Language of document : ECLI:EU:C:2010:127

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

9 de Março de 2010 (*)

«Princípio do poluidor‑pagador – Directiva 2004/35/CE – Responsabilidade ambiental – Aplicabilidade ratione temporis – Poluição já existente à data estabelecida para a transposição da referida directiva e que continuou após essa data – Medidas de reparação – Obrigação de consulta das empresas em causa – Anexo II»

Nos processos apensos C‑379/08 e C‑380/08,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE apresentados pelo Tribunale amministrativo regionale della Sicilia (Itália), por decisões, respectivamente, de 5 e 19 de Junho de 2008, entrados no Tribunal de Justiça em 21 de Agosto de 2008, nos processos

Raffinerie Mediterranee (ERG) SpA (C‑379/08),

Polimeri Europa SpA,

Syndial SpA

contra

Ministero dello Sviluppo economico,

Ministero della Salute,

Ministero Ambiente e Tutela del Territorio e del Mare,

Ministero delle Infrastrutture,

Ministero dei Trasporti,

Presidenza del Consiglio dei Ministri,

Ministero dell’Interno,

Regione siciliana,

Assessorato regionale Territorio ed Ambiente (Sicilia),

Assessorato regionale Industria (Sicilia),

Prefettura di Siracusa,

Istituto superiore di Sanità,

Commissario Delegato per Emergenza Rifiuti e Tutela Acque (Sicilia),

Vice Commissario Delegato per Emergenza Rifiuti e Tutela Acque (Sicilia),

Agenzia Protezione Ambiente e Servizi tecnici (APAT),

Agenzia regionale Protezione Ambiente (ARPA Sicilia),

Istituto centrale Ricerca scientifica e tecnologica applicata al Mare,

Subcommissario per la Bonifica dei Siti contaminati,

Provincia regionale di Siracusa,

Consorzio ASI Sicilia orientale Zona Sud,

Comune di Siracusa,

Comune di Augusta,

Comune di Melilli,

Comune di Priolo Gargallo,

Azienda Unità sanitaria locale N. 8,

Sviluppo Italia Aree Produttive SpA,

Invitalia (Agenzia nazionale per l’attrazione degli investimenti e lo sviluppo d’impresa) SpA, anteriormente Sviluppo Italia SpA,

sendo intervenientes:

ENI Divisione Exploration and Production SpA,

ENI SpA,

Edison SPA,

e

ENI SpA (C‑380/08)

contra

Ministero Ambiente e Tutela del Territorio e del Mare,

Ministero dello Sviluppo economico,

Ministero della Salute,

Regione siciliana,

Istituto superiore di Sanità,

Agenzia per la Protezione dell’Ambiente e per i Servizi tecnici,

Commissario delegato per l’Emergenza rifiuti e la Tutela delle Acque,

sendo interveniente:

Invitalia (Agenzia nazionale per l’attrazione degli investimenti e lo sviluppo d’impresa) SpA, anteriormente Sviluppo Italia SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.‑C. Bonichot, R. Silva de Lapuerta, P. Lindh e C. Toader (relatora), presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, K. Schiemann, P. Kūris, E. Juhász, A. Arabadjiev e J.‑J. Kasel, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 2009,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Raffinerie Mediterranee (ERG) SpA, por D. De Luca, M. Caldarera, L. Acquarone e G. Acquarone, avvocati,

–        em representação da Polimeri Europa SpA e Syndial SpA, por G. M. Roberti, I. Perego, S. Grassi e P. Amara, avvocati,

–        em representação da ENI SpA, por G. M. Roberti, I. Perego, S. Grassi e C. Giuliano, avvocati,

–        em representação da Sviluppo Italia Aree Produttive SpA e Invitalia (Agenzia nazionale per l’attrazione degli investimenti e lo sviluppo d’impresa) SpA, anteriormente Sviluppo Italia SpA, por F. Sciaudone, avvocato,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por C. Zadra e D. Recchia, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de Outubro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação do princípio do poluidor‑pagador e da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais (JO L 143, p. 56).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem as sociedades Raffinerie Mediterranee (ERG) SpA, Polimeri Europa SpA, Syndial SpA e ENI SpA a diversas autoridades nacionais, regionais e municipais italianas a respeito das medidas de reparação de danos ambientais tomadas por essas autoridades relativamente à enseada de Augusta (Itália), em torno da qual se encontram as instalações e/ou terrenos das referidas sociedades.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos da Directiva 2004/35 que são relevantes para o presente processo rezam o seguinte:

«(1)      […] A decisão relativa à reparação dos danos ambientais deve ter em conta as condições locais.

(2)      A prevenção e a reparação de danos ambientais devem ser efectuadas mediante a aplicação do princípio do ‘poluidor‑pagador’, previsto no Tratado e em consonância com o princípio do desenvolvimento sustentável. O princípio fundamental da presente directiva deve portanto ser o da responsabilização financeira do operador cuja actividade tenha causado danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas por forma a reduzir os riscos de danos ambientais.

(3)      […] [O] objectivo da presente directiva, nomeadamente, estabelecer um quadro comum de prevenção e reparação de danos ambientais a custos razoáveis para a sociedade, não [pode] ser suficientemente [realizado] pelos Estados‑Membros e [pode], pois, […] ser melhor [alcançado] ao nível comunitário […].

[…]

(7)      Para efeitos de avaliação dos danos ao solo definidos na presente directiva, é conveniente a utilização de processos de avaliação dos riscos para determinar em que medida poderá a saúde humana vir a ser negativamente afectada.

[…]

(24)      É necessário assegurar a disponibilidade de meios eficazes de aplicação e execução, salvaguardando devida e simultaneamente os legítimos interesses dos operadores e de outras partes interessadas. As autoridades competentes devem ser responsáveis por funções específicas que impliquem os poderes administrativos apropriados, nomeadamente o dever de avaliar a importância dos danos e de determinar as medidas de reparação a tomar.

[…]


      

(30)      Os danos causados antes do termo do prazo de transposição da presente directiva não serão abrangidos pelas suas disposições.

[…]»

4        O artigo 2.°, n.° 11, da Directiva 2004/35 define «[m]edidas de reparação» como «qualquer acção ou combinação de acções, incluindo medidas atenuantes ou intercalares com o objectivo de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais danificados e/ou os serviços danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou serviços, tal como previsto no anexo II».

