Language of document : ECLI:EU:C:2014:2391

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 20 de novembro de 2014 (1)

Processo C‑170/13

Huawei Technologies Co. Ltd

contra

ZTE Corp.,

ZTE Deutschland GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Düsseldorf (Alemanha)]

«Concorrência — Artigo 102.° TFUE — Abuso de posição dominante — Ação por violação de patente intentada pelo titular de uma patente essencial a uma norma estabelecida por um organismo de normalização — Compromisso de emitir licenças a favor de terceiros em condições FRAND (Fair, Reasonable and Non‑Discriminatory terms), ou seja, em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Landgericht Düsseldorf (Alemanha) na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de abril de 2013, tem por objeto a interpretação do artigo 102.° TFUE.

2.        No cerne do processo está uma patente dita «essencial a uma norma estabelecida por um organismo de normalização» (a seguir «PEN») e, pela primeira vez, o Tribunal de Justiça é chamado a analisar se, e se for caso disso, em que circunstâncias, uma ação por violação de patente intentada pelo titular de uma PEN contra uma empresa que fabrica produtos que aplicam essa norma constitui um abuso de posição dominante.

3.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Huawei Technologies Co. Ltd (a seguir «Huawei»), que é uma empresa de dimensão mundial ativa no setor das telecomunicações, estabelecida em Shenzhen (China), à ZTE Corp., estabelecida em Shenzhen, bem como à ZTE Deutschland GmbH (a seguir «ZTE»), estabelecida em Düsseldorf (Alemanha), as quais pertencem a um grupo de empresas que também tem dimensão mundial que intervêm no mesmo setor. Através da sua ação por violação de patente, a Huawei requereu que fosse decretada a inibição da infração à patente, a prestação de contas, a retirada dos produtos, bem como que as demandadas fossem condenadas no pagamento de uma indemnização.

4.        A ação por violação de patente tem na sua base uma patente europeia de que a Huawei é titular e que está registada sob o número EP 2 090 050 B 1 (a seguir «patente controvertida»). A República Federal da Alemanha é um dos Estados‑Membros contratantes designados por esta patente, que constitui uma patente «essencial» à norma (2)Long Term Evolution (LTE) estabelecida pelo Instituto Europeu de Normas de Telecomunicações (a seguir o «ETSI») (3), o que significa que qualquer pessoa que utilize a norma LTE tem de recorrer necessariamente às especificações técnicas desta patente.

5.        A Huawei notificou a patente controvertida ao ETSI e, em 4 de março de 2009, assumiu perante o ETSI o compromisso de atribuir licenças a terceiros em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias, usualmente denominadas «FRAND» (Fair, Reasonable and Non‑Discriminatory, a seguir «condições FRAND») (4).

6.        Na sequência do «insucesso» (5) das negociações relativas à celebração de um contrato de uma licença em condições FRAND, a Huawei intentou no órgão jurisdicional de reenvio uma ação por violação de patente contra a ZTE, exigindo a inibição da continuação da infração à patente, a prestação de contas, a retirada dos produtos, bem como a condenação no pagamento de uma indemnização. Segundo a ZTE, esta ação inibitória constitui um abuso de posição dominante, uma vez que a ZTE estava disposta a negociar uma licença.

7.        O comportamento de um titular de uma PEN que se comprometeu a emitir licenças em condições FRAND a terceiros despoletou uma plêiade de ações nos órgãos jurisdicionais de diversos Estados‑Membros e de países terceiros. Essas múltiplas ações, baseadas não apenas no direito da concorrência, mas também no direito civil, geraram uma pluralidade de soluções jurídicas divergentes e, consequentemente, um grau considerável de incerteza quanto à legalidade de determinados comportamentos praticados por titulares de uma PEN e por empresas que, ao aplicarem uma norma estabelecida por uma organização europeia de normalização, recorreram às especificações técnicas de uma PEN.

8.        Atendendo às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, limitarei as presentes conclusões apenas ao direito da concorrência e, em especial, à questão do abuso de posição dominante.

9.        Todavia, tal não significa que a problemática em causa no litígio no processo principal, cuja origem, na minha perspetiva, se prende essencialmente com a falta de clareza do próprio conceito e do conteúdo das condições FRAND, não possa ser solucionada de forma adequada, ou inclusivamente que lhe seja dada uma melhor solução, no âmbito de outros ramos do direito ou através de outros mecanismos que não os do direito da concorrência.

10.      Basta, a este respeito, salientar que um compromisso no sentido de atribuir licenças em condições FRAND não equivale a uma licença em condições FRAND, nem confere nenhuma indicação sobre as condições FRAND que devem, em princípio, ser acordadas pelas partes em causa.

11.      Embora a competência para negociar as condições de licença FRAND seja da competência exclusiva das partes e, se for caso disso, dos órgãos jurisdicionais civis ou dos tribunais arbitrais, parece‑me evidente que o risco de má vontade das partes em causa ou de rutura das negociações neste contexto pode, pelo menos em parte, ser evitado ou atenuado se os organismos de normalização fixarem condições mínimas ou um quadro ou «regras de boa conduta» das negociações das condições de licença FRAND. Sem isso, as ações inibitórias, bem como as regras relativas ao abuso de posição dominante, que deviam apenas ser soluções de última instância, são utilizadas como argumento de negociação ou como meio de pressão pelo titular de uma PEN ou pela empresa que utiliza a norma e que recorre às especificações técnicas dessa PEN.

II – Quadro jurídico

A –    Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

12.      A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») prevê no seu artigo 16.°, intitulado «Liberdade de empresa»:

«É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais.»

13.      O artigo 17.° da Carta, intitulado «Direito de propriedade» dispõe:

«1.      Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

2.      É protegida a propriedade intelectual.»

14.      O artigo 47.° da Carta, intitulado «Direito à ação e a um tribunal imparcial», dispõe:

«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

[…]»

15.      O artigo 52.° da Carta, intitulado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», prevê no seu n.° 1:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

B –    Diretiva 2004/48/CE

16.      A Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (6) dispõe no seu artigo 9.°, intitulado «Medidas provisórias e cautelares»:

«1.      Os Estados‑Membros devem garantir que as autoridades judiciais competentes possam, a pedido do requerente:

a)      Decretar contra o infrator presumível uma medida inibitória de qualquer violação iminente de direitos de propriedade intelectual, […]

[…]»

17.      Nos termos do artigo 10.° da Diretiva 2004/48, intitulado «Medidas corretivas»:

«1.      Sem prejuízo de quaisquer indemnizações por perdas e danos devidas ao titular do direito em virtude da violação e sem qualquer compensação, os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades judiciais competentes possam, a pedido do requerente, ordenar medidas adequadas relativamente aos bens que se tenha verificado violarem o direito de propriedade intelectual, bem como, se for caso disso, relativamente aos materiais e instrumentos que tenham predominantemente servido para a criação ou o fabrico dos bens em causa. Essas medidas incluem:

a)      A retirada dos circuitos comerciais;

b)      A exclusão definitiva dos circuitos comerciais, ou

c)      A destruição.

[…]

3.      Na análise dos pedidos de medidas corretivas, deve‑se ter em conta a necessária proporcionalidade entre a gravidade da violação e as sanções ordenadas, bem como os interesses de terceiros.»

18.      O artigo 11.° desta mesma diretiva, intitulado «Medidas inibitórias», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem garantir que, nos casos em que tenha sido tomada uma decisão judicial que constate uma violação de um direito de propriedade intelectual, as autoridades judiciais competentes possam impor ao infrator uma medida inibitória da continuação dessa violação. […]»

19.      Nos termos do artigo 12.° da Diretiva 2004/48, intitulado «Medidas alternativas»:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer que, se for caso disso e a pedido da pessoa eventualmente afetada pelas medidas previstas na presente Secção, as autoridades judiciais competentes possam ordenar o pagamento à parte lesada de uma compensação pecuniária, em alternativa à aplicação das medidas previstas na presente Secção, se essa pessoa tiver atuado sem dolo nem negligência e a execução das medidas em questão implicar para ela um dano desproporcionado e a referida compensação pecuniária se afigurar razoavelmente satisfatória para a parte lesada.»

20.      O artigo 13.° da Diretiva 2004/48, intitulado «Indemnizações por perdas e danos», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação.

Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:

a)      Devem ter em conta todos os aspetos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infrator e, se for caso disso, outros elementos para além dos fatores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito;

ou

b)      Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.

2.      Quando, sem o saber ou tendo motivos razoáveis para o saber, o infrator tenha desenvolvido uma atividade ilícita, os Estados‑Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser preestabelecidos.»

C –    Política do ETSI relativa à propriedade intelectual

21.      Nos termos do ponto 3, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual, este organismo de normalização tem por objetivo criar normas que sejam adaptadas aos objetivos técnicos do setor europeu das telecomunicações e reduzir o risco para o ETSI, para os seus membros e para os terceiros que apliquem as normas do ETSI, de que os investimentos destinados à preparação, à adoção e à aplicação de normas se percam devido à indisponibilidade da propriedade intelectual essencial para a aplicação das referidas normas. Par tal, a Política do ETSI relativa à propriedade intelectual visa alcançar um equilíbrio entre as necessidades de normalização para fins de utilização pública no domínio das telecomunicações e os direitos dos titulares de direitos de propriedade intelectual. O ponto 3, n.° 2, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual dispõe que, aquando da implementação das normas, os titulares dos direitos de propriedade intelectual devem ser adequada e equitativamente remunerados em caso de utilização da sua propriedade intelectual.

22.      O ponto 4, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual prevê que cada um dos seus membros, em especial durante o processo de elaboração de uma norma em cujo desenvolvimento participa, tomará as medidas necessárias para informar o ETSI com a maior brevidade possível dos seus direitos de propriedade intelectual essenciais para a norma. Um membro que apresenta uma proposta técnica relativa a uma norma deve, assim, informar o ETSI de qualquer direito de propriedade intelectual que detenha e que possa revelar‑se essencial para a norma em caso de adoção da proposta.

