdicional de reenvio é, portanto, de opinião que não existe tal aceitação no caso em apreço. A este respeito, salienta também que, no primeiro ato que lhe incumbiu no processo instaurado por M, L contestou a competência do tribunal em causa.

31      Tendo verificado que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre a interpretação do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, o Nejvyšší soud (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 12.°, n.° 3, do [Regulamento n.° 2201/2003] ser interpretado no sentido de que estabelece a competência para um processo em matéria de responsabilidade parental também quando não existe qualquer processo pendente (isto é, ‘em processos que não os referidos no n.° 1’)?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Deve o artigo 12.°, n.° 3, do [Regulamento n.° 2201/2003] ser interpretado no sentido de que [a ‘aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca’ inclui] também a situação em que a parte que não instaurou o processo apresenta o seu próprio ato introdutório de instância no mesmo processo, mas que em seguida, aquando do primeiro ato que lhe incumbe, invoca a incompetência do juiz no processo instaurado anteriormente pela outra parte?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

32      A pedido do órgão jurisdicional de reenvio, a secção designada examinou a necessidade de submeter o presente processo à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A referida secção, ouvido o advogado‑geral, decidiu indeferir esse pedido.

33      Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2014, foi dado tratamento prioritário ao presente pedido de decisão prejudicial, em aplicação do artigo 53.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

 Quanto às questões prejudiciais

34      A título liminar, importa recordar que, segundo o artigo 2.°, ponto 7, do Regulamento n.° 2201/2003, o conceito de responsabilidade parental visa o conjunto dos direitos e obrigações conferidos, em particular, a uma pessoa singular por decisão judicial ou por atribuição de pleno direito relativa à pessoa ou aos bens de uma criança, conjunto que compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita. Opondo‑se L e M nomeadamente no que respeita ao direito de guarda dos filhos, o litígio em causa no processo principal cabe no âmbito de aplicação do referido regulamento, nos termos do artigo 1.°, n.os 1 e 2, alínea a), do mesmo.

35      O facto de no processo principal estar também em causa um pedido de pensão de alimentos é irrelevante a este propósito. É verdade que, em aplicação do artigo 1.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento n.° 2201/2003, os alimentos estão excluídos do âmbito de aplicação desse regulamento. Todavia, o artigo 3.°, alínea d), do Regulamento n.° 4/2009 prevê que pode ser competente para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros o tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes. Em aplicação desta disposição, o tribunal competente ao abrigo do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 também será em princípio competente para decidir de um pedido de alimentos acessório à ação relativa à responsabilidade parental nele instaurada.

 Quanto à primeira questão

36      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de um processo em matéria de responsabilidade parental, permite estabelecer a competência de um tribunal de um Estado‑Membro que não é o da residência habitual da criança, ainda que não exista outro processo pendente no tribunal escolhido.

37      M, o representante de R e K, bem como os Governos checo e polaco afirmam que deve ser dada resposta afirmativa a esta questão. A Comissão Europeia, em contrapartida, sustenta que lhe deve ser dada resposta negativa, precisando que o processo pendente, com o qual o processo em matéria de responsabilidade parental é conexo, deve ser um processo diferente dos enunciados no artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003.

38      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na interpretação de uma disposição de direito da União, deve atender‑se não apenas aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdãos Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.° 12, e Detiček, C‑403/09 PPU, EU:C:2009:810, n.° 33 e jurisprudência referida).

39      A este respeito, importa recordar que o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 prevê que os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental «em processos que não os referidos no n.° 1» do mesmo artigo quando, por um lado, a criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro e, por outro, a sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança. O n.° 1 deste mesmo artigo precisa que os tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando as condições que enuncia estiverem satisfeitas.

40      A redação do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 não permite, portanto, por si só, determinar se, para que seja possível aplicar a extensão de competência prevista por essa disposição, é ou não necessário que no tribunal a favor do qual se pretende a extensão de competência já tenha sido intentado outro processo.

41      Importa todavia salientar, a propósito do contexto em que o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 se inscreve, que esta disposição constitui, a par da prevista no n.° 1 desse mesmo artigo, uma das duas possibilidades de extensão de competência em matéria de responsabilidade parental abertas pelo Regulamento n.° 2201/2003.

