Language of document : ECLI:EU:C:2013:126

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 28 de fevereiro de 2013 (1)

Processo C‑681/11

Schenker & Co AG e o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Áustria)]

«Concorrência ― Cartéis― Artigo 85.° CEE, artigo 81.° CE e artigo 101.° TFUE ― Regulamento (CEE) n.° 17 ― Regulamento (CE) n.° 1/2003 ― Erro de uma empresa sobre o caráter ilegal do seu comportamento em matéria de cartéis (erro sobre a proibição) ― Caráter censurável do erro sobre a proibição ― Confiança nos conselhos de um advogado ― Confiança na exatidão da decisão de uma autoridade nacional da concorrência ― Regras de clemência previstas no direito nacional da concorrência ― Faculdade de uma autoridade nacional da concorrência de constatar uma infração ao direito dos cartéis sem aplicar sanções»





I ―    Introdução

1.        Pode uma empresa ser investigada devido a uma infração ao direito dos cartéis, quando esta empresa considerou, erradamente, que o seu comportamento era lícito? É esta, no essencial, a questão jurídica com a qual é confrontado o Tribunal de Justiça, no presente processo de reenvio prejudicial.

2.        Várias empresas de expedição são investigadas pela autoridade austríaca da concorrência por violação do artigo 101.° TFUE e das disposições correspondentes do direito nacional em matéria de cartéis, porque concluíram acordos sobre os preços durante vários anos. As empresas afetadas defendem‑se, no essencial, com o argumento de que confiaram de boa‑fé nos conselhos de um escritório de advogados especializado, bem como na decisão do órgão jurisdicional nacional competente, pelo que não podem ser acusadas de ter participado numa infração ao direito dos cartéis, nem lhes podem ser aplicadas coimas.

3.        Este caso mostra uma vez mais que as autoridades e os tribunais da concorrência, ao executarem as suas tarefas, se defrontam com problemas que não são muito diferentes dos que se colocam a nível do direito penal e cuja resolução pode levantar questões delicadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. As orientações fornecidas pelo Tribunal de Justiça sobre esta matéria revestem uma importância fundamental para o desenvolvimento e para a aplicação prática do direito europeu da concorrência, quer a nível da União quer a nível nacional.

II ― Quadro jurídico

A ―    O direito da União

4.        A nível do direito primário da União, o presente caso é regulado pelo artigo 85.° do Tratado C(E)E e pelo artigo 81.° CE, bem como pelos princípios gerais do direito da União. A nível do direito derivado, o Regulamento (CEE) n.° 17 (2) é pertinente para o período que vai até 30 de abril de 2004, ao passo que o Regulamento (CE) n.° 1/2003 (3) é pertinente a partir de 1 de maio de 2004.

1.      O Regulamento n.° 17

5.        Nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 17, as empresa e associações de empresas podiam obter da Comissão Europeia os chamados «certificados negativos»:

«A Comissão pode declarar verificado, a pedido das empresas e associações de empresas interessadas, que, face aos elementos ao seu dispor, não há razão para intervir, nos termos do n.° 1 do artigo 85.° ou do artigo 86.° [do Tratado CEE], relativamente a um acordo, a uma decisão ou a uma prática.»

2.      O Regulamento n.° 1/2003

6.        O artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003, sob a epígrafe «Competência das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência» estabelece o seguinte:

«As autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência têm competência para aplicar, em processos individuais, os artigos 81.° [CE e 82.° CE]. Para o efeito, podem, atuando oficiosamente ou na sequência de denúncia, tomar as seguintes decisões:

─        exigir que seja posto termo à infração,

─        ordenar medidas provisórias,

─        aceitar compromissos,

─        aplicar coimas, sanções pecuniárias compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respetivo direito nacional.

Sempre que, com base nas informações de que dispõem, não estejam preenchidas as condições de proibição, podem igualmente decidir que não se justifica a sua intervenção.»

7.        O artigo 6.° do Regulamento n.° 1/2003 contém a seguinte regra sobre a «Competência dos tribunais nacionais»:

«Os tribunais nacionais têm competência para aplicar os artigos [81.° CE e 82.° CE].»

8.        Nos termos do artigo 35.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, as autoridades nacionais de concorrência responsáveis pela aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE podem incluir os tribunais.

9.        As competências da Comissão Europeia estão reguladas do seguinte modo no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003:

«Se, na sequência de uma denúncia ou oficiosamente, a Comissão verificar uma infração ao disposto nos artigos [81.° CE ou 82.° CE] pode, mediante decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a porem termo a essa infração. [...] Quando exista um interesse legítimo, a Comissão pode também declarar verificada a existência de uma infração que já tenha cessado.»

10.      Além disso, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 confere à Comissão Europeia a faculdade de aplicar coimas:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

a) Cometam uma infração ao disposto nos artigos [81.° CE ou 82.° CE] [...]»

11.      Importa ainda mencionar o artigo 10.° do Regulamento n.° 1/2003, que contém a seguinte disposição sobre a «Declaração de não aplicabilidade»:

«Sempre que o interesse público comunitário relacionado com a aplicação dos artigos [81.° CE e 82.° CE] assim o exija, a Comissão, pode, através de decisão, declarar oficiosamente que o artigo [81.° CE] não se aplica a um acordo, decisão de associação de empresas ou prática concertada, quer por não estarem preenchidas as condições do n.° 1 do artigo [81.° CE], quer por estarem preenchidas as condições do n.° 3 do artigo [81.° CE].

[...]»

B ―    O direito nacional

12.      A Kartellgesetz 1988 (Lei sobre os cartéis de 1988, a seguir «KartG 1988») (4) esteve em vigor na Áustria entre 1 de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 2005. O § 16 da KartG 1988 definia o conceito de «cartéis de reduzida importância», da seguinte forma:

«Cartéis de reduzida importância são cartéis cuja quota no abastecimento, no momento em que surgem

1.      é inferior a 5% da totalidade do mercado nacional e

2.      é inferior a 25% de um eventual submercado local que exista no mercado nacional.»

13.      Nos termos do § 18, n.° 1 ponto 1, da KartG 1988, os cartéis de reduzida importância podem também ser postos em prática antes da sua autorização definitiva, a menos que os limiares, definidos no § 16 da KartG 1988, sejam ultrapassados pela adesão de outra empresa ao cartel.

14.      A Kartellgesetz 2005 (Lei sobre os cartéis de 2005, a seguir «KartG 2005») (5) está em vigor na Áustria desde 1 de janeiro de 2006. O § 1, n.° 1, da referida lei proíbe práticas anticoncorrenciais, de modo semelhante ao artigo 81.°, n.° 1, CE (atual artigo 101.°, n.° 1, TFUE). O § 2, n.° 2, ponto 1, da KartG 2005 exclui desta proibição «os cartéis nos quais participem empresas que, em conjunto, tenham uma quota inferior a 5% da totalidade do mercado nacional e a 25% de um eventual submercado local que exista no mercado nacional (cartéis de reduzida importância)».

15.      O § 28, n.° 1, da KartG 2005 dispõe:

«Quando a infração [...] tiver cessado, o Kartellgericht deve constatar a infração, se existir um interesse legítimo nisso.»

III ― Factos e litígio principal

16.      Está pendente nas jurisdições austríacas competentes em matéria de cartéis um litígio entre a Bundeswettbewerbsbehörde (autoridade austríaca da concorrência) e várias empresas de expedição que operam na Áustria.

17.      Este litígio tem origem num cartel que existiu durante vários anos no mercado austríaco de serviços de expedição de mercadorias, a chamada «Spediteurs‑Sammelladungs‑Konferenz» (conferência dos expedidores de mercadorias agrupadas «a seguir SSK»), que, sob a forma de «comunidade de interesses» contava entre os seus membros cerca de 40 empresas de expedição (6). No contexto da SKK, as empresas de expedição participantes concluíram acordos sobre as tarifas para o transporte nacional de mercadorias agrupadas, ou seja, para serviços de expedição em que os envios individuais de vários remetentes eram agrupados logisticamente num carregamento e distribuídos depois entre os vários locais de destino.

18.      A SSK surgiu nos meados dos anos 90. Atendendo à criação do Espaço Económico Europeu em 1 de janeiro de 1994, as empresas de expedição participantes pretendiam evitar conflitos com o direito europeu da concorrência. Por conseguinte, limitaram a sua cooperação ao território da República da Áustria.

19.      Em 30 de maio de 1994, a SSK tomou a forma de uma sociedade de direito civil, sob a condição suspensiva da sua autorização pelo Kartellgericht.

20.      Em 28 de junho de 1994, foi apresentado no Kartellgericht austríaco um pedido de autorização da SSK como «cartel convencionado»(7). Ao pedido estava junto o acordo‑quadro da SSK, e os requerentes expunham a situação à luz do direito austríaco e europeu dos cartéis. No processo perante o Kartellgericht foi apresentado um parecer interlocutório do Paritätischer Ausschuss für Kartellangelegenheiten (comité paritário para os cartéis) (8), no qual se concluía, a título provisório, que o cartel não afetava o comércio interestatal e que, por conseguinte, as disposições do direito europeu da concorrência não eram aplicáveis. Mas, como o Paritätischer Ausschuss considerou, no seu relatório definitivo, que a SSK «não se justificava economicamente», o pedido de autorização acabou por não ser mantido.