23.      O ponto 6, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual dispõe que, quando o ETSI é informado de um direito de propriedade intelectual essencial para uma norma, o seu diretor geral convida imediatamente o titular do referido direito a assumir, no prazo de três meses, o compromisso irrevogável de se dispor a conceder licenças em condições FRAND relativamente ao referido direito de propriedade intelectual. Enquanto não for subscrito nenhum compromisso FRAND, o ETSI examina se os trabalhos respeitantes às partes da norma que estão em causa devem ser suspensos até à resolução do processo e/ou submete uma norma relevante a aprovação (7). Se o titular de direitos de propriedade intelectual se recusar a subscrever um compromisso FRAND nos termos do referido ponto 6, n.° 1, da mencionada política, o ETSI averigua se existe uma tecnologia alternativa e, se esse não for o caso, manda cessar os trabalhos de adoção em questão (8). Nos termos do ponto 14 da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual, uma violação deste texto por um dos membros constitui uma violação das suas obrigações para com o ETSI.

24.      Nos termos do ponto 15, n.° 6, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual, a propriedade intelectual é considerada «essencial» nomeadamente quando, por motivos técnicos, não seja possível, sem lesar a referida propriedade, fabricar produtos em conformidade com a norma. Todavia, o ETSI não fiscaliza nem a validade nem a natureza essencial da propriedade intelectual de que foi informado por um dos seus membros.

25.      A Política do ETSI relativa à propriedade intelectual não define com precisão o que deve entender‑se por condições de licença FRAND. Cabe ao titular e ao utilizador da patente negociarem os termos e as condições de uso de uma PEN (9). Além disso, a Política do ETSI relativa à propriedade intelectual também não comporta regras nem disposições que indiquem como devem ser solucionados os litígios caso as partes não cheguem a acordo relativamente às condições FRAND concretas (10).

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26.      A ZTE apresenta e comercializa na Alemanha, entre outros, estações de base equipadas com software LTE (a seguir «formas de realização impugnadas»). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as formas de realização impugnadas apresentadas e comercializadas pela ZTE são incontestavelmente adaptadas ao software LTE e funcionam com base na norma LTE. Tendo em conta que a patente controvertida de que a Huawei é titular é essencial à norma LTE, a ZTE explora automaticamente essa patente.

27.      Decorre da decisão de reenvio que, entre novembro de 2010 e o final de março de 2011, a Huawei e a ZTE mantiveram conversações sobre, nomeadamente, a infração à patente e a possibilidade de celebrar um contrato de licença. A Huawei «indicou o montante da taxa de licença que considerava razoável». A ZTE «defendia um licenciamento cruzado». Resulta igualmente da decisão de reenvio que, em 30 de janeiro de 2013, a ZTE fez uma proposta de celebração de licenciamento cruzado e propôs, mas não transferiu, um montante de taxa de licença a pagar à Huawei (a saber, 50 euros). Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio indica que «as partes não trocaram nenhuma proposta concreta de contratos de licença». Em 28 de abril de 2011, a Huawei intentou no órgão jurisdicional de reenvio a ação que deu origem ao presente processo prejudicial.

28.      A ZTE opôs‑se, no Instituto Europeu de Patentes (IEP), à emissão da patente controvertida pelo facto de a patente não ser válida. Por decisão de 25 de janeiro de 2013, o IEP confirmou a validade da patente, julgando improcedente o pedido da ZTE. Encontra‑se atualmente pendente um recurso dessa decisão.

29.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a exploração pela ZTE da patente controvertida é ilegal. Todavia, considera que era possível alegar a natureza obrigatória da licença para julgar improcedente a ação inibitória à luz, nomeadamente, do artigo 102.° TFUE, caso se considerasse que, ao intentar a sua ação inibitória, a Huawei abusou da «posição dominante que incontestavelmente detém» (11).

30.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, duas abordagens permitem determinar a partir de que momento o titular de uma PEN viola o artigo 102.° TFUE e abusa da sua posição dominante relativamente a um infrator da patente.

31.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Bundesgerichtshof (Tribunal Federal de Justiça, Alemanha), no seu acórdão de 6 de maio de 2009, Norme Orange Book (KZR 39/06, a seguir «Orange‑Book‑Standard») (12), considerou que um titular de uma patente, atuando no âmbito de uma ação inibitória contra uma infração à patente, ainda que o demandado possa ter em vista a obtenção de uma licença para essa patente, só abusa da sua posição dominante se estiverem preenchidos os seguintes requisitos:

«Por um lado, o recorrido tem de ter apresentado ao recorrente de forma incondicional uma proposta de celebração de um contrato de licença (sendo que essa proposta não deve, nomeadamente, conter uma cláusula que limite a licença apenas aos casos de infração à patente), sendo que o recorrido se deve sentir vinculado pela proposta apresentada e ficando o recorrente obrigado a aceitá‑la uma vez que a sua recusa teria por efeito prejudicar de forma iníqua o recorrente ou violar o princípio da não discriminação.

Se o recorrido considerar que o montante da taxa de licença exigida pelo recorrente é abusivamente elevado ou se o recorrente recusar quantificar a taxa de licença, a proposta de celebração do contrato é considerada incondicional se previr que o recorrente deverá determinar de forma equitativa o montante da taxa de licença.

Por outro lado, nos casos em que o demandado já explorar o objeto da patente antes da aceitação da proposta por parte do demandante, deve cumprir as obrigações que, para fins de exploração da patente, lhe incumbem ao abrigo do futuro contrato de licença. Isto implica, nomeadamente, que o demandado deverá pormenorizar os seus atos de exploração, em conformidade com os requisitos de um contrato não discriminatório e que deve cumprir as obrigações de pagamento daí resultantes.

No âmbito da execução desta obrigação de pagamento, o demandado não é obrigado a pagar diretamente a taxa de licença ao demandante. Com efeito, é‑lhe permitido entregar a um Amtsgericht [tribunal cantonal] o montante da taxa de licença, depositando‑o junto deste último»

32.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, num comunicado de imprensa (13) relativo a uma comunicação das acusações dirigida à Samsung Electronics e o. (COMP/C‑3/39.939) num processo de infração à patente no mercado dos telemóveis, a Comissão Europeia alegou, a título preliminar, que a propositura de uma ação inibitória era ilícita à luz do artigo 102.° TFUE uma vez que o processo tinha por objeto uma PEN, que o titular da patente indicou a um organismo de normalização a sua disponibilidade para conceder licenças em condições FRAND e que o próprio infrator da patente estava disponível para negociar essa licença.

33.      Todavia, como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, a Comissão não explica, no seu comunicado de imprensa, em que condições é possível considerar que um infrator da patente está disposto a negociar. Também não se refere aos critérios fixados pelo Bundesgerichtshof no seu acórdão Orange‑Book‑Standard.

34.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que se forem aplicados ao presente caso os critérios fixados pelo Bundesgerichtshof, a ZTE não pode invocar validamente a exceção relativa à natureza obrigatória da licença, pelo que teria de julgar procedente a ação por violação de patente. Considera que, nesta hipótese, a Huawei não está obrigada a aceitar uma das propostas apresentadas por escrito pela ZTE tendo em vista a celebração do contrato de licença, devido a duas razões referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

35.      Primeiro, as propostas de contrato da ZTE devem ser consideradas insuficientes pelo facto de não se tratar de propostas «incondicionais» na aceção da jurisprudência do Bundesgerichtshof, uma vez que estavam limitadas apenas aos produtos que deram origem a infração à patente.

36.      Segundo, independentemente da questão de saber se o montante da taxa de licença foi corretamente determinado, a ZTE não transferiu o montante da taxa de licença por si calculado (ou seja, 50 euros), não havendo nenhum elemento que indique que o Amtsgericht tinha ordenado a transferência desse montante tendo em vista o seu depósito. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a ZTE não apresentou devidamente nem de forma exaustiva os atos de exploração por si desenvolvidos.

37.      Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio considera que caso se venha a aplicar a tese defendida pela Comissão no comunicado de imprensa, haverá que julgar improcedente por ser abusiva a ação inibitória intentada pela Huawei. Uma vez que a Huawei baseia a sua ação numa PEN, a ZTE está obrigada a utilizá‑la para poder introduzir no mercado as formas de realização impugnadas adaptadas à LTE. O referido órgão jurisdicional recorda que a Huawei declarou ao ETSI que estava disposta a conceder licenças a terceiros e salienta que a ZTE estava, pelo menos na data relevante (no termo das negociações orais), «disposta a negociar» na aceção da tese da Comissão. Esta disponibilidade para negociar manifestava‑se, em todo o caso, nas propostas de contrato escritas apresentadas pela ZTE (retomando estas propostas, parcialmente, as propostas da Huawei). O órgão jurisdicional de reenvio considera que, no contexto da tese da Comissão, a disponibilidade para negociar não foi afetada pelo facto de as partes não terem chegado a acordo relativamente às especificações técnicas de determinadas cláusulas do contrato nem, nomeadamente, quanto ao montante da taxa de licença a pagar.

38.      Nestas condições, o Landgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O titular de uma patente essencial [a uma norma] que, perante um organismo de normalização, se tenha declarado disposto a conceder a terceiros uma licença em condições [FRAND], abusa da sua posição dominante no mercado quando intenta uma ação inibitória contra um infrator da patente, apesar de o infrator se ter declarado disposto a negociar tal licença,

ou

o abuso de uma posição dominante no mercado só deve ser presumido se o infrator tiver apresentado ao titular da patente essencial [a uma norma] uma proposta incondicional e aceitável de celebração de um contrato de licença que o titular da patente não pode recusar sem prejudicar o infrator de forma não razoável ou violar a proibição de discriminação e se o infrator, antecipando a licença a atribuir, tiver cumprido as obrigações contratuais que lhe incumbem relativamente a atos de utilização já praticados?