5        O artigo 6.° da referida directiva, sob a epígrafe «Acções de reparação», dispõe:

«1.      Quando se tiverem verificado danos ambientais, o operador informará, sem demora, a autoridade competente de todos os aspectos relevantes da situação e tomará:

a)      Todas as diligências viáveis para imediatamente controlar, conter, eliminar ou, de outra forma, gerir os elementos contaminantes pertinentes e/ou quaisquer outros factores danosos, a fim de limitar ou prevenir novos danos ambientais e efeitos adversos para a saúde humana ou uma deterioração adicional dos serviços; e

b)      As medidas de reparação necessárias, de acordo com o artigo 7.°

2.      A autoridade competente pode, em qualquer momento:

a)      Exigir que o operador forneça informações suplementares sobre quaisquer danos ocorridos;

b)      Tomar, exigir ao operador que tome ou dar instruções ao operador relativamente a todas as medidas viáveis para imediatamente controlar, conter, eliminar ou de outra forma gerir os elementos contaminantes pertinentes e/ou quaisquer outros factores danosos, a fim de limitar ou prevenir novos danos ambientais e efeitos adversos para a saúde humana ou uma deterioração adicional dos serviços.

c)      Exigir que o operador tome as medidas de reparação necessárias;

d)      Dar instruções ao operador quanto às medidas de reparação necessárias a tomar; ou

e)      Tomar ela própria as medidas de reparação necessárias.

3.      A autoridade competente deve exigir que as medidas de reparação sejam tomadas pelo operador. Se o operador não cumprir as obrigações previstas no n.° 1 ou nas alíneas b), c) ou d) do n.° 2, não puder ser identificado ou não for obrigado a suportar os custos ao abrigo da presente directiva, pode ser a própria autoridade competente a tomar essas medidas, como último recurso.»

6        O artigo 7.° da Directiva 2004/35, intitulado «Determinação das medidas de reparação», estabelece:

«1.      Os operadores devem identificar, nos termos do anexo II, potenciais medidas de reparação e apresentá‑las à autoridade competente, para aprovação, excepto se esta tiver actuado nos termos da alínea e) do n.° 2 e do n.° 3 do artigo 6.°

2.      A autoridade competente deve decidir das medidas de reparação a aplicar nos termos do anexo II, se necessário, com a cooperação do operador em causa.

3.      Quando se tiverem verificado diversas situações de dano ambiental, de forma que a autoridade competente não possa assegurar que as medidas de reparação necessárias sejam tomadas simultaneamente, a autoridade competente tem o direito de decidir qual das situações de dano ambiental deve ser reparada em primeiro lugar.

Ao tomar essa decisão, a autoridade competente deve atender, nomeadamente, à natureza, à extensão e à gravidade das diversas situações de dano ambiental em causa, bem como às possibilidades de regeneração natural. Os riscos para a saúde humana também devem ser tomados em consideração.

4.      A autoridade competente deve convidar as pessoas referidas no n.° 1 do artigo 12.° e, em qualquer caso, as pessoas em cujos terrenos devam ser aplicadas as medidas de reparação[…] a apresentarem as suas observações e deve tê‑las em conta.»

7        O artigo 8.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da referida directiva estabelece:

«Sob reserva do disposto nos n.os 3 e 4, a autoridade competente deve exigir, ao operador que causou o dano ou a ameaça iminente de dano, nomeadamente através de garantias sobre bens imóveis ou de outras garantias adequadas, o pagamento dos custos que tiver suportado com as acções de prevenção ou de reparação executadas por força da presente directiva.»

8        O artigo 11.° da mesma directiva, sob a epígrafe «Autoridade competente», estabelece:

«1.      Os Estados‑Membros designam a ou as autoridades competentes para dar cumprimento às obrigações previstas na presente directiva.

2.      Cabe à autoridade competente a obrigação de determinar o operador que causou o dano ou a ameaça iminente de dano, avaliar a importância do dano e precisar as medidas de reparação que devem ser tomadas com referência ao anexo II. Para o efeito, a autoridade competente tem o direito de exigir que o operador em causa efectue a sua própria avaliação e forneça os dados e informações necessários.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que a autoridade competente possa delegar ou solicitar a terceiros a execução das medidas de prevenção ou de reparação necessárias.

4.      As decisões tomadas por força da presente directiva que imponham medidas de prevenção ou de reparação devem indicar os motivos exactos em que se baseiam. Essas decisões devem ser imediatamente notificadas ao operador em causa, o qual será simultaneamente informado sobre os recursos possíveis previstos na legislação vigente no Estado‑Membro em causa e sobre os respectivos prazos.»

9        O artigo 12.° da Directiva 2004/35, intitulado «Pedido de intervenção», prevê:

«As pessoas singulares ou colectivas:

a)      Afectadas ou que possam vir a ser afectadas por danos ambientais; ou

b)      Que tenham um interesse suficiente no processo de decisão ambiental relativo ao dano ou, em alternativa;

c)      Que invoquem a violação de um direito, sempre que o direito processual administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

têm o direito de apresentar à autoridade competente quaisquer observações relativas a situações de danos ambientais, ou de ameaça iminente desses danos, de que tenham conhecimento e têm o direito de pedir a intervenção da autoridade competente nos termos da presente directiva.»

10      Sob a epígrafe «Relação com o direito nacional», o artigo 16.° da Directiva 2004/35 refere, no seu n.° 1, que «a presente directiva não impede os Estados‑Membros de manterem ou adoptarem disposições mais estritas em relação à prevenção e à reparação de danos ambientais, incluindo a identificação de outras actividades a sujeitar aos requisitos de prevenção e reparação da presente directiva e a identificação de outros responsáveis».

11       O artigo 17.° da mesma directiva, intitulado «Aplicação temporal», prevê a sua não aplicabilidade:

«[…]

–      [aos] danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido antes da data referida no n.° 1 do artigo 19.°;

–      [aos] danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido depois da data referida no n.° 1 do artigo 19.°, quando derivem de uma actividade específica que tenha tido lugar e tenha terminado antes da referida data;

–      [aos] danos, desde que hajam decorrido mais de 30 anos desde a emissão, acontecimento ou incidente que lhes tenha dado origem.»

12      O artigo 19.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da referida directiva precisa que os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar em 30 de Abril de 2007.

13      O anexo II da Directiva 2004/35, sob a epígrafe «Reparação dos danos ambientais», e cujo ponto 1.3 trata das opções de reparação, tem a seguinte redacção:

«1.3.1. As opções de reparação razoáveis serão avaliadas, utilizando as melhores tecnologias disponíveis, sempre que definidas, com base nos seguintes critérios:

–        efeito de cada opção na saúde pública e na segurança,

–        custo de execução da opção,

–        probabilidade de êxito de cada opção,

–        medida em que cada opção prevenirá danos futuros e evitará danos colaterais resultantes da sua execução,

–        medida em que cada opção beneficia cada componente do recurso natural e/ou serviço,

–        medida em que cada opção tem em consideração preocupações de ordem social, económica e cultural e outros factores relevantes específicos da localidade,

–        período necessário para que o dano ambiental seja efectivamente reparado,

–        medida em que cada opção consegue recuperar o sítio que sofreu o dano ambiental,

–        relação geográfica com o sítio danificado,

–        […]»

 Direito nacional

14      O tribunal de reenvio refere‑se ao Decreto Legislativo n.° 22, de 5 de Fevereiro de 1997, que transpõe a Directiva 91/156/CEE [do Conselho, de 18 de Março de 1991, que altera a Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos] (JO L 178, p. 32), a Directiva 91/689/CEE [do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991,] relativa aos resíduos perigosos (JO L 377, p. 20), e a Directiva 94/62/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994], relativa a embalagens e resíduos de embalagens (JO L 365, p. 10) (suplemento ordinário do GURI n.° 38, de 15 de Fevereiro de 1997, a seguir «Decreto Legislativo n.° 22/1997»). Este decreto foi revogado e substituído pelo Decreto Legislativo n.° 152, de 3 de Abril de 2006, que define normas em matéria ambiental (suplemento ordinário do GURI n.° 88, de 14 de Abril de 2006), que, nos seus artigos 299.° a 318.°, transpõe a Directiva 2004/35 para a ordem jurídica italiana.