21.      Em 6 de fevereiro de 1995 a Zentralverband der Spediteure (associação central dos expedidores) pediu ao Kartellgericht a constatação de que a SSK era um «cartel de reduzida importância» no sentido do § 16 da KartG 1988 e que, por isso, podia ser implementada sem autorização (9). O Kartellgericht consultou o dossiê do procedimento de autorização de 1994(10) e teve deste modo conhecimento da opinião do Paritätischer Ausschuss, constante do seu parecer interlocutório sobre a questão da aplicabilidade do direito europeu da concorrência. Por decisão de 2 de fevereiro de 1996, o Kartellgericht constatou que a SSK era um cartel de reduzida importância na aceção do § 16 da KartG 1988. Esta decisão adquiriu força de caso julgado, uma vez que não foi interposto nenhum recurso contra ela.

22.      O escritório de advogados (11) consultado pelo «Kartellbevollmächtigter» (representante em matéria de cartéis) da SSK também defendeu o entendimento de que a SSK podia ser considerada um cartel de reduzida importância. Este entendimento é defendido em várias cartas nas quais o escritório de advogados prestou conselhos.

23.      Inicialmente, os advogados consultados consideraram que as atividades da SSK podiam ser exercidas sem reserva com base no seu acordo‑quadro. Na sua carta de 11 de março de 1996, os advogados indicaram os pontos que deviam ser observados para implementar a SSK como cartel de reduzida importância. Contudo, esta carta não abordava expressamente a questão da compatibilidade do cartel de reduzida importância com o direito europeu dos cartéis.

24.      Noutra carta de 2001, relativa à alteração da estrutura tarifária da SSK, o escritório de advogados mencionou ainda que a existência de um cartel de reduzida importância dependia apenas da questão de saber se as empresas envolvidas ultrapassavam, em conjunto, determinadas quotas de mercado.

25.      Atendendo à entrada em vigor em 1 de janeiro de 2006 da nova lei austríaca sobre os cartéis de 2005, a Zentralverband der Spediteure pediu ao escritório de advogados que examinasse de novo quais as repercussões das novas disposições legais sobre a SSK. Na sua resposta de 15 de julho de 2005, o escritório de advogados indicou que era necessário verificar se a quota da SSK ultrapassava 5% do mercado nacional e se os acordos concluídos no quadro da SSK estavam excluídos da proibição de cartéis. A carta não aborda a questão da compatibilidade da SSK com o direito europeu dos cartéis.

26.      A Zentralverband der Spediteure realizou um inquérito por correio eletrónico, para determinar as quotas de mercado dos membros da SSK no domínio da expedição de mercadorias agrupadas em carregamentos fracionados na Áustria para os anos de 2004, 2005 e 2006. Em aplicação dos princípios da delimitação do mercado, subjacentes à decisão de constatação do Kartellgericht, a Zentralverband der Spediteure calculou que as quotas de mercado da SSK se elevavam a 3,82% em 2005 e a 3,23% em 2006. Pelo menos os membros mais importantes da SSK foram informados de que o limiar de 5% não era ultrapassado. Segundo a decisão de reenvio, está excluído que até 2004, inclusivamente, o limiar de 5% tenha sido ultrapassado na sequência de novas adesões.

27.      Em 11 de outubro de 2007, a Comissão Europeia anunciou que tinha realizado inspeções surpresa nas instalações comerciais de várias empresas de expedição internacional, por suspeitar que tinham adotado práticas comerciais restritivas da concorrência. Por isso, a direção da SSK decidiu por unanimidade, em 29 de novembro de 2007, dissolver a SSK. Os membros da SSK foram informados desta decisão em 21 de dezembro de 2007.

28.      A Bundeswettbewerbsbehörde afirma agora que, entre 1994 e 29 de novembro de 2007, as empresas de expedição participantes na SSK estiveram «implicadas numa infração única, complexa e multiforme ao direito europeu e nacional dos cartéis, na medida em que participaram num acordo sobre as tarifas do transporte nacional de mercadorias agrupadas na Áustria». No litígio principal, a Bundeswettbewerbsbehörde pediu que fossem aplicadas coimas à maior parte das empresas envolvidas, devido à sua participação no cartel (12). Quanto à sociedade Schenker, que beneficia do regime de clemência, a Bundeswettbewerbsbehörde não solicitou sanções financeiras, mas apenas a constatação de uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao § 1 da KartG 2005 (ou às disposições conjugadas do § 9 e do § 18 da KartG 1988).

29.      As empresas de expedição alegam em sua defesa, em especial, que confiaram no aconselhamento especializado de um escritório de advogados fiável e com experiência em direito da concorrência, e que o Kartellgericht reconheceu a SSK como cartel de reduzida importância na aceção do § 16 da KartG 1988. Entendem que o direito europeu da concorrência não era aplicável, porque a restrição da concorrência causada pela SSK não teve incidência sobre o comércio interestatal.

30.      Estes argumentos de defesa foram acolhidos em primeira instância: por decisão parcial de 22 de fevereiro de 2011, o Oberlandesgericht Wien, na qualidade de Kartellgericht, indeferiu os pedidos da Bundeswettbewerbsbehörde (13). Como fundamentação foi indicado, designadamente, que não podia ser imputado às empresas de expedição qualquer comportamento culposo, dado que podiam invocar a decisão de constatação do Kartellgericht de 2 de fevereiro de 1996 e, além disso, tinham solicitado conselhos jurídicos a um escritório de advogados especializado. Em especial, no respeitante à sociedade Schenker, que beneficia do regime de clemência, o Oberlandesgericht considerou que apenas a Comissão Europeia tinha a faculdade de constatar infrações sem aplicar uma coima.

31.      A Bundeswettbewerbsbehörde e o Bundeskartellanwalt (agente federal em matéria de cartéis) recorreram da decisão de primeira instância do Oberlandesgericht Wien para o Oberster Gerichtshof na qualidade de Kartellobergericht (tribunal superior em matéria de cartéis). No processo perante o Oberster Gerichtshof, a Comissão Europeia apresentou observações escritas por articulado de 12 de setembro de 2011 (14).

IV ― O pedido de decisão prejudicial e o processo no Tribunal de Justiça

32.      Por decisão de 5 de dezembro de 2011, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de dezembro de 2011, o Oberster Gerichtshof austríaco, na qualidade de Kartellobergericht (15) (a seguir, também, «órgão jurisdicional de reenvio») apresentou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A violação do artigo 101.° TFUE por parte de uma empresa poderá ser objeto de uma coima quando a empresa se equivocou quanto à legalidade do seu comportamento, não lhe sendo este erro imputável?

Em caso de resposta negativa à primeira questão:

1 a)      Poder‑se‑á considerar que não lhe é imputável um erro sobre a legalidade de um comportamento quando a empresa agiu de acordo com os conselhos de um consultor jurídico com experiência no domínio do direito da concorrência e a inexatidão do conselho não era manifesta nem passível de ser reconhecida através de uma análise razoavelmente exigível à empresa?

1 b)      Poder‑se‑á considerar que não lhe é imputável um erro sobre a legalidade do comportamento quando a empresa confiou na exatidão da decisão de uma autoridade nacional responsável em matéria de concorrência que analisou o comportamento em causa unicamente à luz do direito da concorrência nacional e confirmou a sua legalidade?

2)      As autoridades nacionais de concorrência têm competência para declarar que uma empresa participou num cartel que viola o direito da concorrência da União caso não seja aplicada uma coima à empresa pelo facto de esta ter apresentado um pedido de clemência?»

33.      No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações escritas, além da Schenker e de várias outras empresas que eram parte no processo principal, a Bundeswettbewerbsbehörde austríaca, o Bundeskartellanwalt, os Governos italiano e polaco, bem como a Comissão Europeia. A Bundeswettbewerbsbehörde e a maior parte das empresas envolvidas, bem como a Comissão Europeia participaram igualmente na audiência de 15 de janeiro de 2013.

V ―    Apreciação

34.      O presente processo diz respeito a um cartel de longa duração (a SSK) que operou na Áustria, em parte durante a vigência do Regulamento n.° 17, em parte durante a vigência do Regulamento n.° 1/2003.

35.      No essencial, trata‑se apenas de determinar se as empresas que participaram na SSK podiam de boa‑fé partir do princípio de que os acordos sobre preços por elas concluídos não afetavam o comércio entre os Estados‑Membros e, deste modo, estavam abrangidos exclusivamente pelo âmbito de aplicação do direito austríaco dos cartéis, e não do direito europeu da concorrência.

36.      Ao que parece, a nível do direito europeu, os membros da SSK acreditavam estar em «segurança» limitando o âmbito de aplicação territorial do seu cartel à Áustria. Atendendo à jurisprudência dos tribunais da União e à prática administrativa da Comissão Europeia, não há dúvida de que esta opinião jurídica era objetivamente errada (16). Contudo, resta determinar se a violação do princípio da proibição de cartéis no direito da União pode ser imputada a essas empresas também de um ponto de vista subjetivo. Por outras palavras, importa examinar se as empresas que participaram na SSK violaram culposamente esse princípio.

37.      Quer a decisão de reenvio quer as observações das partes fazem referência ao artigo 101.° TFUE que, porém, só se aplica após 1 de dezembro de 2009. Ora, a infração em causa ao direito dos cartéis foi cometida num período no qual estava em vigor o artigo 81.° CE, e em parte também o artigo 85.° C(E)E. Para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil para a resolução do litígio, há que responder às questões prejudiciais atendendo a estas duas últimas disposições. É certo que as considerações que passo a tecer podem ser aplicadas sem problema ao princípio da proibição de cartéis tal como resulta da versão em vigor do artigo 101.° TFUE. Para simplificar, falarei a seguir sobretudo do «princípio da proibição de cartéis consagrado no direito da União» que, no essencial, está plasmado com o mesmo conteúdo nas três disposições já referidas.