2)      Se for de presumir o abuso de uma posição dominante no mercado, desde logo, na sequência da disponibilidade do infrator da patente para negociar:

O artigo 102.° TFUE estabelece condições qualitativas e/ou temporais especiais quanto à disponibilidade para negociar? Esta pode, designadamente, presumir se nos casos em que o infrator se tenha limitado a declarar, em termos gerais (oralmente), estar disponível para negociar ou deve o infrator já ter encetado negociações, por exemplo, enumerando condições concretas nas quais está disposto a celebrar um contrato de licença?

3)      Caso a apresentação de uma proposta incondicional aceitável de celebração de um contrato de licença [seja] uma condição para entender que existe abuso de uma posição dominante no mercado:

O artigo 102.° TFUE estabelece condições qualitativas e/ou temporais especiais para esta proposta? A proposta deve conter todas as regras que normalmente constam dos contratos de licença celebrados no domínio da técnica em causa? A proposta pode, designadamente, ser apresentada sob condição de a patente essencial [a uma norma] ser efetivamente utilizada e/ou se revelar legítima?

4)      Caso o cumprimento, por parte do infrator, de deveres decorrentes da licença a atribuir, for uma condição para entender que existe abuso de uma posição dominante no mercado:

O artigo 102.° TFUE estabelece condições especiais relativamente a estes atos de cumprimento? O infrator é, designadamente, obrigado a prestar contas sobre atos de utilização já praticados e/ou a pagar [uma remuneração]? A obrigação de pagamento de [uma remuneração] também pode, eventualmente, ser cumprida mediante a prestação de uma garantia?

5)      As condições, nas quais se deve presumir a existência de um abuso [posição dominante] por parte do titular de uma patente essencial [a uma norma], também se aplicam às ações em que são invocados outros direitos decorrentes da infração à patente (a prestação de contas, a retirada [dos] produtos, a indemnização)?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

39.      Foram apresentadas observações escritas pela Huawei, pela ZTE, pelos Governos neerlandês e português, bem como pela Comissão. Os Governos neerlandês e finlandês, bem como a Comissão, apresentaram observações orais na audiência de 11 de setembro de 2014.

V –    Análise

A –    Observações preliminares

40.      O Tribunal de Justiça é chamado a precisar se e, se for esse o caso, em que condições, uma ação por violação de patente intentada pelo titular de uma PEN que assumiu o compromisso de conceder licenças em condições FRAND constitui um abuso de posição dominante. As questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio não versam sobre as condições específicas de uma licença FRAND, situação que é da competência das partes e, eventualmente, dos órgãos jurisdicionais civis e dos tribunais arbitrais, mas visam, em contrapartida, determinar, à luz do direito da concorrência, o âmbito em que devem ser negociadas as licenças em condições FRAND de uma PEN.

41.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o titular de uma PEN encontra‑se numa posição de força no decurso da negociação das licenças devido ao direito que tem de intentar uma ação inibitória. Consequentemente, há que assegurar que o titular de uma PEN não possa impor, por exemplo, taxas de licença excessivas em violação do seu compromisso de conceder licenças em condições FRAND, comportamento que foi qualificado de «patent‑hold‑up» (14).

42.      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta também que uma limitação do direito de intentar uma ação inibitória reduz consideravelmente a margem de negociação do titular da PEN, uma vez que pode não dispor de meios de pressão suficientes para levar a cabo essas negociações em condições de igualdade com o infrator da patente. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o titular da PEN deve tolerar a exploração ilegal da sua patente, independentemente da questão de saber se e quando será efetivamente celebrado um contrato de licença, e que só a posteriori, numa data imprevisível, poderá obter uma indemnização cuja aplicabilidade e montante são incertos, isto ainda que as negociações relativas à licença se prolonguem por motivos que sejam unicamente da responsabilidade do infrator da patente. Este comportamento foi qualificado de «patent hold‑out» ou de «reverse patent hold‑up».

43.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o titular de uma PEN, que assumiu o compromisso para com um organismo de normalização, no presente caso o ETSI, de conceder uma licença a terceiros em condições FRAND abusa da sua posição dominante quando intenta uma ação inibitória contra um infrator da patente, embora este esteja «disposto a negociar» tal licença.

44.      No âmbito desta mesma questão, o órgão jurisdicional de reenvio equaciona uma segunda hipótese, nos termos da qual só há abuso de posição dominante se o infrator da patente tiver apresentado ao titular da PEN uma proposta incondicional aceitável que o titular não pode recusar sem prejudicar de forma iníqua o infrator da patente ou sem violar o princípio de não discriminação e se o infrator, antecipando a licença, já cumpria as obrigações contratuais que lhe incumbem relativamente a atos de utilização já realizados.

45.      Em minha opinião, para dar uma resposta útil e completa à primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que examinar conjuntamente as duas hipóteses mencionadas por este.

46.      As questões prejudiciais segunda a quarta versam, respetivamente, sobre as modalidades da disponibilidade do infrator da patente para negociar, bem como sobre as modalidades da sua proposta e da execução das obrigações que lhe incumbem a título da licença a conceder. A resposta a estas questões depende em grande medida da resposta que vier a ser dada à primeira questão. A quinta questão versa sobre as ações, que não a ação inibitória, de que o titular de uma PEN dispõe para proteger a sua propriedade intelectual. Uma vez que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem principalmente respeito à legalidade da ação inibitória, vou centrar as minhas conclusões nesta ação.

B –    Jurisprudência Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof e comunicado de imprensa da Comissão no processo Samsung Electronics e o.

47.      É evidente que as questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio se inspiraram amplamente no processo Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof e no comunicado de imprensa da Comissão no processo Samsung Electronics e o.

48.      Relativamente a este acórdão, há que salientar as divergências factuais importantes entre aquele processo e o processo principal. A patente controvertida constitui uma patente essencial para a norma LTE que resulta de um acordo celebrado entre as empresas (entre as quais a Huawei e a ZTE) que participam no processo de normalização no âmbito do ETSI, ao passo que a norma em causa no processo Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof era uma norma de facto (15). Daqui decorre que, no referido processo, não havia nenhum compromisso por parte do titular da patente em causa em conceder licenças em condições FRAND. É normal que, neste caso, o poder de negociação atribuído ao titular da patente seja mais amplo do que no caso de uma PEN, cujo titular é um membro de um organismo europeu de normalização como o requerente de uma licença, e que uma ação inibitória por si intentada só venha a ser considerada abusiva se a taxa de licença por si exigida for claramente excessiva.

49.      Atendendo a esta importante divergência factual face ao processo principal, considero que não é possível transpor por analogia o referido acórdão para o presente processo.

50.      Embora, em contrapartida, o comunicado de imprensa no processo Samsung Electronics e o. tenha efetivamente por objeto uma PEN cujo titular indicou, a um organismo de normalização, o seu compromisso em conceder licenças em condições FRAND, parece‑me que uma simples disponibilidade do infrator da patente para negociar (16) reveste uma natureza extremamente vaga e não vinculativa e não pode de modo nenhum ser suficiente (17) para limitar o direito do titular da PEN a intentar uma ação (18) de inibição da infração à patente.

51.      Considero que da aplicação pura e simples da jurisprudência Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof ou do comunicado de imprensa ao caso em apreço resultariam situações de sobreproteção ou de subproteção, respetivamente, do titular de uma PEN, de utilizadores das especificações técnicas das patentes ou dos consumidores (19).

52.      Parece assim que é necessário encontrar uma via intermédia.

C –    Presunção de existência de uma posição dominante

53.      Importa destacar, conforme a Comissão salienta, que o órgão jurisdicional de reenvio parte da hipótese de que a Huawei detém uma posição dominante (20) e que não questionou o Tribunal de Justiça sobre os critérios de delimitação do mercado relevante (21) nem sobre a determinação de uma posição dominante (22).

54.      O Governo português e a Comissão limitaram as suas observações ao eventual abuso de posição dominante por parte do titular de uma PEN, ao passo que a Huawei (23), a ZTE (24) e o Governo neerlandês se limitaram a abordar muito brevemente a questão da existência de uma posição dominante nas suas observações.

55.      Segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça só tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um texto da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional. Além disso, uma alteração da substância das questões prejudiciais seria incompatível com o papel reservado ao Tribunal de Justiça pelo artigo 267.° do TFUE, bem como com a sua obrigação de assegurar, em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a possibilidade aos Governos dos Estados‑Membros e às partes interessadas de apresentarem observações, tendo em conta que, por força desta disposição, só as decisões de reenvio são notificadas às partes interessadas (25).

56.      No presente caso, não tendo o órgão jurisdicional de reenvio admitido nem a necessidade nem a pertinência de uma questão sobre a existência de uma posição dominante, o Tribunal de Justiça não pode proceder a essa análise.

57.      Todavia, há que salientar que, na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio não precisou que só constatou a existência incontestável de uma posição dominante por parte do titular de uma PEN no processo principal depois de ter examinado plenamente todas as circunstâncias e o contexto específico do caso concreto. Considero, tal como o Governo neerlandês, que o facto de uma empresa ter uma PEN não implica necessariamente que beneficie de uma posição dominante na aceção do artigo 102.° TFUE (26) e que cabe ao juiz nacional examinar, caso a caso, se essa é efetivamente a situação existente (27).

58.      Atendendo a que a constatação da existência de uma posição dominante impõe à empresa em causa uma responsabilidade especial (28) de, através do seu comportamento, não prejudicar a concorrência efetiva, essa constatação não pode assentar em hipóteses. Se o facto de todas as pessoas que utilizam uma norma estabelecida por um organismo de normalização terem obrigatoriamente de recorrer às especificações técnicas de uma PEN, pelo que é assim necessária uma licença do titular dessa patente, puder dar origem a uma presunção simples da existência de uma posição dominante por parte do titular dessa patente, considero que deve ser possível inverter esta presunção mediante indícios concretos e circunstanciados.

