Language of document : ECLI:EU:T:2012:323

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

27 de junho de 2012 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Sistemas operativos para PC clientes — Sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho — Recusa da empresa dominante em fornecer informações sobre a interoperabilidade e de autorizar a sua utilização — Execução das obrigações decorrentes de uma decisão que declara uma infração e que aplica medidas coativas — Sanção pecuniária compulsória»

No processo T‑167/08,

Microsoft Corp., com sede em Redmond, Washington (Estados Unidos), representada por J.‑F. Bellis, advogado, e I. Forrester, QC,

recorrente,

apoiada por:

The Computing Technology Industry Association, Inc., com sede em Oakbrook Terrace, Illinois (Estados Unidos), representada por G. van Gerven e T. Franchoo, advogados,

e por

Association for Competitive Technology, Inc., com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada inicialmente por D. Went e H. Pearson, solicitors, e em seguida por M. H. Mercer, barrister,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Christoforou, V. Di Bucci, F. Castillo de la Torre e N. Khan, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Free Software Foundation Europe eV, com sede em Hamburgo (Alemanha), e

Samba Team, com sede em New York, New York (Estados Unidos),

representadas por C. Piana e T. Ballarino, advogados,

por

Software & Information Industry Association, com sede em Washington, DC, representada por T. Vinje, D. Dakanalis, solicitors, e A. Tomtsis, advogado,

por

European Committee for Interoperable Systems (ECIS), com sede em Bruxelas (Bélgica), representado por T. Vinje, solicitor, e M. Dolmans, N. Dodoo e A. Ferti, advogados,

por

International Business Machines Corp., com sede em Armonk, New York (Estados Unidos), representada por M. Dolmans e T. Graf, advogados,

por

Red Hat Inc., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos), representada por C.‑D. Ehlermann, S. Völcker, advogados, e C. O’Daly, solicitor,

e por

Oracle Corp., com sede em Redwood Shores, Califórnia (Estados Unidos), representada por T. Vinje, solicitor, e D. Paemen, advogado,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2008) 764 final da Comissão, de 27 de fevereiro de 2008, que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft Corp. pela Decisão C (2005) 4420 final (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da sanção pecuniária compulsória aplicada nessa decisão à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: N. J. Forwood (relator), presidente, F. Dehousse e J. Schwarcz, juízes,

secretário: N. Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 24 de maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A Microsoft Corp., sociedade com sede em Redmond, Washington (Estados Unidos), concebe, produz e comercializa uma vasta gama de produtos de software destinados a diferentes tipos de equipamentos informáticos. Estes produtos de software compreendem, designadamente, sistemas operativos para computadores pessoais para clientes (a seguir «PC clientes») e sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

2        Em 24 de março de 2004, a Comissão adotou a Decisão 2007/53/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE, instaurado contra a Microsoft Corp. (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) (JO 2007, L 32, p. 23, a seguir «decisão de 2004»).

3        Segundo a decisão de 2004, a Microsoft violou o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do Acordo EEE, devido a dois abusos de posição dominante, sendo o primeiro, que é o único relevante para o presente processo, constituído pela recusa da Microsoft em fornecer aos seus concorrentes «informações relativas à interoperabilidade» e em autorizar a sua utilização para o desenvolvimento e a distribuição de produtos concorrentes no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, no período compreendido entre o mês de outubro de 1998 e a data da notificação da decisão de 2004 [artigo 2.°, alínea a), da decisão de 2004].

4        Na aceção da decisão de 2004, as «informações relativas à interoperabilidade» são os «especificações exaustivas e corretas de todos os protocolos [implementados] nos sistemas operativos windows para servidores de grupo de trabalho e que são utilizados pelos servidores de grupo de trabalho windows para fornecer às redes windows por grupo de trabalho serviços da partilha de ficheiros e de impressoras, e de gestão dos utilizadores e dos grupos de [utilizadores], incluindo os serviços de controlador de domínio windows, o serviço de lista Active Directory e o serviço Group Policy» (artigo 1.°, n.° 1, da decisão de 2004).

5        As «redes windows por grupo de trabalho» são definidas como «grupo[s] de PC de clientes [em que está instalado um sistema operativo windows para PC clientes] e servidores [em que está instalado um sistema operativo windows para servidores de grupo de trabalho] ligados entre si através de uma rede informática» (artigo 1.°, n.° 7, da decisão de 2004).

6        Os «protocolos» são definidos como «um conjunto de regras de interligação e de interação entre diferentes sistemas operativos windows para servidores do grupo de trabalho e sistemas operativos windows para PC clientes instalados em vários computadores numa rede windows para grupos de trabalho» (artigo 1.°, n.° 2, da decisão de 2004).

7        Na decisão de 2004, a Comissão salienta que a recusa em questão não diz respeito aos elementos de «código fonte» da Microsoft, mas unicamente às especificações dos protocolos em questão, ou seja, a uma descrição detalhada do que é esperado do programa em causa, por oposição às implementações constituídas pela execução do código sobre o computador (considerandos 24 e 569 da decisão de 2004). A decisão precisa que «não pretende ordenar à Microsoft que permita a terceiros copiar windows» (considerando 572 da decisão de 2004).

8        Os dois abusos identificados pela decisão de 2004 foram sancionados pela aplicação de uma coima de um montante de 497 196 304 euros (artigo 3.° da decisão de 2004).

9        Como medida destinada a corrigir a recusa abusiva mencionada no artigo 2.°, alínea a), da decisão de 2004, o artigo 5.° dessa decisão ordena à Microsoft o seguinte:

«a) a Microsoft [...] divulgará, no prazo de 120 dias a contar da notificação da presente decisão, as informações relativas à interoperabilidade a qualquer empresa que deseje desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, e autorizará, em condições razoáveis e não discriminatórias, essas empresas a utilizar as informações relativas à interoperabilidade para desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho;

b) a Microsoft [...] fará com que as informações relativas à interoperabilidade divulgadas sejam atualizadas sempre que necessário, e o mais rapidamente possível;

c)      a Microsoft [...] porá a funcionar, no prazo de 120 dias a contar da notificação da presente decisão, um mecanismo de avaliação que permita às empresas interessadas informarem‑se de forma eficaz sobre o alcance e as condições de utilização das informações relativas à interoperabilidade; a Microsoft [...] pode impor condições razoáveis e não discriminatórias para garantir que o acesso facultado neste quadro às informações relativas à interoperabilidade só seja utilizado para fins de avaliação;

d)       a Microsoft [...] informará a Comissão, no prazo de 60 dias a contar da data de notificação da presente decisão, das medidas que tenciona tomar para se conformar com as alíneas a), b) e c) supra; nessa data, a Microsoft [...] deverá comunicar à Comissão pormenores suficientes para que esta fique em condições de realizar uma primeira avaliação das medidas suprarreferidas, a fim de determinar se elas respeitam efetivamente a presente decisão; a Microsoft [...] indicará detalhadamente as condições em que autorizará a utilização das informações sobre a interoperabilidade;

[...]»

10      O artigo 7.° da decisão de 2004 dispõe:

«No prazo de 30 dias a contar da data de notificação da presente decisão, a Microsoft [...] apresentará à Comissão uma proposta sobre a instalação de um mecanismo destinado a ajudar a Comissão a assegurar que a Microsoft [...] cumpre a presente decisão. Tal mecanismo incluirá um mandatário independente da Microsoft [...]

Caso a Comissão considere que o mecanismo proposto pela Microsoft [...] não é adequado, fica habilitada a impor um mecanismo por via de decisão.»

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de junho de 2004, a Microsoft interpôs recurso da decisão de 2004.

12      Por requerimento separado entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de junho de 2004, a Microsoft apresentou, ao abrigo do artigo 242.° CE, um pedido de suspensão da execução do artigo 4.°, do artigo 5.°, alíneas a) a c), e do artigo 6.°, alínea a), da decisão de 2004.

13      Por despacho de 22 de dezembro de 2004, Microsoft/Comissão (T‑201/04 R, Colet., p. II‑4463), o Presidente do Tribunal Geral indeferiu esse pedido.

14      Pela Decisão C (2005) 2988 final, de 28 de julho de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft), a Comissão aplicou o mecanismo previsto no artigo 7.° da decisão de 2004. Em 4 de outubro de 2005, a Comissão procedeu à designação do mandatário independente.

15      Por decisão de 10 de novembro de 2005 [a seguir «decisão de 2005»), que impõe uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° [CE] (JO L 2003, L 1, p. 1), a Comissão considerou que a documentação técnica preparada pela Microsoft em 20 de outubro de 2005, que continha as informações relativas à interoperabilidade, não era precisa nem completa (considerando 101 da decisão de 2005). Considerou igualmente que os montantes de remuneração exigidos pela Microsoft para dar acesso e autorizar a utilização das informações relativas à interoperabilidade não eram razoáveis (considerandos 161 e 193 da decisão de 2005). Por estas razões, a Comissão notificou a Microsoft para dar cumprimento às obrigações impostas pelo artigo 5.°, alíneas a) e c), da decisão de 2004 num prazo que expirava em 15 de dezembro de 2005, sob cominação de uma sanção pecuniária compulsória de 2 milhões de euros por cada dia de atraso.

16      Por decisão de 12 de julho de 2006 (a seguir «decisão de 2006»), que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft [...] pela Decisão C (2005) 4420 final (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) (JO 2008, C 138, p. 10), a Comissão considerou que a documentação técnica preparada pela Microsoft em 20 de junho de 2006, que continha as informações relativas à interoperabilidade, não era precisa nem completa (considerando 232 da decisão de 2006). Assim, aplicou à Microsoft uma sanção pecuniária compulsória de 280,5 milhões de euros pelo facto de a Microsoft não ter executado o artigo 5.°, alíneas a) e c), da decisão de 2004 durante o período compreendido entre 16 de dezembro de 2005 e 20 de junho de 2006. Por outro lado, aumentou a sanção que poderia ser imposta por força da decisão de 2005 para 3 milhões de euros por cada dia de atraso a contar de 31 de julho de 2006.

17      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de outubro de 2006, a Microsoft impugnou a decisão de 2006.

18      Por acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T‑201/04, Colet., p. II‑3601), o Tribunal Geral anulou o artigo 7.° da decisão de 2004 e negou provimento ao recurso quanto ao restante. O primeiro número do dispositivo do acórdão Microsoft/Comissão, já referido, é o seguinte:

«1) O artigo 7.° da Decisão da Comissão, de 24 de maio de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE contra a Microsoft […] (Processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) é anulado na parte em que:

— ordena à Microsoft que apresente uma proposta sobre a instituição de um mecanismo que deve incluir a designação de um mandatário independente com poderes para aceder, independentemente da Comissão, à assistência, às informações, aos documentos, aos locais e aos trabalhadores da Microsoft, bem como ao «código fonte» dos produtos relevantes da Microsoft;

— exige que a proposta sobre a instituição desse mecanismo preveja que todas as despesas relacionadas com a designação do mandatário, incluindo a sua remuneração, fiquem a cargo da Microsoft;

— reserva à Comissão o direito de impor por decisão um mecanismo como o descrito nos travessões anteriores.»

19      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de outubro de 2007, a Microsoft desistiu do recurso que tinha interposto da decisão de 2006 (v. n.° 17, supra).

 Decisão impugnada

20      Pela Decisão C (2008) 764 final, de 27 de fevereiro de 2008, que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória imposta à [Microsoft] pela Decisão C (2005) 4420 final (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft) (JO 2008, C 166, p. 20, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão aplicou à Microsoft uma sanção pecuniária compulsória de 899 milhões de euros, por não ter cumprido as obrigações impostas pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 durante o período compreendido entre 21 de junho de 2006 e 21 de outubro de 2007.

21      Resulta do considerando 14 da decisão impugnada que a decisão impugnada diz exclusivamente respeito à obrigação imposta à Microsoft por força do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, nos termos da qual a Microsoft é obrigada a conceder o acesso e a autorizar a disponibilização das informações relativas à interoperabilidade em condições razoáveis e não discriminatórias.

 Programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho

22      Resulta dos considerandos 21 a 23 da decisão impugnada que, por carta de 29 de outubro de 2004, a Microsoft apresentou à Comissão dois projetos de convenções que pretendia propor aos seus concorrentes no âmbito do Work Group Server Protocol Program (programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho). Tratava‑se, por um lado, de um projeto de convenção que visava a obtenção de uma licença de direitos de propriedade intelectual relativos aos protocolos em questão e, por outro, de um projeto de convenção com vista à avaliação dos protocolos.

23      Por carta de 20 de maio de 2005 e no âmbito dos contactos contínuos com a Comissão, a Microsoft apresentou cinco tipos de convenções (a seguir, consideradas no seu conjunto, «convenções WSPP»), concretamente:

–        Microsoft Work Group Server Program License Agreement (All IP) for Development and Product Distribuition (Work Group Server Operating System Software) [convenção de licença (All IP) para o desenvolvimento e a distribuição dos produtos de software de operação de servidores de grupo de trabalho no quadro do programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho da Microsoft, a seguir «Convenção All IP»)];

–        Microsoft Communications Protocol Program Agreement for Evaluation of Technical Documentation (3‑Day) [convenção para a avaliação da documentação técnica no quadro do programa dos protocolos de comunicação da Microsoft (3 dias)].

–        Microsoft Communications Protocol Program Agreement for Evaluation of Technical Documentation (30‑day) [convenção para a avaliação da documentação técnica no quadro do programa dos protocolos de comunicação da Microsoft (30 dias)];

–        Microsoft Work Group Server Protocol Program License Agreement (No Patents) for Development and Product Distribution (Work Group Server Operating System Software); a [convenção de licença (No Patents) para o desenvolvimento e a distribuição dos produtos de software de exploração para servidores de grupo de trabalho no quadro do programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho da Microsoft, a seguir «Convenção No Patent»];

–        Microsoft Work Group Server Protocol Program Patent Only License Agreement for Development and Product Distribution [convenção de licença (Patent Only) para o desenvolvimento e a distribuição dos produtos informáticos no quadro do programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho da Microsoft, a seguir «Convenção Patent Only»] (considerandos 32 e 33 da decisão impugnada).

24      Resulta dos considerandos 33, 37, 39, 40, 44, 57, 59, 66, 92 e 103 da decisão impugnada que, no âmbito dos contactos contínuos com a Comissão, a Microsoft apresentou, de 20 de maio de 2005 e 21 de maio de 2007, treze versões sucessivas revistas das convenções WSPP providas de sistemas de remuneração. Um dos sistemas de remuneração apresentado em 22 de outubro de 2007, prevê a celebração de uma Convenção No Patent que permita o acesso e a utilização da documentação técnica com informações sobre a interoperabilidade, mediante o pagamento de um montante fixo de 10 000 euros. Além disso, um acordo de licença das tecnologias patenteadas também está disponível mediante uma remuneração calculada com base no rendimento líquido da parte que contratar com a Microsoft (considerando 102 da decisão impugnada).

25      Segundo o trigésimo nono considerando da decisão impugnada, a versão das convenções WSPP apresentada pela Microsoft à Comissão em 31 de maio de 2005 continha igualmente princípios de avaliação das informações relativas à interoperabilidade (a seguir «princípios de avaliação WSPP»), elaborados na sequência de negociações entre as duas partes. Os referidos princípios orientariam o mandatário independente não só no âmbito da elaboração dos pareceres consultivos, mas também quando o mesmo fosse solicitado por outro contratante da Microsoft para decidir sobre a razoabilidade da taxa de remuneração em causa, podendo a sua decisão ser declarada executória pela High Court of Justice (England & Wales) [Supremo Tribunal da Inglaterra e do País de Gales), Reino Unido] (considerandos 47 e 113 da decisão impugnada).

 Comunicação de acusações

26      Em 1 de março de 2007, a Comissão enviou à Microsoft uma comunicação de acusações (considerando 73 da decisão impugnada).