15      O artigo 17.° do Decreto Legislativo n.° 22/1997 estabelecia que «quem ultrapassar, ainda que acidentalmente, os limites estabelecidos na alínea a) do n.° 1 ou crie um risco concreto e real de ultrapassagem dos referidos limites fica obrigado a tomar, a suas expensas, medidas de securização, de ‘beneficiação’ e de reabilitação ambiental das zonas poluídas e das instalações que representem um risco de poluição».

16      O artigo 9.° do Decreto Ministerial n.° 471, de 25 de Outubro de 1999, que define os critérios, os procedimentos e as modalidades da securização, da «beneficiação» e da reabilitação ambiental dos sítios poluídos, em conformidade com o artigo 17.° do Decreto Legislativo n.° 22, de 5 de Fevereiro de 1997, alterado e completado (suplemento ordinário do GURI n.° 293, de 15 de Dezembro de 1999), tem a seguinte redacção:

«O proprietário de um sítio ou outra pessoa que […] pretenda desencadear, por sua própria iniciativa, os procedimentos relativos às medidas de securização urgentes, de ‘beneficiação’ e de reabilitação ambiental, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 13 bis, do Decreto Legislativo [n.° 22/1997], é obrigado a comunicar à região, à província e ao município a situação de poluição verificada assim como as medidas de securização urgentes necessárias para garantir a protecção da saúde e do ambiente que venham a ser tomadas e que estejam em fase de execução. A comunicação deve ser acompanhada por documentação técnica adequada que deve indicar as características das medidas referidas. […] O município ou, se a poluição disser respeito ao território de vários municípios, a região deve verificar a eficácia das medidas de securização urgente e pode impor procedimentos ou medidas complementares, em especial medidas de vigilância a adoptar para verificar as condições de poluição e os controlos a efectuar para verificar a eficácia das medidas aplicadas para proteger a saúde pública e o ambiente circundante […]»

17      O artigo 311.°, n.° 2, do Decreto Legislativo n.° 152, de 3 de Abril de 2006, estabelece:

«Quem, por negligência, imperícia, imprudência ou violação de normas técnicas, cometendo acto ilícito ou omitindo actos ou condutas impostos por lei, provocar danos ambientais, alterando, deteriorando ou destruindo o ambiente, no todo ou em parte, fica obrigado a restabelecer a situação anterior ou, não o fazendo, a indemnizar o Estado pelos danos patrimoniais correspondentes.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

18      Os processos principais resultam de uma série de recursos interpostos pelas sociedades localizadas na enseada de Augusta contra decisões de várias entidades administrativas italianas mediante as quais lhes foram impostas obrigações de reparação da poluição constatada no sítio de interesse nacional de Priolo.

19      As recorrentes nos processos principais censuram essencialmente as ditas autoridades administrativas de terem agido unilateralmente na definição das medidas de reparação dos danos ambientais causados no referido sítio. Acusam‑nas, em especial, de terem alterado, de forma radical e sem consulta das partes interessadas, projectos de intervenção que tinham já sido por elas aprovados. Esses projectos, que envolvem designadamente a realização de trabalhos de represamento de natureza hidráulica, teriam já tido um início de execução. Ora, o projecto actualmente em discussão, que consiste na construção de uma barreira física ao longo de todo o bordo costeiro adjacente às instalações industriais das recorrentes nos processos principais, é radicalmente diferente do projecto anterior e não foi submetido a avaliação ambiental. Finalmente, as mesmas autoridades são censuradas de terem injustamente subordinado a possibilidade de as mesmas recorrentes utilizarem os seus terrenos industriais à condição de realizarem as referidas obras, que, na realidade, envolvem outros terrenos ou propriedades de que não são proprietárias.

20      Em processo anterior também instaurado pelas recorrentes nos processos principais, o tribunal de reenvio, na sentença n.° 1254/2007, de 21 de Julho de 2007, anulou as medidas tomadas pelas referidas autoridades administrativas, tendo salientado que – dado que os projectos iniciais já tinham sido aprovados por decreto interministerial, o que lhes conferia carácter definitivo, e que estavam em fase de execução avançada – só poderiam decidir‑se eventuais modificações a esses projectos por um novo decreto interministerial. O tribunal de reenvio constatou igualmente que era ilógico pretender a conclusão mais rápida dos trabalhos usando uma tecnologia totalmente diferente da que já fora aprovada. Finalmente, o mesmo tribunal considerou que a decisão das mencionadas autoridades não estava fundamentada e não continha qualquer análise técnica e que não se procedera a qualquer estudo do impacto ambiental das novas medidas de reparação impostas às recorrentes nos processos principais.

21      Apesar desta sentença, as autoridades administrativas italianas reiteraram as suas exigências quanto à realização de uma barreira física. Assim, aprovaram o Decreto n.° 4486, de 16 de Abril de 2008, cujo objecto é uma «decisão final de aprovação […] da conferência deliberativa dos serviços de 6 de Março de 2008 relativamente ao sítio de interesse nacional de Priolo». As recorrentes nos processos principais submeteram de novo o assunto ao tribunal de reenvio, o qual se interroga sobre se tal prática administrativa é conforme com o direito da União. Segundo o tribunal de reenvio, a situação especial da poluição do sítio de interesse nacional de Priolo – que tornaria eventualmente inútil ou inconclusiva uma análise dos riscos e das responsabilidades relativas a esse sítio – poderia não obstante justificar que as referidas autoridades, por um lado, agissem oficiosamente, sem respeitar os princípios do contraditório e da fundamentação dos actos administrativos, e, por outro, impusessem assim as soluções que reputam adequadas para conter os efeitos ambientais da produção industrial.

22      Neste contexto, o Tribunale amministrativo regionale della Sicilia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A Directiva [2004/35] ([…], e, em particular, o artigo 7.° e o anexo II da mesma), opõe‑se a uma [regulamentação] nacional que permite à [A]dministração [P]ública impor, enquanto ‘opções razoáveis de reparação dos danos ambientais’, [intervenções] [no meio ambiente] (constituídas, no caso dos autos, pelo ‘isolamento físico’ do lençol [freático] ao longo de toda a frente marítima), distintas e posteriores às escolhidas mediante um procedimento de análise adequado, de carácter contraditório, já aprovadas e executadas ou em execução?