D –    Abuso de posição dominante ou exploração abusiva da dependência tecnológica

59.      Há que salientar que uma resposta às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio exige, à luz do direito da concorrência, uma ponderação entre, por um lado, o direito de propriedade intelectual e o direito de acesso aos tribunais (Recht auf Zugang zu den Gerichten) do detentor de uma PEN (Huawei) e, por outro, a liberdade de empresa de que beneficiam, por força do artigo 16.° da Carta, os operadores económicos, tais como as empresas que aplicam a norma LTE (ZTE). Com efeito, a adoção de uma medida inibitória, que constitui o objeto de uma ação inibitória, restringe consideravelmente essa liberdade (29) e é, consequentemente, suscetível de falsear a concorrência (30).

1.      Direito da propriedade intelectual

60.      Resulta do processo apresentado no Tribunal de Justiça que, não obstante o seu compromisso assumido perante o ETSI de emitir licenças em condições FRAND a terceiros, a Huawei não renunciou ao seu direito a intentar ações inibitórias contra pessoas que explorem as especificações técnicas da patente controvertida sem a sua autorização. Em contrapartida, resulta inequivocamente deste compromisso que a Huawei aceita (31) rentabilizar a patente controvertida, não apenas através da mera exploração, mas também através da concessão de licenças. Acresce que a Huawei aceita que uma taxa de licença fixada em condições FRAND constitui uma compensação adequada e equitativa para a exploração da referida patente por outros.

61.      À semelhança das observações da Huawei, da ZTE, dos Governos neerlandês e português, bem como da Comissão, considero, que, nos termos de jurisprudência constante, o exercício de um direito exclusivo decorrente de um direito de propriedade intelectual, ou seja, no caso em apreço, o direito a intentar uma ação inibitória em caso de infração à patente, não pode constituir em si mesmo um abuso de posição dominante (32). Com efeito, para o titular de uma patente, este direito constitui a forma essencial (33) de alegar a existência da sua propriedade intelectual, cuja proteção é especificamente reconhecida pelo artigo 17.°, n.° 2, da Carta (34).

62.      Daqui resulta que qualquer restrição ao direito a intentar estas ações constitui necessariamente uma limitação importante da propriedade intelectual e apenas pode, assim, ser admitida em circunstâncias excecionais e precisamente circunscritas.

63.      Todavia, o direito à propriedade intelectual não é um direito absoluto. Assim, sem mencionar o abuso de direito, o considerando (12) da Diretiva 2004/48 esclarece que «[a] presente diretiva não afeta a aplicação das regras de concorrência, em particular, dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE]. As medidas previstas na presente diretiva não deverão ser utilizadas para restringir indevidamente a concorrência de forma contrária ao Tratado». Daqui decorre que o direito a intentar ações inibitórias para proteger a propriedade intelectual não é um direito absoluto e intangível e deve ser conciliado, para proteger o interesse geral, com as regras de concorrência previstas nomeadamente nos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE (35). O artigo 12.° desta diretiva prevê, por exemplo, que, em determinadas circunstâncias, o pagamento de uma compensação pecuniária a favor do titular de um direito de propriedade intelectual, em alternativa à aplicação de uma medida inibitória, pode ser ordenado pelas autoridades judiciárias competentes mediante pedido formulado pela pessoa à qual podem ser aplicadas essas medidas inibitórias. Consequentemente, a referida diretiva prevê claramente limitações ao direito a intentar ações inibitórias e a substituição deste direito por uma compensação pecuniária (36).

64.      Além disso, o exercício de um direito de propriedade intelectual pode ser limitado pelo próprio titular.

65.      A este respeito, considero que o compromisso assumido pela Huawei no processo principal no sentido de emitir licenças em condições FRAND a terceiros se assemelha em parte a uma «licença» (37). Contrariamente às licenças obrigatórias que são impostas por lei (38), o titular de uma patente pode, por sua própria iniciativa, autorizar o recurso às especificações técnicas da sua patente por terceiros, quando verificadas determinadas condições. Saliento que, no caso de uma licença, não pode, em princípio, ser ordenada uma medida inibitória contra o titular de uma patente (39).

2.      Direito de acesso aos tribunais

66.      O artigo 47.° da Carta reconhece o direito de acesso aos tribunais e a possibilidade de invocar os seus direitos perante um órgão jurisdicional. No n.° 51 do acórdão ZZ (C‑300/11, EU:C:2013:363), o Tribunal de Justiça considerou, no entanto, que o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite limites ao exercício dos direitos consagrados no artigo 47.° desta última, salientando que, atendendo à importância do direito fundamental garantido pelo artigo 47.° da Carta, há que ter em consideração que o artigo 52.°, n.° 1, da Carta impõe que todas as limitações (40) devem, nomeadamente, respeitar o conteúdo essencial do direito fundamental em causa e requer, adicionalmente, que, atendendo ao princípio da proporcionalidade, devem ser necessárias e corresponder efetivamente aos objetivos de interesse geral reconhecidos pela União (41).

67.      Ora, embora a Carta não crie uma hierarquia entre os direitos fundamentais que reconhece, com exceção da dignidade humana que é inviolável(42) sem derrogação, a propositura de uma ação inibitória só pode constituir um abuso de posição dominante em circunstâncias excecionais, à luz da importância do direito de acesso aos tribunais.

3.      Liberdade de empresa e concorrência não falseada

68.      Resulta de jurisprudência constante que o conceito de exploração abusiva de uma posição dominante é um conceito objetivo e visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante que sejam suscetíveis de influenciar a estrutura de um mercado ou em que, precisamente devido à presença dessa empresa, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito criar obstáculos, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência (43).

69.      A Huawei, a ZTE, os Governos neerlandês e português bem como a Comissão consideram que a constatação de um abuso de posição dominante, na sequência da propositura de uma ação inibitória, pressupõe, nos termos de jurisprudência constante, que existem «circunstâncias excecionais» (44). Saliento que «[r]esulta desta jurisprudência que, para que a recusa de um [titular de um direito de propriedade intelectual em conceder uma licença para a exploração desta propriedade, que é] indispensável para exercer uma determinada atividade possa ser qualificada de abusiva, basta que estejam preenchidas três condições cumulativas, a saber, que essa recusa obste à aparição de um novo produto para o qual existe uma potencial procura por parte dos consumidores, que ela careça de justificação e que seja suscetível de excluir toda a concorrência no mercado derivado» (45).

70.      Tal como a Huawei salienta, é certo que esta jurisprudência assenta em circunstâncias de facto que não são diretamente comparáveis com as do processo principal. É claro que, tal como nos acórdãos que deram origem a esta jurisprudência, para a produção dos produtos e dos serviços conformes com a norma LTE, é indispensável uma licença da patente controvertida. No entanto, ao contrário do que sucedeu nesses processos relativos à recusa em conceder licenças de utilização de direitos de propriedade intelectual, a Huawei notificou (46) a patente controvertida ao ETSI e comprometeu‑se voluntariamente a conceder a terceiros licenças para esta patente em condições FRAND, o que, à primeira vista, não pode ser equiparado a uma recusa, como as citadas na jurisprudência referida na nota de pé de página n.° 44 das presentes conclusões. Consequentemente, esta jurisprudência só é parcialmente aplicável ao processo principal, no qual tudo dependerá da questão de saber de que forma a Huawei respeitou o seu compromisso assumido com o ETSI em conceder em condições FRAND licenças relativas à patente controvertida.

71.      A este respeito, saliento que a notificação, feita pela Huawei, desta patente ao ETSI e o respetivo compromisso assumido influenciaram o desenrolar do processo de normalização e as próprias especificações técnicas da norma LTE (47). Com efeito, a incorporação das especificações técnicas da patente controvertida na norma LTE e a natureza indispensável de uma licença daí decorrente criam uma relação de dependência entre o titular de uma PEN e as empresas que produzem produtos e serviços conformes com essa norma. Esta dependência de cariz tecnológico conduz a uma dependência económica.

72.      No n.° 9 do acórdão Volvo (EU:C:1988:477) o Tribunal de Justiça declarou que «o exercício do direito exclusivo pelo titular de um modelo industrial relativo a painéis de carroçaria de veículos automóveis pode ser proibido pelo artigo [102.° TFUE] se der origem, por parte de uma empresa em posição dominante, a certos comportamentos abusivos, tais como a recusa arbitrária de fornecer peças sobresselentes a [oficinas] independentes, a fixação dos preços das peças sobresselentes a um nível não equitativo, ou a decisão de deixar de produzir peças sobresselentes para um determinado modelo, apesar de muitos veículos desse modelo ainda continuarem a circular, desde que esses comportamentos possam afetar o comércio entre Estados‑Membros».

73.      Considero que os indícios fornecidos pelo Tribunal de Justiça neste último acórdão sobre os comportamentos suscetíveis de constituir abusos de posição dominante se caracterizam, por um lado, por uma relação de dependência entre o titular de propriedade intelectual em posição dominante e outras empresas e, por outro, pela exploração abusiva dessa posição por esse titular através de meios diferentes daqueles que regem uma concorrência normal (48).

74.      Nestas circunstâncias, que se caracterizam, por um lado, pela dependência tecnológica do infrator da patente na sequência da incorporação numa norma das especificações técnicas de uma patente e, por outro, por comportamentos desleais ou não razoáveis (49) do titular da PEN, que contradizem o seu compromisso em atribuir licenças em condições FRAND, perante um infrator da patente que se mostrou objetivamente preparado, desejoso e apto para obter essa licença, a propositura de uma ação inibitória constitui um recurso a meios que são diferentes daqueles que regem uma concorrência normal, violando as regras da concorrência (50) em detrimento, em especial, dos consumidores e das empresas que investiram na preparação, na adoção e na aplicação da norma (51) e deve ser considerada um abuso de posição dominante na aceção do artigo 102.° TFUE.

75.      É manifesto que tal constatação de um abuso de posição dominante no contexto da normalização e do compromisso em conceder licenças para uma PEN em condições FRAND só pode ser feita após um exame não apenas do comportamento do titular da PEN, mas também do comportamento do infrator da patente.