27      Por carta de 2 de março de 2007, a Microsoft pediu à Comissão que lhe comunicasse as taxas de remuneração precisas que devia solicitar para que a sua conduta fosse considerada conforme com as obrigações impostas pela decisão de 2004. Por carta de 8 de março de 2007, a Comissão respondeu que não lhe competia determinar as taxas de remuneração, mas garantir que qualquer remuneração exigida pela Microsoft era razoável e não discriminatória em conformidade com o artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 (considerando 75 da decisão impugnada).

28      Por carta de 23 de abril de 2007, a Microsoft apresentou a sua resposta à comunicação de acusações. Em 24 de julho de 2007, a Comissão comunicou à Microsoft, uma «carta de factos», destinada a dar‑lhe a oportunidade de comentar os elementos recolhidos posteriormente à comunicação de acusações. A Microsoft apresentou as suas observações em 31 de agosto de 2007 (considerandos 82, 98 e 99 da decisão impugnada).

 Apreciação do cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004

 Critérios de apreciação do carácter razoável das taxas de remuneração exigidas pela Microsoft

29      No considerando 105 da decisão impugnada, a Comissão recordou que, segundo o considerando 1003 da decisão de 2004, o pagamento reclamado como contrapartida do acesso e da utilização das informações relativas à interoperabilidade devia permitir aos utilizadores dessas informações concorrer de forma viável com o sistema operativo para servidores de grupo de trabalho da Microsoft. Além disso, segundo o considerando 1008, alínea ii), da decisão de 2004, essa remuneração não pode refletir o valor estratégico decorrente do poder que a Microsoft beneficia no mercado dos sistemas operativos para PC clientes ou dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

30      Nestas circunstâncias, a Comissão considerou que o carácter razoável, na aceção do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, de qualquer condição imposta pela Microsoft que tenha como efeito potencial restringir o acesso e a utilização das informações relativas à interoperabilidade implicava que essa condição fosse necessária e proporcionada face aos interesses legítimos da Microsoft que ela visa proteger. A fim de ser objetivamente justificada, a remuneração reclamada pela Microsoft deve pois refletir o mero valor intrínseco eventual das informações em causa, com exclusão do valor estratégico resultante da simples possibilidade de funcionar em interoperabilidade com os sistemas operativos da Microsoft. Caberá à Microsoft demonstrar essa circunstância (considerandos 106 e 107 da decisão impugnada).

31      A Comissão considerou que os princípios de avaliação WSPP (v. n.° 25, supra) eram conformes com os objetivos visados pelos considerandos 1003 e 1008, alínea ii), da decisão de 2004. Com efeito, por um lado, estas regras preveem que o esquema de remuneração deve permitir aos utilizadores de informações sobre a interoperabilidade fazer concorrência à Microsoft de forma viável. Por outro, dispõem que, para apreciar se as informações relativas à interoperabilidade apresentam um valor intrínseco, ou seja, que não consiste no valor estratégico descrito no n.° 29, supra, importa, em primeiro lugar, examinar se os protocolos em causa são criações da Microsoft e, em segundo lugar, apreciar se essas obras são inovadoras e, em terceiro lugar, ter em conta uma avaliação de mercado das tecnologias comparáveis que exclua o valor estratégico decorrente da sua eventual posição dominante (considerandos 117 e 118 da decisão impugnada).

32      A Comissão expôs igualmente, nos considerandos 119 e 158 da decisão impugnada, que aplicaria os critérios estabelecidos no n.° 31, supra, para apreciar se as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft eram razoáveis.

33      Por outro lado, a Comissão sublinhou que a sua apreciação se faria no período que vai até 21 de outubro de 2007 por referência à versão das convenções WSPP apresentada em 21 de maio de 2007 (v. n.° 24, supra). Dado que o esquema de remuneração incluído nesta versão das convenções WSPP previa taxas de remuneração mais baixas do que as previstas nas versões anteriores, os pedidos da Comissão aplicavam‑se, por maioria de razão, a estas últimas versões, segundo o considerando 103 da decisão impugnada.

34      No tocante ao primeiro critério exposto no n.° 31, supra, a Comissão referiu que ele não estava preenchido quando a Microsoft tinha recurso a protocolos do domínio público (considerando 129 da decisão impugnada).

35      No que se refere ao segundo critério exposto no n.° 31, supra, a Comissão salientou que, se as tecnologias em questão não fossem novas, no sentido de que correspondessem ao estado da técnica, ou se resultassem de uma forma evidente do estado da técnica para um especialista, a Microsoft não tinha direito a qualquer remuneração. A Comissão considerou que os critérios baseados na novidade e na não-evidência eram adequados, uma vez que se tratava de conceitos consensuais no domínio da propriedade intelectual (considerandos 130 e 138 da decisão recorrida). Neste contexto, a Comissão considerou que as alterações pouco significativas e os melhoramentos menores representam apenas um valor insignificante para os destinatários das informações relativas à interoperabilidade e não podem ser qualificados de inovações para efeitos da execução da decisão de 2004 (considerando 144 da decisão impugnada).

36      A Comissão acrescentou a este respeito que, na medida em que a Microsoft invoca patentes que cobrem tecnologias — relativas aos protocolos — incluídas na documentação técnica divulgada, assumia provisoriamente, e para os fins da decisão impugnada, que essas tecnologias eram inovadoras (considerando 132 da decisão impugnada).

37      Quanto ao terceiro critério exposto no n.° 31, supra, a Comissão indicou que tinha por objetivo verificar se as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft eram compatíveis com uma avaliação de mercado das tecnologias comparáveis (considerando 139 da decisão impugnada).

 Apreciação do carácter razoável das taxas de remuneração exigidas pela Microsoft

–       Quadro geral

38      Nos considerandos 159 a 164 da decisão impugnada, a Comissão sintetizou o quadro geral do esquema de remuneração proposto pela Microsoft.

39      A este respeito, a Comissão expôs que a Microsoft propunha diferentes tipos de acesso às informações relativas à interoperabilidade no quadro das convenções WSPP. Neste contexto, a Microsoft oferecia o acesso aos protocolos relativos a cinco cenários no que se refere ao serviço de partilha de ficheiros e de impressoras, a dezasseis cenários no que se refere ao serviço de gestão dos utilizadores e de grupos de utilizadores, bem como ao serviço general networking.

40      Quatro tipos de convenções davam acesso a informações relativas à interoperabilidade.

41      Em primeiro lugar, a Convenção No Patent permitia aos destinatários das informações relativas à interoperabilidade desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, com base na documentação técnica.

42      Em segundo lugar, por força da Convenção Patent Only, a Microsoft concedia uma licença sobre o conteúdo de patentes que, segundo ela, abrangiam a tecnologia necessária para a interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para PC clientes e para servidores de grupo de trabalho.

43      Em terceiro lugar, por força da Convenção All IP, a Microsoft concedia não só uma licença sobre o conteúdo de patentes que, segundo ela, abrangiam a tecnologia necessária para a interoperabilidade com os sistemas operativos windows para PC clientes e para servidores de grupo de trabalho, mas abrangiam igualmente ao acesso à documentação técnica e o direito de utilizar a referida documentação.

44      Em quarto lugar, por força da convenção intitulada Interface Definition Language Only, a Microsoft autorizou o acesso à documentação técnica relativa a esses ficheiros e o direito de utilizar a referida documentação.

45      Resulta também do considerando 160 da decisão impugnada que, para a maior parte dos cenários, a Microsoft exigia taxas de remuneração em função do tipo de acordo projetado e acrescentava a essas taxas um montante mínimo e máximo. Eram também previstas taxas de remuneração para os cenários agrupados por serviço bem como para todos os cenários no quadro dos três serviços mencionados no n.° 39, supra. A remuneração reclamada foi expressa quer em percentagem do rendimento líquido do contratante realizado com a venda dos produtos que resultam da implementação dos protocolos em questão, quer num montante fixo por servidor vendido.

46      Por último, decorre dos considerandos 166, 167 e 297 da decisão impugnada que a Comissão se focou no carácter razoável das taxas de remuneração exigidas pela Microsoft para a tecnologia patenteada não incluída na documentação técnica e divulgada no âmbito da Convenção No Patent.

–       Carácter inovador dos protocolos descritos na documentação técnica a que a Microsoft dá acesso ao abrigo da Convenção No Patent

47      Segundo o considerando 169 da decisão impugnada, a Microsoft alegou, no âmbito dos dois relatórios apresentados à Comissão em 31 de julho e em 24 de agosto de 2006, respetivamente, que 173 protocolos continham inovações não patenteadas.

48      A fim de justificar a sua apreciação, a Microsoft, em primeiro lugar, verificou que a tecnologia em questão tinha sido por si desenvolvida ou por sua conta, em segundo lugar, descreveu o problema resolvido por essa tecnologia, em terceiro lugar, expôs as tecnologias que fazem parte do estado da técnica tomadas em consideração a fim de estabelecer o carácter inovador do protocolo em causa e, em quarto lugar, localizou essas inovações na documentação técnica revista.

49      Resulta igualmente dos considerandos 62, 69 e 171 da decisão impugnada que, a pedido da Comissão, o mandatário independente avaliou as apreciações da Microsoft sobre a tecnologia não patenteada, seguindo a metodologia descrita no n.° 48, supra, e que a Comissão formulou o mesmo pedido à TAEUS, uma empresa especializada, para os cenários intitulados File Replication Service, Directory Replication Service e Network Acess Protection. Os relatórios da TAEUS e do mandatário independente foram submetidos à Comissão, respetivamente, em 15 de dezembro de 2006 e em 27 de fevereiro de 2007.

50      A Comissão indicou que o mandatário independente tinha chegado à conclusão de que só pouco do material apresentado pela Microsoft no âmbito da documentação técnica era inovador e justificava uma remuneração. Além disso, a TAEUS concluiu que nenhuma das 21 tecnologias incorporadas nos três cenários por si examinados era inovadora (considerandos 171 a 174 da decisão impugnada). Segundo a nota de pé de página n.° 197 da decisão impugnada, estas conclusões não foram alteradas na sequência da resposta da Microsoft à comunicação de acusações, que deu origem a dois relatórios do mandatário independente e a um relatório da TAEUS.

51      A Comissão concluiu, no que respeita às 173 tecnologias — relativas aos protocolos — apresentadas pela Microsoft como inovadoras, que 166 tecnologias estavam incluídas no estado da técnica ou decorriam de uma forma evidente do estado da técnica para um profissional e que 7 tecnologias eram inovadoras (considerandos 175 e 219 da decisão impugnada).

52      As 173 tecnologias em questão foram expostas num quadro anexo à decisão impugnada, que contém uma descrição sumária das tecnologias e, para a maioria das tecnologias, informações sobre a data da sua criação, os benefícios delas resultantes segundo a Microsoft, uma referência ao processo apresentado pela Microsoft, uma apreciação sumária, uma referência ao estado da técnica e uma referência às fontes que, segundo a Comissão, justificam a apreciação feita e as menções ao estado da técnica. As fontes em causa consistem em dois relatórios do mandatário independente datados de 3 de março e de 8 de julho de 2007 bem como em observações formuladas em 8 de maio de 2007 pelo European Committee for Interoperable Systems (ECIS) sobre a resposta da Microsoft à comunicação de acusações.

53      Nos considerandos 187 a 218 da decisão impugnada, a Comissão expõe a sua apreciação sobre o carácter inovador de oito tecnologias relativas aos protocolos do cenário Directory & Global Catalog Replication, sendo este último parte do serviço de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, e de onze tecnologias relativas aos protocolos do cenário File Replication Service, sendo este parte do serviço de partilha de ficheiros e de impressoras. Com exceção dos argumentos relativos à tecnologia File Staging, os argumentos da Microsoft a favor do carácter inovador dessas tecnologias foram rejeitados pela Comissão (considerando 219 da decisão impugnada).

–       Avaliação de mercado das tecnologias comparáveis

54      Nos considerandos 220 a 279 da decisão impugnada, a Comissão expôs a sua apreciação relativa à avaliação de mercado das tecnologias comparáveis com as tecnologias não patenteadas divulgadas no âmbito da Convenção No Patent. Segundo essa apreciação, tecnologias comparáveis são oferecidas no mercado sem remuneração quer pela Microsoft quer por outras empresas, pelo que a avaliação de mercado mostrava que as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft não eram razoáveis.

 Sanção Pecuniária compulsória

55      A Comissão expôs, no considerando 285 da decisão impugnada, que a decisão dizia respeito exclusivamente ao período compreendido entre 21 de junho de 2006 e 21 de outubro de 2007. No considerando 298 da decisão impugnada, precisou que o esquema adotado pela Microsoft em 22 de outubro de 2007 (v. n.° 24, supra) não suscitava objeções quanto ao carácter razoável das taxas de remuneração previstas. Assim, a Comissão fixou o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória em 899 milhões de euros para esse período (considerandos 299 e 300 da decisão impugnada).

 Tramitação e pedidos das partes

56      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal geral em 9 de maio de 2008, a Microsoft interpôs o presente recurso.

57      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 16 de agosto de 2008, a Free Software Foundation Europa eV (a seguir «FSFE») e a Samba Team requereram a sua intervenção no presente processo em apoio da Comissão.

58      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2008, a Software & Information Industry Association (a seguir «SIIA») e a ECIS apresentaram um pedido de intervenção no presente processo em apoio da Comissão.

59      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de agosto de 2008, a International Business Machines Corp. (a seguir «IBM») e a Red Hat Inc. apresentaram pedidos de intervenção no presente processo em apoio da Comissão.

60      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de agosto de 2008, a Oracle Corp. apresentou um pedido de intervenção no presente processo em apoio da Comissão.

61      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 25 e 26 de agosto de 2008, respetivamente, The Computing Technology Industry Association, Inc. (a seguir «CompTIA») e a Association for Competitive Technology, Inc. (a seguir «ACT») apresentaram pedidos de intervenção no presente processo em apoio da Microsoft.

62      Por despacho de 20 de novembro de 2008, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral deferiu esses pedidos de intervenção.

63      As partes intervenientes apresentaram os seus articulados e as outras partes apresentaram observações sobre os mesmos nos prazos fixados.

64      Tendo sido alterada a composição das secções do Tribunal, o juiz‑relator foi afetado à Segunda Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

65      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram convidadas a apresentar determinados documentos e outras informações.

66      A Microsoft conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        Anular a decisão recorrida;

–        A título subsidiário, anular ou reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória;

–        Condenar nas despesas a Comissão e as partes que intervieram em seu apoio.

67      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        Julgar o recurso improcedente;

–        Condenar a Microsoft nas despesas.

68      A FSFE, a Samba Team, a SIIA, a ECIS, a IBM, a Red Hat e a Oracle concluem pedindo que o Tribunal de digne:

–        Julgar o recurso improcedente;

–        Condenar a Microsoft nas despesas relacionadas com a sua intervenção.

69      A CompTIA conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        Anular a decisão recorrida;

–        Condenar a Comissão nas despesas relativas à sua intervenção.

70      A ACT conclui pedindo que o Tribunal de digne:

–        Anular a decisão recorrida;

–        A título subsidiário, anular ou reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft;

–        Condenar a Comissão nas despesas relativas à sua intervenção.

 Questão de direito

71      Os fundamentos apresentados pela Microsoft baseiam‑se, em primeiro lugar, no carácter ilegal da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, antes de as suas obrigações decorrentes do artigo 5.° da decisão de 2004 terem sido suficientemente concretizadas; em segundo lugar, no erro cometido pela Comissão no que toca à falta de razoabilidade das taxas de remuneração relativas à Convenção No Patent, em terceiro lugar, num erro da Comissão relativo aos critérios aplicados para apreciar o carácter inovador das tecnologias relativas aos protocolos objeto da Convenção No Patent, em quarto lugar, no carácter ilegal da utilização dos relatórios do mandatário independente, em quinto lugar, na violação dos direitos de defesa e, em sexto lugar, na falta de base jurídica para a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, bem como no carácter excessivo e desproporcionado da decisão.

