Language of document : ECLI:EU:C:2013:445

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

4 de julho de 2013 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu — Setor das ligações em cobre e em liga de cobre — Decisão da Comissão — Declaração de uma infração ao artigo 101.° TFUE — Coimas — Infração única, complexa e continuada — Cessação da infração — Prossecução da infração por determinados participantes — Reincidência»

No processo C‑287/11 P,

que tem por objeto um recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, entrado em 6 de junho de 2011,

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, V. Bottka e R. Sauer, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Aalberts Industries NV, com sede em Utrecht (Países Baixos),

Comap SA, anteriormente Aquatis France SAS, com sede em Lyon (França),

Simplex Armaturen + Fittings GmbH & Co. KG, com sede em Argenbühl‑Eisenharz (Alemanha),

representadas por R. Wesseling, advocaat,

demandantes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, E. Juhász (relator), G. Arestis, T. von Danwitz e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de setembro de 2012,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de fevereiro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 24 de março de 2011, Aalberts Industries e o./Comissão (T‑385/06, Colet., p. II‑1223, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou os artigos 1.° e 2.°, alíneas a) e b), n.° 2, da Decisão C (2006) 4180 da Comissão, de 20 de setembro de 2006, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/F‑1/38.121 — Ligações) (JO 2007, L 283, p. 63, a seguir «decisão controvertida»), na parte em que esta decisão declara que a Aalberts Industries NV (a seguir «Aalberts»), a Comap SA (a seguir «Comap»), anteriormente Aquatis France SAS (a seguir «Aquatis»), e a Simplex Armaturen + Fittings GmbH & Co. KG (a seguir «Simplex») participaram num cartel durante o período compreendido entre 25 de junho de 2003 e 1 de abril de 2004 e aplicou à Aalberts uma coima de 100,8 milhões de euros, dos quais 55,15 milhões de euros solidariamente com as suas filiais Aquatis e Simplex, bem como, quanto a estas últimas, a título solidário, uma coima suplementar.

2        Através do seu recurso subordinado, a Aalberts, a Aquatis e a Simplex pedem, na hipótese de o Tribunal de Justiça dar provimento ao recurso da Comissão, a anulação dos artigos 1.°, 2.°, alíneas a) e b), n.° 2, e 3.° da decisão controvertida, no que diz respeito à Aalberts, à Comap (anteriormente Aquatis) e à Simplex.

3        Subsidiariamente, as ora recorridas pedem a anulação do acórdão recorrido, na parte em que declara a existência de uma infração única, complexa e continuada, que terá prosseguido após as inspeções realizadas pela Comissão em março de 2001, e a anulação dos artigos 1.°, 2.°, alíneas a) e b), n.° 2, e 3.°, da decisão controvertida no que diz respeito às referidas sociedades ou, a título subsidiário, a anulação ou uma redução significativa do montante da coima que lhes foi aplicada.

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

4        O Tribunal Geral efetuou as seguintes constatações:

«1.      […] A infração consistia em fixar os preços, em acordar listas de preços, descontos e abatimentos e mecanismos de aplicação dos aumentos de preços, em repartir os mercados nacionais e os clientes, em trocar outras informações comerciais, em participar em reuniões periódicas e em manter outros contactos destinados a facilitar a infração.

2      [A Aalberts, a Aquatis e a Simplex] estão entre os destinatários da decisão [controvertida].

3      A Aalberts é a sociedade‑mãe de um grupo industrial cotado na Bolsa Euronext de Amesterdão (Países Baixos). Controla, direta ou indiretamente, o capital de diversas sociedades ativas no setor da produção ou da distribuição de ligações. Em 30 de agosto de 2002, [a Aalberts] adquiriu a totalidade das atividades de fabrico e de distribuição de ligações da IMI plc [a seguir ‘IMI’], que estavam agrupadas na ‘Yorkshire Fittings Group’. Esta operação consistiu, designadamente, na aquisição da totalidade das ações da Raccord Orléanais SA [a seguir ‘Raccord Orléanais’] (que se transformou na Aquatis) e da R. Woeste & Co. Yorkshire GmbH [a seguir ‘Woeste & Co.’] (que se transformou na Simplex). Estas empresas foram integradas numa das duas principais atividades do Grupo Aalberts, o controlo dos fluidos.