E –    Aplicação ao caso em apreço

1.      Quanto à primeira questão

76.      Embora o Tribunal de Justiça não tenha competência, por força do artigo 267.° TFUE, para aplicar o artigo 102.° TFUE ao presente caso, pode, no âmbito da cooperação judiciária prevista nesse artigo, a partir dos elementos do processo, fornecer ao juiz de reenvio os elementos de interpretação do artigo 102.° TFUE que poderão ser úteis para os confrontar com os factos concretos sobre os quais foi chamado a pronunciar‑se (52).

77.      É evidente que a exploração sem licença de uma patente lesa, em princípio, a propriedade intelectual do seu titular e que este dispõe de diversos mecanismos ao abrigo da Diretiva 2004/48 para garantir o respeito pelos seus direitos, entre os quais a ação inibitória. Nesse caso, é antes de começar a cometer uma infração que o infrator da patente deve dar início a negociações com o titular de uma patente com vista à celebração de um contrato de licença.

78.      O processo principal distingue‑se do que anteriormente se afirmou na medida em que o titular se comprometeu, perante um organismo de normalização (do qual é membro, tal como o presumido infrator da patente), a conceder a terceiros uma licença em condições FRAND.

79.      Parecem‑me ser as seguintes as orientações aplicáveis a casos semelhantes.

80.      Na medida em que o infrator da patente esteja e permaneça «apto» para celebrar um contrato de licença e a respeitar uma licença em condições FRAND e, nomeadamente, a pagar uma taxa de licença adequada, o titular da PEN deve, atendendo à importância daquilo que está em causa, encetar determinadas medidas concretas antes de intentar uma ação inibitória, de forma a respeitar o seu compromisso e a honrar a sua responsabilidade específica nos termos do artigo 102.° TFUE.

81.      Isto é ainda mais indispensável quando não seja certo que o infrator da patente de uma PEN sabe necessariamente que está a explorar as especificações técnicas de uma patente que é simultaneamente válida e essencial para uma norma. Relativamente à norma LTE, aparentemente, terão sido notificadas ao ETSI como essenciais mais de 4 700 patentes e, numa proporção importante, estas patentes poderão não ser válidas nem essenciais para a norma (53).

82.      É, assim, possível que mesmo uma grande empresa de telecomunicações como a ZTE não tenha podido verificar previamente a natureza essencial e a validade de todas as patentes relativas à norma LTE que foram notificadas ao ETSI. Há que tomar também em consideração que o setor das telecomunicações está em constante evolução e que as empresas (e assim os potenciais infratores à patente) devem reagir com celeridade para comercializarem os seus produtos e serviços. Em meu entendimento, é razoável que as licenças de uma PEN em condições FRAND sejam negociadas e obtidas ex post, ou seja, após o início da exploração das especificações técnicas dessa patente.

83.      Partindo desta base, quais são as iniciativas concretas que o titular de uma PEN deve levar a cabo antes de intentar uma ação inibitória (54), sob pena de abusar da sua posição dominante?

84.      Por um lado, exceto se estiver provado que o alegado infrator da patente dela tem plena informação, deve este último ser advertido, por escrito e com a fundamentação da infração em causa com a indicação de qual é a PEN relevante e de que forma esta está a ser lesada pelo infrator da patente. Tal iniciativa não lhe impõe um encargo desproporcionado, uma vez que, em todo o caso, é necessária para fundamentar uma ação inibitória.

85.      Por outro lado, deve em todo o caso ser apresentada ao alegado infrator da patente uma proposta escrita de licença em condições FRAND que deverá conter todas as condições habitualmente constantes de uma licença no ramo de atividade em causa, em especial, o montante exato da taxa de licença e o respetivo método de cálculo.

86.      Semelhante exigência também não é desproporcionada porque o titular de uma PEN se comprometeu voluntariamente a rentabilizar a sua propriedade intelectual desta maneira, limitando assim voluntariamente a forma de exercer o seu direito exclusivo. É inclusivamente razoável que prepare e redija essa proposta logo a partir do momento em que obtém a sua patente e em que se compromete a conceder licenças em condições FRAND. Além disso, atendendo a que esse compromisso do titular de uma PEN inclui uma obrigação de não discriminação entre os titulares de licenças, o titular de uma PEN é o único a dispor da informação necessária para garantir o respeito desta obrigação, sobretudo quando já tenha celebrado contratos relativos a outras licenças.

87.      Depois de levadas a cabo estas iniciativas, quais são as obrigações do alegado infrator da patente?

88.      Deve reagir à proposta do titular da PEN de forma diligente e séria. Se não a aceitar, deve num curto prazo apresentar ao titular de uma PEN uma contraproposta escrita razoável relativamente às cláusulas com as quais não concorda. Como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, a propositura de uma ação inibitória não constitui um abuso de posição dominante se o comportamento do infrator da patente tiver sido puramente tático e/ou dilatório e /ou não sério.

89.      O prazo para a troca de propostas e de contrapropostas bem como para a duração das negociações (55) deve ser avaliado atendendo à «janela de oportunidade comercial» de que o titular de uma PEN dispõe para rentabilizar a sua patente no setor em causa.

90.      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se e em que medida os comportamentos da Huawei e da ZTE se inscrevem nas orientações precedentes. Acrescento alguns comentários, salientando que da decisão de reenvio não decorre claramente o desenrolar nem o teor exato dos contactos mantidos entre a Huawei e a ZTE. Além disso, nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, a Huawei (56) e a ZTE (57) apresentaram descrições muito divergentes, ou mesmo contraditórias.

91.      Em todo o caso, resulta da decisão de reenvio que, por ocasião das suas discussões com a ZTE entre novembro de 2010 e o final de março de 2011 (58), a Huawei indicou o montante que considerava razoável a título de taxa de licença. Cabe ao juiz de reenvio apreciar o teor desta «proposta»(59) da Huawei e aferir se corresponde às condições e às hipóteses apresentadas nos n.os 84 e 85 das presentes conclusões.

92.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se, partindo do montante da taxa de licença proposto pela Huawei e da resposta da ZTE, existia realmente uma possibilidade de negociar as condições FRAND. A este respeito, considero que o órgão jurisdicional de reenvio deve avaliar se, no presente caso, a proposta da ZTE de uma concessão recíproca de licenças (60) e o pagamento de uma taxa de licença de 50 euros eram adequados e se correspondiam às condições e às hipóteses expostas no n.° 88 das presentes conclusões.

93.      Por outro lado, se não tiver sido dado início às negociações ou se estas não forem bem sucedidas, o comportamento do alegado infrator da patente não pode ser considerado dilatório ou não sério se este requerer que essas condições sejam fixadas por via jurisdicional ou por um tribunal arbitral. Nesse caso, é legítimo que o titular de uma PEN exija que o infrator da patente preste uma garantia bancária para o pagamento das taxas de licença (61), ou deposite um montante provisório (62) junto do órgão jurisdicional ou no tribunal arbitral a título da exploração passada e futura da PEN.

94.      Sucederia o mesmo se, no decurso das negociações, o infrator da patente se reservasse o direito, depois de obter uma licença, de contestar perante um órgão jurisdicional ou um tribunal arbitral, por um lado, a validade dessa patente e, por outro, a natureza irregular, ou inclusivamente a própria existência do uso que fazia ou faria das especificações técnicas da patente.

95.      Com efeito, no que respeita à validade da PEN, considero, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, da Huawei, da ZTE e da Comissão, que é de interesse público que um alegado infrator da patente tenha possibilidade de contestar a validade de uma PEN depois de obter uma licença (o que fez a ZTE). Como a Comissão salientou, a incorreta emissão de uma patente pode constituir um obstáculo ao exercício legítimo de uma atividade económica. Além disso, se as empresas, que fabricam produtos e serviços em conformidade com uma norma, não puderem pôr em causa a validade de uma patente declarada essencial para aquela, poderia de facto revelar‑se impossível fiscalizar a validade dessa patente uma vez que as demais empresas não teriam interesse em agir a este respeito(63).

96.      Quanto ao uso das especificações técnicas de uma patente, as empresas que aplicam uma norma não devem, evidentemente, pagar a propriedade intelectual que não exploram (64). Daqui decorre que o alegado infrator da patente pode a posteriori pôr em causa a utilização que faz do uso das especificações técnicas de uma patente e a natureza essencial de uma patente relativamente à norma em causa.

97.      Atendendo às minhas respostas dadas à primeira questão, considero que não é necessário responder às segunda e terceira questões.

2.      Quanto à quarta questão

98.      A quarta questão assenta na premissa, que decorre do acórdão Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof, segundo a qual o infrator da patente deve, ainda antes da celebração de um contrato de licença, respeitar as obrigações que lhe incumbirão por força do futuro contrato. Considero que tal exigência não deve ser imposta no caso da exploração de uma PEN quando o titular da patente se tenha comprometido a conceder licenças em condições FRAND. Todavia, conforme decorre da minha resposta à primeira questão, o infrator da patente deve mostrar‑se objetivamente preparado, desejoso e apto para celebrar esse contrato de licença. Nestas circunstâncias, o titular de uma PEN pode exigir que seja prestada uma garantia bancária para o futuro pagamento das taxas de licença ou que seja depositado um montante provisório a título da exploração passada e futura da sua patente.

3.      Quanto à quinta questão

99.      Com esta pergunta, o órgão jurisdicional de reenvio interpela o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se o titular de uma PEN abusa de uma posição dominante quando alega judicialmente outros direitos inerentes a título da infração à patente, tais como a prestação de contas, a retirada dos produtos e uma indemnização.

100. Uma vez que as medidas corretivas previstas no artigo 10.° da Diretiva 2004/48 (65) podem consistir em excluir dos mercados abrangidos pela norma os produtos e serviços de um infrator da patente de uma PEN, as considerações acima efetuadas nos n.os 77 a 89 e 93 a 96 relativas à ação inibitória aplicam‑se mutatis mutandis às medidas corretivas previstas no artigo 10.° desta mesma diretiva.

101. Em contrapartida, não vejo nenhum obstáculo, ao abrigo do artigo 102.° TFUE, à propositura de uma ação judicial com vista à prestação de contas para verificar a utilização feita pelo infrator da patente das especificações técnicas de uma PEN, de modo a obter uma taxa de licença FRAND a título desta patente. Cabe ao órgão jurisdicional em causa zelar para que a medida seja razoável e proporcionada.