72      Além disso, no quadro dos primeiro, segundo, terceiro e sexto fundamentos, a Microsoft alega que a decisão impugnada está viciada por falta de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado no carácter ilegal da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, antes de as obrigações da Microsoft decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 terem sido concretizadas

 Argumentos das partes

73      Em apoio do seu primeiro fundamento, a Microsoft invoca um total de quatro acusações.

74      Em primeiro lugar, segundo a Microsoft, a Comissão não cumpriu a sua obrigação de especificar de modo positivo as ações que a Microsoft devia empreender para se colocar em conformidade com o artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004. Com efeito, como resulta da sua prática decisória, a Comissão estava em condições de especificar, na decisão de 2004, as taxas de remuneração a que a Microsoft tinha direito. Ora, o conceito de «taxas razoáveis» inclui percentagens de diferentes níveis. Esta apreciação não equivale a pôr em causa a legalidade da decisão de 2004 e não nega a possibilidade de executar as disposições que contêm conceitos jurídicos indeterminados, mas põe em causa o direito de aplicar uma sanção por violação da referida disposição, antes de serem especificadas as obrigações dela decorrentes.

75      Com o objetivo de especificar essas obrigações antes de obrigar a Microsoft a cumpri‑las, a Comissão definiu o procedimento previsto no artigo 5.°, alínea d), da mesma decisão. Ora, tal como a Comissão declarou nas comunicações de objeções enviadas à Microsoft em agosto de 2000 e em agosto de 2003, e como resulta do considerando 995 da decisão de 2004, se as medidas propostas pela Microsoft não fossem satisfatórias, a Comissão imporia as medidas necessárias, por via de decisão. Todavia, a Comissão ter‑se‑ia sempre recusado a concretizar o que entendia por «taxa de remuneração razoável», quando as responsabilidades que assumiu por força do artigo 5.° da decisão de 2004 a obrigavam a aplicar à Microsoft condições concretamente especificadas por meio de uma decisão. Não fornecendo os princípios de avaliação WSPP mais do que orientações gerais que não se traduzem numa taxa específica, não podem ser considerados suficientes para esse efeito. As alegações relativas à inexistência de valor intrínseco e à disponibilização gratuita corrente das informações relativas à interoperabilidade são insuficientes do ponto de vista factual e são descredibilizadas pela celebração de contratos de licença segundo o esquema de remuneração da Microsoft.

76      Em segundo lugar, a Microsoft afirma que a linha de ação da Comissão constitui uma violação do artigo 24.° do Regulamento n.° 1/2003, uma vez que a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, que tem por objetivo compelir uma pessoa a adotar um comportamento pressupõe que as obrigações da pessoa em causa estejam completamente definidas, sob pena de a aplicação da sanção pecuniária compulsória violar os seus direitos fundamentais. No caso em apreço, a Comissão, que não podia iniciar o procedimento previsto no artigo 24.° do Regulamento n.° 1/2003 se não soubesse com precisão o que a Microsoft devia fazer para dar cumprimento à decisão de 2004, podia ter recorrido ao mandatário independente a fim de especificar as obrigações da Microsoft na medida exigida.

77      Em terceiro lugar, a Microsoft, apoiada pela CompTIA, sublinha que, ao aplicar uma sanção pecuniária compulsória sem especificar previamente as obrigações da Microsoft, a Comissão violou o princípio da boa administração. A este respeito, a CompTIA sustenta que a conduta da Comissão se caracterizou por falta de transparência, de objetividade e de equidade, e a sanção pecuniária compulsória aplicada é arbitrária e desproporcionada tendo em conta as circunstâncias do caso concreto. Segundo a CompTIA, a conduta da Comissão seria uma fonte de riscos e de incerteza que levaria a eliminar as razões para inovar em prejuízo dos consumidores.

78      Em quarto lugar, a Microsoft alega que, ao recusar‑se a adotar uma decisão passível de fiscalização jurisdicional e que especificasse as obrigações decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, no que se refere às taxas de remuneração, a Comissão tinha de facto obrigado a Microsoft a dar cumprimento aos seus pedidos de diminuir as taxas de remuneração para todas as convenções WSPP, sem, no entanto, poder impugnar judicialmente a legalidade dos pedidos em questão. Desta forma, Microsoft foi privada do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva contra as apreciações, sempre «preliminares», que foram sendo efetuadas pela Comissão. Além disso, mesmo que a Microsoft se recusasse a rever as suas propostas ou intentasse uma ação de responsabilidade ou por omissão, essas ações não levariam a Comissão a definir uma taxa de remuneração razoável.

79      Tendo a Microsoft apresentado reiteradamente estes argumentos durante o procedimento administrativo, sem nunca ter recebido resposta, inclusive na própria decisão impugnada, esta está igualmente viciada por falta de fundamentação.

80      A ACT alega que a Microsoft pôs em prática os métodos mais adequados para definir as suas obrigações decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, ao passo que a Comissão se limitou a rejeitar os resultados dos inquéritos, mas referindo‑os sem fornecer os esclarecimentos de que a Microsoft necessitava para cumprir as obrigações em questão. Além disso, a Comissão solicitou informações unicamente às empresas que apoiam a sua posição.

81      A Comissão e as intervenientes que a apoiam contestam o presente fundamento e acrescentam que a Microsoft não pode, no quadro do presente recurso, invocar uma pretensa imprecisão da decisão de 2004 no que se refere à definição das suas obrigações.

 Apreciação do Tribunal

82      Há que afastar de imediato a argumentação da Comissão segundo a qual a Microsoft põe em causa a legalidade da decisão de 2004. Com efeito, como resulta dos articulados da Microsoft, os seus argumentos não se baseiam numa pretensa ilegalidade do artigo 5.°, alínea a), desta decisão, mas na pretensa impossibilidade de a Comissão impor uma sanção por violação da disposição em questão sem ter previamente determinado, através de uma decisão passível de recurso, a taxa de remuneração que considera razoável. Esta problemática diz manifestamente respeito à legalidade da decisão impugnada, que aplicou a sanção pecuniária compulsória.

83      Há que recordar, seguidamente, que, como resulta do considerando 280 da decisão impugnada, a sanção pecuniária compulsória em questão foi aplicada pelo facto de a Microsoft não ter autorizado o acesso às informações relativas à interoperabilidade abrangidas pela Convenção No Patent e a utilização dessas informações em «condições razoáveis», violando a obrigação estabelecida no artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

84      Quanto a esta última disposição, há que salientar que o recurso a conceitos jurídicos indeterminados para efeitos da formulação das normas cuja violação gera responsabilidade civil, administrativa, ou mesmo penal do infrator não acarreta a impossibilidade de aplicar as sanções previstas na lei, desde que o particular possa saber, com base no teor da disposição pertinente e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões que determinam a sua responsabilidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld, C‑303/05, Colet., p. I‑3633, n.° 50, e de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão, C‑266/06 P, não publicado na Coletânea, n.° 39).

85      A este propósito, em conformidade com jurisprudência constante (despacho do Tribunal de Justiça de 10 de julho de 2001, Irish Sugar/Comissão, C‑497/99 P, Colet., p. I‑5333, n.° 15; acórdãos do Tribunal Geral de 11 de março de 1999, Eurofer/Comissão, T‑136/94, Colet., p. II‑263, n.° 271), e de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, T‑271/03, Colet., p. II‑477, n.° 252), o dispositivo da decisão de 2004 deve ser lido e interpretado à luz da sua fundamentação. Resulta do considerando 1003 dessa decisão que o seu objetivo é assegurar que os concorrentes da Microsoft desenvolvam, ao implementarem as especificações divulgadas, produtos que tenham interoperabilidade com a arquitetura do domínio Windows, que tem uma integração nativa no produto dominante que é o sistema operativo Windows para PC clientes, e possam assim fazer concorrência, de forma viável, aos produtos da Microsoft para sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho. Além disso, no considerando 1008, alínea ii), da decisão de 2004, está exposto que qualquer remuneração que a Microsoft possa pedir como contrapartida do acesso e da utilização das informações relativas à interoperabilidade não pode refletir o valor estratégico decorrente do poder de que a Microsoft dispõe no mercado dos sistemas operativos para PC clientes ou dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

86      Neste contexto, depois de negociação com a Comissão (considerandos 39, 111 e 113 da decisão impugnada), a Microsoft incorporou, em maio de 2005, os princípios de avaliação WSPP nas convenções WSPP. Assim, no artigo 7.º, n.º 5 da Convenção No Patent (na sua versão de 21 de maio de 2005), a Microsoft declara ter aplicado os referidos princípios de avaliação para a elaboração do quadro das suas remunerações e indica que, por força do artigo 7.°, n.° 7, alínea d), da mesma convenção, o mandatário independente e a High Court of Justice são competentes para lhe impor sanções em caso de violação desses princípios de avaliação.

87      Quanto ao conteúdo dos princípios de avaliação WSPP, ilustrados no n.° 31, supra, há que constatar que eles preveem critérios cumulativos e suficientemente precisos que permitem à Microsoft avaliar se dada tecnologia incorpora um valor intrínseco distinto do seu valor estratégico, como descrito no considerando 1008, alínea ii), da decisão de 2004, assim como nos referidos princípios de avaliação. Por outro lado, nada permite considerar que estes princípios de avaliação, baseados no artigo 5.° da decisão de 2004, se prestam a uma aplicação pelo mandatário independente e pela High Court, mas não bastam para a Microsoft adotar um comportamento conforme a essa disposição ou à Comissão para exercer a sua missão de fiscalização.

88      Daqui decorre que a Comissão tinha o direito de aplicar à Microsoft o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento das obrigações decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, uma vez que esta disposição preenche os requisitos referidos no n.° 84, supra.

89      Importa acrescentar que, numa carta datada de 18 de abril de 2005, a Comissão expôs à Microsoft que a remuneração deveria ser fixa e não proporcional aos rendimentos provenientes da venda dos produtos vendidos pelos concorrentes da Microsoft. Além disso, como sublinha a SIIA, em 1 de março de 2007, o Sr. M. B., vice‑presidente do Conselho Geral e secretário‑geral da Microsoft, declarou numa conferência de imprensa, cuja transcrição figura no sítio Internet da Microsoft, que os princípios de avaliação WSPP eram «muito claros», apesar de um certo grau de complexidade.

90      A argumentação da Microsoft segundo a qual a Comissão devia ter determinado, por via de uma decisão passível de recuso jurisdicional, a taxa de remuneração apropriada antes de aplicar a sanção pecuniária compulsória é igualmente desprovida de fundamento.

91      Com efeito, como resulta do n.° 84, supra, a utilização de conceitos jurídicos indeterminados numa disposição não impede a fixação da responsabilidade do infrator. Como salienta a Comissão, se assim não fosse, a violação do artigo 101.º ou do artigo 102.° do TFUE, que têm na sua base conceitos jurídicos indeterminados, como a distorção da concorrência ou o «abuso» de uma posição dominante, não poderia dar origem à aplicação de uma coima sem uma decisão prévia que definisse a infração.

92      Contrariamente ao que alega a Microsoft (v. n.° 75, supra), o artigo 5.°, alínea d), da decisão de 2004 tem como único objetivo obrigar a empresa a adotar e a comunicar à Comissão as medidas que tenciona tomar para dar cumprimento às suas obrigações previstas nas alíneas a), b) e c) da mesma disposição. Este artigo estabelece assim uma obrigação que visa permitir à Comissão apreciar, antes da expiração do prazo de 120 dias imposto na alínea a), as medidas que a Microsoft se propunha tomar para pôr termo à infração. Não resulta nem do artigo 5.°, alínea d), da decisão de 2004, nem, a fortiori, do seu considerando 995, que a Comissão se tenha obrigado, por qualquer forma, a definir, por via de decisão, uma taxa de remuneração razoável antes de aplicar uma sanção pecuniária.

93      Importa acrescentar que a sanção pecuniária compulsória aplicada na decisão recorrida abrange o período compreendido entre 21 de junho de 2006 e 21 de outubro de 2007. Ora, como resulta do considerando 101 da decisão de 2005 e do considerando 232 da decisão de 2006 (v. n.os 15 e 16, supra), a Microsoft não tinha ainda fornecido, em 20 de junho de 2006, uma versão precisa e completa das informações relativas à interoperabilidade, de modo que, mesmo que a Comissão tivesse considerado oportuno definir taxas de remuneração razoável, não teria podido fazê‑lo.

94      Além disso, a distinção entre uma coima e uma sanção pecuniária compulsória, que a Microsoft tenta estabelecer (v. n.° 76, supra), não é relevante para a questão suscitada no âmbito do presente fundamento. Com efeito, por um lado, quer a coima aplicada nos termos do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 quer uma sanção pecuniária compulsória definitiva, como a que está ora em causa, aplicada nos termos do artigo 24.°, n.° 2, do mesmo regulamento são as consequências, respetivamente, da violação dos artigos 101.° ou 102.° TFUE e de uma decisão que intima à cessação da infração em questão e, eventualmente, aplica medidas coercivas. Por outro lado, a coima e a sanção pecuniária compulsória referem‑se ambas à conduta da empresa no passado e devem ter ambas um efeito dissuasivo para evitar a repetição ou a continuação da infração. Face a esta identidade de características e objetivos, nada justifica uma diferenciação nos níveis de precisão daquilo que uma empresa deve ou não fazer para cumprir as regras da concorrência antes de lhe ser aplicada uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória definitiva.

95      A Microsoft tem aliás razão em sustentar que o conceito de «taxa de remuneração razoável» pode abranger diversas taxas. Essa apreciação confirma a correção da tese da Comissão, segundo a qual não lhe cabe escolher uma taxa de remuneração dentre as taxas razoáveis no sentido da decisão de 2004 e impô‑la à Microsoft. Com efeito, embora a Comissão tenha o poder de constatar a existência de uma infração e de ordenar às partes que lhe ponham termo, não lhe compete impor às partes a sua escolha dentre as diferentes possibilidades de conduta conformes com o Tratado ou com uma decisão que impõe medidas coercivas, como a decisão de 2004 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de setembro de 1992, Automec/Comissão, T‑24/90, Colet., p. II‑2223, n.° 52). Daqui resulta que, se a empresa tiver optado por uma dessas possibilidades, a Comissão não está em condições de verificar a existência de uma infração e de aplicar uma sanção pecuniária compulsória invocando que prefere a outra possibilidade. Cabe portanto à Microsoft atribuir direitos de acesso às informações relativas à interoperabilidade e de utilização das referidas informações a uma taxa de remuneração razoável, na aceção do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, não podendo a Comissão aplicar‑lhe uma sanção pecuniária compulsória se considerar que as taxas em questão são razoáveis, mas que outras eventualmente «ainda mais razoáveis» deveriam ter sido propostas.

96      Nestas condições, há que rejeitar os argumentos da Microsoft baseados na alegada violação do princípio da boa administração (v. n.° 77, supra).

97      Por último, o argumento da Microsoft baseado na violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva não procede. A este respeito, basta salientar que, no âmbito do presente processo, a Microsoft contesta a apreciação feita pela Comissão sobre o carácter inovador das tecnologias em questão e, em consequência, sobre o carácter razoável das taxas de remuneração exigidas. A alegação da Microsoft consiste, portanto, no essencial, em que lhe teria sido possível impugnar essa apreciação mais cedo se a Comissão tivesse fixado, por decisão, a taxa apropriada. Ora, se a Microsoft assim o entendesse, e em vez de iniciar uma longa discussão com a Comissão e de ir diminuindo aos poucos as taxas exigidas, teria podido comunicar rapidamente uma versão precisa e completa das informações sobre a interoperabilidade e, em seguida, fixar definitivamente as taxas de remuneração que considerasse apropriadas. Nesse caso, se a Comissão considerasse que as taxas em questão não eram razoáveis, teria tomado mais cedo uma decisão como a impugnada no caso em apreço. Assim, o direito à tutela jurisdicional efetiva da Microsoft não foi minimamente afetado.

98      A parte do presente fundamento em que é alegada a violação do dever de fundamentação pelo facto de a Comissão não ter respondido a estes argumentos, que tinham igualmente sido formulados durante o procedimento administrativo, deve igualmente ser rejeitado.

99      Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas por ele direta e individualmente afetadas podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, pois a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de março de 2000, VBA/Florimex e o., C‑265/97 P, Colet., p. I‑2061, n.° 93).