4      Em março de 2006, a Comap, destinatária da decisão [controvertida] devido à sua participação na infração quando era controlada pela Legris Industries SA e recorrente no processo T‑377/06, foi cedida ao Grupo Aalberts. Por carta de 16 de abril de 2007, o Tribunal foi informado de que o conjunto dos ativos e passivos da Aquatis tinha sido cedido à Comap e que aquela tinha deixado de existir enquanto entidade jurídica. […]

5      Em 9 de janeiro de 2001, a Mueller Industries Inc., um outro produtor de ligações em cobre, informou a Comissão da existência de um cartel no setor das ligações, e noutros setores conexos no mercado dos tubos de cobre, e manifestou a vontade de cooperar ao abrigo da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir ‘comunicação sobre a cooperação de 1996’) (considerando 114 da decisão [controvertida]).

6      Em 22 e 23 de março de 2001, no quadro de uma investigação sobre os tubos e as ligações em cobre e ao abrigo do disposto no artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), a Comissão realizou inspeções não anunciadas nas instalações de diversas empresas, entre as quais a IMI, então sociedade‑mãe da Raccords Orléanais e da [Woeste & Co.] (considerando 119 da decisão [controvertida]).

7      Na sequência dessas primeiras inspeções, a Comissão dividiu, em abril de 2001, a sua investigação relativa aos tubos de cobre em três processos distintos: o relativo ao processo COMP/E‑1/38.069 (Tubos sanitários de cobre), o relativo ao processo COMP/F‑1/38.121 (Ligações) e o relativo ao processo COMP/E‑1/38.240 (Tubos industriais) (considerando 120 da decisão [controvertida]).

[…]

9      A partir de fevereiro/março de 2002, a Comissão enviou às diferentes partes em causa vários pedidos de informações ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 e, em seguida, do artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1) (considerando 122 da decisão [controvertida]).

10      Em setembro de 2003, a IMI requereu o benefício da comunicação sobre a cooperação de 1996. A este pedido seguiu‑se o do grupo Delta (março de 2004) e o da FRA.BO SpA [a seguir ‘FRA.BO’] (julho de 2004). O último pedido de clemência foi apresentado pela Advanced Fluid Connections plc (a seguir ‘AFC’), em maio de 2005. A FRA.BO forneceu informações, entre outras, em que chamava a atenção da Comissão para o facto de a infração ter prosseguido durante o período 2001‑2004, ou seja, após as inspeções que esta efetuara (considerandos 115 a 118 da decisão [controvertida]).

11      Em 22 de setembro de 2005, a Comissão, no quadro do processo COMP/F‑1/38.121 (Ligações), deu início a um procedimento por infração e elaborou uma comunicação de acusações, que foi notificada às [ora recorridas] (considerandos 123 e 124 da decisão [controvertida]).

12      Em 20 de setembro de 2006, a Comissão adotou a decisão [controvertida].

13      No artigo 1.° da decisão [controvertida], a Comissão declarou que as [ora recorridas] tinham participado na infração durante os seguintes períodos:

―        a Aalberts, de 25 de junho de 2003 a 1 de abril de 2004;

―        a Aquatis e a Simplex, de 31 de janeiro de 1991 a 22 de março de 2001, enquanto membros do grupo IMI, e de 25 de junho de 2003 a 1 de abril de 2004, enquanto membros do Grupo Aalberts.

14      Devido a essa infração, a Comissão, no artigo 2.°, alíneas a) e b), da decisão [controvertida], aplicou às [ora recorridas] as seguintes coimas:

‘a)      [Aalberts]: 100,80 milhões de euros.

dos quais solidariamente responsável com:

[Aquatis]: 55,15 milhões de euros;

[Simplex]: 55,15 milhões de euros.

b)      1.      [IMI], solidariamente com IMI Kynoch Ltd: 48,30 milhões de euros.

dos quais solidariamente responsável com:

[…]

[Aquatis]: 48,30 milhões de euros; e

[Simplex] 48,30 milhões de euros;

2.      [Aquatis] e [Simplex] solidariamente responsáveis pelo montante adicional de: 2,04 milhões de euros.’

15      Por força do artigo 3.° da decisão [controvertida], as empresas visadas no seu artigo 1.° deviam pôr imediatamente termo à infração, se ainda não o tivessem feito, e abster‑se de repetir qualquer ato ou comportamento descrito no artigo 1.° ou de adotar qualquer ato ou comportamento com objeto ou efeito equivalente.

16      Para fixar o montante da coima aplicada a cada empresa, a Comissão, na decisão [controvertida], utilizou a metodologia definida nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir ‘[O]rientações de 1998’).