A ―    O erro sobre a proibição, que exclui a culpa, no direito europeu da concorrência (primeira parte da primeira questão prejudicial)

38.      Com a primeira parte da sua primeira questão, o Oberster Gerichtshof pretende saber se pode ser aplicada uma coima a uma empresa por esta ter infringido a proibição de cartéis do direito da União, quando a empresa se equivocou quanto à legalidade do seu comportamento, e este erro não lhe pode ser censurado. Por outras palavras, importa esclarecer a questão fundamental de saber se no direito europeu da concorrência o erro sobre a proibição, que exclui a culpa, é reconhecido como em direito penal geral. Este problema foi já aflorado na jurisprudência até aqui proferida pelo Tribunal de Justiça (17), mas nunca analisado em profundidade.

39.      Contrariamente ao entendimento da Comissão Europeia, a resposta a esta primeira parte da primeira questão prejudicial não é de modo algum supérflua e também não pode ser simplesmente resolvida pelo exame das outras questões prejudiciais. Com efeito, as outras questões são em parte submetidas apenas a título subsidiário e assentam no pressuposto de que um erro sobre a proibição exclui a culpa em direito europeu da concorrência. É necessário, portanto, examinar se é este o caso.

40.      Ao abordar esta problemática, deve partir‑se do princípio de que embora o direito dos cartéis se situe fora do núcleo do direito penal (18), apresenta reconhecidamente caráter quase penal (19). Isto implica que a nível do direito dos cartéis devem ser tidos em conta certos princípios do direito penal, os quais, em última análise, têm a sua origem no princípio do Estado de Direito e no princípio da culpa. Entre eles contam‑se, além do princípio da responsabilidade pessoal, sobre o qual as jurisdições da União se têm frequentemente debruçado até agora no âmbito de processos sobre cartéis (20), também o princípio nulla poena sine culpa.

41.      Embora o Tribunal de Justiça ainda não tenha examinado na sua jurisprudência o princípio nulla poena sine culpa de maneira detalhada, certos aspetos indicam que ele considera evidente que esse princípio se deve aplicar a nível da União (21). Acrescento que este princípio tem igualmente o caráter de um direito fundamental, comum às tradições constitucionais dos Estados‑Membros (22). Embora este princípio não seja expressamente mencionado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia nem na CEDH (23), ele constitui uma conditio sine qua non da presunção de inocência. Por isso, é possível considerar que o princípio nulla poena sine culpa está implicitamente contido quer no artigo 48.°, n.° 1, da Carta, quer no artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, duas disposições que são de reconhecida importância em processos sobre cartéis (24). Em última análise, pode considerar‑se que estas disposições da Carta e da CEDH constituem uma concretização processual do princípio nulla poena sine culpa.

42.      No respeitante às sanções a aplicar pela Comissão Europeia no quadro do direito dos cartéis, o princípio nulla poena sine culpa está consagrado no artigo 15.°, n.° 2, do antigo Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, atualmente em vigor: segundo estas duas disposições as coimas previstas no direito dos cartéis só podem ser aplicadas por infrações cometidas com dolo ou negligência.

43.      O mesmo deve ser válido quando as infrações ao direito da União em matéria de cartéis são examinadas pelas autoridades ou pelos tribunais nacionais de concorrência. Com efeito, no âmbito de aplicação do direito da União as autoridades nacionais devem exercer as suas competências no respeito dos princípios gerais do direito da União (25). O mesmo decorre do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que pretende garantir o primado dos princípios do direito da União em matéria de cartéis sobre o direito nacional da concorrência.

44.      Resulta do princípio nulla poena sine culpa que, no âmbito do direito dos cartéis, uma empresa só pode ser responsabilizada por uma infração que, numa perspetiva puramente objetiva, foi por ela cometida se essa infração lhe puder igualmente ser censurada do ponto de vista subjetivo. Se, ao invés, a empresa cometeu um erro sobre a proibição, que exclui a culpa, nenhuma infração lhe pode ser imputada nem servir de base para a aplicação de sanções, como por exemplo coimas.

45.      Saliente‑se que nem todos os erros sobre a proibição podem excluir totalmente a culpa da empresa envolvida no cartel e, portanto, a existência de uma infração passível de sanção. Só quando o erro relativo à legalidade do comportamento de uma empresa no mercado era inevitável ― fala‑se também de um erro desculpável ou não censurável ―, é que a empresa agiu sem culpa e a infração em causa ao direito dos cartéis não tem de ser punida.

46.      Um tal erro inevitável sobre a proibição deve ser muito raro. Só pode ser tido em conta quando a empresa em causa fez tudo o que era razoavelmente possível para evitar a infração, que lhe é censurada, ao direito da União em matéria de cartéis.

47.      Se, como frequentemente acontece, a empresa em causa tivesse podido, graças a medidas adequadas, evitar o erro sobre a legalidade do seu comportamento no mercado, não se pode escapar a uma sanção destinada a punir a infração por ela cometida ao direito dos cartéis. Pelo contrário, ela comete assim uma infração pelo menos com negligência (26), o que, consoante a gravidade das questões de concorrência em causa pode (mas não tem de) implicar uma redução do montante da coima (27).

48.      A questão de saber se o erro sobre a proibição cometido por uma empresa participante num cartel podia ser evitado ou não (se lhe pode ser censurado), deve ser apreciada de acordo com critérios uniformes do direito da União, para que todas as empresas que operam no mercado interno estejam sujeitas a condições homogéneas a nível do direito material da concorrência da União («level playing field») (28). Esta problemática deverá ainda ser abordada mais em detalhe no âmbito da segunda parte da primeira questão prejudicial, que passo a analisar.

B ―    O caráter censurável do erro sobre a proibição (segunda parte da primeira questão prejudicial)

49.      Se se considerar, como proponho (29), que o direito da União em matéria de cartéis reconhece que um erro sobre a proibição exclui a culpa, importa examinar também a segunda parte da primeira questão prejudicial, submetida a título subsidiário [questões 1 a) e b]. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, quais os deveres de diligência que devem ser cumpridos por uma empresa para que se possa entender que cometeu um erro inevitável (não censurável) sobre a proibição, respeitante à legalidade do seu comportamento no mercado, que exclui a culpa, pelo que essa empresa não pode ser punida por uma eventual infração ao direito dos cartéis.

50.      Em concreto, importa examinar se e em que condições a confiança da empresa em causa nos conselhos de um advogado [questão 1, a); v., a este respeito, infra, secção 1] ou na decisão de uma autoridade nacional da concorrência [questão 1, b); v., a este respeito, infra, secção 2] permite considerar que um eventual erro sobre a proibição não lhe pode ser censurado não lhe devendo, portanto, ser aplicadas as sanções previstas pelo direito dos cartéis.

1.      A confiança da empresa nos conselhos de um advogado [questão 1, a)]

51.      Com a questão 1, a), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se se deve considerar que existe um erro sobre a proibição, que exclui a culpa, quando uma empresa confiou nos conselhos de um advogado ao adotar as práticas anticoncorrenciais que lhe são censuradas.

52.      Esta questão parcial coloca‑se no contexto de várias declarações escritas de um escritório de advogados consultado pela SSK, que as empresas em causa invocam em sua defesa.

53.      As partes discutem vivamente se os conselhos de um advogado devem ser tidos em conta ao apreciar a responsabilidade de uma empresa por uma infração ao direito dos cartéis. Ao passo que as empresas que participaram no processo de reenvio prejudicial respondem pela afirmativa (30), a Comissão Europeia bem como as autoridades nacionais e os governos que participaram no processo no Tribunal de Justiça defendem o ponto de vista contrário.

a)      Quanto à importância dos conselhos jurídicos no sistema do Regulamento n.° 1/2003

54.      Tanto quanto sei, até agora o Tribunal de Justiça só se debruçou uma única vez sobre este problema, de maneira relativamente incidental. No acórdão Miller declarou que o parecer de um consultor jurídico não pode desculpar a empresa de uma infração que cometeu contra o artigo 85.° do Tratado CEE (31).

55.      Esta afirmação do Tribunal de Justiça no acórdão Miller deve ser entendida no contexto jurídico dessa época. Até 30 de abril de 2004, ao abrigo do Regulamento n.° 17, as empresas podiam decidir apresentar os acordos concluídos entre elas para aprovação da Comissão Europeia ou pedir a esta um certificado negativo. Deste modo, as empresas que operavam no mercado comum podiam obter das autoridades segurança jurídica sobre a compatibilidade do seu comportamento com o direito europeu da concorrência. Uma empresa que, em lugar de enveredar por este caminho, se contentava com o aconselhamento de um advogado, não fazia tudo o que era razoavelmente possível para evitar cometer uma infração ao direito europeu da concorrência. À época, a confiança da empresa nos conselhos de um advogado não era, por si só, suficiente para considerar que um eventual erro sobre a proibição era inevitável e, deste modo, excluía a culpa.

56.      Contudo, a jurisprudência Miller não pode ser transposta para a situação jurídica atual. Com efeito, o Regulamento n.° 1/2003, aplicável desde 1 de maio de 2004, modificou de modo substancial a implementação do direito da União em matéria de cartéis. O antigo sistema de notificação e de aprovação do Regulamento n.° 17 foi substituído pelo novo sistema da exceção legal (32). Desde então, nem a Comissão Europeia nem as autoridades ou os tribunais nacionais da concorrência emitem autorizações ou certificados negativos para casos individuais (33).