100    Como resulta da análise que precede, as normas jurídicas que regem essa matéria de modo algum impedem a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória sem definição prévia da taxa de remuneração que, segundo a Comissão, seria razoável, no sentido do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004. Nestas condições, a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação ao indicar de forma clara e inequívoca as razões pelas quais as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft não eram razoáveis, não sendo necessária uma fundamentação específica sobre a possibilidade de aplicar uma sanção pecuniária compulsória sem a definição prévia da taxa razoável pela Comissão.

101    Portanto, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado no erro cometido pela Comissão sobre a não razoabilidade das taxas de remuneração da Convenção No Patent

 Argumentos das partes

102    Tendo em conta o carácter indeterminado do conceito de remuneração razoável e a recusa da Comissão em especificar as obrigações da Microsoft, a Microsoft concordou em criar um mecanismo que permite a negociação das taxas de remuneração com os potenciais adquirentes de licenças e a submeter-se à competência arbitral do mandatário independente. Além disso, a pedido da Comissão, a Microsoft fixou taxas de remuneração em níveis menos elevados do que os sugeridos pela PricewaterhouseCoopers, sociedade de peritos de prestígio mundial, baseados na avaliação das tecnologias validamente consideradas comparáveis e ao abrigo de métodos universalmente aceites. Ora, como é amplamente sabido, mesmo essas taxas apenas constituíam pontos de partida para as negociações com potenciais interessados, podendo o mandatário independente intervir em caso de desacordo, a fim de definir uma taxa razoável em aplicação dos princípios de avaliação WSPP. Mesmo que a Comissão não estivesse de acordo com a apreciação dos especialistas externos mandatados de boa‑fé pela Microsoft com o objetivo de dar cumprimento à decisão de 2004, não se pode aceitar que a Microsoft tenha aplicado taxas de remuneração não razoáveis, e muito menos discriminatórias, uma vez que nenhum dos seus clientes considerou oportuno submeter a questão ao mandatário independente, mesmo durante as negociações, ainda que a posição da Microsoft tenha sido enfraquecida pela ameaça da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória muito elevada. Em qualquer caso, a implementação desse mecanismo contencioso com o acordo da Microsoft garante que qualquer remuneração paga no final seria razoável porque conforme aos princípios de avaliação WSPP aplicados pelo mandatário.

103    Nestas condições, há que concluir que a razão pela qual certas empresas nem sequer negociaram com Microsoft nem recorreram ao mandatário independente não foi a de as taxas de remuneração por ela propostas não serem razoáveis, mas porque não acreditavam no argumento baseado no carácter não inovador dos protocolos em questão.

104    A Microsoft rejeita, como materialmente inexatos, os argumentos de que as empresas que celebraram convenções de licenças pagaram o valor estratégico das tecnologias em questão e que não são suas concorrentes.

105    A circunstância de os acordos celebrados com a Microsoft dizerem respeito à Convenção All IP é desprovida de interesse, pois daí não resulta que os montantes de remuneração propostos para a Convenção No Patent não fossem razoáveis e que a documentação técnica fosse igual nos dois casos.

106    Pelo facto de a Microsoft ter reiteradamente desenvolvido estes argumentos no procedimento administrativo, sem ter recebido resposta, incluindo na decisão impugnada, esta decisão está igualmente viciada por falta de fundamentação.

107    Perante a recusa da Comissão de especificar as taxas de remuneração que considerava razoáveis, a Microsoft comprometeu‑se a aplicar retroativamente à data da decisão de 2004 a taxa que fosse definida como razoável no final dos contactos com a Comissão, de modo que os eventuais titulares de licenças teriam a certeza de que não teriam de pagar um preço que não fosse razoável. A alegação da Comissão relativa ao efeito dissuasor das taxas de remuneração propostas, e não «aplicadas» pela Microsoft, constitui apenas uma suposição não sustentada por provas.

108    Se a Comissão dava tanta importância à possibilidade de os eventuais titulares de licenças calcularem com precisão os custos das mesmas, cabia‑lhe tomar uma decisão que definisse a taxa máxima razoável em vez de impor um mecanismo de arbitragem.

109    Apoiada pela CompTIA, a Microsoft sublinha que o resultado das negociações com os operadores não associados à Microsoft é o indicador mais fiável do carácter razoável de uma taxa de remuneração. Ora, já quatro empresas teriam concluído por sua própria iniciativa acordos de acesso às informações relativas à interoperabilidade mesmo mediante um preço superior ao que foi considerado pela Comissão como não razoável, circunstância que não pode ser ignorada a favor das construções de avaliação teóricas e abstratas. Além disso, segundo a CompTIA, era impossível de saber na fase de negociação se as empresas em causa pretendiam desenvolver tecnologias concorrentes das da Microsoft, não tendo no entanto esta questão qualquer interesse à luz do objeto da decisão de 2004.

110    A Microsoft acrescenta que a decisão de 2004 não a impede de exigir taxas de remuneração proporcionais aos rendimentos dos titulares de licenças nem lhe impõe que se adapte ao modelo empresarial dos seus clientes potenciais.

111    Por último, a Comissão não levou em conta que, não obstante o seu nome, a Convenção No Patent conferia aos interessados o direito de beneficiarem das inovações patenteadas da Microsoft. Se a Comissão considera que a promessa da Microsoft de não invocar os direitos das patentes correspondentes não teve o efeito pretendido, devia declará‑lo claramente no âmbito do presente processo.

112    A Comissão e as intervenientes que a apoiam contestam este fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

113    Há que afastar desde já o argumento da Microsoft relativo ao facto de a taxa de remuneração exigida durante o período coberto pela decisão impugnada não ser mais do que uma proposta de negociação que levaria à aplicação de uma taxa razoável. Com efeito, o artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 não tem apenas por objeto obrigar a Microsoft a estabelecer uma negociação com qualquer empresa que deseje desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, mas obrigou‑a igualmente a divulgar as informações relativas à interoperabilidade e a autorizar a sua utilização para esse fim, em condições razoáveis e não discriminatórias.

114    Daqui resulta que a Microsoft tinha a obrigação de propor essas condições por sua própria iniciativa a partir do fim do prazo de 120 dias concedido pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004. Correlativamente, o facto de os montantes de remuneração propostos pela Microsoft durante o período coberto pela decisão impugnada serem mais baixos do que os propostos pela PricewaterhouseCoopers, no seu relatório de 23 de abril de 2007, é irrelevante, tanto mais que esse relatório não contém qualquer análise sobre o carácter inovador das tecnologias em questão. No que diz respeito à não‑definição do conceito de remuneração razoável e às obrigações da Comissão a esse respeito, há que recordar as considerações que constam dos n.os 84 a 95, supra.

115    O argumento da Microsoft segundo o qual a aplicação do mecanismo de mandatário independente com o seu acordo garante que a remuneração final é razoável porque conforme aos princípios de avaliação WSPP aplicados pelo mandatário, não pode ser acolhido. Com efeito, como foi sublinhado nos n.os 113 e 114, supra, a obrigação imposta à Microsoft na decisão de 2004 consistia em divulgar, por sua iniciativa, informações sobre a interoperabilidade e em autorizar a sua utilização em condições razoáveis e não discriminatórias. Nestas condições, a existência de um mecanismo de arbitragem confiado a um mandatário independente destina‑se, quando muito, a atenuar as consequências de uma eventual insistência da empresa dominante num comportamento abusivo, para resolver os eventuais diferendos rapidamente e, sobretudo, usando um nível de conhecimentos particularmente elevado na matéria. No entanto, a implementação desse mecanismo não pode garantir um restabelecimento da situação da concorrência tal como existiria se a Microsoft tivesse proposto por iniciativa própria o acesso às informações relativas à interoperabilidade em condições razoáveis. Esta conclusão é tanto mais pertinente no âmbito de mercados com uma rápida evolução e que sujeita o desenvolvimento de produtos como os que estão aqui em causa a investimentos cujo custo fixo é muito elevado e deve poder ser calculado antecipadamente pelos interessados. Além disso, como a Comissão referiu na resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, sem impugnação por parte da Microsoft, as informações relativas à interoperabilidade foram consideradas como tendo sido divulgadas numa versão precisa e completa, no sentido de que podem justificar um projeto de desenvolvimento de um produto de software, em 23 de novembro de 2006. Daí resulta que o fundamento da missão do mandatário independente enquanto árbitro do carácter razoável dos preços propostos pela Microsoft esteve seriamente comprometido pelo menos até essa data. A existência de um mecanismo de arbitragem criado depois da celebração de uma Convenção No Patent não pode portanto ser considerada um fator apto a restabelecer inteiramente as consequências decorrentes do não cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

116    O mesmo se diga da cláusula «processo acelerado de resolução de litígios» constante das versões das convenções para a avaliação da documentação técnica de outubro de 2005 e fevereiro de 2006 (v. n.° 23, supra), referida na nota de pé de página n.° 136 da decisão impugnada. Com efeito, como resulta da sua redação, que, segundo a Microsoft, está formulada em termos idênticos nas versões de fevereiro de 2007, em caso de desacordo entre a Microsoft e um potencial titular de uma licença sobre a conformidade dos preços exigidos ou da categorização das tecnologias com os princípios de avaliação WSPP ou mesmo com as disposições de uma Convenção WSPP, o titular da licença deve comunicar à Microsoft por escrito os motivos pelos quais considera que a Microsoft não cumpriu as suas obrigações. Se não for obtido um acordo no prazo de quinze dias úteis, o potencial titular da licença pode recorrer ao mandatário independente, que está habilitado a formular um parecer sobre a questão. Neste caso, a Microsoft tem de comunicar por escrito num prazo de duas semanas os motivos que justificam os preços ou as disposições em causa.

117    Resulta claramente da cláusula de «processo acelerado de resolução de litígios» que o mecanismo aí previsto não confere ao mandatário independente o poder de fixar, no termo de um controlo ex ante com vista à celebração futura de uma Convenção WSPP, taxas de remuneração conformes com os princípios de avaliação WSPP, mas unicamente lhe confere a faculdade de emitir um parecer, podendo a Microsoft manter a sua posição, expondo os motivos da sua decisão. Assim, mesmo abstraindo do facto de a Microsoft ser obrigada, por força do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, a propor, por sua iniciativa, condições razoáveis e não discriminatórias, não se pode deixar de observar que o mecanismo em causa não era adequado para garantir um resultado equivalente ao pretendido pela referida disposição.

118    Além disso, a circunstância de a Microsoft se ter obrigado a aplicar retroativamente as taxas que seriam aceites pela Comissão como razoáveis não afeta o facto de, durante o período coberto pela decisão impugnada, ou seja, muito depois do termo do prazo estabelecido no artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, essas taxas não serem propostas pela Microsoft às empresas que desejassem desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

119    De resto, o facto de determinadas empresas terem celebrado acordos com a Microsoft às taxas por ela exigidas sem recorrerem ao mandatário independente não basta para pôr em causa a correção dos fundamentos expostos nos considerandos 165 a 219 da decisão impugnada relativas ao carácter inovador das tecnologias em questão. Com efeito, em primeiro lugar, como admite a Microsoft, os acordos em questão são do tipo All IP, o que implica que dizem respeito também a tecnologias patenteadas da Microsoft, cujo carácter inovador não foi posto em causa pela Comissão. Assim, mesmo que o facto de os acordos em questão serem do tipo All IP não demonstrar que as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft no âmbito da Convenção No Patent não eram razoáveis também não demonstra o contrário. Em segundo lugar, mesmo pressupondo que os responsáveis dessas sociedades tenham sido convencidos do carácter inovador das tecnologias em questão, a questão crucial é a de saber se a análise da Comissão a este propósito é conforme com as regras aplicáveis na matéria, questão que será examinada no âmbito do terceiro fundamento.

120    Importa além disso precisar que, embora a decisão de 2004 não proíba à Microsoft exigir taxas de remuneração proporcionais aos rendimentos dos titulares das licenças, essas taxas só podem ser solicitadas se representarem um valor diferente do valor estratégico das tecnologias em questão [v. considerando 1008, alínea ii), da decisão de 2004]. Ora, foi precisamente sobre este último aspecto que incidiu a apreciação efetuada pela Comissão na decisão impugnada. Além disso, não se pode deixar de referir que, sem prejuízo da obrigação de fornecer informações sobre a interoperabilidade em condições não discriminatórias, a decisão de 2004 é neutra em relação à possibilidade de cada um dos contraentes potenciais concluir um acordo com a Microsoft em função do seu modelo de empresa. O mesmo se pode dizer, por maioria de razão, da decisão impugnada, no sentido de que o comportamento da Microsoft é analisado com base no carácter inovador das tecnologias em questão e não na possibilidade de cada um dos contraentes potenciais concluir um acordo com a Microsoft, atendendo ao seu modelo de empresa. Os argumentos da Microsoft resumidos no n.° 110, supra, devem ser julgados inoperantes.

121    Quanto ao argumento da Microsoft segundo o qual a Convenção No Patent confere aos interessados o direito de beneficiarem de tecnologias patenteadas, basta salientar que, segundo o artigo 1.º, n.º 14 desta convenção, o conceito de Microsoft Licensed Intellectual Property inclui o know‑how, os segredos industriais, os segredos comerciais, as informações confidenciais e os direitos de autor, com exclusão expressa de qualquer direito protegido por uma patente ou por um pedido de patente pendente. Quanto à escolha unilateral da Microsoft de não invocar direitos ligados a patentes, há que observar, como a Comissão, que tal promessa só foi feita em 24 de outubro de 2007, ou seja, após o final do período abrangido pela decisão impugnada. Acresce que, como reconheceu a Microsoft nas suas observações sobre as alegações de intervenção, essa promessa apenas abrange a distribuição a título não comercial, com exclusão dos desenvolvimentos open source que distribuem a título comercial. Por último, importa observar que a eventual divulgação, no âmbito da Convenção No Patent, de informações relativas às tecnologias cobertas por uma patente, ou seja, as tecnologias diferentes das indicadas no anexo da decisão impugnada, não implica de forma alguma que o contraente tenha o direito de as pôr em prática de modo a violar as patentes em causa. Com efeito, como refere a Comissão, estas informações estão publicamente disponíveis no âmbito da patente concedida, sem que isso implique a possibilidade de que delas possa fazer uso quem efetue um desenvolvimento. Nestas condições, e atenta a distinção entre as informações relativas à interoperabilidade patenteadas e não patenteadas (v. considerandos 161 a 164 da decisão recorrida), não se pode considerar que a Convenção No Patent concede aos clientes da Microsoft o direito de aplicarem tecnologias patenteadas, cuja necessidade declaram aliás não ter para desenvolver sistemas operativos para servidores do grupo de trabalho.

122    Quanto à objeção da Microsoft relativa a falta de fundamentação, há que constatar que, como a Comissão alegou nos considerandos 122 a 127 e 273 a 278 da decisão impugnada, a Comissão respondeu aos argumentos baseados na celebração de acordos com alguns operadores. Contudo, supondo que a Microsoft tenha alegado durante o processo administrativo que esteve sempre pronta a negociar os preços indicados nas suas tabelas de remuneração, resulta claramente do considerando 116 da decisão impugnada que os princípios de avaliação WSPP deviam ser respeitados relativamente a qualquer remuneração «proposta ou fixada pela Microsoft». Isto implica que o facto de uma remuneração de acordo com os princípios em questão poder eventualmente resultar das negociações da Microsoft é, segundo o mesmo considerando, destituído de interesse no que se refere às obrigações impostas no artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004. Por conseguinte, este fundamento deve ser rejeitado, como o segundo fundamento na totalidade.

 Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erro cometido pela Comissão quanto aos critérios aplicados para apreciar o carácter inovador das tecnologias que são objeto da Convenção No Patent

 Argumentos das partes

123    A Microsoft reitera que a Comissão ignorou o valor das inovações patenteadas descritas na Convenção No Patent e acrescenta que a aplicação de um critério de patenteabilidade para apreciar o carácter inovador das tecnologias patenteadas não constitui um erro manifesto de apreciação. Além disso, a decisão impugnada está viciada por falta de fundamentação.