2)      A Directiva [2004/35] ([…], e, em particular, o artigo 7.° e o anexo II da mesma), opõe‑se a uma [regulamentação] nacional que permite à [A]dministração [P]ública impor oficiosamente essas directrizes, isto é, sem ter avaliado as condições específicas do sítio, os custos da execução face aos benefícios razoavelmente previsíveis, os possíveis ou prováveis danos colaterais, os efeitos nocivos para a saúde e a segurança públicas e o tempo necessário para a execução?

3)      Tendo em conta a particularidade da situação do sítio de interesse nacional [de] Priolo, a Directiva [2004/35] ([…], e, em particular, o artigo 7.° e o anexo II da mesma], [opõe‑se] a uma [regulamentação] nacional que permite à [A]dministração [P]ública impor oficiosamente essas directrizes, enquanto condições para a autorização do uso legal de zonas não directamente afectadas [pela ‘beneficiação’], visto já terem sido [objecto de uma ‘beneficiação’] e não estarem poluídas, mas que se situam no perímetro do sítio de interesse nacional de Priolo?»

23      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2008, os processos C‑379/08 e C‑380/08 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

24      O Governo italiano alega que o reenvio prejudicial é inadmissível devido especialmente ao facto de, por um lado, as questões submetidas implicarem que o Tribunal de Justiça aprecie a regulamentação nacional e de, por outro, o objectivo do tribunal de reenvio não ser o de resolver os litígios nele pendentes, mas pôr em causa a jurisprudência do tribunal de recurso.

25      A este respeito, importa recordar que, no âmbito de um reenvio prejudicial, embora o Tribunal de Justiça não seja competente para se pronunciar sobre a compatibilidade de uma medida nacional com o direito da União, é, todavia, competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação desse direito que lhe possam permitir apreciar essa compatibilidade com vista à resolução do litígio que lhe foi submetido (acórdão de 22 de Maio de 2008, citiworks, C‑439/06, Colect., p. I‑3913, n.° 21 e jurisprudência aí referida).

26      Além disso, o tribunal que não decide em última instância – designadamente se considerar que a apreciação de direito feita pelo tribunal de grau superior o pode levar a proferir uma sentença contrária ao direito da União – deve ter a faculdade de colocar ao Tribunal de Justiça as questões que o preocupam (v., neste sentido, acórdão de 16 de Janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf, 166/73, Recueil, p. 33, n.° 4).

27      Tendo em conta as observações que precedem, o presente reenvio prejudicial é admissível e, por conseguinte, há que proceder à apreciação das várias questões submetidas pelo Tribunale amministrativo regionale della Sicilia sobre a interpretação das disposições da Directiva 2004/35.

 Quanto às duas primeiras questões

28      Com as suas duas primeiras questões, que serão apreciadas conjuntamente, o tribunal de reenvio pretende saber, no essencial, se os artigos 7.° e 11.°, n.° 4, da Directiva 2004/35, lidos em conjugação com o seu anexo II, habilitam a autoridade competente a ordenar oficiosamente uma alteração substancial das medidas de reparação dos danos ambientais tomadas na sequência de um procedimento contraditório desenvolvido em cooperação com os concessionários em causa e que foram já executadas ou estavam em início de execução, sem que a aplicação destas novas medidas tenha sido precedida de uma avaliação, por parte da referida autoridade, dos custos e benefícios, do ponto de vista económico, ambiental e sanitário, das alterações pretendidas.

29      Tendo em conta as circunstâncias dos processos principais expostas pelo tribunal de reenvio e a forma como as abordaram o Governo italiano e a Comissão das Comunidades Europeias, há que determinar, em tais circunstâncias, os requisitos de aplicação ratione temporis da mencionada directiva a fim de responder às questões submetidas.

 Quanto à aplicação ratione temporis da Directiva 2004/35

30      O Governo italiano e a Comissão têm dúvidas de que a Directiva 2004/35 se possa aplicar, ratione temporis, aos factos dos litígios nos processos principais, na medida em que o dano ambiental é anterior a 30 de Abril de 2007 e/ou, em qualquer caso, resulta de actividades anteriores concluídas antes da referida data. A Comissão dá a entender, no entanto, que a directiva se poderia aplicar aos danos posteriores a 30 de Abril de 2007 decorrentes da actividade actual dos concessionários em causa. Contudo, não seria aplicável a poluição anterior a essa data que tenha sido causada por concessionários diferentes dos que operam actualmente na enseada de Augusta e que a estes se tenta imputar.

31      A este propósito, como resulta do trigésimo considerando da Directiva 2004/35, o legislador da União entendeu que as disposições relativas ao regime da responsabilidade ambiental instituído por esta directiva não abrangem «os danos causados antes do termo do prazo de transposição da presente directiva», ou seja, antes de 30 de Abril de 2007.

32      O referido legislador indicou expressamente, no artigo 17.° da Directiva 2004/35, as situações em que esta não se aplica. A partir do momento em que foram definidas de forma negativa as situações que não se incluem no âmbito de aplicação ratione temporis desta directiva, tem de concluir‑se que qualquer outra situação fica abrangida, em princípio, do ponto de vista temporal, pelo regime de responsabilidade ambiental criado pela mesma directiva.

33      Resulta do seu artigo 17.°, primeiro e segundo travessões, que a Directiva 2004/35 não se aplica aos danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes que tenham ocorrido antes de 30 de Abril de 2007, nem aos ocorridos depois dessa data quando resultem de uma actividade específica que tenha sido desenvolvida e tenha terminado antes da mencionada data.

34      Donde se infere que esta directiva se aplica aos danos causados por uma emissão, acontecimento ou incidente ocorridos posteriormente a 30 de Abril de 2007, quando tais danos resultem de actividades desenvolvidas posteriormente ou anteriormente a essa data, mas não concluídas antes da mesma.

35      Nos termos do artigo 267.° TFUE, baseado numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este só tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de uma norma da União a partir dos factos que lhe são indicados pelo tribunal nacional. Daqui decorre que, no quadro do processo previsto no mesmo artigo, não cabe ao Tribunal de Justiça, mas ao tribunal nacional, aplicar às medidas ou situações nacionais as regras do direito da União interpretadas pelo Tribunal de Justiça (v. acórdão de 11 de Setembro de 2008, CEPSA, C‑279/06, Colect., p. I‑6681, n.° 28).

36      Cabe assim ao tribunal de reenvio verificar, com base em factos que só ele pode apreciar, se os danos que no processo principal são objecto das medidas de reparação ambiental tomadas pelas autoridades nacionais competentes se enquadram numa das situações indicadas no n.° 34 do presente acórdão.

37      Se o tribunal nacional chegar à conclusão de que a Directiva 2004/35 não é aplicável aos processos em apreço, tal situação será abrangida pelo direito nacional, respeitadas as disposições do Tratado e sem prejuízo da aplicação de outros actos de direito derivado.