57.      Pelo contrário, desde 1 de maio de 2004, espera‑se que as empresas que operam no mercado interno apreciem, sob a sua própria responsabilidade, a compatibilidade do seu comportamento no mercado com o direito europeu dos cartéis. Assim, em princípio, são as próprias empresas afetadas que suportam o risco de uma eventual apreciação errada da situação jurídica. Aplica‑se o critério geral de que a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento. É precisamente por esta razão que, no sistema do Regulamento n.° 1/2003, a obtenção de aconselhamento especializado tem um significado completamente diferente que no sistema do Regulamento n.° 17. Hoje em dia, o recurso a um consultor jurídico é frequentemente a única maneira de as empresas se informarem de modo completo sobre o estado atual do direito dos cartéis.

58.      Não é aceitável, por um lado, encorajar a empresa a obter aconselhamento especializado e, por outro, não atribuir qualquer importância a este aconselhamento ao apreciar a sua responsabilidade por uma infração ao direito da União em matéria de cartéis. Se uma empresa confiou de boa‑fé no aconselhamento ― que afinal estava errado ― do seu consultor jurídico, essa confiança não pode deixar de ter consequências a nível de aplicação de coimas no quadro do direito dos cartéis.

59.      Em particular, contrariamente ao entendimento da Comissão Europeia, a responsabilidade puramente civil de um advogado pelos conselhos jurídicos errados que dá não pode constituir, por si só, uma compensação adequada. Com efeito, a ação cível de um cliente contra o seu advogado implica em regra imponderáveis importantes e, além disso, não permite eliminar as sequelas («estigma») que resultam da aplicação à empresa de sanções ― de natureza quase penal ‑ previstas no direito dos cartéis.

60.      É óbvio que a obtenção de conselhos jurídicos não exonera a empresa de toda responsabilidade pelo seu comportamento no mercado e por eventuais infrações ao direito europeu da concorrência. O parecer de um advogado nunca pode constituir um cheque em branco. Caso contrário, abrir‑se‑ia as portas à elaboração de meros pareceres de conveniência, e a faculdade reconhecida às autoridades (eliminada pelo Regulamento n.° 1/2003) de emissão de certificados negativos seria de facto transferida para consultores jurídicos privados, que não têm qualquer legitimidade para tal.

61.      O objetivo fundamental de garantir a aplicação eficaz das regras de concorrência da União (34) só impõe o reconhecimento de uma eventual confiança da empresa nos conselhos jurídicos como base para um erro sobre a proibição, que exclui a culpa quando, no contexto da obtenção destes conselhos jurídicos, foram cumpridos determinados requisitos mínimos, que passo a expor brevemente.

b)      Requisitos mínimos a preencher no contexto da obtenção de conselhos jurídicos

62.      Para que os conselhos jurídicos obtidos por uma empresa possam ser tidos em conta é primordial que a empresa tenha neles confiado de boa‑fé. Com efeito, a proteção da confiança legítima e a boa‑fé estão estreitamente ligadas (35). Na medida em que os factos justificam a suposição de que a empresa se baseou de má‑fé no parecer de um advogado ou de que se trata de um parecer de conveniência, esses conselhos são, logo à partida, irrelevantes ao apreciar a culpa por uma infração às regras do direito europeu da concorrência.

63.      Além disso, uma empresa que pretende obter conselhos jurídicos deve, sob a sua própria responsabilidade e risco, respeitar os seguintes requisitos mínimos.

64.      Em primeiro lugar, é sempre necessário obter os conselhos de um advogado independente externo (36). Os conselhos de empregados do próprio serviço jurídico interno de uma empresa ou de um grupo não podem, de modo algum, excluir a culpa em caso de um erro sobre a proibição. Com efeito, os juristas da empresa ― mesmo com o estatuto de advogados internos (37) ― na sua qualidade de assalariados, estão diretamente dependentes da empresa em causa, pelo que os seus conselhos jurídicos são imputáveis ao próprio empregador. Uma empresa não pode dar a si própria carta branca para infringir o direito dos cartéis.

65.      Em segundo lugar, deve tratar‑se do aconselhamento especializado de um advogado, o que pressupõe que o advogado deve estar especializado em direito da concorrência, incluindo o direito europeu dos cartéis, e ainda que seja regularmente chamado a prestar serviços neste domínio.

66.      Em terceiro lugar, o advogado deve dar os seus conselhos com base numa descrição completa e correta dos factos pela empresa em causa. Na medida em que uma empresa tenha fornecido ao advogado que consultou apenas informações incompletas ou mesmo falsas sobre factos relevantes para efeitos da responsabilidade da empresa, o parecer deste advogado no quadro de um processo em matéria de cartéis não pode desculpar a empresa por um eventual erro sobre a proibição.

67.      Em quarto lugar, o parecer do advogado consultado deve examinar em detalhe a prática administrativa e decisória da Comissão Europeia, bem como a jurisprudência da União e comentar aprofundadamente todos os aspetos juridicamente pertinentes do caso correspondente. O que não é expressamente objeto dos conselhos do advogado, mas quando muito pode ser daí implicitamente deduzido, não pode constituir a base para o reconhecimento de um erro sobre a proibição, que exclui a culpa.

68.      Em quinto lugar, os conselhos jurídicos prestados não devem ser manifestamente errados. Nenhuma empresa deve confiar cegamente nos conselhos de um advogado. Pelo contrário, qualquer empresa que consulta um advogado deve examinar pelo menos a plausibilidade das informações por este fornecidas.

69.      É óbvio que a diligência a esperar de uma empresa a este respeito depende da sua dimensão e da sua experiência no domínio do direito da concorrência (38). Quanto maior for uma empresa e quanto mais experiência tiver em matéria de direito da concorrência, tanto mais está obrigada a examinar o conteúdo dos conselhos de um advogado, sobretudo quando dispõe de um serviço jurídico especializado nesse domínio.

70.      Independentemente do que precede, cada empresa deve saber que certas práticas restritivas da concorrência são proibidas logo pela sua própria natureza (39), em especial que ninguém tem o direito de participar nas chamadas restrições graves (40), como acordos sobre os preços ou acordos ou medidas para partilhar ou compartimentar dos mercados. Além disso, pode exigir‑se que empresas grandes e com experiência tomem conhecimento das explicações pertinentes fornecidas pela Comissão Europeia nas suas comunicações e orientações relativas ao direito da concorrência.

71.      Em sexto lugar, a empresa em causa atua por sua conta e risco, se resultar do parecer jurídico que obteve que a situação jurídica não é clara. Nesse caso, a empresa atua pelo menos com negligência, ao aceitar que o seu comportamento no mercado possa violar as regras do direito europeu da concorrência.

72.      É certo que, face às exigências mínimas que proponho, o valor dos pareceres jurídicos fornecidos por advogados é um pouco reduzido para as empresas em causa. Contudo, isto decorre da natureza do sistema que foi criado com o Regulamento n.° 1/2003, e, de resto, sucede também em direito penal clássico: em última análise, cada empresa é responsável pelo seu comportamento no mercado e suporta os riscos relacionados com as infrações que comete. O parecer jurídico fornecido por um advogado não permite obter segurança jurídica absoluta. Mas, se todas as exigências mínimas acima referidas estiverem satisfeitas, um erro sobre a proibição pode excluir a culpa, quando a empresa em causa confiou de boa‑fé nos conselhos do seu consultor jurídico.

73.      Acrescente‑se que um advogado que, através de pareceres de conveniência, se torna cúmplice de práticas anticoncorrenciais da empresa, deve recear não apenas consequências no plano civil e disciplinar, mas também as sanções previstas pelo direito dos cartéis (41).

c)      Consequências para o caso vertente

74.      A aplicação dos critérios suprarreferidos a um caso como o que está em apreço mostra que as empresas afetadas não cometeram um erro desculpável sobre a proibição, mas que um eventual erro sobre a legalidade do seu comportamento no mercado lhes pode ser censurado à luz do direito europeu da concorrência.

75.      Por um lado, a data de início da infração, como também a maior parte da vigência do cartel da SSK, situam‑se ainda no âmbito de aplicação temporal do Regulamento n.° 17. Como o Bundeskartellanwalt austríaco sublinha, a justo título, as empresas em causa (42) podiam dirigir‑se suficientemente cedo à Comissão Europeia, solicitando‑lhe a emissão de um certificado negativo, nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 17 (43) (44). A sua inação não pode ser remediada pelo parecer jurídico de um advogado. A situação é sensivelmente a mesma para a atuação do cartel da SSK posterior a 30 de abril de 2004, ou seja, já no âmbito de aplicação temporal do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, se se considerar, como a Bundeswettbewerbsbehörde austríaca, que o cartel controvertido constitui uma infração única e continuada, o facto de os membros da SSK não terem inicialmente solicitado certificados negativos deve ter consequências a nível da apreciação da sua culpa durante toda a vigência do cartel.

76.      Por outro lado, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que os conselhos jurídicos obtidos apresentavam lacunas no caso vertente. As várias cartas do escritório de advogados consultado não abordam (sob reserva de um novo exame pelo órgão jurisdicional nacional) precisamente a questão da aplicabilidade material do artigo 85.° do Tratado C(E)E e do artigo 81.° CE, da qual depende decisivamente a sanção da infração ao direito dos cartéis cometida pelos membros da SSK à luz do direito da União. Contrariamente ao que algumas das empresas que são partes no processo parecem entender, não basta, neste contexto, que os pareceres dos advogados possam permitir tirar implicitamente conclusões sobre o problema da afetação do comércio entre os Estados‑Membros. Como já foi referido (45), o que não é expressamente objeto dos conselhos de um advogado, mas que só se pode deduzir indiretamente deles, não é suscetível de servir de base para reconhecer um erro sobre a proibição, que exclui a culpa. Por maioria de razão, isto é válido quando se trata ― como no caso em apreço ― da questão jurídica central, da qual depende o desfecho do processo.