124    O presente fundamento é operante, uma vez que a Microsoft não aceitou que a análise da Comissão relativa ao terceiro critério dos princípios de avaliação WSPP seja correta. Com efeito, essa análise assenta numa compreensão errada do conceito de inovação, circunstância que afeta necessariamente a escolha de tecnologias consideradas comparáveis. A CompTIA sublinha que as tecnologias escolhidas pela Comissão como comparáveis integram um modelo de empresa diferente do adotado pela Microsoft, de modo que a avaliação do mercado efetuada pela Comissão está viciado.

125    A posição segundo a qual a Microsoft tem o direito de receber uma remuneração unicamente para tecnologias novas e não evidentes, na aceção do direito das patentes, não encontra qualquer suporte na decisão de 2004 nem nos princípios de avaliação WSPP nem no direito em geral. A Microsoft não aceitou que a aplicação por esta instituição ou pelo mandatário independente desses critérios fosse apropriada no caso em apreço. Com efeito, a Microsoft, apoiada pela CompTIA e pela ACT, recorda que os segredos comerciais podem ter um valor importante, principalmente devido aos custos fixos de desenvolvimento, independentemente da questão de saber se são patenteáveis ou se já estão patenteados, a empresa em causa deve ter a liberdade de adotar uma política a esse respeito. Contrariamente ao que refere a IBM, a funcionalidade do protocolo File Replication Service é de uma importância capital, daí que um dos seus aspectos tenha sido patenteado nos Estados Unidos. Ora, a Comissão não explicou segundo que lógica o critério da patenteabilidade que aplicou visa especificamente excluir o valor estratégico das tecnologias da Microsoft em conformidade com o considerando 1008, alínea ii), da decisão de 2004. Segundo a ACT, só a apreciação do valor das informações relativas à interoperabilidade, não existindo um operador dominante, permitiria avaliar, à luz da decisão de 2004, as taxas propostas pelas Microsoft.

126    Apoiada pela ACT, a Microsoft alega que a Comissão aplicou os critérios de novidade e de não-evidência de modo demasiado restritivo e, por consequência, contrário ao direito das patentes. Assim, contrariamente às regras de apreciação elaboradas pela Comissão noutros domínios, só as invenções verdadeiramente pioneiras totalmente diferentes do estado da técnica podem ser qualificadas de novas no presente contexto. Contudo, a existência de referências que fazem parte do estado da técnica relativas a conceitos em geral semelhantes aos utilizados pela Microsoft não equivale ao carácter evidente coletivo das tecnologias abrangidas pela decisão impugnada, que aliás os seus concorrentes não puderam desenvolver, como confirmam a CompTIA e a ACT. Segundo a CompTIA, é o mercado, e não a Comissão, que deve decidir qual é a melhor tecnologia. A Comissão chega ao ponto de negar, na sua contestação, o carácter adequado do critério de novidade tal como aplicado no quadro do direito da propriedade intelectual, pelo que já não seria claro para Microsoft qual o critério que, afinal, foi aplicado na decisão impugnada.

127    Além disso, o tipo de abordagem atomizada seguida na decisão impugnada leva a excluir do conceito de inovação qualquer combinação não evidente de elementos conhecidos. Ora, decorre da jurisprudência das Câmaras de Recurso do Instituto Europeu de Patentes (IEP) que a questão pertinente não é a de saber se um profissional poderia executar essa combinação, mas se o fez na expectativa de originar um progresso. Observando que a Comissão aceitou o carácter inovador de algumas das tecnologias em causa na decisão impugnada, a ACT sublinha que uma tecnologia deve ser qualificada de inovadora no seu conjunto, quando consiste numa combinação de elementos novos e não evidentes e de elementos não patenteáveis. Nenhum elemento demonstra que a Comissão tenha efetivamente analisado as combinações tecnológicas da Microsoft enquanto tais.

128    A Microsoft apresentou durante o procedimento administrativo vários relatórios que demonstram a veracidade das suas alegações relativas à novidade e à não‑evidência das invenções patenteadas constantes da documentação técnica que a Comissão rejeitou. Portanto, não haveria qualquer razão para aumentar ainda mais o processo apresentado ao Tribunal Geral, quando a questão pertinente é a de saber se a abordagem da Comissão é concordante com a decisão de 2004.

129    A decisão impugnada está também viciada por falta de fundamentação, uma vez que não dá resposta à análise constante de um relatório elaborado por um professor e barrister, antigo membro da Câmara de Recurso do IEP, que expõe em detalhe os erros cometidos pela Comissão em matéria de direito das patentes, confirmando a veracidade das alegações da Microsoft. Resulta ainda do relatório que a Comissão e o mandatário independente examinaram a patenteabilidade das tecnologias tendo em conta o estado da técnica em 2007 e não no momento em que a Microsoft solicitou a concessão da patente, tomando assim em consideração as tecnologias surgidas após a primeira implementação das tecnologias cruciais para a Microsoft. Ora, desta forma nenhuma empresa poderia demonstrar que a sua tecnologia é nova e não‑evidente e haveria discriminação arbitrária entre as diversas tecnologias em função da escolha da Microsoft de requerer a concessão ou não de uma patente. Aliás, a decisão impugnada só contém referências vagas, sem comparar especificamente as reivindicações dessas tecnologias e as tecnologias abrangidas no estado da técnica.

130    Independentemente de exemplos concretos, os erros de princípio identificados pela Microsoft viciam por inteiro a análise da Comissão, de forma que o Tribunal Geral deveria declarar a ilegalidade da decisão impugnada no quadro do controlo total que tem de exercer. De qualquer modo, a existência de inovação a níveis menos atomizados resulta do facto de na decisão impugnada a Comissão ter alterado a sua apreciação e ter passado a entender que a Microsoft tinha o direito de pedir uma remuneração para as licenças concedidas no quadro das convenções diferentes da Convenção No Patent. Ora, a documentação técnica era idêntica no âmbito de todas as convenções WSPP.

131    A ACT acrescenta que a abordagem da Comissão favorece a cessão das tecnologias de valor a preços anormalmente baixos, impede o investimento na investigação desvalorizando horizontalmente os direitos de propriedade intelectual e favorece de modo desproporcionado o modelo open source, em detrimento das pequenas e médias empresas com vocação para a inovação.

132    Apoiada pela SIIA e pela Oracle, a Comissão sublinha que o presente fundamento é inoperante, dado que o dispositivo da decisão impugnada não assenta apenas na apreciação do carácter inovador das tecnologias em questão, mas também no resultado da avaliação do mercado das tecnologias comparáveis. Ora, uma vez que a Microsoft não contestou a conclusão que figura no n.° 54, supra, a rejeição dessa conclusão na réplica não preenche os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c) ou do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de processo do Tribunal Geral. Além disso, como resulta dos considerandos 165, 220, 221 e 280 da decisão impugnada, a análise do carácter inovador é independente da análise de avaliação de mercado. Por preocupação de exaustividade, a Comissão e as intervenientes que a apoiam consideram improcedente este fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

133    Há que afastar desde já a tese da Comissão segundo a qual o presente fundamento é inoperante.

134    Com efeito, se é verdade que os três critérios que fazem parte dos princípios de avaliação WSPP devem ser preenchidos cumulativamente, o segundo e o terceiro estão conceptualmente ligados, no sentido de que, se as tecnologias em questão forem consideradas inovadoras, a exigência de que a avaliação de mercado se reporte às tecnologias «comparáveis» não é preenchida pelo simples facto de as mesmas serem tecnologias de interoperabilidade.

135    A este respeito, importa salientar que, se as tecnologias que consistem em informações relativas à interoperabilidade forem consideradas inovadoras, mas se a avaliação de mercado sobre as tecnologias de interoperabilidade não inovadoras demonstrar que estas tecnologias estão disponíveis gratuitamente, para garantir o efeito útil da comparação seria ainda necessário excluir que esse facto é devido ao carácter não inovador das tecnologias em questão.

136    Daqui decorre que, se se verificar que as apreciações da Comissão sobre o carácter inovador das tecnologias abrangidas pela Convenção No Patent não são válidas, esta circunstância pode afetar as premissas da avaliação de mercado constantes dos considerandos 222 a 237 da decisão impugnada, uma vez que não resulta desses considerandos que a análise em questão se tenha referido a tecnologias inovadoras.

137    Esta conclusão não é contrariada pelo considerando 237 da decisão impugnada, segundo o qual, no seu relatório apresentado em 27 de fevereiro de 2007 (v. n.° 51, supra), o mandatário independente identificou tecnologias comparáveis às tecnologias inovadoras da Microsoft. Com efeito, contrariamente aos relatórios de 3 de março e 8 de julho de 2007, a partir dos quais foi elaborado o quadro anexo à decisão impugnada, os factos pertinentes deste relatório não fazem parte dos fundamentos da decisão impugnada. Nestas condições, não é possível verificar se as tecnologias tomadas em consideração pelo mandatário independente também são comparáveis às tecnologias consideradas não inovadoras pela Comissão no caso de esta apreciação ser errada. O mesmo se diga das menções que constam dos considerandos 223 e 231 da decisão impugnada, segundo as quais as tecnologias comparáveis incluem «em certos casos» tecnologias patenteadas. Tais exemplos de tecnologias relativas aos protocolos são indicados nos considerandos 224 e 232 da decisão impugnada. No entanto, não resulta desta apresentação sumária que essas tecnologias sejam comparáveis, do ponto de vista funcional, com a totalidade das tecnologias relativas aos protocolos em questão.

138    Quanto ao presente fundamento, importa salientar, a título preliminar, que a distinção entre o valor estratégico e o valor intrínseco das tecnologias que são objeto da decisão impugnada constitui uma premissa fundamental da apreciação do carácter razoável de qualquer remuneração exigida pela Microsoft para permitir o acesso a essas informações relativas à interoperabilidade e autorizar a sua utilização.

139    A este respeito, importa recordar que, para que a recusa de uma empresa titular de um direito de autor em permitir o acesso a um produto ou a um serviço indispensável para exercer uma atividade determinada possa ser qualificado de abusiva, basta que três condições cumulativas estejam preenchidas: que essa recusa impeça o aparecimento de um produto novo para o qual exista uma procura potencial dos consumidores, que seja injustificada e que seja de molde a excluir totalmente a concorrência num mercado derivado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2004, IMS Health, C‑418/01, Colet., p. I‑5039, n.° 38).

140    No presente caso, já se constatou que, na medida em que as três condições cumulativas enunciadas no n.° 139 se mostravam preenchidas, a recusa por parte da Microsoft de facultar o acesso às informações relativas à interoperabilidade e de autorizar a sua utilização era abusiva (v., neste sentido, acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 18, supra, n.os 711 e 712).

141    Neste contexto, qualquer medida corretiva que vise coagir a Microsoft a divulgar as informações relativas à interoperabilidade e a autorizar a sua utilização por outros operadores para desenvolverem e distribuírem sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho devia excluir a possibilidade de a Microsoft se aproveitar de contrapartidas comparáveis às vantagens que retirava da exploração abusiva da sua posição dominante no mercado dos sistemas operativos para PC clientes.

142    Por outro lado, permitir à Microsoft praticar a taxa de remuneração que reflete o valor resultante da simples possibilidade de interoperar com os sistemas operativos da Microsoft, ou seja, o valor estratégico decorrente do poder de que aquela beneficia no mercado dos sistemas operativos para PC clientes ou dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, equivale a conceder‑lhe o direito de converter as vantagens do abuso em remuneração de licenças. Ora, o reconhecimento de tal direito iria por definição contra o objetivo enunciado no considerando 1003 da decisão de 2004, destinado a permitir uma concorrência viável com o sistema operativo para servidores de grupo de trabalho da Microsoft, uma vez que esta tem possibilidade de exigir taxas de remuneração proibitivas de qualquer concorrente potencial. Tais taxas não poderiam, portanto, ser consideradas razoáveis, na aceção do considerando 1008, ii), e do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, como referem os considerandos 106 e 107 da decisão impugnada.

143    Além disso, como indicado no considerando 118 da decisão impugnada, a aplicação dos princípios de avaliação WSPP (v. n.° 31, supra) e, em particular, o critério relativo ao carácter inovador das tecnologias em questão, permite avaliar se os montantes de remuneração exigidos pela Microsoft refletem o valor intrínseco de uma tecnologia e não o seu valor estratégico. Com efeito, o valor intrínseco de produtos como os que estão aqui em causa consiste no seu carácter inovador. Em contrapartida, o facto de essas tecnologias terem constituído segredos de negócios em virtude da política seguida pela Microsoft não constitui um indicador da existência de um valor que não seja estratégico.

144    Se há que excluir qualquer valor estratégico das tecnologias em questão como exposto no n.° 142, supra, e nos considerandos 105 e 107 da decisão impugnada (v. n.os 29 e 30, supra), uma avaliação de mercado das tecnologias comparáveis, como exposta nos n.os 134 e 135, supra, também se impõe, pois é de excluir que tais tecnologias sejam oferecidas, segundo os usos comerciais, mediante taxas de remuneração substancialmente inferiores às exigidas pela Microsoft, ou mesmo gratuitamente. É precisamente este método que conduz a uma apreciação do valor que teriam as informações relativas à interoperabilidade na falta de qualquer operador dominante, como exige a ACT. Em contrapartida, na falta de inovação, o carácter secreto, por si só, não representa para um titular um valor que não seja estratégico, uma vez que os custos fixos de desenvolvimento, não são, na própria opinião da PricewaterhouseCoopers, perito nomeado pela Microsoft, expressa num relatório de 24 de agosto de 2006, um fundamento correto para a apreciação do valor da propriedade intelectual.

145    Daqui resulta que a aplicação dos princípios de avaliação WSPP satisfaz objetivamente e independentemente de qualquer acordo entre a Microsoft e os seus potenciais clientes a necessidade de apreciar se as taxas de remuneração exigidas pela Microsoft são razoáveis, na aceção do considerando 1008, II), e do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

146    O argumento da Microsoft segundo o qual os princípios de avaliação WSPP se destinavam a ser usados pelas partes num contrato de licença eventual pelo mandatário independente e pela High Court of Justice, mas não pela Comissão, não pode ser acolhido. Com efeito, nada impede a Comissão de recorrer à aplicação dos princípios em questão se eles forem adequados para efeitos da aplicação do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

147    Porém, esta conclusão não faz presumir que a aplicação destes princípios é correta, aplicação que a Microsoft põe igualmente em causa. A este respeito, há que sublinhar que a Microsoft não critica a apreciação da Comissão sobre o carácter inovador de nenhuma das 166 tecnologias consideradas não inovadoras, mas contesta a definição dos critérios utilizados para analisar a existência de inovação em geral.

148    A este respeito, há que observar antes de mais que, como resulta do considerando 138 da decisão impugnada, a fim de apreciar o carácter inovador das tecnologias em questão, a Comissão recorreu aos conceitos de novidade e de não‑evidência «enquanto conceitos correntes em matéria de propriedade intelectual». Resulta desta citação que a Comissão atribuiu aos conceitos de novidade e de não‑evidência o significado que eles têm no domínio da propriedade intelectual.

149    Importa observar, neste contexto, que, segundo o considerando 138 da decisão impugnada, a Comissão definiu como nova tecnologia não compreendida no estado da técnica e como não evidente uma tecnologia que não é evidente para um especialista. Estas definições correspondem às de novidade e de atividade inventiva que figuram, respetivamente, no artigo 54.° e no artigo 56.° da Convenção sobre a concessão de patentes europeias, de 5 de outubro de 1973, conforme alterada. Na medida em que se admitiu a legitimidade da atuação da Comissão que consistiu numa apreciação do carácter inovador das tecnologias da Microsoft (v. n.os 133 a 146, supra), não se pode contestar que a Comissão tem o direito de apreciar o carácter inovador dessas tecnologias por referência aos seus elementos constitutivos, ou seja, a novidade e a não‑evidência, resultando esta do conceito de atividade inventiva. Há que acrescentar, a este respeito, que numa carta de 4 de maio de 2006 a Microsoft afirma que a inovação deve ser apreciada segundo critérios da novidade e da atividade inventiva, embora considere que a apreciação do carácter inovador não pode suplantar o direito ao segredo comercial. Numa carta de 31 de julho de 2006 (v. n.° 47, supra), a Microsoft reconheceu que o critério da inovação, enquanto «filtro do valor estratégico», tem o sentido que lhe é atribuído no direito das patentes e apresentou os seus relatórios sobre a inovação tendo em conta esta definição.