102. Por fim, considero que um pedido de indemnização por atos de exploração passados que violam uma PEN não cria nenhum obstáculo relativamente à aplicação do artigo 102.° TFUE. Atendendo a que tal pedido visa unicamente indemnizar o titular de uma PEN pelas infrações anteriores à sua patente, não conduz, como a Comissão salientou, «nem à exclusão de produtos conformes com uma norma do mercado, nem à aceitação por parte de um potencial titular de licença de condições de licença desfavoráveis para a posterior exploração de uma PEN».

VI – Conclusão

103. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pelo Landgericht Düsseldorf:

1)         A apresentação de um pedido de medidas corretivas ou a propositura de uma ação inibitória contra um infrator da patente por parte do titular de uma patente essencial a uma norma, que assumiu perante um organismo de normalização o compromisso de conceder a terceiros uma licença em condições FRAND (Fair, Reasonable and Non‑Discriminatory), ou seja, em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias, nos termos, respetivamente, do artigo 10.° e do artigo 11.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, que podem conduzir à exclusão de produtos e serviços do infrator a uma patente essencial a uma norma dos mercados abrangidos pela norma, constitui um abuso da sua posição dominante nos termos do artigo 102.° TFUE se for demonstrado que o titular de uma patente essencial a uma norma não respeitou o seu compromisso embora o infrator da patente tenha demonstrado estar objetivamente preparado, desejoso e apto para celebrar um contrato para obtenção de tal licença.

2)         A observância desse compromisso implica que, antes de apresentar um pedido de medidas corretivas ou de intentar uma ação inibitória e sob pena de abusar da sua posição dominante, o titular de uma patente essencial a uma norma deve, exceto quando estiver provado que o alegado infrator da patente dela tem plena informação, advertir este último, por escrito e com a fundamentação da infração em causa com a indicação de qual é a patente essencial a uma norma relevante e de que forma esta está a ser lesada pelo infrator da patente. O titular de uma patente essencial a uma norma deve, em todo o caso, transmitir ao alegado infrator da patente uma proposta escrita de licença em condições FRAND que deverá conter todas as condições habitualmente constantes de uma licença no ramo de atividade em causa, em especial, o montante exato da taxa de licença e o respetivo método de cálculo.

3)         O infrator da patente deve reagir a esta proposta de forma diligente e séria. Se não aceitar a proposta do titular de uma patente essencial a uma norma, deve num curto prazo apresentar a este último uma contraproposta escrita razoável relativamente às cláusulas com as quais não concorda. A apresentação de um pedido de medidas corretivas ou a propositura de uma ação inibitória não constitui um abuso de posição dominante se o comportamento do infrator da patente for puramente tático e/ou dilatório e/ou não sério.

4)         Se não tiver sido dado início às negociações ou se estas não forem bem sucedidas, o comportamento do alegado infrator da patente não pode ser considerado dilatório ou não sério se este requerer que sejam fixadas condições FRAND por via jurisdicional ou por um tribunal arbitral. Nesse caso, é legítimo que o titular de uma patente essencial a uma norma exija que o infrator da patente preste uma garantia bancária para o pagamento das taxas de licença ou deposite um montante provisório junto do órgão jurisdicional ou no tribunal arbitral a título da exploração passada e futura da sua patente.

5)         O comportamento de um infrator da patente também não pode ser considerado dilatório ou não sério no decurso das negociações de uma licença em condições FRAND se aquele se reservar o direito, depois de obter aquela licença, de contestar perante um órgão jurisdicional ou perante um tribunal arbitral a validade dessa patente, a utilização que fez das especificações técnicas de uma patente e a natureza essencial de uma patente relativamente à norma em causa.

6)         A propositura de uma ação judicial para a prestação de contas por parte do titular de uma patente essencial a uma norma não constitui um abuso de posição dominante. Cabe ao órgão jurisdicional em causa zelar para que a medida seja razoável e proporcionada.

7)         A apresentação de um pedido de indemnização por parte do titular de uma patente essencial a uma norma relativamente a atos de exploração passados que tem por único objetivo indemnizá‑lo pelas infrações anteriores à sua patente não constitui um abuso de posição dominante.


1 —      Língua original: francês.


2 —      Nos termos do artigo 2.° do Regulamento (UE) n.° 1025/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à normalização europeia, que altera as Diretivas 89/686/CEE e 93/15/CEE do Conselho e as Diretivas 94/9/CE, 94/25/CE, 95/16/CE, 97/23/CE, 98/34/CE, 2004/22/CE, 2007/23/CE, 2009/23/CE e 2009/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Decisão 87/95/CEE do Conselho e a Decisão n.° 1673/2006/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 316, p. 12), entende‑se por «norma» «uma especificação técnica, aprovada por um organismo de normalização reconhecido, para aplicação repetida ou continuada, cuja observância não é obrigatória […]». Um dos objetivos primordiais da normalização consiste em permitir que seja feita uma aplicação da norma que seja o mais abrangente possível. Todavia, essa possibilidade pode ter como obstáculo os direitos exclusivos dos titulares de propriedade intelectual.


3 —      O ETSI é uma das organizações europeias de normalização constantes do Anexo I do Regulamento n.° 1025/2012, do qual a Huawei e a ZTE são partes. Um dos textos que vinculam os membros intitula‑se «Politique de l’ETSI sur la proprieté intelectuelle» (Política do ETSI relativa à propriedade intelectual), estabelecendo o artigo 14.° a sua obrigatoriedade para os membros do ETSI e definindo o artigo 15.°, n.° 6, a natureza «essencial» de uma patente. A política do ETSI relativa à propriedade intelectual consta do anexo 6 das Regras de Procedimento do ETSI. V., igualmente, n.° 24 das presentes conclusões.


4 —      V. ponto 6, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual. V., igualmente, n.° 23 das presentes conclusões.


5 —      V. n.° 27 das presentes conclusões.


6 —      JO L 157, p. 45.


7 —      V. ponto 6, n.° 3, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual. O procedimento de aprovação de uma norma do ETSI varia consoante o tipo de normas em questão e é fixado pelas orientações do ETSI. A este respeito, saliento que o ETSI aprova, nomeadamente, as European Standards (EN) (as normas europeias), as ETSI Standards (ES) (as normas do ETSI) e as ETSI Technical Specifications (TS) (as especificações técnicas do ETSI), cujo procedimento de aprovação varia consideravelmente.


8 —      V. ponto 8 da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual.


9 —      Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Guia do ETSI relativo à propriedade intelectual de 19 de setembro de 2013 (a seguir «guia»), as condições específicas de concessão de licenças e as respetivas negociações constituem questões comerciais entre as empresas. Daqui resulta que o ETSI não tem como função regulá‑las. Ao contrário do que sucede com a Política do ETSI relativa à propriedade intelectual que vincula os membros do ETSI, o guia é meramente explicativo.


10 —      Com efeito, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, do guia, os membros do ETSI devem esforçar‑se no sentido de solucionar todos os litígios relativos à aplicação da política relativa à propriedade intelectual numa base bilateral e amigável. Nos termos do artigo 4.°, n.° 4, do guia, os membros do ETSI devem desenvolver um processo de negociações imparcial e sincero no sentido de celebrar contratos de licenças em condições FRAND relativamente aos seus direitos de propriedade intelectual.


11 —      Em alemão «unstreitig gegebenen marktbeherrschenden Stellung».


12 —      O raciocínio do Bundesgerichtshof assenta no artigo 82.° CE (atual artigo 102.° TFUE), no § 20, n.° 1, da Lei alemã contra as limitações à concorrência (Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen) e no § 242 do Código Civil alemão conforme foi publicado em 2 de janeiro de 2002 (BGBl. I, p. 42, 2909; 2003 I, p. 738) e alterado pelo § 4 da Lei de 26 de junho de 2013 (BGBl. I, p. 1805). Esta última disposição, intitulada «Execução de boa fé», dispõe que «[a]o fornecer a prestação, o devedor deve atuar de boa fé tendo em atenção os usos aceites na vida comercial».


13 —      V. comunicado de imprensa IP/12/1448 da Comissão, de 21 de dezembro, e o memorando 12/1021 da Comissão do mesmo dia (a seguir «comunicado de imprensa»). Por decisão de 29 abril 2014, a Comissão adotou uma decisão ao abrigo do artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 dezembro 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE e 102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), relativamente à Samsung Electronics e o. (a seguir «Samsung») na sequência dos compromissos apresentados por estas. Esta disposição, intitulada «Compromissos», prevê no seu n.° 1 que «[q]uando a Comissão tencione aprovar uma decisão que exija a cessação de uma infração e as empresas em causa assumirem compromissos suscetíveis de dar resposta às objeções expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios para as empresas. […]». Por decisão de 29 de abril de 2014, a Comissão adotou uma decisão ao abrigo do artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003 contra a Motorola Mobility LLC (a seguir «Motorola») constatando, nomeadamente, uma violação do artigo 102.° TFUE na sequência da propositura por parte da Motorola de uma ação inibitória num órgão jurisdicional alemão contra a Apple Inc. e o. (a seguir «Apple»), a respeito de uma PEN relativamente à qual a Motorola tinha assumido o compromisso de conceder licenças em condições FRAND (processo AT.39985).


14 —      Segundo a Comissão, «[u]m hold‑up é qualificado quando um grande número de PEN, que abrangem diversas normas, são aplicadas num único produto. Em semelhante cenário, o número de potenciais licenciadores pode conduzir a que os pagamentos totais de taxas de licença aos titulares de PEN se tornem excessivos. Este fenómeno é designado de ‘royalty stacking’».


15 —      Uma norma de facto é uma especificação reconhecida no mercado, habitualmente na sequência da aceitação amplamente disseminada dessa especificação. V., neste sentido, artigo 1.°, n.° 2, do Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre «A Normalização e a Sociedade Global da Informação: A Abordagem Europeia» [COM(1996) 359 final].