77.      Acrescento que deve ser possível exigir, pelo menos das grandes empresas que participaram no cartel, que conheçam as comunicações e orientações pertinentes da Comissão Europeia (46). Resulta claramente desses documentos que os cartéis horizontais como a SSK, que cobrem todo o território de um Estado‑Membro, são, em regra, suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros (47), pelo que são abrangidos pela proibição de cartéis do direito da União.

78.      Por último, para apreciar a questão da culpa das empresas implicadas no cartel, é irrelevante o facto, sublinhado por algumas das partes no processo, de que a SSK não constituía um cartel secreto e que os membros da SSK, segundo eles próprios indicam, pretendiam evitar uma infração ao direito da União em matéria de cartéis. Não se pode entender que existe um erro sobre a proibição, que exclui a culpa, só porque o infrator crê que atua licitamente e, além disso, está «seguro do que faz». Pelo contrário, importa apenas se o infrator fez tudo o que lhe era razoavelmente possível fazer para evitar cometer uma infração.

2.      A confiança da empresa na decisão de uma autoridade nacional da concorrência [questão 1, b)]

79.      Com a questão 1, b), o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se se deve considerar que existe um erro sobre a proibição, que exclui a culpa, quando uma empresa, ao adotar as práticas anticoncorrenciais que lhe são imputadas, confiou na decisão de uma autoridade nacional da concorrência que apreciou esse comportamento exclusivamente à luz do direito nacional da concorrência e o considerou admissível.

80.      Esta questão parcial tem como pano de fundo o facto de que o Kartellgericht austríaco, como autoridade nacional competente, reconheceu a SSK como «cartel de reduzida importância» na aceção do § 16 da KartG 1988, por decisão, com força de caso julgado, de 2 de fevereiro de 1996. As empresas afetadas invocam esta decisão em sua defesa no processo principal.

81.      Tal como sucede com a confiança nos conselhos de um advogado, analisada supra, as partes no processo discutem vivamente se a decisão de uma autoridade nacional da concorrência deve ser tida em conta ao apreciar a culpa de uma empresa por uma infração ao direito dos cartéis. As posições quanto aos dois problemas são, no essencial, idênticas.

a)      Quanto à importância de decisões de autoridades e de tribunais da concorrência dos Estados‑Membros

82.      Um dos principais objetivos do Regulamento n.° 1/2003 era envolver mais do que antes as autoridades dos Estados‑Membros na aplicação do direito europeu dos cartéis(48). Assim, no novo sistema descentralizado de aplicação do direito dos cartéis, é atribuído às autoridades nacionais de concorrência e aos tribunais nacionais um papel não negligenciável. Nos termos expressos dos artigos 5.° e 6.° do Regulamento n.° 1/2003, as autoridades e os tribunais da concorrência dos Estados‑Membros têm a faculdade de aplicar o direito da União em matéria de cartéis e ― nas circunstâncias referidas no artigo 3.° do referido regulamento ― mesmo a obrigação (49).

83.      Também no período anterior a 30 de abril de 2004, no qual o Kartellgericht adotou a decisão invocada pelas empresas envolvidas, as autoridades e os tribunais nacionais não estavam, de modo algum, privados da competência para aplicar o artigo 85.° do Tratado C(E)E ou o artigo 81.° CE. É certo que, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, a Comissão Europeia tinha competência exclusiva para reconhecer exceções ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado C(E)E e do artigo 81.°, n.° 3, CE. Mas, de resto, não estava, em princípio, vedado às autoridades e aos tribunais nacionais recorrer às disposições diretamente aplicáveis do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado C(E)E e do artigo 81.°, n.° 1, CE e, em especial, examinar se uma prática colusória das empresas estava abrangida pelo âmbito de aplicação material das regras da concorrência do direito europeu, isto é, se podia afetar o comércio entre os Estados‑Membros (50). Esse exame era necessário, por exemplo, quando, no caso de conflito entre o direito comunitário e o direito nacional dos cartéis, era preciso ter em conta o primado do direito comunitário, enunciado pelo Tribunal de Justiça (51).

84.      Neste contexto, as decisões das autoridades e dos tribunais nacionais da concorrência ― incluindo as que foram adotadas antes de 1 de maio de 2004 ―, juntamente com a prática administrativa da Comissão Europeia e a jurisprudência da União, podem fornecer às empresas que operam no mercado interno elementos importantes para entender o direito europeu da concorrência em vigor.

85.      Para determinar as consequências que a confiança das empresas afetadas em tais decisões pode ter, caso infrinjam o direito dos cartéis, há que atender ao princípio da confiança legítima, também reconhecido no direito da União (52). De acordo com esse princípio, não está de modo algum excluído que em matérias reguladas pelo direito da União, as empresas possam confiar em decisões de autoridades e tribunais nacionais (53). Acresce que a confiança depositada na opinião de tais entidades estatais parece ser mais digna de proteção que a depositada em pareceres de consultores jurídicos privados.

86.      Não obstante, levaria demasiado longe atribuir a qualquer declaração de um órgão nacional sobre o direito da União em matéria de cartéis efeitos a nível da apreciação da culpa das empresas pelas infrações que lhes são imputadas. Também neste contexto é necessário que sejam preenchidos requisitos mínimos, para não comprometer a aplicação efetiva das normas de concorrência europeias.

b)      Requisitos a preencher para que a confiança em decisões de autoridades e tribunais nacionais de concorrência possa ser protegida

87.      Em primeiro lugar, deve tratar‑se da decisão de uma autoridade nacional da concorrência, competente para aplicar o direito da União em matéria de cartéis, no sentido dos artigos 5.° e 35.°, ou de um tribunal nacional, no sentido do artigo 6.° do Regulamento n.° 1/2003.

88.      É certo que uma autoridade nacional da concorrência não pode emitir autorizações nem certificados negativos sobre o direito da União em matéria de cartéis. Contudo, nos termos do artigo 5.°, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, pode decidir que não se justifica a sua intervenção sempre que, com base nas informações de que dispõe, não estejam preenchidas as condições de uma proibição. Nesse caso, a empresa afetada deve poder confiar em que está autorizada a manter o seu comportamento no mercado, pelo menos na esfera de competência territorial dessa autoridade.

89.      A decisão de um tribunal nacional pode ser aceite como base para o reconhecimento de um erro sobre a proibição, que exclui a culpa, quando nela o tribunal conclui que um determinado comportamento no mercado não constitui uma infração ao direito da União em matéria de cartéis. Isto pode suceder, em particular, quando é arquivado um processo judicial destinado à aplicação de uma coima, um órgão jurisdicional anula uma decisão pela qual uma autoridade aplica uma coima ou rejeita uma ação cível de indemnização ou inibitória intentada contra a empresa afetada.

90.      Em segundo lugar, é necessário que a empresa afetada tenha informado primeiro a autoridade nacional, de modo exaustivo e exato, sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão, na medida em que a referida empresa ― como os membros da SSK em 1995/96 ― já tenha tomado parte no procedimento administrativo ou judicial inicial. Se a decisão em causa enferma de um vício imputável à própria empresa, esta não a pode invocar mais tarde em sua defesa.

91.      Em terceiro lugar, a decisão administrativa ou judicial deve versar exatamente sobre os elementos de direito e de facto com base nos quais a empresa em causa invoca um erro sobre a proibição, que exclui a culpa. À semelhança do que sucede com os pareceres fornecidos por advogados, também só podem ser invocadas as afirmações das autoridades ou dos tribunais contidas expressamente na decisão correspondente, e não outras conclusões que possam dela ser retiradas de maneira implícita (54).

92.      Em quarto lugar, a opinião da autoridade nacional da concorrência ou do tribunal nacional sobre o direito da União em matéria de cartéis não deve ser manifestamente errada (55). É certo que, em princípio, as decisões finais das autoridades e as decisões judiciais com força de caso julgado, que dizem respeito ao direito da União em matéria de cartéis, gozam de uma presunção de legalidade, de maneira que os seus destinatários podem confiar na exatidão do seu conteúdo, sem ter de verificar a sua plausibilidade, como no caso do aconselhamento por um advogado. Não obstante, como já foi indicado (56), as empresas devem saber que certas práticas restritivas da concorrência são proibidas logo pela sua própria natureza, em especial que ninguém deve participar em restrições graves como acordos sobre os preços ou acordos ou medidas para partilhar ou compartimentar dos mercados.

93.      Em quinto lugar, a confiança de uma empresa na decisão de uma autoridade ou de um tribunal só é digna de proteção quando esta empresa atua de boa fé (57). Esta falta não só no caso ― muito improvável ― de colusão entre a empresa e a autoridade nacional ou o tribunal nacional. A empresa também não pode confiar na exatidão do conteúdo da decisão quando tem conhecimento de que as instituições competentes da União (a saber, a Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça da União Europeia) defendem um entendimento diferente. Isto pode suceder, por exemplo, quando a Comissão Europeia participa, nos termos do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, num procedimento judicial nacional e a empresa afetada tomou conhecimento, nesse contexto, da opinião jurídica da Comissão.

