Language of document : ECLI:EU:T:2001:34

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

31 de Janeiro de 2001 (1)

«Marca comunitária - Vocábulo 'VITALITE‘ - Motivo absoluto de recusa - Artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T-24/00,

The Sunrider Corporation, com sede em Torrance, Califórnia (Estados Unidos da América), representada por A. Kocklaüner, advogado em Munique, com domicílio escolhido no Luxemburgo na repartição de patentes Ernest T. Freylinger, 234, route d'Arlon,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por C. Rusconi, chefe do Serviço da Administração do Registo de Marcas, e G. Humphreys, membro do mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico da Comissão, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrido,

que tem por objecto um recurso da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 26 de Novembro de 1999 (processo R 137/1999-2) respeitante ao registo do vocábulo «VITALITE» como marca comunitária,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. Potocki e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal em 9 de Fevereiro de 2000,

vista a resposta entrada na Secretaria do Tribunal em 9 de Junho de 2000,

após a audiência de 27 de Setembro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 1 de Abril de 1996, a recorrente apresentou, nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994 L 11, p. 1), modificado, um pedido de marca verbal comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) (a seguir «Instituto»).

2.
    A marca cujo registo foi pedido é a «VITALITE».

3.
    Os produtos para os quais o registo foi pedido inserem-se nas classes 5, 29 e 32 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado.

4.
    Por decisão de 19 de Janeiro de 1999, o examinador indeferiu o pedido nos termos do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94.

5.
    Em 17 de Março de 1999, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador, junto do Instituto, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

6.
    O recurso foi submetido ao examinador para revisão prejudicial nos termos do artigo 60.° do Regulamento n.° 40/94.

7.
    Seguidamente, foi enviado à Câmara de Recurso.

8.
    Por decisão de 26 de Novembro de 1999 (a seguir «decisão»), a Câmara de Recurso anulou parcialmente a decisão do examinador. Negou provimento ao recurso na medida em que o pedido respeitava aos seguintes produtos: «medicamentos, produtos farmacêuticos; substâncias dietéticas e substitutos alimentares para uso medicinal; alimentos para bebés; preparações à base de vitaminas, oligoelementos e/ou minerais para fins dietéticos ou para uso como suplementos alimentares; concentrados alimentares ou suplementos alimentares à base de ervas, tisanas, para cuidados de saúde», da classe 5; «concentrados alimentares ou suplementos alimentares não medicinais à base de ervas, alimentos à base de ervas, também sob a forma de barras», da classe 29; «bebidas à base de ervas e de vitaminas; águas minerais e gasosas e outras bebidas não alcoólicas», da classe 32. No essencial, a Câmara de Recurso entendeu que, visto as letras maiúsculas não serem geralmente acentuadas na língua francesa, o sinal «VITALITE» podia ler-se «vitalité» nesta língua. Tendo recordado o sentido deste termo, deduziu que o artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94 se opunha ao seu registo como marca comunitária.

Conclusões das partes

9.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão, na medida em que não defere as suas pretensões;

-    condenar o recorrido nas despesas.

10.
    Na fase oral, a recorrente pediu igualmente ao Tribunal que se digne, a título subsidiário, alterar a decisão, requerendo a aplicação do artigo 38.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94. Por último, apresentou determinados documentos destinados a provar as suas afirmações constantes da petição.

11.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

12.
    Nos termos do artigo 19.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alíneas c) e d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e o pedido do recorrente. Daqui resulta que o pedido apresentado na audiência, mesmo que seja qualificado de subsidiário relativamente ao mencionado na petição, deve ser julgado inadmissível (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Kahn Scheepvaart/Comissão, T-398/94, Colect., p. II-477, n.° 20).

13.
    Além disso, nos termos do artigo 135.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, os articulados das partes apresentados perante o Tribunal não podem alterar o objecto do litígio perante a Câmara de Recurso. Ora, não resulta do processo que a recorrente tenha apresentado um pedido semelhante na Câmara de Recurso. Tal pedido é, por conseguinte, inadmissível igualmente a esse título.

14.
    No que respeita às provas que a recorrente pretendeu produzir em audiência, o Tribunal conclui que, destinando-se a apoiar as pretensões formuladas no pedido, as mesmas foram apresentadas tardiamente, sem que tenha sido invocado qualquer motivo para esse facto. Esta produção tardia, quando a recorrente não havia, por outro lado, oferecido qualquer prova na sua petição, viola o princípio do contraditório e os direitos da defesa [v. artigos 44.°, n.° 1, alínea e), e 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo]. As provas em causa devem, portanto, ser rejeitadas como inadmissíveis.