17      No que respeita, antes de mais, à fixação do montante de partida da coima em função da gravidade da infração, a Comissão qualificou a infração de muito grave devido à sua própria natureza e à sua extensão geográfica (considerando 755 da decisão [controvertida]).

18      Em seguida, por considerar que havia uma grande disparidade entre as empresas em causa, a Comissão tratou‑as diferenciadamente, fundando‑se, para o efeito, na importância relativa de cada uma no mercado em causa, determinada em função da respetiva quota de mercado. Com base nisto, repartiu as empresas em causa por seis categorias, baseando‑se nas respetivas quotas do volume de negócios realizado por cada uma das empresas com o produto em causa no presente processo à escala do EEE [Espaço Económico Europeu] no ano de 2000, exceto no que respeita à Aalberts e à AFC, para as quais se baseou no ano de 2003 (considerando 758 da decisão [controvertida]).

19      A Aalberts foi classificada na primeira categoria, para a qual o montante de partida da coima foi fixado em 60 milhões de euros, enquanto a IMI foi classificada na segunda categoria, para a qual o montante de partida foi fixado em 46 milhões de euros (considerando 765 da decisão [controvertida]).

20      Em seguida, a Comissão agravou em 10% por ano de participação no cartel o montante de partida da coima aplicada a cada empresa em causa e, sendo caso disso, em 5% por qualquer período compreendido entre seis meses e um ano. Quanto ao período compreendido entre 31 de dezembro de 1988 e 31 de janeiro de 1991, a Comissão considerou adequado, devido ao âmbito geográfico limitado do cartel à época, agravar a coima em 5% por ano (considerando 775 da decisão [controvertida]).

21      Por último, a prossecução da participação na infração após as inspeções da Comissão, ou seja, durante o período compreendido entre 25 de junho de 2003 e 1 de abril de 2004, foi considerada uma circunstância agravante que justificou um agravamento de 60% do montante de base da coima aplicada às [ora recorridas] (considerandos 779 e 782 da decisão [controvertida]).»

 Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

5        Por petição entrada em 14 de setembro de 2006, as ora recorridas pediram ao Tribunal Geral que:

―        anulasse os artigos 1.°, 2.°, alíneas a) e b), n.° 2, e 3.° da decisão controvertida, na parte em que se lhes aplicam;

―        a título subsidiário, reduzisse substancialmente o montante da coima que lhes foi aplicada.

6        Em apoio do seu recurso no Tribunal Geral, as ora recorridas apresentaram cinco fundamentos, relativos, respetivamente, à ilegalidade da imputação da responsabilidade pela infração à Aalberts enquanto sociedade‑mãe, à inexistência de infração ao artigo 81.° CE, à não participação na infração única, complexa e continuada a que se refere o artigo 1.° da decisão controvertida, à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e das Orientações de 1998 e, por fim, à violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003 e do artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18).

7        O Tribunal Geral considerou oportuno analisar em primeiro lugar o segundo e terceiro fundamentos.

8        O Tribunal Geral salientou, no n.° 48 do acórdão recorrido, que a existência dos comportamentos que a Comissão censura às ora recorridas não é contestada, ou seja, a participação nas reuniões da Fédération française des négociants en appareils sanitaires, chauffage, climatisation et canalisations [Federação francesa de empresários de aparelhos sanitários, de aquecimento, climatização e canalizações (FNAS)], entre 25 de junho e 20 de janeiro de 2004, e a participação numa conferência telefónica em 16 de fevereiro de 2004 que também terá tido lugar no âmbito da FNAS, os contactos entre um assalariado de uma das ora recorridas e um representante da FRA.BO e os contactos mantidos na Feira de Essen (Alemanha), em 18 de março de 2004. Em contrapartida, as ora recorridas contestam o caráter anticoncorrencial destes comportamentos, que é necessário para declarar uma violação do artigo 81.° CE.

9        O Tribunal Geral examinou os elementos de prova e concluiu, no n.° 68 do acórdão recorrido, que não foi feita prova bastante de que a Simplex participou numa infração ao artigo 81.° CE durante o período controvertido. Daí deduziu, no n.° 69 do acórdão recorrido, que o artigo 1.° da decisão controvertida devia ser anulado na parte em que a Comissão declara que a Simplex participou numa infração única, complexa e continuada durante o período controvertido.