94.      Na audiência no Tribunal de Justiça foi também discutida a questão de saber se o reconhecimento de uma confiança legítima das empresas nas decisões dos tribunais nacionais pressupõe que o caso tenha sido previamente submetido ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial. Na minha opinião, a resposta deve ser negativa. Penso que não é razoável limitar a proteção da confiança legítima às decisões judiciais nacionais baseadas em decisões prejudiciais do Tribunal de Justiça.

95.      Com efeito, trata‑se geralmente de decisões de tribunais, no sentido do artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, que não estão sujeitos à obrigação de reenvio prejudicial. Se o legislador da União declara competentes para aplicar o direito da União em matéria de cartéis todos os tribunais nacionais (artigo 6.° do Regulamento n.° 1/2003), os sujeitos jurídicos devem também poder invocar as decisões correspondentes de todos os tribunais nacionais, independentemente de um processo de reenvio prejudicial (facultativo) ter tido lugar ou não.

96.      O Regulamento n.° 1/2003 prevê instrumentos específicos, que ajudam a garantir uma interpretação e aplicação uniformes do direito da União em matéria de cartéis. Neste contexto, a Comissão Europeia desempenha um papel fundamental. Ela pode participar nos processos perante os tribunais nacionais (58) e colabora estreitamente com as autoridades nacionais de concorrência no contexto da Rede Europeia da Concorrência (REC), podendo mesmo, caso seja necessário, ocupar‑se de um procedimento administrativo instruído por essas autoridades (59).

c)      Consequências para o presente caso

97.      Tal como sucede relativamente aos conselhos prestados por um advogado, a aplicação dos referidos critérios a um caso como o que está em apreço mostra que as empresas afetadas não cometeram um erro desculpável sobre a proibição, mas que lhes pode ser censurado um erro sobre a licitude do seu comportamento no mercado, à luz do direito europeu da concorrência.

98.      Com efeito, como o órgão jurisdicional de reenvio indica, a decisão do Kartellgericht de 2 de fevereiro de 1996, que é invocada pelos membros da SSK, examinou e qualificou como lícito o comportamento imputado às empresas de expedição apenas à luz do direito nacional da concorrência. A referida decisão não aborda a questão de saber se os membros da SSK violaram a proibição de cartéis estabelecida no direito da União. De resto, antes de 1 de maio de 2004, quando ainda não estava em vigor o artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003, o direito da União não obrigava a aplicar paralelamente o direito da União e o direito nacional em matéria de cartéis (60).

99.      Pode ser que o Kartellgericht, antes de adotar a sua decisão de 2 de fevereiro de 1996, tenha consultado um parecer interlocutório do Paritätischer Ausschuss für Kartellangelegenheiten, elaborado em 1994 (61), que negou a aplicabilidade do direito europeu da concorrência. Mas, por si só, esta circunstância não podia levar os membros da SSK a concluir que o seu comportamento no mercado não era contrário às regras europeias de concorrência. O que importa é que o próprio Kartellgericht não se pronunciou expressamente sobre a questão da compatibilidade da SSK com o direito europeu da concorrência (62).

100. Importa reconhecer que, mesmo antes de 1 de maio de 2004, as autoridades e os tribunais nacionais da concorrência tinham a obrigação de observar o primado do direito comunitário e de não prejudicar a sua aplicação plena e uniforme (63). A obrigação de respeitar as regras europeias de concorrência podia igualmente ser deduzida do direito nacional em vigor à época, o que foi assinalado pelas empresas em causa durante a audiência.

101. Contudo, por si só, isso não permite concluir que, logo antes do início da vigência do artigo 3.° do Regulamento n.° 1/2003, as regras de concorrência nacionais e europeias deviam sempre conduzir aos mesmos resultados. É sabido que o âmbito de aplicação das regras de concorrência não coincide a nível europeu e nacional (64), e que estas regras levam a uma apreciação das práticas restritivas atendendo a aspetos diferentes (65). Esta situação verificava‑se antes de 1 de maio de 2004 e não foi alterada com o Regulamento n.° 1/2003 (66). Precisamente uma disposição como a vigente na Áustria, sobre cartéis de reduzida importância, mostra de modo especialmente claro as diferenças que podiam existir e que podem continuar a existir entre o direito da União em matéria de cartéis e o direito nacional dos cartéis (67).

102. Logo, numa questão de direito da União, como a que é decisiva para o processo principal, uma decisão baseada unicamente no direito nacional da concorrência como a do Kartellgericht de 2 de fevereiro de 1996 não pode servir de base a uma confiança legítima das empresas afetadas.

C ―    Faculdade das autoridades nacionais da concorrência de constatar a existência de uma infração face a empresas que beneficiam do regime de clemência (segunda questão prejudicial)

103. A segunda questão prejudicial refere‑se especificamente à situação de um beneficiário do regime de clemência, na qual a empresa Schenker se encontra no caso vertente. Ela pressupõe logicamente que a empresa afetada não pode invocar ― como é exposto no âmbito da primeira questão prejudicial ― um erro sobre a proibição, que exclui a culpa. Com efeito, existindo tal erro não se verificaria nenhuma infração, cuja prática pela empresa pode ser constatada por uma autoridade da concorrência ou por um tribunal (68).

104. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o Regulamento n.° 1/2003 permite que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros constatem que uma empresa cometeu uma infração à proibição de cartéis consagrada no direito da União sem lhe aplicar uma coima.

105. As competências das autoridades nacionais de concorrência no âmbito da aplicação do direito da União em matéria de cartéis resultam do artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003. Nos termos do artigo 35.°, n.° 1, do referido regulamento, podem também ser exercidas por tribunais, como sucede na Áustria.

106. O artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003 não prevê expressamente nenhuma faculdade das autoridades dos Estados‑Membros para declarar tão‑só uma infração ao direito da União em matéria de cartéis sem aplicar sanções. Ao invés, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, última frase, do referido regulamento, a Comissão Europeia dispõe da faculdade expressa de declarar uma infração após esta ter cessado, desde que exista um interesse legítimo para tal.

107. Ao contrário do entendimento da Schenker, o silêncio do artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003 não permite, de modo algum, deduzir que esteja vedado às autoridades nacionais constatar apenas a existência de uma infração sem aplicar sanções. Isto também não pode ser deduzido a contrário das competências conferidas à Comissão pelo artigo 7.°, n.° 1, última frase, do Regulamento n.° 1/2003.

108. É certo que o Regulamento n.° 1/2003 priva de maneira deliberada as autoridades e os tribunais da concorrência dos Estados‑Membros de determinadas competências, para não pôr em causa o papel preponderante da Comissão na definição da política europeia da concorrência (69), claramente previsto no sistema deste regulamento, nem o novo sistema da exceção legal. Por exemplo, a Comissão é a única autoridade na REC que, nos termos do artigo 10.° do Regulamento n.° 1/2003, tem competência para constatar, excecionalmente a título declaratório, a inaplicabilidade do direito da União em matéria de cartéis (70), ao passo que as autoridades nacionais de concorrência podem quando muito decidir, nos termos do artigo 5.°, segundo parágrafo, desse regulamento, que não devem atuar no caso concreto, o que exclui a adoção de decisões negativas sobre o mérito (71).

109. Contudo, não se pode presumir que o legislador da União pretendeu limitar as competências das autoridades e dos tribunais da concorrência dos Estados‑Membros também no caso contrário, ou seja quanto à faculdade aqui em causa de constatar infrações. Como já foi referido, um dos objetivos principais do Regulamento n.° 1/2003 era envolver mais que antes as autoridades dos Estados‑Membros na aplicação do direito da União em matéria de cartéis (72). As autoridades da concorrência dos Estados‑Membros devem ter mais e não menos possibilidades de aplicar eficazmente o direito da União em matéria de cartéis (73). No sistema descentralizado do Regulamento n.° 1/2003, a deteção, constatação e se necessário a sanção de infrações às regras europeias de concorrência é parte essencial do seu catálogo de tarefas (74) e contribui para a aplicação eficaz dessas regras.

110. A competência das autoridades nacionais da concorrência para aplicar sanções nos termos do artigo 5.°, n.° 1, último travessão, do Regulamento n.° 1/2003, permite necessariamente a essas autoridades declararem apenas a existência de uma infração (argumentum a maiore ad minus). Com efeito, sem a constatação prévia de uma infração ao direito dos cartéis nem seria concebível que uma autoridade pudesse sancionar o comportamento das empresas implicadas.

111. As autoridades e os tribunais nacionais da concorrência não perdem, de modo algum, a sua faculdade de constatar uma infração, quando se abstêm de aplicar sanções, por exemplo para recompensar uma testemunha que beneficiou do regime de clemência pela sua cooperação no processo em matéria de cartéis. Pelo contrário, para aplicar de modo eficaz as regras de concorrência do direito da União pode mesmo ser necessário, num caso desse tipo, constatar a existência de uma infração apesar da renúncia à aplicação de sanções.

112. Se a autoridade nacional ou o tribunal nacional renunciassem não só à aplicação de uma sanção, mas também à mera declaração de uma infração e arquivassem sem mais o processo em matéria de cartéis face à empresa afetada, poderia surgir a impressão errada de que o seu comportamento no mercado era correto. Ao invés, com a declaração da infração, que na realidade equivale à fixação de uma coima no montante de zero, é esclarecido e documentado de modo inequívoco que a empresa infringiu culposamente as regras de concorrência do direito da União.