42      Quanto ao artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, resulta claramente da sua redação que a possibilidade de extensão de competência que oferece só pode operar a favor de tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.°, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento. O n.° 2 deste artigo 12.° precisa, por sua vez, em que momento cessa a competência exercida nos termos do referido n.° 1, a saber, quando a decisão de procedência ou improcedência do pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento transita em julgado; ou se, à data suprarreferida, ainda estiver pendente uma ação relativa à responsabilidade parental, logo que a decisão deste processo transite em julgado, ou ainda, nos dois casos suprarreferidos, logo que o processo tenha sido arquivado por qualquer outra razão.

43      Ora, nenhuma disposição equivalente a este n.° 2 está prevista para a possibilidade de extensão de competência oferecida pelo artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003.

44      Além disso, o Tribunal já declarou que a competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão nos termos do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, a favor de um tribunal de um Estado‑Membro a que os titulares da responsabilidade parental, de comum acordo, submeteram um litígio, cessa com o trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo (acórdão E, C‑436/13, EU:C:2014:2246, n.° 50). Tal implica que a competência do tribunal escolhido pode ser objeto de extensão para conhecer apenas deste processo em matéria de responsabilidade parental.

45      Resulta do exposto que a extensão de competência prevista no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 em matéria de responsabilidade parental pode ser aplicada sem que seja necessário que o processo nesta matéria esteja ligado a outro processo já pendente no tribunal a favor do qual se pretende a extensão de competência.

46      A este respeito, há que salientar que esta interpretação é a única que é suscetível de não prejudicar o efeito útil dessa disposição. Efetivamente, restringir o seu âmbito de aplicação às situações em que o processo em matéria de responsabilidade parental pode ser associado a outro processo já pendente reduziria sensivelmente as possibilidades de recorrer à referida extensão, uma vez que a necessidade de instaurar um processo em matéria de responsabilidade parental pode surgir independentemente de qualquer outro processo.

47      Esta interpretação é também a única que pode garantir o respeito pelos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 2201/2003.

48      Assim, por um lado, segundo o seu considerando 12, as regras de competência do Regulamento n.° 2201/2003 são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Daqui resulta que o regulamento perfilha a conceção segundo a qual o superior interesse da criança deve prevalecer (v., neste sentido, acórdão Rinau, C‑195/08 PPU, EU:C:2008:406, n.° 51). Ora, como já foi referido no n.° 46 do presente acórdão, limitar a possibilidade de recorrer à extensão de competência prevista no artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 aos casos em que o processo em matéria de responsabilidade parental pode ser associado a outro processo excluiria a possibilidade de recorrer à referida extensão em muitas situações, mesmo que essa extensão de competência pudesse ser no superior interesse da criança em causa.

49      A este propósito, importa salientar que, como resulta do artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 — que condiciona, em qualquer hipótese, a aplicabilidade da extensão de competência que esse número prevê não apenas à aceitação explícita ou de qualquer outra forma inequívoca da referida extensão por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal mas também ao facto de a competência dos tribunais do Estado‑Membro escolhido ser exercida no superior interesse da criança —, o recurso a esta extensão não pode, em caso algum, ser contrário a esse superior interesse.

50      Por outro lado, o considerando 5 do Regulamento n.° 2201/2003 prevê que, a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, este regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo as medidas de proteção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial. Excluir qualquer possibilidade de extensão de competência em matéria de responsabilidade parental pelo simples facto de o referido processo não poder ser associado a outro processo já pendente prejudicaria a plena realização desse objetivo. Tal seria o caso, em particular, se, como sugere o órgão jurisdicional de reenvio, a expressão «em processos que não os referidos no n.° 1», na aceção do artigo 12.°, n.° 3, desse regulamento, fosse entendida como referindo‑se a pedidos de divórcio, de separação ou de anulação do casamento relativamente aos quais a competência dos tribunais de um Estado‑Membro é estabelecida não nos termos do artigo 3.° do mesmo regulamento, mas ao abrigo de outra regra de competência prevista por este regulamento. Com efeito, tal interpretação excluiria qualquer possibilidade de extensão de competência nos termos do mesmo n.° 3 às questões de responsabilidade parental relativas aos filhos de pais que nunca foram casados, que já estão divorciados ou separados, ou cujo casamento foi já anulado, o que seria contrário ao referido objetivo de igualdade entre todas as crianças.