10      Quanto à participação da Aquatis na infração, o Tribunal Geral considerou, no n.° 119 do acórdão recorrido, que não ficou demonstrado que a Aquatis estava consciente de que, com o seu comportamento, tinha aderido a um cartel composto por diversas vertentes que prosseguiam um objetivo comum, nem mesmo ao cartel em que já havia participado anteriormente a março de 2001 e que prosseguia desde então.

11      Assim, o Tribunal Geral anulou não só em relação à Aquatis e à Simplex mas também à Aalberts, à qual a decisão controvertida tinha imputado a responsabilidade das suas filiais, o artigo 1.° da decisão controvertida na parte em que a Comissão declara que, durante o período controvertido, participaram numa infração única, complexa e continuada ao tomarem parte num conjunto de acordos e de práticas concertadas no mercado das ligações em cobre e em liga de cobre.

12      O Tribunal Geral considerou que não era necessário apreciar os outros fundamentos e anulou a coima de 100,8 milhões de euros aplicada à Aalberts, dos quais 55,15 milhões de euros solidariamente com a Aquatis e a Simplex, e a coima de 2,04 milhões de euros, por cujo pagamento a Aquatis e a Simplex foram consideradas solidariamente responsáveis.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

13      A Comissão invoca três fundamentos em apoio da anulação do acórdão recorrido.

14      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral violou várias regras em matéria de ónus da prova e várias regras de procedimento, desvirtuou determinados elementos de prova e não fundamentou de forma suficiente a sua apreciação factual. Com o seu segundo fundamento, formulado a título subsidiário, a Comissão alega que o Tribunal Geral errou ao anular a decisão controvertida na sua totalidade. Com o seu terceiro fundamento, também invocado a título subsidiário no caso de o Tribunal de Justiça julgar os dois primeiros fundamentos improcedentes, a Comissão considera que o Tribunal Geral não fundamentou suficientemente a anulação do artigo 2.°, alínea b), n.° 2, da decisão controvertida, decidiu ultra petita e violou o princípio do processo contraditório.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

15      O primeiro fundamento divide‑se em três partes.

—       Quanto à apreciação isolada da participação da Simplex e da Aquatis na infração continuada

16      No entender da Comissão, o Tribunal Geral não apreciou a participação continuada da Aalberts na infração, tendo antes procedido a um exame separado e individual para cada uma das suas duas filiais, a Simplex, por um lado, e a Aquatis, por outro. O acórdão recorrido infringiu, pois, a própria premissa da apreciação dos elementos de prova na decisão controvertida, a saber, que a Simplex e a Aquatis faziam parte da mesma entidade económica e, como tal, da mesma empresa na aceção do artigo 101.° TFUE e dos artigos 7.° e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Assim sendo, o Tribunal Geral devia, em primeiro lugar, ter respondido ao fundamento relativo ao facto de a Aalberts e as suas filiais constituírem a mesma empresa, o que não foi averiguado no acórdão recorrido.

—       Quanto à não tomada em consideração do conjunto global de indícios, designadamente das várias ligações entre os elementos de prova individuais

17      A Comissão alega que o Tribunal Geral não teve em consideração o conjunto global de indícios que lhe foi apresentado na decisão controvertida e durante o processo em primeira instância, por um lado, ao ignorar, sem motivo suficiente, determinados elementos de prova e, por outro, ao não examinar em conjunto estes elementos de prova, ignorando, assim, as ligações existentes entre eles.

18      Ao agir desta forma, o Tribunal Geral ignorou as relações existentes entre vários elementos de prova úteis para uma apreciação correta dos comportamentos colusórios. No entender da Comissão, o Tribunal cometeu um erro de direito ao adotar uma abordagem seletiva e compartimentada da análise, não tendo em conta, por um lado, as similaridades entre as atividades colusórias durante o primeiro período do cartel (antes das inspeções realizadas pela Comissão) e os contactos posteriores pelos quais a Aalberts é considerada responsável e, por outro, as ligações manifestas entre os vários contactos colusórios no período de 2003‑2004.

—       Quanto à desvirtuação dos elementos de prova e à falta de fundamentação

19      A Comissão considera que a rejeição das notas manuscritas da Sr.a P. (FRA.BO), de 25 de fevereiro de 2004, e as explicações prestadas a este respeito pelo Tribunal Geral não foram suficientemente fundamentadas. É certo que, no n.° 60 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirma que «[n]ão se pode excluir que tenha sido o importador independente da Simplex (Sr. D.) que decidiu aumentar os seus preços», todavia, não explica de forma alguma em que medida é que esta afirmação é pertinente e não apresenta nenhuma explicação quanto à conclusão que dela possa retirar.