16 —      Expressa oralmente, ou mesmo por escrito.


17 —      O comunicado de imprensa, que tem apenas algumas páginas, não tem valor jurídico. Não vincula a Comissão e não constitui uma decisão antecipada sobre o procedimento ao qual se refere. Tem por único objetivo informar o público da abertura de um processo contra a Samsung Electronics e o. ao abrigo do Regulamento n.° 1/2003. Acresce que é claro, nomeadamente atendendo às observações da Comissão no presente processo que são bem mais detalhadas, que a própria Comissão considera que devem ser impostas exigências bem mais significativas ao infrator à patente.


18 —      Tal como o órgão jurisdicional de reenvio salientou, «[u]ma tal declaração pode ser formulada muito facilmente e de forma pouco restritiva, uma vez que pode ser alterada, revogada e, se for esse o caso, renovada a todo o momento. Por outro lado, tal declaração não menciona nenhuma condição específica, embora seja necessário conhecer as condições da licença para determinar se estas são equitativas, razoáveis e não discriminatórias. É possível duvidar da respetiva seriedade inclusivamente nos casos em que uma declaração menciona condições de licença concretas. Com efeito, o infrator à patente pode alterar ou revogar estas condições a todo o momento ou propor condições que à primeira vista não são razoáveis».


19 —      Conforme a ZTE salientou nas suas observações, se nos basearmos apenas na mera «disponibilidade para negociar» do presumido infrator à patente, isso resultará na formação de preços claramente inferiores ao valor económico da PEN. Se, pelo contrário, nos basearmos na jurisprudência Orange‑Book‑Standard do Bundesgerichtshof, seremos confrontados com o problema inverso, no sentido de que seriam impostas taxas de licença muito elevadas (sem que o sejam ao ponto de constituir uma recusa em negociar, em violação do artigo 102.° TFUE).


20 —      Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional de reenvio expõe que a Huawei detém «incontestavelmente» uma posição dominante, sem mais explicações ou precisões relativamente a esta constatação.


21 —      É jurisprudência constante que a delimitação do mercado em causa reveste uma importância essencial para a apreciação da posição dominante. V. acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, EU:C:1973:22, n.° 32).


22 —      V. acórdãos United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, EU:C:1978:22, n.os 65 e 66); Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36, n.os 38 e 39), bem como, mais recentemente, AstraZeneca/Comissão (C‑457/10 P, EU:C:2012:770, n.° 175) que definem uma posição dominante como «uma posição de poder económico detida por uma empresa, que lhe permite obstar à manutenção de uma concorrência efetiva no mercado em causa, oferecendo‑lhe a possibilidade de se comportar de maneira independente, numa medida apreciável, em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por último, aos consumidores».


23 —      Segundo a Huawei, as PEN conferem ao seu titular a chave que permite aceder à utilização da tecnologia que está na origem da norma, sendo a utilização destas patentes, por definição, incontornável. A Huawei considera que os titulares de PEN podem assim controlar, em princípio, o acesso à utilização da norma. A Huawei salienta que, não obstante, não decorre daí necessariamente uma posição dominante, em especial quando o mercado em causa inclua produtos que não utilizam uma norma ou que recorrem a normas concorrentes. Em sua opinião, os utilizadores da norma que dispõem, eles próprios, de PEN podem também extrair destas patentes um certo contrapoder. Considera que este pode, assim, relativizar, em determinadas circunstâncias, a posição do titular da PEN no mercado ao ponto de lhe retirar a sua natureza dominante.


24 —      Segundo a ZTE, o âmbito de proteção de uma PEN abrange uma configuração de produtos cuja utilização está necessariamente prevista na norma, pelo que qualquer produto compatível com a norma viola necessariamente a patente. Considera que, uma vez que não são pedidos os produtos que são incompatíveis com a norma, a PEN confere ao seu titular o poder jurídico de decidir da entrada e da permanência dos operadores no mercado. Por outro lado, segundo a ZTE, uma PEN confere ao seu titular uma posição dominante sobre os mercados de serviços a jusante. A ZTE considera, igualmente, que na medida em que se determina para cada PEN um mercado específico de tecnologias ou de licenças, o titular de uma (primeira) patente essencial a uma norma encontra‑se numa situação de monopólio e, consequentemente, numa posição dominante no mercado. Segundo a ZTE «mesmo na hipótese de um mercado global que abranja todas as patentes essenciais a uma norma, observa‑se uma situação de posição dominante no mercado».


25 —      V. acórdão Hochtief e Linde‑Kca‑Dresden (C‑138/08, EU:C:2009:627, n.° 22 e jurisprudência referida).


26 —      No n.° 186 do acórdão AstraZeneca/Comissão (EU:C:2012:770), o Tribunal de Justiça decidiu que «embora não se possa considerar que a mera detenção de direitos de propriedade intelectual confere essa posição, a mesma é, no entanto, suscetível de, em determinadas circunstâncias, criar uma posição dominante, nomeadamente, conferindo à empresa a possibilidade de se opor à existência de uma concorrência efetiva no mercado».


27 —      A Comissão afirma nas suas Orientações sobre a aplicação do artigo 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia aos acordos de cooperação horizontal (JO C 11, p. 1, n.° 269), que «mesmo que a fixação de uma norma possa criar ou reforçar o poder de mercado dos titulares de [direitos de propriedade intelectual] essenciais para a norma, não existe uma presunção de que a detenção ou o exercício de [direitos de propriedade intelectual] essenciais para a norma é equivalente à detenção ou exercício de poder de mercado. A questão do poder de mercado apenas pode ser apreciada numa base casuística».


28 —      Recordo que a detenção de uma posição dominante não é em si mesma proibida pelo artigo 102.° TFUE. V. acórdãos Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/ Comissão (322/81, EU:C:1983:313, n.° 57) e Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 21 a 23).


29 —      V., por analogia, acórdão UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.os 47 e 48). Nos termos do artigo 11.° da Diretiva 2004/48, os Estados‑Membros são obrigados a prever que os seus órgãos jurisdicionais nacionais possam adotar medidas inibitórias por meio das quais seja objeto de uma ação judicial uma violação de um direito de propriedade intelectual que tenha sido declarada por uma decisão judicial. V., igualmente, o artigo 9.° desta diretiva relativo às medidas provisórias e cautelares. O fabrico e a comercialização de produtos e de serviços em conformidade com uma norma que violem os direitos exclusivos do titular de uma PEN serão proibidos na sequência da adoção de uma medida inibitória. A ação para a abstenção da prática de um ato constitui, consequentemente, uma ação muito poderosa uma vez que a aplicação de uma medida inibitória relativamente à infração a uma PEN implica a exclusão dos produtos e dos serviços do infrator a esta patente dos mercados abrangidos pela norma. Saliento, igualmente, que a própria ameaça de intentar uma ação para a abstenção da prática de um ato pode alterar o decurso das negociações das licenças e conduzir a condições de licença que não sejam FRAND. Em minha opinião, estas considerações aplicam‑se mutatis mutandis às medidas corretivas previstas no artigo 10.° da Diretiva 2004/48.


30 —      O mercado interno, conforme definido no artigo 3.° TUE, constitui um dos objetivos principais da União e compreende um sistema que garante que a concorrência não seja falseada. V. Protocolo (n.° 27) relativo ao mercado interno e à concorrência, anexo aos tratados UE e FUE.


31 —      Conforme a Comissão salientou nas suas observações.


32 —      V., por analogia, acórdãos Volvo (238/87, EU:C:1988:477, n.° 8); RTE e ITP/Comissão (C‑241/91 P e C‑242/91 P, EU:C:1995:98, n.° 33), e IMS Health (C‑418/01, EU:C:2004:257, n.° 34).


33 —      Segundo jurisprudência constante, o objetivo essencial de uma patente consiste em assegurar ao titular, para compensar o esforço criativo do inventor, o direito exclusivo de utilizar uma invenção tendo em vista o fabrico e a comercialização de produtos industriais, quer diretamente, quer através da concessão de licenças a terceiros, bem como o direito de se opor a qualquer violação ao referido direito (V. acórdãos Centrafarm e de Peijper (15/74, EU:C:1974:114, n.° 9) e Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 107).


34 —      Esta possibilidade constitui igualmente uma medida preventiva geral, uma vez que desencoraja a infração à patente.


35 —      V., por analogia, n.° 105 das conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Masterfoods e HB (C‑344/98, EU:C:2000:249), no qual este último indica que, «[n]ão contestamos que os artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] ocupam um lugar importante na economia da ordem jurídica comunitária e servem o interesse público que consiste em assegurar uma concorrência não falseada […]. Consequentemente, é perfeitamente compreensível que o direito de propriedade seja submetido a restrições por força dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE], na medida em que sejam necessárias para salvaguardar a concorrência.»


36 —      V., também, artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2004/48 que prevê que «[a]s medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos». A Diretiva 2004/48 não define o conceito de «abusos». Considero, no entanto, que este conceito abrange necessariamente, mas não apenas, as violações dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE. V., igualmente, artigo 8.°, n.° 2, do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) que dispõe que «[P]oderá ser necessário adotar medidas adequadas, desde que compatíveis com o disposto no presente acordo, a fim de impedir a utilização abusiva de direitos de propriedade intelectual por parte dos titulares de direitos ou o recurso a práticas que restrinjam de forma não razoável o comércio ou que prejudiquem a transferência internacional de tecnologia».


37 —      V., por analogia, Regulamento (UE) n.° 1257/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 dezembro de 2012, que regulamenta a cooperação reforçada no domínio da criação da proteção unitária de patentes (JO L 361, p. 1), cujo artigo 8.°, intitulado «Licenças» prevê:


      «1. Os titulares de patentes europeias com efeito unitário podem apresentar uma declaração escrita ao IEP indicando que estão dispostos a autorizar qualquer interessado a utilizar a invenção sob licença em contrapartida de um benefício adequado.


      2. As licenças obtidas ao abrigo do presente regulamento devem ser consideradas como licenças contratuais».


      V., igualmente, § 23 da Lei alemã relativa às patentes (Patentgesetz), e a section 46 da Lei do Reino Unido de 1977 relativa às patentes (UK Patent Act 1977).