Quanto ao mérito

Observações preliminares

15.
    A apreciação dos motivos absolutos de recusa que figuram no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94 implica a ponderação de uma série de elementos, nomeadamente, a impressão geral dada pela marca examinada no seu conjunto e a percepção que o consumidor médio é susceptível de ter dos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido, em cada uma das línguas da União Europeia e para cada um dos produtos ou serviços em causa.

Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94

Argumentação da recorrente

16.
    A recorrente alega que a proibição de registar como marca palavras exclusivamente descritivas tem por fundamento que estes termos devem permanecer à livre disposição de todos. Contudo, tal deve ser entendido à luz do artigo 12.°, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Nestas condições, cabe ao Instituto demonstrar, caso a caso, a existência de uma utilização real e verificável da palavra em causa por parte da concorrência para descrever os produtos para os quais o registo é solicitado, ou a existência de uma necessidade de dispor desse termo.

17.
    Por outro lado, a recorrente alega que o consumidor médio não procura examinar em detalhe ou o significado de uma marca. Na realidade, este consumidor não associa facilmente a palavra «VITALITE» com, por exemplo, o destino dos produtos em causa. Esta palavra não descreve verdadeiramente uma característica essencial dos produtos. Além disso, a palavra «VITALITE», que não inclui acento, não é equivalente à palavra francesa «vitalité».

Apreciação do Tribunal

18.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo «de marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar... o destino... do produto».

19.
    Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 enuncia que o n.° 1 é «aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

20.
    No caso vertente, deve salientar-se, em primeiro lugar, que não existe regra gramatical ou tipográfica que imponha, na língua francesa, a acentuação das letras maiúsculas. Numerosos autores lamentam que não se utilize essa acentuação (por exemplo, Jouette, A., Dictionnaire d'orthographe et d'expression écrite, Le Robert, Paris, 1993, p. 404). Em consequência, não fica provado que a Câmara de Recurso tenha, erradamente, recordado esta ausência de utilização de acentos nas letras maiúsculas e considerado, por conseguinte, que o termo «VITALITE» podia ser entendido por um consumidor de língua francesa como a palavra «vitalité».

21.
    Em contrapartida, parece que o termo «VITALITE», mesmo correspondendo, na língua francesa, a «vitalité», não pode ser encarado como susceptível de servir para designar o destino dos «alimentos para bebés» e das «águas minerais e gasosas».

22.
    Na sua resposta, o Instituto explicou que, frequentemente, os alimentos para bebés são «sem conservantes ou cont[êm] vitaminas ou oligoelementos». Este argumento não pode ser aceite. Com efeito, o sinal «VITALITE» não pode ser olhado como a designação destas características, mas, na melhor das hipóteses, como a sua evocação indirecta. Contudo, o Instituto acrescentou que «estes alimentos podemdar forças ou vitalidade aos bebés». Deve, porém, salientar-se que, embora os alimentos para bebés possam certamente ser concebidos para favorecer o crescimento dos bebés, o sinal «VITALITE» não ultrapassa, a este respeito, o domínio lícito da sugestão.

23.
    Por outro lado, o Instituto indicou, na sua resposta, que as águas minerais ou gasosas são «frequentemente apresentad[a]s em publicidade como promotoras de uma imagem sã e desportiva e contribuindo para uma impressão geral de bem-estar». Estas explicações não são determinantes. Pelo contrário, levam a crer que o que está aqui em causa não é a designação de uma característica do produto, mas a simples sugestão de uma imagem conferida a esse produto, a título promocional. Aliás, deve salientar-se que a Câmara de Recurso não considerou o termo «VITALITE» como designando as características dos «produtos lácteos» e das «bebidas à base de leite», cuja comercialização é contudo frequentemente acompanhada de mensagens publicitárias equiparáveis.

24.
    Assim, a palavra «vitalité» não informa directa e imediatamente o consumidor de uma das características dos «alimentos para bebés» e das «águas minerais e gasosas». Em consequência, a ligação existente entre o sentido da palavra «vitalité», por um lado, e os produtos em causa, por outro, não parece suficientemente estreita para cair na alçada da proibição prescrita no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94. Com efeito, tal ligação insere-se no domínio da evocação e não no da designação na acepção desta disposição.

25.
    Em contrapartida, no que respeita ao conjunto dos outros produtos, todos com uma vocação medicinal, alimentar ou dietética específica, não ficou demonstrado que a Câmara de Recurso conclui erradamente que o sinal podia servir, no comércio, para designar o destino desses produtos. Aliás, a recorrente não apresentou qualquer argumento preciso com vista a demonstrar que a obtenção de um aumento de vitalidade não constitui um dos destinos destes produtos.