51      Por outro lado, a interpretação adotada no n.° 45 do presente acórdão não é suscetível de prejudicar o efeito útil do artigo 15.° do Regulamento n.° 2201/2003, como afirma o órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que este artigo precisa que se aplica apenas «[e]xcecionalmente». Não poderia, portanto, preencher as lacunas em termos de realização dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 2201/2003 que resultariam de uma interpretação do artigo 12.°, n.° 3, que excluísse a aplicabilidade desta disposição na falta de um processo já pendente a que o processo em matéria de responsabilidade parental pudesse ser associado.

52      Tendo em conta as considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de um processo em matéria de responsabilidade parental, permite estabelecer a competência de um tribunal de um Estado‑Membro que não é o da residência habitual da criança, ainda que não exista outro processo pendente no tribunal escolhido.

 Quanto à segunda questão

53      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que a competência do tribunal no qual uma parte instaurou um processo em matéria de responsabilidade parental foi «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, quando a parte demandada no primeiro processo instaura, posteriormente, um segundo processo no mesmo tribunal e suscita, no âmbito do primeiro ato que lhe incumbe no primeiro processo, a incompetência desse tribunal.

54      Tanto M como o representante de R e K consideram que deve ser dada resposta afirmativa a esta questão, ao passo que o Governo checo e a Comissão têm opinião contrária.

55      Segundo os próprios termos do artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 220/2003, a competência do tribunal escolhido deve ter «sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal». O artigo 16.° deste regulamento precisa que se considera que o processo foi instaurado na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância ou de ato equivalente.

56      A redação clara desta disposição, lida à luz do referido artigo 16.°, impõe assim que esteja demonstrada a existência de um acordo explícito ou pelo menos unívoco sobre a referida extensão de competência entre todas as partes no processo, o mais tardar na data de apresentação ao tribunal escolhido do ato introdutório da instância ou de ato equivalente.

57      Tal não pode manifestamente ser o caso quando o processo é instaurado no tribunal em causa por iniciativa de apenas uma das partes, a outra parte no processo instaura nesse mesmo tribunal outro processo numa data posterior e esta outra parte contesta, desde o primeiro ato que lhe incumbe no âmbito do primeiro processo, a competência do tribunal.

58      Importa acrescentar que, quando é submetido um processo a um tribunal nos termos do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, o superior interesse da criança só pode ser assegurado através de uma análise, em cada caso concreto, da questão de saber se a extensão de competência pretendida é compatível com esse superior interesse, e que uma extensão de competência, nos termos do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2201/2003, apenas produz efeitos para o processo específico submetido ao tribunal cuja competência é objeto de extensão (v., neste sentido, acórdão E, EU:C:2014:2246, n.os 47 e 49).

59      Resulta do exposto que há que responder à segunda questão que o artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que a competência do tribunal no qual uma parte instaurou um processo em matéria de responsabilidade parental foi «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, quando a parte demandada no primeiro processo instaura, posteriormente, um segundo processo no mesmo tribunal e suscita, no âmbito do primeiro ato que lhe incumbe no primeiro processo, a incompetência desse tribunal.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de um processo em matéria de responsabilidade parental, permite estabelecer a competência de um tribunal de um Estado‑Membro que não é o da residência habitual da criança, ainda que não exista outro processo pendente no tribunal escolhido.

2)      O artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que a competência do tribunal no qual uma parte instaurou um processo em matéria de responsabilidade parental foi «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, quando a parte demandada no primeiro processo instaura, posteriormente, um segundo processo no mesmo tribunal e suscita, no âmbito do primeiro ato que lhe incumbe no primeiro processo, a incompetência desse tribunal.

Assinaturas


* Língua do processo: checo.