38 —      V., por exemplo, § 24 da referida Lei relativa às patentes.


39 —      V., neste sentido, acórdão Allen & Hanburys (434/85, EU:C:1988:109, n.° 4) que explica o alcance da section 46 da Lei do Reino Unido de 1977 relativa às das patentes.


40 —      Saliento, igualmente, que as regras processuais de cada Estado‑Membro delimitam o direito de acesso aos tribunais. Basta pensar nas regras relativas aos prazos para a propositura de ações e a interposição de recursos (regras de caducidade), nas regras relativas ao interesse em agir (locus standi) e nas regras relativas a recorrentes com intenções vexatórias.


41 —      O artigo 52.°, n.° 1, da Carta aplica‑se igualmente à propriedade intelectual, cuja proteção é reconhecida pelo seu artigo 17.°, n.° 2. V., por analogia, acórdão Hauer (44/79, EU:C:1979:290, n.os 17 a 30).


42 —      V. artigo 1.° da Carta.


43 —      Acórdão AstraZeneca/Comissão (EU:C:2012:770, n.° 74 e jurisprudência referida).


44 —      Acórdãos RTE e ITP/Comissão (EU:C:1995:98, n.os 50, 53 a 56) (recusa em atribuir uma licença em matéria de direitos de autor), bem como IMS Health (EU:C:2004:257, n.os 35 e 36) (recusa em conceder uma licença de utilização de uma estrutura modular protegida por um direito de propriedade intelectual). V., também, acórdão Bronner (C‑7/97, EU:C:1998:569, n.os 39 e 40) (recusa de uma empresa de imprensa escrita em incluir a distribuição de um jornal diário concorrente no seu próprio sistema de distribuição domiciliária de jornais).


45 —      Acórdão IMS Health (EU:C:2004:257, n.° 38).


46 —      V. ponto 4, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual.


47 —      V., nomeadamente, pontos 3, 4, 6 e 8 da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual.


48 —      V., igualmente, acórdão United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (EU:C:1978:22, n.os 182 e 183).


49 —      Importa sublinhar que se o comportamento do titular da PEN for objetivamente justificado, não pode ser considerado desleal ou não razoável. A este respeito, saliento que se o titular de uma PEN não recebe uma taxa de licença equitativa na sequência do compromisso que assume em conceder licenças em condições FRAND, a sua capacidade de rentabilizar os seus investimentos e o seu incentivo para investir noutras tecnologias ficam reduzidos, bem como a sua disponibilidade para conceder licenças de uma PEN em condições FRAND e para participar no processo de normalização.


50 —      Estes comportamentos são aptos para reduzir o investimento nas tecnologias relacionadas com a norma LTE e a disponibilidade dos produtos e serviços que sejam conformes com esta norma. Com efeito, não estando disponíveis licenças de uma PEN em condições FRAND, as empresas ficariam reticentes em aplicar esta norma, o que desvalorizaria o processo de normalização. Acresce que, quando a propositura das ações inibitórias por parte do titular de uma PEN é utilizada como um meio de pressão para aumentar as taxas de licença, contrariamente ao compromisso FRAND, os preços dos produtos e dos serviços conformes com a norma LTE são indiretamente afetados de forma iníqua, em detrimento dos consumidores destes produtos e serviços.


51 —      V. ponto 3, n.° 1, da Política do ETSI relativa à propriedade intelectual.


52 —      V., neste sentido, acórdão Ioannis Katsivardas — Nikolaos Tsitsikas (C‑160/09, EU:C:2010:293, n.° 24).


53 —      A própria Huawei indica que «o utilizador de uma patente essencial deve atuar dentro de prazos razoáveis quando apresenta uma proposta de licença FRAND ou quando assume o compromisso de aceitar a determinação das condições por um juiz ou por um árbitro. Há quem defenda inclusivamente que antes de começar a utilizar a norma, o utilizador daquela patente deve apresentar uma proposta de licença FRAND, por sua própria iniciativa. Contudo, tal parece ser irrealista no âmbito da indústria das telecomunicações, devido ao grande número de patentes essenciais e de titulares dessas patentes, e à incerteza quanto à validade e à violação de (alegadas) patentes essenciais. Da mesma forma, não é realista exigir que um utilizador de uma norma dê início a negociações tendo em vista uma licença para todas as patentes declaradas essenciais antes de qualquer utilização. Não podemos esperar que o utilizador de uma norma na indústria das telecomunicações (sendo que isto, desde logo, é incomum neste setor) avalie cada patente que é declarada como sendo essencial, desenvolva negociações tendo em vista uma licença para esta patente, e emita uma declaração juridicamente vinculativa para cada patente essencial e junto de cada titular dessa de patente antes de começar a utilizar essa norma. Isso representaria um encargo administrativo e financeiro muito pesado e um enorme investimento de tempo, pelo que a utilização da norma seria praticamente impossível.»


54 —      A primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio versa especificamente sobre a ação de inibição.


55 —      Que devem ser desenvolvidas (e concluídas) com celeridade, na medida em que o infrator está a explorar (sem pagar) as especificações técnicas de uma PEN.


56 —      A Huawei alega que informou a ZTE em novembro de 2010 de que «estava a utilizar diversas patentes LTE de que a Huawei era titular e propôs a celebração de um contrato de licença em condições [FRAND]. A ZTE respondeu que a própria Huawei estava a agir em violação das suas próprias patentes e exigiu a celebração de um contrato de concessão recíproca de licenças, sem taxa de licença. Na verdade, porém, a ZTE não dispunha, no domínio técnico em causa, de nenhuma patente validamente emitida que pudesse interessar a Huawei. […] Em dezembro de 2010, a Huawei pôs à disposição da ZTE […] uma lista das suas próprias patentes mais relevantes e propôs conceder uma licença relativa a este portfolio de patentes. A ZTE acabou por apresentar mais tarde do que o que fora acordado, uma lista das suas próprias patentes, alegadamente em causa. No decurso de várias conversações entre as partes, a ZTE expôs a sua posição de princípio, segundo a qual apenas uma concessão recíproca de licenças sem custos seria aceitável. […] Em março de 2011, a Huawei apresentou à ZTE outra proposta de licença. Esta proposta foi, também ela, recusada pela ZTE, que manteve a sua posição. A ZTE não apresentou nenhuma contraproposta com vista à celebração de um contrato de licença em condições equitativas, razoáveis e não discriminatórias, no que respeita quer a uma, quer a outra, das patentes da Huawei. […] Em abril de 2011, após cinco meses de discussões infrutíferas, a Huawei a decidiu recorrer aos órgãos jurisdicionais.»


57 —      Segundo a ZTE, «entre novembro de 2010 e março de 2011, [a Huawei] manifestou exigências gerais relativas à taxa paga a título da licença. Não apresentou uma concreta proposta de contrato, nem fundamentou as suas exigências. No âmbito desses contactos, a [Huawei] apresentou à [ZTE] uma lista de 450 patentes (que pertencem a 130 famílias de patentes) apresentadas como sendo essenciais a diferentes normas […]. Não obstante múltiplos pedidos apresentados para esse efeito, [a Huawei] recusou apresentar, em apoio desta alegação, os ‘quadros’ de utilização nos litígios relativos a patentes que contêm a correspondência entre os direitos e as especificações, e fornecem uma base de apreciação das alegações da [Huawei]». A ZTE acrescenta que «no âmbito dos contactos desenvolvidos no decurso do período entre novembro de 2010 e março de 2011, [a Huawei] pediu uma licença cruzada, no âmbito da qual a [ZTE] devia pagar à [Huawei], a título de compensação da diferença de valor entre os portfolios, uma taxa de licença líquida de 1,8%. Este pedido constitui manifestamente uma taxa de licença excessiva». Acresce que a ZTE alega ter «proposto à [Huawei] pagar‑lhe [um valor de taxa de licença de 0,0022% a título da patente controvertida calculado] com base num método geralmente aceite […].» A ZTE acrescenta que «[d]urante todo o procedimento, a [Huawei] não apresentou em nenhum momento uma contraproposta concreta. Limitou‑se sempre a criticar a proposta [da ZTE] por ser insuficiente. Em especial, [a Huawei] não indicou em nenhum momento o valor da patente controvertida». «[A ZTE] calculou o montante da indemnização com base na taxa de 0,0022% […], partindo do volume de negócios anteriormente realizado pelas estações de base compatíveis com a norma LTE. Por conseguinte, até à data relevante, uma vez que só haviam sido vendidas 35 estações experimentais, foi calculado o montante de 50 euros. Se o número de estações vendidas aumentar, haverá que aumentar igualmente o montante da indemnização».


58 —      V. n.° 27 das presentes conclusões.


59 —      Recordo, a este respeito, que o órgão jurisdicional de reenvio indicou que a Huawei e a ZTE «não trocaram propostas concretas relativas a um contrato de licença». V. n.° 27 das presentes conclusões.


60 —      V. n.° 27 das presentes conclusões.


61 —      Que serão fixadas pelo órgão jurisdicional ou pelo tribunal arbitral.


62 —      Que será fixada pelo órgão jurisdicional ou pelo tribunal arbitral.


63 —      A impugnação da validade de uma patente implica custos significativos. Considero, pois, que apenas as empresas que exploram as especificações técnicas de uma patente têm interesse em impugnar a sua validade, nomeadamente para não pagarem as taxas de licença. Se as empresas que aplicam uma norma e exploram, consequentemente, as especificações técnicas de uma PEN não tiverem direito de contestar a sua validade, não só correm o risco de pagar uma taxa de licença indevida, como, à semelhança do salientado pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão prejudicial, «poderia revelar‑se impossível fiscalizar a validade das patentes essenciais a uma norma (patentes que todos os operadores do mercado em causa são obrigados a explorar)».


64 —      V., por analogia, acórdão Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.os 141 a 147).


65 —      Entre estas medidas consta a retirada dos bens dos circuitos comerciais.