26.
    Por conseguinte, a Câmara de Recurso infringiu o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, no que respeita aos «alimentos para bebés» e às «águas minerais e gasosas». A decisão deve, portanto, ser anulada nesta medida.

Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

27.
    A recorrente alega que apenas os sinais desprovidos de carácter distintivo não podem ser registados a título do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Ora, perante os argumentos supra-apresentados quanto ao carácter descritivo, o termo «VITALITE» não é desprovido de carácter distintivo.

28.
    O Tribunal recorda que, como resulta do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, basta que um dos motivos absolutos de recusa enumerados se aplique para que o sinal não possa ser registado como marca comunitária. Nestascondições, o sinal «VITALITE» não pode, em qualquer das hipóteses, ser registado para os produtos relativamente aos quais não foi demonstrado que a Câmara de Recurso infringiu o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

29.
    No que respeita aos «alimentos para bebés» e às «águas minerais e gasosas», basta concluir, no caso vertente, que a Câmara de Recurso deduziu a incompatibilidade do sinal «VITALITE» com o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 do facto de este sinal ser incompatível com a alínea c) deste mesmo artigo. Ora, foi acima decidido que o termo «VITALITE», mesmo se lido «vitalité», evoca o destino dos produtos em causa, sem o designar na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

30.
    Por conseguinte, a decisão deve igualmente ser anulada, por violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, no que respeita aos «alimentos para bebés» e às «águas minerais e gasosas».

Quanto ao fundamento baseado no registo prévio da marca

Argumentação da recorrente

31.
    A recorrente alega que a Câmara de Recurso deveria ter tido em conta o facto de a palavra «VITALITE» ter sido registada como marca em quinze Estados europeus, dos quais doze são membros da União Europeia e alguns têm, nomeadamente, o francês como língua oficial junto dos respectivos serviços nacionais de registo das marcas.

32.
    Ao recusar o registo de uma marca aceite em doze dos quinze Estados-Membros, o Instituto, único organismo responsável pela emissão de uma marca válida no conjunto do território comunitário, infringe a livre circulação de mercadorias. Deste modo, desrespeita o espírito da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), conforme resulta dos seus sétimo e oitavo considerandos.

Apreciação do Tribunal

33.
    Os registos já efectuados em Estados-Membros constituem um elemento que, sem ser determinante, pode apenas ser tomado em consideração para efeitos do registo de uma marca comunitária [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (forma de um sabão), T-122/99, Colect., p. II-265, n.° 61]. Por conseguinte, a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito pelo simples facto de ter rejeitado o registo de um sinal, quando este já tinha sido registado anteriormente em determinados Estados-Membros.

34.
    De resto, os registos em países francófonos invocados pela recorrente respeitam, na sua maioria, a uma marca figurativa na qual a palavra «vitalité» está escrita em maiúsculas, num tipo de caracteres especial e incluindo uma inicial com uma forma particular (Benelux, Mónaco e Suiça), o que a distingue do sinal em causa no caso vertente. Além disso, tais registos respeitam a produtos totalmente (França, Mónaco e Benelux) ou essencialmente (Suiça) diferentes dos visados no pedido da recorrente. Além disso, alguns deles foram efectuados em países terceiros relativamente à União Europeia (Suiça, Mónaco) ou numa época em que não existia exame prévio ao registo com base em motivos absolutos de recusa (Benelux).

35.
    Por último, o argumento baseado em violação dos considerandos da Directiva 89/104 é desprovido de fundamento. Com efeito, a validade da decisão da Câmara de Recurso deve ser examinada apenas à luz das disposições pertinentes, a saber, no caso vertente, o artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94.

36.
    Daqui decorre que o presente fundamento deve ser rejeitado.

Quanto às despesas

37.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes se estas forem vencidas parcialmente. No caso vertente, tendo sido dado provimento ao pedido da recorrente apenas para um número limitado de produtos, há que condená-la nas suas próprias despesas e em metade das despesas da parte recorrida.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    A decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 26 de Novembro de 1999 (processo R 137/1999-2) é anulada no que respeita aos seguintes produtos: «alimentos para bebés» e «águas minerais e gasosas»

2.
    É negado provimento ao recurso quanto ao resto.

3.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas e metade das despesas da parte recorrida. Esta última suportará a outra metade das suas despesas.

Pirrung
Potocki
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 31 de Janeiro de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. W. H. Meij


1: Língua do processo: inglês.