38      A este propósito, o artigo 174.° CE indica que a política da Comunidade Europeia no domínio do ambiente visa um nível elevado de protecção e se baseia, nomeadamente, no princípio do poluidor‑pagador. Esta disposição limita‑se assim a definir os objectivos gerais da Comunidade no domínio do ambiente, visto que o artigo 175.° CE deixa ao Conselho da União Europeia a competência para decidir da acção a empreender, eventualmente segundo o processo de co‑decisão com o Parlamento Europeu (v., neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1994, Peralta, C‑379/92, Colect., p. I‑3453, n.os 57 e 58).

39      Uma vez que o artigo 174.° CE, que consagra o princípio do poluidor‑pagador, é dirigido à acção da Comunidade, não pode ser invocado pelos particulares para afastar a aplicação de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que regula um domínio incluído na política ambiental, quando não seja aplicável uma regulamentação comunitária aprovada com base no artigo 175.° CE e que regule especificamente a situação em causa.

40      Se o tribunal de reenvio chegar à conclusão, por um lado, que a Directiva 2004/35 é aplicável ratione temporis aos processos principais e, por outro, que estão preenchidos os requisitos de aplicação material da mesma directiva, designadamente os precisados nos n.os 53 a 59 do acórdão de 9 de Março de 2010, ERG e o. (C‑378/08, ainda não publicado na Colectânea), há que abordar as questões prejudiciais da forma a seguir indicada.

 Quanto às modalidades de decisão de medidas de reparação na acepção da Directiva 2004/35

 Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

41      As recorrentes nos processos principais alegam, no essencial, que, no sistema da Directiva 2004/35, a definição das medidas de reparação ambiental deve ser feita mediante proposta dos concessionários em causa ou, pelo menos, após sua consulta, o que implicaria que a autoridade competente não poderia modificar unilateralmente e sem consultar os referidos concessionários medidas de reparação dos danos ambientais já aceites por essa autoridade, tanto mais que as medidas de reparação estavam já em início de execução e permitiam alcançar o objectivo de reparar o ambiente e eliminar qualquer risco grave de incidência negativa na saúde humana.

42      Além disso, na definição das medidas de reparação ambiental, a autoridade competente estaria obrigada a proceder a uma análise de custos‑benefícios das medidas planeadas, bem como à sua exequibilidade técnica, na medida em que só as «opções de reparação razoáveis», ou seja, não desproporcionadas e baseadas nas «melhores técnicas disponíveis», podem validamente ser escolhidas. Finalmente, aquela autoridade devia igualmente ter em conta os danos potenciais que as próprias medidas de reparação podem causar ao ambiente e à saúde das pessoas.

43      O Governo italiano considera que a sua regulamentação está conforme com o artigo 7.° da Directiva 2004/35, visto que a autoridade competente pode prescrever não apenas medidas de reparação em conformidade com as previstas no anexo II desta directiva mas também medidas mais pesadas, eventualmente diferentes das que são tomadas por proposta dos concessionários interessados na sequência de um debate contraditório. Nos processos principais, o facto de não ter havido esse debate no âmbito das medidas ulteriormente tomadas pela referida autoridade não está minimamente em contradição com o que é exigido por esta directiva.

44      A Comissão considera que, mesmo admitindo‑se a sua aplicabilidade aos litígios nos processos principais, a Directiva 2004/35 não se opõe a uma intervenção unilateral da autoridade competente. Com efeito, os seus artigos 6.°, n.° 2, e 7.°, n.° 2, conferem a essa autoridade um amplo poder discricionário na definição das medidas de reparação ambiental adequadas, uma vez que se prevê que a sua determinação seja feita «se necessário, com a cooperação do operador em causa». Segundo a Comissão, o anexo II da dita directiva não prevê formas específicas e imperativas de reparação nem modalidades processuais específicas nessa matéria. Esse anexo limita‑se a determinar os critérios e os objectivos a atingir com a escolha das medidas mais adequadas.

45      Além disso, o artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/35 permite aos Estados‑Membros manter ou criar regimes nacionais mais restritivos em matéria de responsabilidade ambiental, nas condições previstas no artigo 176.° CE. Embora, nos termos do artigo 7.°, n.° 4, da mesma directiva, a autoridade competente deva convidar «as pessoas […] em cujos terrenos devam ser aplicadas as medidas de reparação[…] a apresentarem as suas observações, [devendo] tê‑las em conta», a Comissão considera que a autoridade não está vinculada por essas observações, contanto que as modalidades escolhidas, na acepção do anexo II desta directiva, permitam atingir os objectivos ambientais fixados na directiva.

–       Resposta do Tribunal

46      No sistema dos artigos 6.° e 7.° da Directiva 2004/35, cabe, em princípio, ao concessionário que causou o dano ambiental tomar a iniciativa de propor medidas de reparação que considere adequadas à situação. Tendo em conta a experiência que se presume que tenha quanto à natureza do dano ambiental, este sistema pode permitir a rápida definição e execução de medidas de reparação ambiental adequadas.

47      Assim, resulta do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2004/35 que, quando ocorre um dano ambiental, o concessionário deve informar sem demora a autoridade competente e tomará as medidas de reparação ambiental necessárias nos termos do artigo 7.° da mesma directiva.

48      Contudo, nos termos do n.° 2 do referido artigo 6.°, a autoridade competente pode, a todo o momento, exigir ao operador que tome as medidas de reparação necessárias ou dar‑lhe instruções para as executar, ou, em última instância, executá‑las ela própria.

49      Além disso, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2004/35, a autoridade competente deve decidir as medidas de reparação a aplicar nos termos do anexo II, se necessário, com a cooperação do operador em causa.

50      Segundo o artigo 11.° da mesma directiva, a obrigação de decidir as medidas de reparação a tomar com referência ao anexo II incumbe sempre à autoridade competente.

51      Nestas condições, há que considerar, como salientou a advogada‑geral nos n.os 141 e 142 das suas conclusões, que a autoridade competente está igualmente habilitada a alterar, mesmo oficiosamente, na falta de uma proposta inicial do concessionário, as medidas de reparação ambiental anteriormente tomadas. Com efeito, a autoridade competente pode ser levada a concluir, na prática, pela necessidade de uma acção complementar da já decidida ou mesmo chegar à conclusão de que as medidas inicialmente tomadas se revelaram ineficazes e que são necessárias outras medidas para remediar determinada poluição do ambiente.

52      A este respeito, resulta do vigésimo quarto considerando da Directiva 2004/35 que, na aplicação e execução de meios eficazes de aplicação do regime de responsabilidade ambiental previsto por esta directiva, a protecção dos legítimos interesses dos concessionários e das demais partes interessadas deve ser assegurada.

53      Enquanto o artigo 7.°, n.° 4, da referida directiva obriga, em todos os casos, a autoridade competente a convidar as pessoas em cujos terrenos devam ser aplicadas as medidas de reparação a apresentarem as suas observações, que deverá ter em conta, o mesmo artigo 7.°, concretamente o seu n.° 2, não prevê uma fórmula análoga relativamente ao concessionário objecto da medida de reparação que a mencionada autoridade lhe pretende aplicar.