150    Contrariamente ao que alegou a Microsoft, apreciar, no âmbito do presente processo, o carácter inovador das tecnologias que são objeto da decisão impugnada com referência à novidade e à atividade inventiva não tem a consequência de eliminar, em geral, o valor dos direitos de propriedade intelectual dos segredos comerciais ou outras informações confidenciais nem, por maioria de razão, de impor esse critério como condição para que um produto ou uma informação possam ficar abrangidos por esse direito ou constituir um segredo comercial em geral. Com efeito, como resulta das considerações precedentes, essa apreciação tem por objetivo permitir a aplicação do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004, o qual, interpretado à luz dos considerandos 1003 e 1008, alínea ii), da mesma decisão, proíbe, atendendo ao abuso especificamente constatado, que o pagamento exigido pela Microsoft reflita o valor estratégico das tecnologias em causa. Este objetivo é expressamente declarado nos princípios de avaliação WSPP elaborados na sequência de negociações entre a Comissão e a Microsoft (v. n.os 25, 31 e 87, supra).

151    Por outro lado, a Microsoft não propôs um conteúdo mais apropriado dos conceitos de novidade e de não‑evidência que fosse igualmente apto a excluir qualquer valor estratégico dessas tecnologias, pelo que não se pode deixar de concluir que a sua argumentação não aponta nenhum erro que afete a legalidade da decisão impugnada, na parte em que a Comissão indicou ter recorrido aos conceitos de novidade e de não‑evidência.

152    Importa acrescentar que, mesmo que, no âmbito da aplicação da Convenção sobre a concessão de patentes Europeias, a Grande Câmara de Recurso do IEP seja de opinião de que a apreciação da não‑evidência se deve fazer unicamente por referência a reivindicações que impliquem programas executados por computador e que tenham carácter técnico (v., neste sentido, parecer G 3/08, JO IEP de 2011, 1, ponto 10.13 dos motivos), a Microsoft não alega que seja inconcebível apreciar a não‑evidência das tecnologias em causa num contexto diferente do da concessão de uma patente sem examinar previamente o seu carácter técnico. Além disso, de um ponto de vista jurídico, o exame do carácter técnico das reivindicações que implicam programas executados por computador constitui uma medida adequada ao procedimento de concessão de uma patente, dado o carácter não patenteável dos programas de computador «enquanto tais» (v., por exemplo, artigo 52.°, n.os 2 e 3, da Convenção sobre a concessão de patentes europeias).

153    A argumentação da Microsoft segundo a qual a Comissão aplicou os critérios da novidade e da atividade inventiva de modo demasiado restritivo e, portanto, de forma contrária ao direito das patentes, de modo que só as tecnologias «verdadeiramente pioneiras totalmente diferentes do estado da técnica» são qualificadas de inovadoras e que a existência das referências ao estado da técnica relativas a conceitos em geral semelhantes aos utilizados pela Microsoft equivale ao carácter evidente das tecnologias abrangidas pela decisão impugnada (v. n.° 126, supra), também não procede. Com efeito, além do recurso a afirmações gerais, a Microsoft não apresenta nenhum argumento que ponha em causa as apreciações concretas formuladas sobre o carácter inovador das tecnologias em questão e que permita ao Tribunal verificar o mérito desta alegação.

154    Além disso, uma vez que as tecnologias que a Microsoft apresentou como inovadoras foram examinadas uma a uma e que a Comissão fez uma apreciação sobre o carácter inovador de cada uma delas, a Microsoft não tem razão em sustentar que o seu carácter inovador foi rejeitado coletivamente por causa de uma aplicação alegadamente incorreta dos critérios da novidade e da atividade inventiva.

155    O mesmo se diga da apreciação das conjugações alegadamente inovadoras de tecnologias que, se consideradas separadamente, não teriam carácter inventivo. A este propósito, segundo os considerandos 146 a 156 da decisão impugnada, as combinações de tecnologias que a Microsoft alegou foram efetivamente analisadas enquanto tais e não foram consideradas inovadoras. Esta circunstância é confirmada nas páginas 1, 5, 8, 13, 21, 22, 29, 31, 34, 39, 61, 64 e 68 do quadro anexo à decisão impugnada, de que resulta que a Comissão apreciou o carácter inovador de 19 combinações de tecnologias uma a uma. Segundo a exposição que figura nessas páginas do referido quadro, lida em conjugação com as páginas 4, 8, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 28, 29, 39, 40, 41,43, 58, 66, 70, 111, 120 e 129 do relatório do mandatário independente de 8 de julho de 2007 e das páginas 7, 73 e 78 do relatório do mandatário de 3 de março de 2007 (v. n.° 52, supra), a Microsoft não apresentou, durante o processo administrativo, pormenores, provas ou outras razões que permitam concluir pelo carácter inovador de 18 das 19 combinações de tecnologias em questão. Por outro lado, é também observado nos referidos relatórios que as tecnologias constitutivas das combinações em causa relevam do estado da técnica. Nestas condições, incumbia à Microsoft indicar as razões específicas que tornavam inovadora a combinação das tecnologias não inovadoras, não podendo o mandatário independente ou a Comissão ser obrigados a apoiar os motivos em que a Microsoft pretendia fundamentar essa inovação.

156    Além disso, como decorre da página 7 do quadro anexo à decisão impugnada, a Comissão subscreveu o entendimento do mandatário independente exposto na página 32 do seu relatório de 8 de julho de 2007, que reconhece o carácter inovador da tecnologia Referral Management, que consiste numa combinação de diferentes métricas num algoritmo complexo.

157    No seu recurso, a Microsoft não apresenta nenhum argumento destinado a demonstrar que a apreciação da Comissão sobre o carácter inovador de uma ou de várias dessas conjugações de tecnologias, baseada nos relatórios do mandatário independente, esteja viciada por erros específicos. Nestas condições, como se refere no n.° 153, supra, as alegações gerais sobre a pretensa atomicidade da abordagem adotada pela Comissão não podem ser acolhidas por falta de referência a elementos concretos que corroborem a sua materialidade.

158    Quanto às alegações da Microsoft, constantes da sua resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, segundo as quais a Comissão indicou, durante o procedimento administrativo, que o carácter inovador das tecnologias incluídas nos protocolos File Replication Service e Directory Replication Service devia ser apreciado ao «nível» desses protocolos, há que salientar que, como resulta das páginas 13, 21 e 22 do quadro anexo à decisão impugnada, a Comissão apreciou o carácter inovador de sete combinações de tecnologias no âmbito desses protocolos. Ora, as alegações da Microsoft não permitem compreender as razões pelas quais esse exame não correspondia às reivindicações de inovação por ela formuladas, nem as razões específicas pelas quais seria necessária uma apreciação diferente.

159    Contrariamente ao que alega a Microsoft (v. n.° 130, supra), a Comissão não cometeu nenhum «erro de princípio» que fira a sua análise por inteiro, independentemente de exemplos concretos de apreciação viciada por erros dessa natureza.

160    No respeitante ao argumento da Microsoft segundo o qual a inexistência de objeções da Comissão à cobrança das taxas de remuneração para as licenças concedidas no quadro das convenções diferentes da Convenção No Patent implica a existência de inovação a níveis menos «atomísticos», uma vez que a documentação técnica era idêntica no âmbito de todas as convenções WSPP, não pode ser acolhido. Com efeito, resulta dos considerandos 132 e 162 a 164 da decisão impugnada que a Comissão aceitou a possibilidade de a Microsoft receber uma remuneração que não seja meramente simbólica para as convenções diferentes da Convenção No Patent, na medida em que as convenções em causa conduzam à concessão de licenças de patentes que cubram a tecnologia que faz parte da documentação técnica, sem prejuízo da validade das patentes em questão. Ora, como foi referido no n.° 121 supra, a noção de Microsoft Licensed Intellectual Property inclui, no âmbito da Convenção No Patent, o know‑how, os segredos industriais, os segredos comerciais, as informações confidenciais e os direitos de autor, com exclusão expressa de qualquer direito protegido por uma patente ou por um pedido de patente pendente.

161    Decorre das apreciações precedentes que a Microsoft não logrou pôr em causa as conclusões da Comissão relativas à inexistência de carácter inovador das tecnologias e combinações de tecnologias. De resto, a referência geral aos documentos apresentados durante o processo administrativo, que divulgariam os erros da Comissão a esse respeito (v. n.° 128, supra), não é manifestamente suficiente para esse efeito.

162    Quanto à alegação da Microsoft relativa a uma alegada falta de fundamentação relativa à apreciação do carácter inovador das tecnologias em questão (v. n.° 129, supra), resulta da jurisprudência referida no n.° 99, supra, que a Comissão está obrigada a expor com clareza e de forma inteligível as razões pelas quais entende que cada tecnologia é ou não inovadora. Esta exigência não implica que a Comissão seja obrigada a expor, para além dos elementos que justificavam a sua apreciação, as razões porque os elementos ou os argumentos expostos durante o processo administrativo não põem em causa a sua conclusão. A questão de saber se à luz destes elementos ou desses argumentos importa invalidar as conclusões da Comissão releva da análise do mérito da decisão impugnada, sendo que a Microsoft é livre de as invocar perante o Tribunal Geral e de pedir a anulação da decisão impugnada com este fundamento.

163    Quanto ao argumento da Microsoft segundo o qual a Comissão e o mandatário independente examinaram o carácter inovador das tecnologias tendo em conta o estado da técnica de 2007 e não no momento em que pediu a concessão de uma patente (v. n.° 129, supra), não se pode deixar de observar que não corresponde aos factos. Com efeito, segundo a nota de pé de página n.° 149 da decisão impugnada, tanto a Comissão como o mandatário independente tiveram em conta a data reivindicada pela Microsoft. Ora, a Microsoft não apresenta nenhum elemento suscetível de pôr em causa esta apreciação e não indica casos concretos em que a referência ao estado da técnica é posterior à data sempre reivindicada pela Microsoft.

164    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve improceder.

 Quanto ao quarto fundamento, baseado no carácter ilegal da utilização dos relatórios do mandatário independente

 Argumentos das partes

165    Segundo a Microsoft, a anulação do artigo 7.° da decisão de 2004 pelo acórdão Microsoft/Comissão, já referido no n.° 18, supra, implica a ilegalidade da totalidade das ações do mandatário independente, como o pedido e a receção dos documentos e outros elementos provenientes diretamente da Microsoft e a preparação de relatórios com base nesses documentos e elementos. Ora, no caso em apreço, a Comissão baseou a decisão impugnada nos relatórios elaborados pelo mandatário independente, que obteve os elementos de prova ao abrigo de uma delegação de poderes ilegal. Assim, a Comissão não tomou todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 18, supra.

166    Independentemente da questão de saber se o mandatário independente utilizou os poderes que lhe tinham sido ilegalmente atribuídos, a decisão de 28 de julho de 2005 (v. n.° 14, supra) seria indubitavelmente baseada na delegação de poderes que o Tribunal Geral aprovou, pelo que a Comissão não podia basear a decisão impugnada nesses relatórios.

167    Nestas condições, a questão de saber se a Microsoft era obrigada a dar seguimento aos pedidos do mandatário independente e se a Comissão acedeu legalmente às informações em questão através do mandatário independente ou da Microsoft são destituídas de interesse, uma vez que o mandatário independente agiu no quadro dos poderes que a Comissão lhe delegara.

168    Por último, visto que, como resulta do anexo da decisão impugnada, a TAEUS não executou as mesmas funções que o mandatário independente, a sua intervenção não é relevante neste contexto.

169    A Comissão e as intervenientes que a apoiam contestam este fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

170    Importa recordar que o artigo 7.° da decisão de 2004 foi anulado, por ordenar à Microsoft que apresente uma proposta sobre a criação de um mecanismo que deve compreender a designação de um mandatário independente dotado de poderes para aceder, com independência da Comissão, à assistência, às informações, aos documentos, às instalações e aos trabalhadores da Microsoft e ao «código fonte» dos produtos pertinentes da Microsoft (v. n.° 18, supra).

171    Além disso, resulta dos n.os 1268 e 1271 do acórdão Microsoft/Comissão, já referido no n.° 18, supra, que os direitos conferidos ao mandatário independente e descritos no n.° 170, supra, vão muito além da situação em que a Comissão designa seu próprio perito, pois o artigo 7.° da decisão de 2004 confere ao mandatário independente poderes que só a Comissão podia exercer.

172    Contrariamente ao que alega a Microsoft, o facto de o considerando 33 e o artigo 3.º, n.º 2 da decisão de 28 de julho de 2005 (v. n.° 14, supra) se basearem nos poderes em questão do mandatário independente é irrelevante, uma vez que, quando muito, esta circunstância influenciaria a legalidade dessa decisão, que foi dirigida à Microsoft e contra a qual esta não interpôs recurso.

173    Quanto à questão de saber se o mandatário independente enviou pedidos à Microsoft nos termos do artigo 3.º, n.º 2 da decisão de 28 de julho de 2005, a Comissão alega que ele não exerceu esse poder nem utilizou o «código fonte» da Microsoft para redigir os seus relatórios. A Comissão acrescenta que todas as comunicações entre a Microsoft e o mandatário independente ocorreram numa base voluntária em conformidade com o artigo 4.º, n.º 1 da decisão de 28 de julho de 2005.

174    A este respeito, há que salientar que, segundo o artigo 3.º, n.º 2 da decisão de 28 de julho de 2005, o mandatário independente pode pedir informações à Microsoft. Além disso, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 da mesma decisão, a Microsoft é livre de responder aos pedidos formulados pelo mandatário independente, ao passo que a Comissão se reserva o direito de exercer as suas competências ao abrigo do Regulamento n.° 1/2003 em caso de falta de resposta numa base voluntária.

175    Assim, o artigo 3.º, n.º 2 da decisão de 28 de julho de 2005, interpretado em conjugação com o artigo 4.º, n.º 1, não é afetado pela anulação parcial do artigo 7.° da decisão de 2004, decretado no n.° 1, primeiro travessão, da parte decisória do acórdão Microsoft/Comissão, uma vez que essas disposições apenas dão ao mandatário independente a possibilidade de entrar em contacto direto com a Microsoft a fim de executar a sua missão, não lhe conferindo o poder de tomar medidas coercivas, pois estas estão expressamente reservadas para a Comissão.

176    Além disso, não se contesta que no presente processo as informações obtidas da Microsoft foram utilizadas pelo mandatário independente a fim de elaborar relatórios com base nos quais a Comissão formulou as apreciações que constam da decisão impugnada.

177    Importa acrescentar que a Comissão seguiu a única via que permitia a regularização da situação de um modo conforme com o acórdão Microsoft/Comissão, no quadro do artigo 233.° CE, ou seja, pedindo à Microsoft, nos termos do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que comunicasse à Comissão todos os documentos ou outros elementos a que o mandatário independente tivesse tido acesso diretamente.

178    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação dos direitos de defesa

 Argumentos das partes

179    A Microsoft alega que o envio da comunicação de acusações em 1 de março de 2007, ou seja, sete meses antes do fim do período que a Comissão teve em conta para demonstrar a não conformidade com o artigo 5.° da decisão de 2004 (22 de outubro de 2007), a impediu de expor o seu ponto de vista sobre o conjunto dos elementos contra ela formulados. Com efeito, quer a comunicação de acusações quer a carta sobre os factos apenas contêm apreciações preliminares, na aceção do artigo 5.°, alínea d), da decisão de 2004, e não dão à Microsoft a oportunidade de exprimir o seu ponto de vista sobre a totalidade dos factos considerados na aplicação da sanção pecuniária compulsória, cujo objetivo é diferente do de uma coima. Assim, a Microsoft não pôde tomar posição sobre a limitação do objeto da decisão impugnada, que se concentrou na conformidade com o artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 exclusivamente na perspetiva da Convenção No Patent e que revela que a Comissão admitiu o carácter inovador de três tecnologias suplementares relativamente à posição expressa na comunicação de acusações. Estas circunstâncias são cruciais atendendo ao artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Além disso, a Microsoft não terá podido alegar que a conformidade do seu comportamento com as obrigações impostas pela decisão de 2005 deveria ter conduzido a uma redução significativa do montante da sanção pecuniária compulsória nem comentar a duração do período considerado pela Comissão. Finalmente, a Microsoft não teve oportunidade de indicar certos erros de facto cometidos pela Comissão, como o cálculo da sanção pecuniária compulsória até 22 de outubro de 2007, quando a Microsoft apresentou a proposta que foi considerada razoável em 9 de outubro de 2007.