113. A questão de saber se e como as autoridades nacionais competentes exercem o seu poder, implicitamente conferido pelo artigo 5.° do Regulamento n.° 1/2003, de declarar uma infração sem aplicar sanções, é abrangida pela autonomia processual dos Estados‑Membros. Logo, nada se opõe a que o direito nacional deixe a constatação de uma infração à discricionariedade da autoridade ou do tribunal competente ou, à semelhança do que é previsto no artigo 7.°, n.° 1, última frase, do Regulamento n.° 1/2003, exija um interesse legítimo para tal, na condição de que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade (75) consagrados no direito da União.

114. Tendo em conta o princípio da efetividade, que encontra a sua expressão no objetivo de uma aplicação efetiva do direito da União em matéria de cartéis (76), existe em regra um interesse legítimo na constatação de uma infração, mesmo quando não é aplicada nenhuma sanção. Com efeito, essa constatação permite, por um lado, sancionar no futuro a empresa em causa como reincidente, se voltar a infringir as regras do direito europeu da concorrência (77). Por outro lado, a constatação da infração tem um efeito dissuasivo para outras empresas, e reforça a confiança de todos os operadores no mercado na eficácia das regras de concorrência do mercado interno europeu. A constatação da infração por uma autoridade permite ainda às empresas e consumidores prejudicados por um cartel intentar ações cíveis contra os participantes no cartel (78).

VI ― Conclusão

115. Tendo em conta as considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma ao pedido de decisão prejudicial do Oberster Gerichtshof austríaco:

«1)      A uma empresa que infringiu a proibição de cartéis consagrada no direito da União não deve ser aplicada uma coima, quando a empresa cometeu um erro sobre a legalidade do seu comportamento (erro sobre a proibição) e este erro não lhe é imputável.

2)      O erro sobre a proibição cometido por uma empresa é censurável, quando a empresa confiou nos conselhos de um advogado ou na decisão de uma autoridade nacional da concorrência, que não examinaram, ou pelo menos não examinaram expressamente, o problema jurídico decisivo.

No respeitante a infrações cujo início é anterior a 1 de maio de 2004, um erro sobre a proibição pode ser censurado a uma empresa quando esta não apresentou suficientemente cedo à Comissão Europeia um pedido de certificado negativo, nos termos do artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 17.

3)      O Regulamento (CE) n.° 1/2003 não impede as autoridades nacionais da concorrência de constatar que uma empresa infringiu a proibição de cartéis consagrada no direito da União, renunciando à aplicação de uma coima, desde que sejam observados os princípios gerais da equivalência e da efetividade do direito da União.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Regulamento (CEE) n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).


3 —      Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° e 82.° do Tratado (JO 2003, L 1, p. 1). De acordo com o seu artigo 45.°, segundo parágrafo, este regulamento é aplicável desde 1 de maio de 2004.


4 —      BGBl. n.° 600/1988.


5 —      BGBl. n.° 61/2005.


6 —      As organizações predecessoras da SSK, a «Auto‑Sammelladungskonferenz» (conferência de transporte por autoestrada de mercadorias agrupadas) e a «Bahn‑Sammelladungskonferenz» (conferência de transporte ferroviário de mercadorias agrupadas) remontam aos anos 70 e, até ao seu desaparecimento em 31 de dezembro de 1993, tinham na Áustria o estatuto de «cartéis autorizados».


7 —      Referência 4 Kt 533/94.


8 —      Até à sua supressão pela nova lei sobre os cartéis de 2002, o Paritätischer Ausschuss für Kartellangelegenheiten era um órgão auxiliar especializado do Kartellgericht. A sua atividade era regulada nos §§ 49, 112 e 113 da KartG 1988.


9 —      Referência 4 Kt 79/95‑12.


10 —      V., a este respeito, também n.° 20 das presentes conclusões.


11 —      [Nota não destinada a publicação].


12 —      São indicados como base jurídica para as coimas o § 142, n.° 1, alíneas a) e d), da KartG 1998, bem como o § 29, n.° 1, alíneas a) e d), da KartG 2005.


13 —      Referência 24 Kt 7, 8/10‑146.


14 —      V., a este respeito, artigo 15.°, n.° 3, terceiro período, do Regulamento n.° 1/2003.


15 —      Referência 16 Ok 4/11.


16 —      Acórdãos de 17 de outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão (8/72, Colet., p. 333, n.° 29); de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Colet., p. 2545, n.° 22, parte final); de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax (C‑238/05, Colet., p. I‑11125, n.° 37); e de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão (C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 38). V., igualmente, Comunicação da Comissão «Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.° e 82.° do Tratado» (JO 2004, C 101, p. 81), secção 3.2.1 (em especial n.° 78).


17 —      V., em especial, acórdãos de 1 de fevereiro de 1978, Miller International Schallplatten/Comissão (19/77, Colet., p. 45, n.° 18, a seguir «acórdão Miller»), e de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 111 e 112). No acórdão de 10 de dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão (240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.° 60), o conceito de erro sobre a proibição é referido incidentalmente. Nos acórdãos de 12 de julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão (32/78 e 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435, n.os 43 e 44, a seguir «acórdão BMW Belgium»), e de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão (96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 45), o Tribunal de Justiça limita‑se — sem analisar em concreto um eventual erro sobre a proibição — a declarar que não é decisivo se uma empresa tinha ou não consciência de ter infringido a proibição do artigo 85.° do Tratado CEE. Nas conclusões apresentadas em 13 de novembro de 1975 no processo General Motors/Comissão (26/75, Colet., p. 467), o advogado‑geral H. Mayras reconheceu a existência de um erro sobre a proibição e, por isso, recusou a aplicação de uma coima por comportamento doloso.


18 —      TEDH, acórdão Jussila c. Finlândia de 23 de novembro de 2006 (processo n.° 73053/01, Recueil des arrêts et décisions 2006‑XIV, § 43), o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) não inclui o direito da concorrência nas categorias tradicionais do direito penal e parte do princípio de que, fora do «núcleo duro» do direito penal, as garantias penais resultantes do artigo 6.°, n.° 1, CEDH não são necessariamente aplicáveis com todo o seu rigor.


19 —      V., a este respeito, as minhas conclusões de 3 de julho de 2007 no processo que deu origem ao acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colet., p. I‑10893, n.° 71 e jurisprudência citada); e de 8 de setembro de 2011 no processo que deu origem ao acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, n.° 48 e jurisprudência citada). O Tribunal de Justiça aplica em jurisprudência assente os princípios do direito penal ao direito europeu da concorrência (v., sobre a presunção de inocência, acórdão de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, e sobre a proibição de dupla condenação — «ne bis in idem» — acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, n.° 94). TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália de 27 de setembro de 2011 (processo n.° 43509/08, §§ 38 a 45), o TEDH reconhece que uma coima prevista no direito dos cartéis aplicada pela autoridade italiana da concorrência revestia um carácter penal no sentido do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH.


20 —      V., por exemplo, acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, Colet., p. I‑4125, n.os 145 e 204); de 11 de dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colet., p. I‑10893, n.° 39); de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237, n.° 56); e de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão (C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 42).


21 —      No acórdão de 18 de novembro de 1987, Maizena e o. (137/85, Colet., p. 4587, n.° 14), o Tribunal de Justiça declarou que o princípio nulla poena sine culpa constitui um princípio «típico do direito penal». Além disso, a sua existência a nível do direito da União é pressuposta no acórdão de 11 de julho de 2002, Käserei Champignon Hofmeister (C‑210/00, Colet., p. I‑6453, em especial, n.os 35 e 44). V., igualmente, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral C. O. Lenz nesse processo (n.° 11). V., ainda, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral C. O. Lenz em 11 de julho de 1992, no processo que deu origem ao acórdão de 8 de outubro de 1992, Van der Tas (C‑143/91, Colet., p. I‑5045, n.° 11), e — em geral sobre o princípio da culpa no quadro do regime de sanções administrativas — conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer em 24 de janeiro de 2008, no processo que deu origem ao acórdão de 24 de abril de 2008, Michaeler e o. (C‑55/07 e C‑56/07, Colet., p. I‑3135, n.° 56).


22 —      Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Van Gerven em 15 de setembro de 1993, no processo que deu origem ao acórdão de 15 de dezembro de 1993, Charlton e o. (C‑116/92, Colet., p. I‑6755, n.° 18).


23 —      Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais («CEDH», assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950).


24 —      Acórdãos Hüls/Comissão, já referido na nota 19 (n.os 149 e 150, a respeito do artigo 6.°, n.° 2, CEDH), e de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão (C‑89/11 P, n.° 72 e 73, a respeito do artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais); no mesmo sentido, acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, Colet., p. 77, n.° 265, a seguir «acórdão United Brands»).


25 —      V., por exemplo, acórdãos de 26 de abril de 2005, «Goed Wonen» (C‑376/02, Colet., p. I‑3445, n.° 32); de 11 de julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, Colet., p. I‑6467, n.° 56); e de 27 de setembro de 2007, Twoh International (C‑184/05, Colet., p. I‑7897, n.° 25).


26 —      V., a este respeito, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral H. Mayras no processo General Motors/Comissão, já referido na nota 17.


27 —      Comissão Europeia, Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, n.° 29, segundo travessão, a seguir «Orientações de 2006»).


28 —      V., a este respeito, considerando 8 do Regulamento n.° 1/2003, bem como as minhas conclusões de 6 de setembro de 2012 no processo que deu origem ao acórdão de 13 de dezembro de 2012, Expedia (C‑226/11, n.° 37 e jurisprudência referida).


29 —      V., a este respeito, as considerações que teci quanto à primeira parte da primeira questão prejudicial (n.os 38 a 48 das presentes conclusões).