54      Porém, o princípio do contraditório, cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça, impõe à autoridade pública que ouça os interessados antes de tomar uma decisão que lhes diga respeito (v. acórdão de 13 de Setembro de 2007, Land Oberösterreich e Áustria/Comissão, C‑439/05 P e C‑454/05 P, Colect., p. I‑7141, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

55      Nestas condições, embora esse direito de o concessionário ser ouvido não tenha sido expressamente mencionado no artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2004/35, há que admitir que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que, ao decidir as medidas de reparação, incluindo as previstas no artigo 6.°, n.° 2, alíneas c) e d), desta directiva, a autoridade competente não está obrigada a ouvir o concessionário.

56      Daqui decorre que, para alterar substancialmente as medidas de reparação ambiental que já tenha aprovado – alterações a que pode proceder nos termos da Directiva 2004/35 –, o artigo 7.°, n.° 2, da mesma directiva impõe à autoridade competente que oiça os operadores destinatários das medidas, excepto quando a urgência da situação ambiental imponha uma actuação imediata por parte daquela autoridade. Por outro lado, nos termos do n.° 4 do mesmo artigo 7.°, a autoridade competente será obrigada a convidar, concretamente, as pessoas em cujos terrenos devem ser aplicadas as medidas de reparação a apresentarem as suas observações, devendo tê‑las em conta.

57      No que se refere aos dados a ter em conta no processo de aplicação das medidas de reparação necessárias, resulta dos artigos 7.°, n.° 2, e 11.°, n.° 2, da Directiva 2004/35 que cabe à autoridade competente avaliar a gravidade dos danos e determinar essas medidas, em conformidade com o anexo II desta directiva.

58      O anexo II da Directiva 2004/35 estabelece um quadro comum a aplicar pela autoridade competente para escolher as medidas mais indicadas para assegurar a reparação dos danos ambientais. O ponto 1.3.1 deste anexo refere que as opções de reparação devem ser avaliadas «utilizando as melhores tecnologias disponíveis», sempre que definidas, com base nos critérios precisados no mesmo ponto.

59      O legislador da União não definiu de modo preciso e detalhado a metodologia exacta que deve ser seguida pela autoridade competente na definição das medidas de reparação, designadamente devido ao facto de, como resulta do vigésimo quarto considerando da Directiva 2004/35, para desempenhar a missão que lhe é atribuída no sistema desta directiva, a autoridade competente dever dispor de poderes discricionários adequados para avaliar a importância dos danos e determinar as medidas de reparação a tomar. Contudo, o anexo II da mesma directiva menciona para este efeito alguns elementos considerados pertinentes pelo dito legislador e que, por isso, devem ser tidos em conta pela autoridade competente, sem no entanto se indicarem as consequências que a referida autoridade deles deve retirar perante um caso concreto de poluição.

60      Assim, quando uma autoridade comunitária é chamada, no âmbito da missão que a referida directiva lhe confiou, a efectuar avaliações complexas, o poder de apreciação de que goza abrange igualmente, em certa medida, a verificação dos elementos factuais que subjazem à sua actuação [v., por analogia, acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333, n.° 25; de 21 de Janeiro de 1999, Upjohn, C‑120/97, Colect., p. I‑223, n.° 34; e de 15 de Outubro de 2009, Enviro Tech (Europe) C‑425/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 62].

61      Além disso, no exercício desse poder de apreciação, a instituição competente tem o dever de, nessas circunstâncias, examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em apreço (v., por analogia, acórdãos de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colect., p. I‑5469, n.° 14, e de 6 de Novembro de 2008, Países Baixos/Comissão, C‑405/07 P, Colect., p. I‑8301, n.° 56).

62      Nestas condições, quando se coloca a questão da escolha entre diferentes opções de reparação, o que é o caso quando a autoridade competente pretende alterar as medidas de reparação que já havia anteriormente tomado, cabe‑lhe, nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2004/35, lido em conjugação com o ponto 1.3.1 do seu anexo II, avaliar as referidas opções com base nos critérios enumerados no dito ponto.

63      Assim, quando a autoridade competente pretenda alterar substancialmente medidas de reparação dos danos ambientais decididas no final de um processo contraditório desenvolvido em cooperação com os concessionários em causa e que já tenham sido executadas ou estejam em início de execução, ou seja, em caso de mudança de opção de reparação, essa autoridade está, em princípio, obrigada a ter em conta os critérios indicados no ponto 1.3.1 do anexo II da Directiva 2004/35 e, além disso, nos termos do seu artigo 11.°, n.° 4, deve indicar, na decisão que venha a tomar nesta matéria, as razões exactas que fundamentaram a sua escolha ou, eventualmente, as razões que justificaram que não tivesse de fazer‑se ou não pudesse ser feita uma análise detalhada com base nos referidos critérios, por exemplo, devido à urgência da situação ambiental.

64      A autoridade competente deve, especialmente, velar por que a opção escolhida permita efectivamente atingir os melhores resultados do ponto de vista ambiental, sem expor os concessionários em causa a custos manifestamente desproporcionados relativamente aos que deveriam ter suportado com a primeira opção escolhida por essa autoridade. Estas considerações não se aplicam, contudo, quando aquela autoridade puder demonstrar que a opção inicial se revelava inadequada para restaurar, reabilitar ou substituir os recursos naturais danificados ou os serviços deteriorados na acepção do artigo 2.°, n.° 11, da Directiva 2004/35.

65      Finalmente, um Estado‑Membro não pode invocar o artigo 16.°, n.° 1, da Directiva 2004/35, ou seja, a prossecução do mesmo objectivo de protecção do ambiente prosseguido por esta directiva (v. acórdão de 14 de Abril de 2005, Deponiezweckverband Eiterköpfe, C‑6/03, Colect., p. I‑2753, n.° 41), numa situação em que mantenha ou aprove normas ou autorize uma prática que permita à autoridade competente exonerar‑se, por um lado, da obrigação de ouvir os concessionários e da obrigação de convidar as pessoas em cujos terrenos devam ser aplicadas as medidas de reparação a apresentar as suas observações e, por outro, da obrigação de proceder a uma análise circunstanciada das opções possíveis de reparação ambiental.

66      Com efeito, o direito dos concessionários a serem ouvidos e o direito das pessoas cujos terrenos são objecto das medidas de reparação a apresentarem observações surgem como constitutivos de uma protecção mínima, garantida pela Directiva 2004/35, que não pode ser razoavelmente posta em causa. Além disso, uma decisão relativa à escolha de uma opção de reparação ambiental, tomada pela autoridade competente sem proceder a uma análise circunstanciada da situação com recurso aos critérios enunciados no ponto 1.3.1 do anexo II da Directiva 2004/35, poderia conduzir, em violação dos seus objectivos, a uma avaliação inadequada dos danos e/ou das medidas de reparação a tomar.