180    Desta forma, a Comissão comprometeu também o papel do Comité dos acordos e de posições dominantes, que deve consultar por força do artigo 14.° do Regulamento n.° 1/2003.

181    A Comissão contesta a procedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

182    Segundo a jurisprudência, a comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, mesmo sumariamente, para permitir aos interessados tomarem efetivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são censurados pela Comissão. Só assim a comunicação de acusações pode desempenhar a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários e que consiste em fornecer todos os elementos necessários às empresas para que elas possam fazer valer utilmente a sua defesa antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colet., p. II‑497, n.° 46, e a jurisprudência citada).

183    Esta exigência é respeitada desde que a decisão não impute aos interessados infrações diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas considere factos sobre os quais os interessados tenham tido oportunidade de se pronunciar (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 182, supra, n.° 47, e a jurisprudência aí referida).

184    Além disso, a comunicação de acusações constitui um procedimento preparatório da decisão, que constitui o último ato do procedimento administrativo. Por conseguinte, até à decisão final, a Comissão pode, à luz das observações escritas ou orais das partes, abandonar algumas ou mesmo a totalidade das acusações inicialmente articuladas e alterar a sua posição a seu favor, ou, ao invés, pode acrescentar novos fundamentos, desde que dê às empresas interessadas a oportunidade de se pronunciarem sobre eles (acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colet., p. II‑3275, n.os 114 e 115).

185    Quanto ao exercício dos direitos de defesa relativamente à aplicação de coimas, resulta de jurisprudência constante que, quando a Comissão indica expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito suscetíveis de implicar a aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da alegada infração e o facto de a mesma ter sido cometida, «com dolo ou por negligência», a Comissão cumpre o seu dever de audição das empresas. Desta forma, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só relativamente à constatação da infração mas também relativamente à possibilidade de aplicação de uma coima (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 182, supra, n.° 48, e jurisprudência citada).

186    Por último, quando a Comissão indica na comunicação de acusações, ou em qualquer outro documento posterior, cujo objetivo seja dar às empresas acusadas a possibilidade de tomarem conhecimento efetivo dos comportamentos que lhes são imputados, que a infração em causa ainda não terminou, a Comissão pode ter em conta, para efeitos do cálculo do montante da coima, o tempo decorrido entre a comunicação de acusações e a decisão que põe termo ao procedimento administrativo, desde que apenas considere os factos sobre os quais os interessados tenham tido oportunidade de se pronunciar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., p. II-491, n.os 575 e 576).

187    Pelas razões expostas no n.° 94, supra, as considerações precedentes são aplicáveis plenamente no contexto das sanções aplicadas por força do artigo 24.° do Regulamento n.° 1/2003. Além disso, contrariamente ao que alega a Microsoft, a comunicação de acusações e a carta sobre os factos são comunicações, na aceção do artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, e não apreciações preliminares, na aceção do artigo 5.°, alínea d), da decisão de 2004 (v. n.° 9, supra).

188    No presente caso, resulta dos n.os 267 e 276 da comunicação de acusações que a Comissão considerava que o comportamento da Microsoft não estava, em 1 de março de 2007, em conformidade com as obrigações impostas pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 e que se propunha fixar definitivamente o montante da sanção pecuniária compulsória que abrange o período compreendido entre 16 de dezembro de 2005, e a data da decisão definitiva.

189    Por outro lado, resulta do terceiro parágrafo da carta sobre os factos, bem como do n.° 54 do seu anexo I, que a Comissão considerava que as suas acusações permaneciam válidas à luz do esquema de remuneração apresentado em 21 de maio de 2007 (v. n.os 24 e 33, supra).

190    Assim, visto que o comportamento imputado à Microsoft na decisão impugnada não difere do apontado na comunicação de acusações e na carta sobre os factos, há que concluir que os direitos de defesa da Microsoft não foram violados nesse aspecto.

191    Quanto à circunstância de a Comissão ter limitado o objeto do seu inquérito à Convenção No Patent e admitido posteriormente à comunicação de acusações o carácter inovador de sete tecnologias, basta referir que a comunicação aos interessados de um complemento de acusações só é necessária se o resultado das averiguações levar a Comissão a imputar às empresas atos novos ou a modificar sensivelmente os elementos de prova das infrações contestadas, mas não o é quando a Comissão cumpre o seu dever de abandonar acusações que, à luz das respostas à comunicação de acusações, se tenham revelado infundadas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C 204/00 P, C 205/00 P, C 211/00 P, C 213/00 P, C 217/00 P e C 219/00 P, Colet., p. I‑123, n.os 67 e 192).

192    No que diz respeito ao erro de facto que a Microsoft não teve ocasião de assinalar à Comissão (v. n.° 179, in fine), não se pode deixar de observar que esse erro nunca existiu. Com efeito, tendo em conta a obrigação da Microsoft de propor uma taxa de remuneração razoável aos seus clientes (v. n.° 114, supra), só a proposta efetiva dessas taxas poderia pôr termo à infração, pois a simples comunicação da taxa de remuneração à Comissão para efeitos da apreciação do seu carácter razoável não cumpre as obrigações do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

193    Por último, resulta de uma carta de 15 de novembro de 2007, que o Comité dos acordos e de posições dominantes recebeu a comunicação de acusações, a carta sobre os factos e as respostas da Microsoft a estes documentos, pelo que teve conhecimento dos factos imputados à Microsoft.

194    O quinto fundamento deve, por conseguinte, ser rejeitado.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à falta de base jurídica para a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, bem como ao seu carácter excessivo e desproporcionado

 Argumentos das partes

195    A Microsoft alega, em primeiro lugar, que a Comissão não lhe podia aplicar uma coima sem ter previamente definido com precisão o comportamento que deveria adotar a fim de dar cumprimento à decisão de 2004. Além disso, a Microsoft não podia ser obrigada a dar cumprimento ao artigo 5.°, alínea a), da referida decisão, antes de o procedimento descrito alínea d) da mesma disposição estar concluído.

196    Em segundo lugar, a Comissão não criticou à Microsoft, através da decisão impugnada, a não conformidade no que se refere às taxas de remuneração relativas à Convenção No Patent e propostas como pontos de partida de negociações. Ora, seria absurdo conceder uma preponderância a uma Convenção WSPP, quando todas as convenções foram consideradas como abrangendo informações indispensáveis para os concorrentes da Microsoft.

197    Em terceiro lugar, decorre da decisão de 2006 que a Comissão fixou 75% da sanção pecuniária compulsória máxima aplicada à Microsoft para a obrigação de apresentar uma versão precisa e completa das informações relativas à interoperabilidade e 25% para a obrigação de propor taxas de remuneração razoáveis e não discriminatórias. Ora, ao impor no presente processo cerca de 60% da sanção pecuniária compulsória máxima pela violação da primeira parte da segunda das referidas obrigações, a Comissão ter‑se‑ia inexplicavelmente afastado da sua ponderação inicial, violando assim o princípio da proteção da confiança legítima. Além disso, a Comissão não explicou o método de cálculo da sanção pecuniária compulsória diária nem os princípios nos termos dos quais a Comissão calculou as reduções, de modo que a decisão recorrida está ferida de falta de fundamentação a esse respeito. Daí decorre igualmente que, na realidade, a Comissão não procedeu a uma ponderação coerente das diversas formas de incumprimento consoante a sua importância.

198    Em quarto lugar, a Microsoft sublinha que, dos 488 dias abrangidos pela sanção pecuniária compulsória, 306 foram consagrados à apreciação das propostas da Microsoft por parte da Comissão, o que põe em causa a sua posição sobre o carácter evidente das medidas que a Microsoft deveria ter tomado e demonstra o carácter não equitativo da sanção pecuniária compulsória aplicada.

199    Em quinto lugar, a Microsoft, apoiada pela ACT, reitera que, tendo em conta a recusa da Comissão de lhe prestar assistência substancial, indicando‑lhe o nível apropriado das taxas de remuneração, tomou todas as medidas que lhe eram possíveis para se conformar com a decisão de 2004.

200    Em sexto lugar, a sanção pecuniária compulsória correspondia a quarenta vezes a remuneração que a Microsoft teria exigido se todos os seus concorrentes tivessem celebrado convenções No Patent a taxas consideradas não razoáveis pela Comissão e ultrapassou de longe todas as coimas recentemente aplicadas por violação das regras de concorrência.

201    Em sétimo lugar, a Comissão não levou em conta o facto de a Microsoft se ter finalmente conformado com a decisão de 2004 e de ter reduzido nessa base o montante da sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

202    Em oitavo e último lugar, a Microsoft reitera que o período de não conformidade terminou em 9 de outubro de 2007 (v. n.° 179, supra).

203    A Comissão expõe que, para os 488 dias abrangidos pela decisão impugnada, a sanção teria podido ser de 1,423 mil milhões de euros. Ora, dado que, em primeiro lugar, o esquema adotado pela Microsoft em 22 de outubro de 2007 não suscita objeções quanto ao carácter razoável das taxas de remuneração, em segundo lugar, que a Microsoft aplicou taxas substancialmente inferiores a partir de 21 de maio de 2007 e, em terceiro lugar, que a decisão impugnada só diz respeito à Convenção No Patent, a sanção pecuniária compulsória aplicada representou cerca de 63% da sanção pecuniária compulsória máxima. Todavia, a redução abrange também o período anterior a 21 de maio de 2007, mas que não tinha de se estender a todo o período em causa. A sanção pecuniária compulsória cifra‑se em 2 milhões de euros por dia durante o período compreendido entre 21 de junho de 2006 e 20 de maio de 2007 e em 1,5 milhões de euros por dia durante o período compreendido entre 21 de maio e 21 de outubro de 2007. Segundo jurisprudência constante, não decorre do artigo 253.° CE que os elementos numéricos do cálculo de uma coima tenham de ser expostos na decisão da Comissão, e a mesma regra é aplicável no que respeita às sanções pecuniárias compulsórias. Nestas condições, os considerandos 281 a 299 da decisão impugnada fornecem uma fundamentação adequada a este respeito.

204    De resto, a Comissão e as intervenientes que a apoiam contestam os argumentos da Microsoft.

 Apreciação do Tribunal

205    Há que observar que o primeiro argumento da Microsoft exposto no n.° 195, supra, se confunde com o primeiro fundamento e que deve, por conseguinte, ser rejeitado pelas razões expostas nos n.os 82 a 97, supra. Quanto ao argumento da Microsoft segundo o qual entende que não pode ser obrigada a dar cumprimento ao artigo 5.°, alínea a), da decisão antes da conclusão do procedimento previsto no artigo 5.°, alínea d), basta referir que esta abordagem redundaria em conceder à Microsoft um direito de veto sobre a execução da decisão de 2004. Com efeito, bastaria que a Microsoft não cumprisse o seu dever, aliás claramente distinto, decorrente do artigo 5.°, alínea d), da decisão de 2004, para tornar inexequíveis as disposições a que se refere o artigo 5.°, alínea a).

206    Quanto aos argumentos da Microsoft relativos ao exercício, pelo Tribunal Geral da sua plena jurisdição, há que referir o seguinte.

207    Quanto ao argumento da Microsoft exposto no n.° 196, supra, há que salientar que a Comissão teve devidamente em conta a limitação do objeto do seu inquérito ao fixar o montante da sanção pecuniária compulsória a um nível claramente inferior ao previsto na decisão de 2006 (v. n.° 203, supra).

208    Aliás, como sustentam a Comissão e a SIIA, sendo a Convenção No Patent importante na medida em que os potenciais clientes da Microsoft não pretendam obter licenças com patentes, nada se opõe a que o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória seja fixado ao nível a que foi fixado na decisão impugnada.

209    A este respeito, e ainda que a Microsoft não invoque este argumento especificamente em apoio do seu pedido de revisão do montante da sanção pecuniária compulsória pelo Tribunal Geral, há que rejeitar a sua alegação de que a Comissão não pôs em causa a possibilidade de a Microsoft oferecer a Convenção No Patent apenas aos titulares de licenças que tivessem já uma licença para certas tecnologias patenteadas.

210    Mais precisamente, como resulta dos n.os 28, 29 e 38 a 41 da carta da Comissão de 17 de março de 2005, esta instituição comunicou à Microsoft que vários beneficiários potenciais da decisão de 2004 consideravam não ter necessidade de licenças relativas às tecnologias patenteadas da Microsoft para desenvolver sistemas operativos para servidores de grupos de trabalho compatíveis com os sistemas operativos para PC clientes da Microsoft. A Comissão rejeitou assim a proposta da Microsoft que consistia em propor um único tipo de licença que oferecesse simultaneamente tecnologias patenteadas e não patenteadas, pois essa venda conjunta não é objetivamente justificada e a Microsoft pode sempre perseguir perante os órgãos jurisdicionais nacionais competentes os titulares de licenças relativas às tecnologias não patenteadas no caso de eles as utilizarem de uma forma que viole as suas patentes, para as quais não obtiveram uma licença.

211    No mesmo contexto, por carta de 18 de abril de 2005, a Comissão propôs à Microsoft um projeto de Convenção No Patent sem licença prévia de tecnologias patenteadas, sob reserva expressa dos direitos da Microsoft resultante das suas patentes na aceção atrás referida. Além disso, em resposta a uma carta da Microsoft de 2 de maio de 2005, a Comissão voltou a expor, por carta de 28 de junho de 2005, que, para evitar a imposição de «licenças forçadas» relativas a tecnologias patenteadas não pretendidas pelos concorrentes da Microsoft, esta devia disponibilizar uma convenção sobre tecnologias não patenteadas, sem prejuízo dos direitos de patente. Nestas condições, incumbia aos interessados escolher as tecnologias patenteadas ou não patenteadas que consideravam necessárias para desenvolverem os seus produtos. Assim, na mesma carta, a Comissão rejeitou a versão do artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do projeto de Convenção No Patent de 7 de junho de 2005, proposto pela Microsoft, que previa que a referida convenção apenas estaria disponível para os titulares de uma licença incidente sobre as reivindicações de patentes «necessariamente infringidas» pela implementação das tecnologias não patenteadas que fazem parte das informações relativas à interoperabilidade.

212    Por carta de 8 de julho de 2005, a Microsoft propôs‑se inserir na Convenção No Patent uma frase que indicasse que quando nenhuma reivindicação necessária correspondesse aos elementos não patenteados que o interessado pretendesse adquirir sob a forma de licença, este não seria obrigado a comprar uma licença sobre os elementos patenteados. Na mesma carta, a Microsoft declarava esperar que essa clarificação respondesse de forma satisfatória à objeção da Comissão.

213    Por carta de 13 de julho de 2005, a Comissão respondeu à Microsoft que a clarificação era bem‑vinda, particularmente à luz «do artigo 11.º, n.º 4, alínea a), que estipula claramente que, se o titular da licença contestar as reivindicações necessárias, a Microsoft não pode pôr fim à licença por esse motivo».

214    Por último, como resulta da ata de uma reunião ocorrida em 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 2007 em Londres, é claro que, nessa reunião, a Microsoft interpretava a clarificação referida no n.° 212, supra, no sentido de implicar que, em caso de desacordo entre a Comissão e o comprador potencial de uma licença No Patent sobre a existência de «reivindicações necessárias», o segundo estava obrigado a tomar uma licença das patentes relativas às referidas reivindicações. A esse respeito, resulta da carta da Microsoft de 12 de fevereiro de 2007 que foi chamada a atenção sobre este ponto pela IBM num documento intitulado «Comentários», de 28 de janeiro de 2007 e que a Microsoft abandonou deste então essa interpretação.