30 —      À exceção da Schenker, que não se pronunciou sobre esta problemática e só apresentou observações escritas e orais sobre a segunda questão prejudicial.


31 —      Acórdão Miller, já referido na nota 17 (n.° 18). Por uma questão de exaustividade, acrescente‑se que no acórdão BMW Belgium, já referido na nota 17 (n.os 43 e 44), é declarado que a empresa afetada invocou em sua defesa o parecer de um advogado, embora o Tribunal de Justiça não se tenha pronunciado em concreto sobre este aspeto.


32 —      Considerando 4 do Regulamento n.° 1/2003.


33 —      O Tribunal de Justiça salientou recentemente que as autoridades nacionais de concorrência não têm a faculdade de constatar a inexistência de infrações ao direito da União em matéria de cartéis (acórdão de 3 de maio de 2011, Tele 2 Polska, C‑375/09, Colet., p. I‑3055, em especial, n.os 29 e 32).


34 —      V., sobre este objetivo, considerandos 8, 17 e 22 do Regulamento n.° 1/2003, bem como os acórdãos de 7 de dezembro de 2010, VEBIC (C‑439/08, Colet., p. I‑12471, n.° 56), e de 14 de junho de 2011, Pfleiderer (C‑360/09, Colet., p. I‑5161, n.° 19).


35 —      Neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 1998, Oelmühle e Schmidt Söhne (C‑298/96, Colet., p. I‑4767, n.° 29); de 19 de setembro de 2002, Huber (C‑336/00, Colet., p. I‑7699, n.° 58); e de 22 de janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (T‑115/94, Colet., p. II‑39, n.° 93).


36 —      O conceito de «advogado» utilizado aqui e a seguir engloba também, obviamente, os advogados que trabalham como empregados num escritório de advogados independente.


37 —      V., a este respeito, acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o. (C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301), e as minhas conclusões de 29 de abril de 2010 apresentadas nesse processo.


38 —      Isto é indicado, também, nos acórdãos United Brands, já referido na nota 24 (n.os 299 a 301), e de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colet., p. 217, n.° 134); no mesmo sentido, acórdãos de 1 de abril de 1993, Hewlett Packard France (C‑250/91, Colet., p. I‑1819, n.° 22), e de 14 de novembro de 2002, Ilumitrónica (C‑251/00, Colet., p. I‑10433, n.° 54).


39 —      Neste sentido acórdãos Miller, já referido na nota 17 (n.os 18 e 19); de 11 de julho de 1989, Belasco e o./Comissão (246/86, Colet., p. 2117, n.° 41); e de 8 de fevereiro de 1990, Tipp‑Ex/Comissão (C‑279/87, Colet., p. I‑261, sumário, n.° 2); v., também, acórdão do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão (T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colet., p. II‑5169, n.° 205).


40 —      V., sobre o conceito de restrição grave, em especial, a Comunicação da Comissão Europeia relativa aos acordos de pequena importância que não restringem sensivelmente a concorrência nos termos do n.° 1 do artigo 81.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia (de minimis) (JO 2001, C 368, p. 13).


41 —      Neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão (T‑99/04, Colet., p. II‑1501), relativo à participação num cartel de uma sociedade de consultoria, que não operava no mercado afetado pelo cartel.


42 —      Isto é válido para todas as empresas que eram membros da SSK antes de 1 de maio de 2004.


43 —      Uma disposição comparável encontrava‑se no artigo 2.° do Protocolo n.° 4 do Acordo entre os Estados da AECL relativo à criação de um Órgão de Fiscalização e de um Tribunal de Justiça (JO 1994, L 344, p. 12).


44 —      Neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido na nota 38 (n.os 129, última frase, 130 e 134, penúltima frase).


45 —      V., supra, n.° 67 das presentes conclusões.


46 —      V., supra, n.° 70 das presentes conclusões.


47 —      Orientações sobre o conceito de afetação do comércio entre os Estados‑Membros previsto nos artigos 81.° e 82.° do Tratado, secção 3.2.1 (em especial, n.° 78).


48 —      Considerandos 6, 7 e 8 do Regulamento n.° 1/2003.


49 —      Sobre este dever, v., também, acórdão Toshiba Corporation e o., já referido na nota 19 (n.° 77).


50 —      Acórdão de 30 de janeiro de 1974, BRT/SABAM (127/73, Colet., p. 33, n.os 15 a 22).


51 —      Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Walt Wilhelm e o. (14/68, Colet. 1969‑1970, p. 1, n.° 6, in fine).


52 —      V., por exemplo, acórdãos de 5 de maio de 1981, Dürbeck (112/80, Recueil. p. 1095, n.° 48), e de 20 de março de 1997, Alcan Deutschland (C‑24/95, Colet., p. I‑1591, n.° 25).


53 —      Neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2009, Plantanol (C‑201/08, Colet., p. I‑8343, n.° 53); v., ainda, as minhas conclusões apresentadas em 24 de janeiro de 2013 no processo Agroferm (C‑568/11, n.os 43 a 50).


54 —      De maneira muito semelhante, o Tribunal de Justiça declarou, relativamente ao princípio da confiança legítima, que ninguém pode invocar uma violação desse princípio se a administração não lhe deu garantias concretas, e que para este efeito não bastam indícios vagos (acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar/Comissão, C‑47/07 P, Colet., p. I‑9761, n.os 81 e 86).


55 —      Segundo jurisprudência assente, o princípio da confiança legítima não pode ser invocado contra uma disposição clara do direito da União; v. acórdãos de 26 de abril de 1988, Krücken (316/86, Colet., p. 2213, n.° 24); de 1 de abril de 1993, Lageder e o. (C‑31/91 a C‑44/91, Colet., p. I‑1761, n.° 35); e de 16 de março de 2006, Emsland‑Stärke (C‑94/05, Colet., p. I‑2619, n.° 31).


56 —      V., supra, n.° 70 das presentes conclusões.


57 —      V., supra, n.° 62 das presentes conclusões e jurisprudência referida na nota 35.


58 —      Artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003.


59 —      Artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003.


60 —      Acórdão Toshiba Corporation e o., já referido na nota 19 (n.° 62).


61 —      V., supra, n.os 20 e 21 das presentes conclusões.


62 —      V., supra, n.° 92 das presentes conclusões.


63 —      Acórdão Walt Wilhelm e o., já referido na nota 51 (n.os 6 e 9).


64 —      Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Compañía Española de Comercialización de Aceite (C‑505/07, Colet., p. I‑8963, n.° 52), e Toshiba Corporation e o., já referido na nota 19 (n.° 81).


65 —      Acórdãos Walt Wilhelm e o., já referido na nota 51 (n.° 3); de 13 de julho de 2006, Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, Colet., p. I‑6619, n.° 38); Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o., já referido na nota 37 (n.° 103); e Toshiba Corporation e o., já referido na nota 19 (n.° 81).


66 —      Acórdão Toshiba Corporation e o., já referido na nota 19 (n.° 82).


67 —      No acórdão de 13 de dezembro de 2012, Expedia (C‑226/11), o Tribunal de Justiça esclareceu que um acordo suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tem uma finalidade anticoncorrencial constitui, pela sua natureza e independentemente dos seus efeitos concretos, uma restrição sensível da concorrência (n.° 37), o que sucede mesmo quando não são ultrapassados os limiares fixados pela Comissão na sua comunicação de minimis (n.° 38).


68 —      V., supra, n.° 44 das presentes conclusões.


69 —      V. considerando 34 do Regulamento n.° 1/2003, que destaca o papel central das instituições da União na aplicação dos princípios consignados nos artigos 81.° CE e 82.° CE; v., além disso, acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido na nota 17 (n.° 105, in fine); de 14 de dezembro de 2000, Masterfoods (C‑344/98, Colet., p. I‑11369, n.° 46, primeira frase); e as minhas conclusões no processo Expedia, já referido na nota 28 (n.° 38).


70 —      V., também, considerando 14 do Regulamento n.° 1/2003.


71 —      Acórdão Tele 2 Polska, já referido na nota 33 (n.os 22 a 29 e 32).


72 —      Considerandos 6, 7 e 8 do Regulamento n.° 1/2003.


73 —      Considerandos 28 e 34 do Regulamento n.° 1/2003.


74 —      V., em especial, artigo 5.°, primeiro período, e o artigo 6.°, bem como os considerandos 6, 7 e 8 do Regulamento n.° 1/2003.


75 —      Sobre a importância destes princípios no contexto do direito da concorrência, v. acórdão de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, Colet., p. I‑6297), e acórdão Manfredi e o., já referido na nota 65.


76 —      V. sobre este objetivo, as referências constantes da nota 34.


77 —      N.° 28, primeiro travessão, das Orientações de 2006.


78 —      Sobre a importância da aplicação privada do direito da concorrência v., além dos acórdãos referidos na nota 75, em especial o «Livro Branco sobre ações de indemnização por incumprimento das regras comunitárias no domínio antitrust», apresentado pela Comissão Europeia em 2 de abril de 2008 [COM(2008) 165 final]. No seu Livro Branco, a Comissão propõe medidas que visam «criar um sistema eficaz de aplicação ‘privada’, baseado em ações de indemnização que virão completar, sem substituir nem prejudicar, a ação dos poderes públicos neste domínio» (p. 4, secção 1.2). O Tribunal da EFTA teve também ocasião de mencionar a importância da aplicação privada do direito da concorrência, sublinhando que ela é do interesse público (acórdão de 21 de dezembro de 2012, DB Schenker/Órgão de Fiscalização da EFTA, E‑14/11, n.° 132).