67      Tendo em conta o que precede, há que responder às duas primeiras questões que os artigos 7.° e 11.°, n.° 4, da Directiva 2004/35, lidos em conjugação com o seu anexo II, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente está habilitada a alterar substancialmente as medidas de reparação de danos ambientais decididas no final de um processo contraditório desenvolvido em cooperação com os concessionários em causa e que tenham já sido executadas ou estejam em início de execução. Porém, para tomar essa decisão:

–        essa autoridade está obrigada a ouvir os concessionários aos quais sejam impostas essas medidas, excepto quando a urgência da situação ambiental imponha uma acção imediata da autoridade competente;

–        a referida autoridade está igualmente obrigada a convidar, entre outras, as pessoas em cujos terrenos devam ser aplicadas essas medidas a apresentar as suas observações, que deverá ter em conta; e

–        essa autoridade deve ter em conta os critérios constantes do ponto 1.3.1 do anexo II da Directiva 2004/35 e indicar na sua decisão as razões que fundamentaram a sua opção ou, eventualmente, as que justificaram que não tivesse de fazer‑se ou não pudesse ser feita uma análise detalhada com base nos referidos critérios, por exemplo, devido à urgência da situação ambiental.

 Quanto à terceira questão

68      Com a sua terceira questão, o tribunal de reenvio pretende saber se a Directiva 2004/35 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que permite à autoridade competente subordinar o exercício do direito dos concessionários visados por medidas de reparação ambiental a utilizarem os seus terrenos à condição de efectuarem os trabalhos que por elas lhes são exigidos, mesmo que os referidos terrenos não sejam objecto dessas medidas pelo facto de já terem sido objecto de anteriores medidas de «beneficiação» ou por nunca terem estado poluídos.

 Observações apresentadas ao Tribunal

69      As recorrentes nos processos principais sustentam que, quando um terreno tiver sido objecto de uma «beneficiação» ou nunca tiver sido poluído, a autoridade competente não tem o poder de condicionar a utilização desse terreno à execução de medidas de reparação ambiental relativas a outro sítio, no caso em apreço a frente marítima e o seu subsolo. Em sua opinião, essa prática restringe excessivamente o seu direito de propriedade e é contrária ao princípio da proporcionalidade. O interesse do próprio concessionário na execução de uma medida de reparação ambiental seria precisamente a perspectiva de retoma da actividade produtiva no seu terreno. Além disso, os terrenos das recorrentes nos processos principais já teriam sido despoluídos ou nunca o estiveram. Finalmente, essas restrições são‑lhes impostas mesmo quando tenham procedido espontaneamente aos trabalhos de reabilitação dos terrenos ou quando não sejam responsáveis pela poluição em causa.

70      O Governo italiano considera que a prática da autoridade competente que consiste em subordinar a utilização dos terrenos das recorrentes nos processos principais à condição de executarem as medidas de reparação ambiental é plenamente legítima e compatível com a regulamentação da União. Segundo o mesmo governo, essa prática está em consonância com o princípio da precaução, pois, se os concessionários em causa pudessem utilizar as zonas beneficiadas sem restrições, poderiam realizar outras infra‑estruturas industriais, o que seria um obstáculo insuperável à execução das medidas de reparação decididas pela autoridade competente.

71      Segundo a Comissão, a Directiva 2004/35 não se opõe a que a autoridade competente imponha a um concessionário medidas de «beneficiação» ambiental e subordine a autorização de utilização dos seus terrenos não directamente envolvidos pela reabilitação à execução dessas medidas. A Comissão sustenta que tais medidas poderiam mesmo ser excluídas do âmbito de aplicação do direito da União.

 Resposta do Tribunal

72      A título liminar, cumpre salientar, em primeiro lugar, que, como resulta das indicações do tribunal de reenvio, a poluição em causa nos processos principais tem um carácter totalmente excepcional, quer pela sua extensão quer pela gravidade dos danos ambientais.

73      Em segundo lugar, deve ter‑se em atenção que, embora os terrenos das recorrentes nos processos principais, como alegam, não sejam objecto das medidas de reparação em causa, pelo facto de já terem sido objecto de medidas anteriores de «beneficiação» ou por nunca terem sido poluídos, não deixa de ser verdade que esses terrenos são adjacentes a toda a orla costeira que foi objecto das referidas medidas de reparação e que novas actividades desenvolvidas nesses terrenos poderiam tornar mais difícil a despoluição de toda a zona.

74      Como foi já indicado nos n.os 37 e 40 do presente acórdão, se o tribunal de reenvio chegar à conclusão de que a Directiva 2004/35 não é aplicável ratione temporis e/ou ratione materiae nos processos nele pendentes, tal situação será abrangida pelo direito nacional, respeitadas as disposições do Tratado e sem prejuízo de outros actos de direito derivado.

75      Se, pelo contrário, a referida directiva for aplicável, cumpre salientar que, segundo o sistema desta directiva, os concessionários estão sujeitos a obrigações de prevenção e de reparação. Assim, designadamente por força do princípio da precaução – e como resulta do segundo considerando da mesma directiva –, tais concessionários devem, antes de mais, tomar as medidas preventivas necessárias para evitar o surgimento de um dano ambiental.

76      Por outro lado, se os danos ambientais tiverem ocorrido, como nos processos principais, o artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2004/35 prevê que os concessionários devem, entre outras, tomar as medidas de reparação necessárias, de acordo com o artigo 7.° desta directiva. Se necessário, a autoridade competente dispõe de prerrogativas para os obrigar a tomar essas medidas ou pode ela própria tomá‑las.

77      Nos processos principais, as recorrentes impugnam as medidas decididas pelas autoridades italianas, alegando que não dizem respeito aos terrenos que elas ocupam, os quais, de resto, já foram objecto de beneficiações. Porém, segundo essas mesmas autoridades, a poluição que afecta a enseada de Augusta tem origem nesses terrenos, pois propagou‑se ao mar.

78      Em circunstâncias excepcionais como as descritas nos n.os 72 e 73 do presente acórdão, a Directiva 2004/35 deve ser interpretada no sentido de que permite que a autoridade competente exija aos concessionários dos terrenos adjacentes a toda a orla costeira objecto das medidas de reparação que executem essas medidas.

79      A Directiva 2004/35 não precisa as modalidades segundo as quais a autoridade competente pode coagir os concessionários em causa a tomar as medidas de reparação por ela definidas. Nestas condições, cabe a cada Estado‑Membro determinar essas modalidades, as quais, por um lado, devem prosseguir a realização do objectivo desta directiva definido no seu artigo 1.°, ou seja, prevenir e reparar os danos ambientais, e, por outro, respeitar o direito da União, designadamente os seus princípios gerais.

80      No que toca à violação do direito de propriedade, invocado pelas recorrentes nos processos principais, há que recordar que, nos termos de jurisprudência constante, o direito de propriedade faz parte dos princípios gerais do direito da União, não constituindo no entanto uma prerrogativa absoluta, antes devendo ser tomado em consideração tendo presente a sua função social. Consequentemente, podem ser introduzidas restrições à fruição do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, à luz do objectivo prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos desse modo garantidos (acórdãos de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Recueil, p. 3727, n.° 23; de 11 de Julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15; de 29 de Abril de 1999, Standley e o., C‑293/97, Colect., p. I‑2603, n.° 54; e de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 355).