215    Resulta da correspondência e da ata resumidas nos n.os 210 a 214, supra, que, desde o início, a Comissão expôs em termos claros à Microsoft que a venda conjunta de licenças relativas às tecnologias patenteadas e não patenteadas não é conforme com as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.° da decisão de 2004, na falta de justificação objetiva dessa ligação. A Comissão também precisou que, se um destinatário de uma licença potencial considerava não ter necessidade de uma licença relativa às tecnologias patenteadas da Microsoft para desenvolver produtos interoperáveis com os sistemas operativos para PC clientes da Microsoft, devia ser livre de não adquirir essa licença, correndo o risco de ser levado a tribunal se violar essas patentes. Nestas condições, o acordo que a Comissão exprimiu na sequência de um esclarecimento da Microsoft (v. n.os 212 e 213, supra) não significa que a interpretação da Comissão segundo a qual a clarificação em causa concedia aos tomadores de licenças potenciais o direito de escolher os elementos que pretendiam ter sob licença, sem que uma recusa da sua parte em adquirir uma licença sobre os elementos patenteados pudesse justificar a recusa da Microsoft em conceder uma licença para os elementos não patenteados. Assim, o reaparecimento da questão em janeiro de 2007 não é senão a consequência do facto de a Microsoft continuar a interpretar a sua clarificação de modo contrário ao pretendido pela Comissão e pelos tomadores de licença potenciais e não de um alegado acordo da Comissão de 13 de julho de 2005.

216    Além disso, não se pode deixar de observar que a justificação da Microsoft no quadro da correspondência com a Comissão, segundo a qual a aquisição de licenças de «reivindicações necessárias» como condição para a disponibilidade de uma Convenção No Patent protege os clientes da Microsoft nos órgãos jurisdicionais nacionais não pode ser acolhida. Com efeito, independentemente do facto de os concessionários de licença estarem em melhores condições do que a Microsoft para fazer a opção mais adequada para a proteção dos seus interesses, cabe‑lhes a eles assumir os riscos ligados à sua apreciação sobre o carácter necessário de reivindicações de patentes no âmbito do desenvolvimento de produtos interoperáveis com os produtos Microsoft. Ora, a Comissão indicou claramente à partida que a concessão de licenças no âmbito da Convenção No Patent não prejudicava os direitos decorrentes das patentes (v. n.os 210 e 211, supra).

217    Quanto ao argumento da Microsoft indicado no n.° 197, supra, basta constatar que, mesmo pressupondo que a Comissão se tenha afastado da ponderação a que procedeu na decisão de 2006, nada a obriga a segui‑la em decisões subsequentes. Com efeito, embora, no início, a Microsoft não divulgasse sequer uma versão precisa e completa das informações relativas à interoperabilidade, nessa fase era perfeitamente lógico impor uma sanção pecuniária compulsória, tendo em conta mais este aspecto do comportamento do que a questão das condições razoáveis em que se efetua a divulgação. No que respeita ao método de cálculo da sanção pecuniária compulsória, o exercício da competência de plena jurisdição do Tribunal Geral pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é exigida pelo dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C 248/98 P, Colet., p. I‑9641, n.° 40). Porque o montante da sanção pecuniária compulsória definitivamente fixado é inferior ao montante máximo previsto na decisão de 2006 e as informações que figuram no n.° 203, supra, são suficientes para compreender o seu cálculo, o argumento da Microsoft não é procedente.

218    Além disso, mesmo que os motivos que levaram a Comissão a fixar o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória para o período compreendido entre 1 de agosto de 2006 e 20 de maio de 2007 a um nível equivalente a dois terços da sanção pecuniária compulsória aplicada pela decisão de 2006 sejam igualmente válidos para efeitos do cálculo do montante final da sanção pecuniária compulsória para o período compreendido entre 21 de junho e 31 de julho de 2006, era adequado estabelecer para este último período um montante de 2 milhões de euros, equivalente à totalidade da sanção pecuniária compulsória aplicada pela decisão de 2005. Com efeito, a natureza do comportamento da Microsoft foi a mesma durante esses dois períodos, pelo que uma sanção pecuniária compulsória idêntica se justifica.

219    Quanto ao argumento da Microsoft indicado no n.° 198, supra, basta recordar que, dado que a Microsoft tinha a obrigação de propor taxas de remuneração razoáveis aos seus clientes potenciais (v. n.° 114, supra), o facto de uma parte da sanção pecuniária compulsória corresponder a períodos durante os quais a Microsoft esperava a apreciação da Comissão sobre uma nova proposta apresentada não atenua os efeitos do incumprimento pela Microsoft da decisão de 2004 e não constitui, assim, uma circunstância atenuante. O argumento da Microsoft exposto no n.° 199, supra, também não pode ser acolhido pelas mesmas razões já enunciadas no n.° 114, supra.

220    Quanto aos argumentos da Microsoft resumidos nos n.os 200 e 201, supra, há que salientar, em primeiro lugar, que a Microsoft não forneceu nenhum elemento de prova que demonstre que a sanção pecuniária compulsória aplicada é quarenta vezes superior à remuneração que teria exigido se a totalidade dos seus concorrentes tivessem celebrado convenções No Patent a taxas consideradas razoáveis pela Comissão. Em segundo lugar, em qualquer caso, atendendo à dimensão da Microsoft no que se refere ao volume de negócios, ao atraso com que forneceu uma versão precisa e completa das informações relativas à interoperabilidade e ao atraso suplementar em propor uma taxa de remuneração razoável com todos os benefícios que estas circunstâncias implicam em termos de quotas de mercado, a redução do montante da sanção pecuniária compulsória decidida pela Comissão (v. n.° 203, supra) reflete adequadamente quer a necessidade de um carácter dissuasor do montante da sanção pecuniária compulsória quer o facto de a Microsoft ter finalmente cumprido as suas obrigações decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004.

221    Além disso, como foi exposto no n.° 192, supra, só a proposta efetiva de taxas de remuneração razoáveis punha termo à infração, uma vez que a simples comunicação de taxas de remuneração à Comissão para efeitos de apreciação do seu carácter razoável não corresponde às obrigações fixadas no artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004. Daqui resulta que o argumento exposto no n.° 202, supra, não deve ser acolhido.

222    Porém, importa ainda ter em conta, no âmbito do exercício da competência de plena jurisdição de que o Tribunal Geral está investido ao abrigo do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 e que pode justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação cuja menção na decisão não é exigida (acórdão KNP BT/Comissão, n.° 217, supra, n.° 40), a carta de 1 de junho de 2005 do diretor‑geral da concorrência (DG Concorrência), enviada à Microsoft. Essa carta junta aos autos após audição oral das partes, diz respeito à questão de saber se, no âmbito da decisão de 2004, a Microsoft tinha o direito de proibir aos seus concorrentes a distribuição sob a forma de «código fonte» dos produtos interoperáveis com os sistemas operativos para PC clientes da Microsoft que entretanto tivessem desenvolvido. A este respeito, a Comissão considerou que a Microsoft estava obrigada, por força do artigo 5.° da decisão de 2004, a permitir a distribuição sob a forma de «código fonte» de software desenvolvido por concorrentes com base nos protocolos da Microsoft, na medida em que os protocolos da Microsoft aplicados nesses sistemas não fossem inovadores. Todavia, a Comissão indicou igualmente que, embora a Microsoft pudesse impedir essa distribuição até à prolação do acórdão no processo Microsoft/Comissão, já referido no n.° 18, supra, a recorrente devia entretanto tomar todas as medidas necessárias para assegurar que se o seu recurso não obtivesse provimento no tocante ao artigo 5.° da decisão de 2004, a Microsoft cumpriria imediata e plenamente o seu dever decorrente da referida disposição.

223    Daqui resulta que esta carta era suscetível de levar a Microsoft a pensar que podia manter restrições na distribuição dos produtos desenvolvidos pelos seus concorrentes com base nas informações relativas à interoperabilidade não cobertas por uma patente e não inventivas, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça no processo Microsoft/Comissão, já referido no n.° 18, supra, ou seja, até 17 de setembro de 2007.

224    A Comissão expôs na audiência, e a Microsoft não o impugnou, que a carta em questão constituía no essencial uma tentativa de conciliar, por um lado, o facto de ser necessário um período de dois a três anos para que um produto concorrente baseado em informações relativas à interoperabilidade pudesse ser desenvolvido e, por outro lado, o interesse legítimo da Microsoft de ver a situação restituída ao status quo ante em caso de anulação do artigo 5.° da decisão de 2004 pelo Tribunal Geral em resultado do processo Microsoft/Comissão. Dado que, segundo os indícios disponíveis na altura o Tribunal deveria proferir o acórdão aproximadamente no termo do período necessário ao desenvolvimento de um produto concorrente baseado nas informações sobre a interoperabilidade, a Comissão entendia ponderar adequadamente desta forma os diferentes interesses presentes no processo.

225    Importa observar que a carta da Comissão de 1 de junho de 2005 diz respeito a um aspecto da execução do artigo 5.° da decisão de 2004, ou seja, o acesso às informações relativas à interoperabilidade em condições não discriminatórias, que não é o fundamento da decisão impugnada. Com efeito, embora a Comissão se tenha referido durante o procedimento administrativo à prática de exclusão do modelo de desenvolvimento open source devido a determinadas cláusulas incluídas nas convenções propostas pela Microsoft (v., por exemplo, os n.os 65 a 70 do anexo à carta da Comissão de 17 de março de 2005), a decisão impugnada é fundamentada com o carácter não razoável dos preços propostos pela Microsoft relativamente ao período compreendido entre 21 de junho de 2006 e 21 de outubro de 2007 (v. n.° 55, supra).

226    Contudo, uma vez que a Comissão, perante a pendência de um recurso, e tendo em conta a natureza das obrigações impostas pelo artigo 5.° da decisão de 2004 e as consequências que poderiam decorrer da sua eventual anulação, permitiu à Microsoft pôr em prática durante um certo período uma prática que podia ter efeitos anticoncorrenciais que a decisão de 2004 visava eliminar, esta circunstância pode ser tomada em conta na determinação do montante da sanção pecuniária compulsória.

227    Para efeitos desta apreciação, há que ter em conta diversos elementos. Em primeiro lugar, não obstante o objeto da carta de 1 de junho de 2005, que era limitado à distribuição dos produtos desenvolvidos pelas concorrentes da Microsoft, esta última tinha praticamente continuado a recusar a quem desenvolvesse produtos open source o acesso às informações relativas à interoperabilidade, o que não era reconhecido pela referida carta como possibilidade legítima. Com efeito, de acordo com o espírito da carta em questão, a Microsoft podia, no máximo, limitar a possibilidade de essas pessoas distribuírem os seus produtos até à prolação do acórdão do Tribunal Geral no já citado processo Microsoft/Comissão, n.º 18, supra.

228    Em segundo lugar, como referido no n.° 68 do anexo à carta da Comissão de 17 de março de 2005, e como foi repetidamente exposto na audiência, as entidades que desenvolveram os programas open source contam‑se entre os principais concorrentes da Microsoft.

229    Em terceiro lugar, o atraso da Microsoft na colocação à disposição de uma versão precisa e completa das informações relativas à interoperabilidade (v. n.° 115) tornou a probabilidade de um produto concorrente poder ser desenvolvido e divulgado antes da prolação do acórdão Microsoft/Comissão numa possibilidade meramente teórica, confirmando assim a apreciação da Comissão exposta no n.° 224, supra.

230    Em quarto lugar, a prática pela Microsoft relativamente aos preços propostos até 21 de outubro de 2007 é suficiente, em si mesma, para tornar ineficaz o artigo 5.° da decisão de 2004 relativamente às pessoas que desenvolveram os programas open source.

231    Em quinto lugar, a Microsoft não apresentou nenhum elemento suscetível de indicar em que medida os efeitos anticoncorrenciais decorrentes do comportamento sancionado pela decisão impugnada se produziriam se a Comissão tivesse aplicado o tipo de comportamento descrito no ofício de 1 de junho de 2005, mas se tivesse cumprido a sua obrigação de propor preços razoáveis para as tecnologias não patenteadas e não inventivas. Ora, nada indica que os efeitos que se teriam produzido dessa forma tivessem sido mais do que marginais, atendendo ao que é indicado nos n.os 224 e 229, supra.

232    Nestas condições, o montante da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft deve ser fixado em 860 milhões de euros.

 Quanto às despesas

233    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do referido regulamento, o Tribunal pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas próprias despesas, se as partes obtiverem vencimento parcial ou por razões excecionais.

234    Tendo a Microsoft ficado vencida quanto aos cinco primeiros fundamentos, mas tendo obtido a redução do montante da sanção pecuniária compulsória no âmbito do sexto fundamento, há que decidir que a Microsoft suportará as suas próprias despesas, 95% das despesas da Comissão, com exceção das despesas da Comissão relacionadas com as intervenções da CompTIA e da ACT, e 80% das despesas efetuadas pela FSFE, pela Samba Team, pela SIIA, pela ECIS, pela IBM, pela Red Hat e pela Oracle.

235    A Comissão suportará 5% das suas próprias despesas, com exceção das ligadas às intervenções da CompTIA e da ACT.

236    A CompTIA e a ACT suportarão cada uma as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão relacionadas com as suas intervenções.

237    A FSFE, a Samba Team, a SIIA, a ECIS, a IBM, a Red Hat e a Oracle suportarão 20% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      O montante da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft Corp. no artigo 1.° da Decisão C (2008) 764 final da Comissão, de 27 de fevereiro de 2008, que fixa o montante definitivo da sanção pecuniária compulsória aplicada à Microsoft Corp. pela Decisão C (2005) 4420 final (processo COMP/C‑3/37.792 — Microsoft), é fixado em 860 milhões de euros.

2)      A Microsoft suportará as suas próprias despesas, 95% das despesas da Comissão Europeia, com exceção das despesas da Comissão relacionadas com as intervenções da The Computing Technology Industry Association, Inc. e da Association for Competitive Technology, Inc., e 80% das despesas efetuadas pela Free Software Foundation Europe eV e pela Samba Team, pela Software & Information Industry Association, pelo European Committee for Interoperable Systems, pela International Business Machines Corp., pela Red Hat Inc. e pela Oracle Corp.

3)      A Comissão suportará 5% das suas próprias despesas, com exceção das ligadas às intervenções da The Computing Technology Industry Association, Inc. e da Association for Competitive Technology, Inc.

4)      The Computing Technology Industry Association e a Association for Competitive Technology suportarão cada uma as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão relacionadas com as suas intervenções.

5)      A Free Software Foundation Europe e a Samba Team, a Software & Information Industry Association, o European Committee for Interoperable Systems, a International Business Machines, a Red Hat e a Oracle suportarão 20% das suas próprias despesas.

Forwood

Dehousse

Schwarcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de junho de 2012.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Decisão impugnada

Programa dos protocolos para servidores de grupo de trabalho

Comunicação de acusações

Apreciação do cumprimento das obrigações impostas pelo artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004

Critérios de apreciação do carácter razoável das taxas de remuneração exigidas pela Microsoft

Apreciação do carácter razoável das taxas de remuneração exigidas pela Microsoft

— Quadro geral

— Carácter inovador dos protocolos descritos na documentação técnica a que a Microsoft dá acesso ao abrigo da Convenção No Patent

— Avaliação de mercado das tecnologias comparáveis

Sanção Pecuniária compulsória

Tramitação e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, baseado no carácter ilegal da aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, antes de as obrigações da Microsoft decorrentes do artigo 5.°, alínea a), da decisão de 2004 terem sido concretizadas

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, baseado no erro cometido pela Comissão sobre a não razoabilidade das taxas de remuneração da Convenção No Patent

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erro cometido pela Comissão quanto aos critérios aplicados para apreciar o carácter inovador das tecnologias que são objeto da Convenção No Patent

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quarto fundamento, baseado no carácter ilegal da utilização dos relatórios do mandatário independente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação dos direitos de defesa

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao sexto fundamento, relativo à falta de base jurídica para a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, bem como ao seu carácter excessivo e desproporcionado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


** Língua do processo: inglês.