81      No que diz respeito aos objectivos de interesse geral anteriormente referidos, resulta igualmente de jurisprudência constante que entre eles se conta também a protecção do ambiente (v. acórdãos de 7 de Fevereiro de 1985, ADBHU, 240/83, Recueil, p. 531, n.° 13; de 20 de Setembro de 1988, Comissão/Dinamarca, 302/86, Colect., p. 4607, n.° 8; e de 2 de Abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, Colect., p. I‑1777, n.° 32).

82      Nestas condições, subordinar o direito dos concessionários em causa a utilizar os seus terrenos à condição de que executem as medidas de reparação ambiental pode mostrar‑se justificado para os obrigar a tomar efectivamente essas medidas.

83      A este propósito, como acertadamente alega o Governo italiano, é legítimo que a autoridade competente, enquanto aguarda a execução das medidas de reparação ambiental por si definidas, tome as medidas adequadas para evitar o agravamento da situação ambiental nos locais onde tais medidas sejam aplicadas, ou mesmo, em aplicação do princípio da precaução, para prevenir o surgimento ou a recorrência de outros danos ambientais nas áreas circundantes dos locais objecto dessas medidas.

84      Com efeito, subordinar a utilização dos terrenos dos concessionários em causa à condição de estes executarem medidas de reparação relativas aos locais circundantes desses terrenos pode ser necessário para evitar que outras actividades industriais, passíveis de agravar os danos em questão ou impedir a sua reparação, sejam instaladas na vizinhança destes sítios cuja reabilitação é necessária.

85      Daqui resulta que cabe ao tribunal de reenvio apurar se, nos processos principais, a suspensão de determinadas prerrogativas inerentes ao direito de propriedade dos concessionários sobre os seus terrenos é justificada pelo objectivo de impedir o agravamento da situação ambiental nos locais onde essas medidas são aplicadas, ou seja, na enseada, ou, em aplicação do princípio da precaução, pelo objectivo de prevenir o surgimento ou a recorrência de outros danos ambientais nos referidos terrenos, que são adjacentes a toda a orla costeira objecto das medidas de reparação.

86      Importa contudo apurar se tais medidas, permitidas pela regulamentação nacional, não excedem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela legislação em causa, sabendo‑se que quando existe uma opção entre várias medidas adequados se deve usar a menos restritiva e que os inconvenientes gerados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos que se pretende alcançar (v., neste sentido, acórdãos de 5 de Junho de 2008, Industria Lavorazione Carni Ovine, C‑534/06, Colect., p. I‑4129, n.° 25, e de 11 de Junho de 2009, Nijemeisland, C‑170/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41).

87      A este respeito, é forçoso concluir que, em conformidade com a Directiva 2004/35, os concessionários em causa devem executar as medidas definidas pela autoridade competente, que deve ter o poder de a tanto os obrigar.

88      É certo que, em conformidade com os artigos 6.°, n.° 2, alínea e), e 8.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da referida directiva, a autoridade competente tem a faculdade de tomar as medidas de reparação necessárias e de cobrar os custos dessas medidas através de uma caução ou de outras medidas adequadas.

89      Todavia, importa sublinhar que se trata de uma faculdade conferida à autoridade competente, que pode preferir obrigar os concessionários em causa a executar as medidas de reparação necessárias em vez de as executar ela própria.

90      Além disso, a afectação do direito de propriedade dos mencionados concessionários é limitada ao seu direito de utilizarem os seus terrenos, e é temporária, no sentido de que, a partir do momento em que tenham executado as medidas de reparação que lhe foram impostas pelas autoridades competentes, podem recuperar plenamente o gozo das prerrogativas inerentes aos seus direitos de propriedade.

91      Nestas condições, tais medidas da autoridade competente não parecem ir além do necessário para atingir o objectivo fundamental da Directiva 2004/35, que é o de prevenir e reparar os danos ambientais, o que implica, no caso em apreço, que os concessionários em causa executem as medidas de reparação determinadas por aquela autoridade.

92      Há, portanto, que responder à terceira questão que, em circunstâncias como as dos processos principais, a Directiva 2004/35 não se opõe a uma regulamentação nacional que permite à autoridade competente subordinar o exercício do direito dos concessionários visados pelas medidas de reparação ambiental a utilizarem os seus terrenos à condição de executarem os trabalhos por estas impostos, mesmo que esses terrenos não sejam objecto dessas medidas pelo facto de já terem sido objecto de medidas anteriores de «beneficiação» ou de nunca terem sido poluídos. Porém, essa medida deve ser justificada pelo objectivo de impedir o agravamento da situação ambiental nos locais onde as mencionadas medidas são executadas ou, em aplicação do princípio da precaução, pelo objectivo de prevenir o surgimento ou a recorrência de outros danos ambientais nos referidos terrenos dos concessionários, que são adjacentes a toda a orla costeira objecto das ditas medidas de reparação.

 Quanto às despesas

93      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      Os artigos 7.° e 11.°, n.° 4, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, lidos em conjugação com o seu anexo II, devem ser interpretados no sentido de que a autoridade competente está habilitada a alterar substancialmente as medidas de reparação de danos ambientais decididas no final de um processo contraditório desenvolvido em cooperação com os concessionários em causa e que tenham já sido executadas ou estejam em início de execução. Porém, para tomar essa decisão:

–        essa autoridade está obrigada a ouvir os concessionários aos quais sejam impostas essas medidas, excepto quando a urgência da situação ambiental imponha uma acção imediata da autoridade competente;

–        a referida autoridade está igualmente obrigada a convidar, entre outras, as pessoas em cujos terrenos devam ser aplicadas essas medidas a apresentar as suas observações, que deverá ter em conta; e

–        essa autoridade deve ter em conta os critérios constantes do ponto 1.3.1 do anexo II da Directiva 2004/35 e indicar na sua decisão as razões que fundamentaram a sua opção ou, eventualmente, as que justificaram que não tivesse de fazer‑se ou não pudesse ser feita uma análise detalhada com base nos referidos critérios, por exemplo, devido à urgência da situação ambiental.

2)      Em circunstâncias como as dos processos principais, a Directiva 2004/35 não se opõe a uma regulamentação nacional que permite à autoridade competente subordinar o exercício do direito dos concessionários visados pelas medidas de reparação ambiental a utilizarem os seus terrenos à condição de executarem os trabalhos por estas impostos, mesmo que esses terrenos não sejam objecto dessas medidas pelo facto de já terem sido objecto de medidas anteriores de «beneficiação» ou de nunca terem sido poluídos. Porém, essa medida deve ser justificada pelo objectivo de impedir o agravamento da situação ambiental nos locais onde as mencionadas medidas são executadas ou, em aplicação do princípio da precaução, pelo objectivo de prevenir o surgimento ou a recorrência de outros danos ambientais nos referidos terrenos dos concessionários, que são adjacentes a toda a orla costeira objecto das ditas medidas de reparação.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.