20      Além disso, a Comissão alega que o Tribunal Geral desvirtuou simultaneamente o conteúdo da menção inscrita na agenda e as declarações da FRA.BO. No entender da Comissão, com fundamento na análise da segunda declaração da FRA.BO e da menção inscrita na própria agenda, o Tribunal Geral podia apenas concluir que a FRA.BO tinha sido informada pela Simplex de um aumento dos preços em 5% na Grécia, que logicamente dizia respeito ao Sr. D., que agia na qualidade de distribuidor.

21      Além disso, a Comissão alega que o Tribunal Geral ignorou elementos de prova relativos à participação dos representantes da Simplex (Srs. Be e H.) numa reunião colusória com um representante da IBP Ltd (Sr. Ha) na Feira de Essen de 18 de março de 2004. O Tribunal Geral terá desvirtuado as declarações dos diferentes protagonistas do cartel em questão quando deste evento, que deu lugar a reuniões colusórias.

22      Por fim, a Comissão salienta que o Tribunal Geral ignora, uma vez mais, o conjunto global de indícios e distorce os factos, na sua apreciação da participação da Aalberts (Aquatis) nas reuniões da FNAS. Por outro lado, o Tribunal Geral não explica a pertinência da constatação feita no n.° 60 do acórdão recorrido segundo a qual não se pode excluir que tenha sido o importador independente da Simplex (Sr. D.) que decidiu aumentar os seus preços em 5% a partir de 1 de março de 2004. Além disso, a fundamentação do Tribunal Geral apresenta um caráter contraditório, na medida em que, no presente processo, conclui que a participação da Aalberts nas reuniões da FNAS não apresenta um nexo «evidente» com o cartel global, ao passo que, num processo paralelo, considerou que a participação nas referidas reuniões constituía um nexo suficiente para apurar a infração global relativamente à IBP Ltd (acórdão do Tribunal Geral de 24 de março de 2011, IBP e International Building Products France/Comissão, T‑384/06, Colet., p. II‑1177).

23      As ora recorridas salientam que as infrações imputadas à Aquatis e à Simplex se baseiam em quatro acontecimentos factuais, dos quais dois dizem respeito à Aquatis, a saber, a participação de representantes desta em cinco reuniões do comité de logística da FNAS e numa conferência telefónica no âmbito da mesma FNAS, e dois dizem respeito à Simplex, a saber, um contacto telefónico entre um representante da FRA.BO e da Simplex e um encontro quando da Feira de Essen, em 18 de março de 2004. Para as ora recorridas, estes acontecimentos não se corroboram mutuamente e o Tribunal Geral apreciou, com toda a lógica, a alegada participação destas duas sociedades e examinou em seguida todas as provas no seu contexto.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

24      Resulta do n.° 3 do acórdão recorrido que a Raccord Orléanais e a Woeste & Co. eram filiais da Aalberts. A totalidade das ações destas filiais foi comprada pela Aalberts em 30 de agosto de 2002. As duas filiais foram integradas numa das atividades do grupo Aalberts, a saber, o controlo dos fluidos.

25      Deve lembrar‑se também que, nos considerandos 649 a 656 da decisão controvertida, as ora recorridas foram consideradas uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE. Foi por essa razão que, no artigo 1.° da decisão controvertida, a Comissão imputou os comportamentos alegadamente infracionais da Aquatis e da Simplex à Aalberts, sua sociedade‑mãe.

26      Com efeito, resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237, n.° 58 e jurisprudência referida).

27      Resulta do acórdão recorrido que as ora recorridas tinham contestado, no primeiro fundamento da sua petição de recurso apresentada no Tribunal Geral, a qualificação da Aalberts e das suas filiais, a Aquatis e a Simplex, como uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE.

28      Contudo, o Tribunal Geral não examinou este fundamento no acórdão recorrido. Limitou‑se ao exame dos segundo e terceiro fundamentos da petição, designadamente, da questão de saber se se podia considerar que a Aquatis e a Simplex, com base no exame dos elementos de prova relativos a cada uma das filiais, tinham participado separadamente na infração declarada no artigo 1.° da decisão controvertida.

29      Ao agir desta forma, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao violar a própria premissa da decisão controvertida, isto é, que a Aalberts, a Aquatis e a Simplex faziam parte de uma mesma entidade económica e, como tal, de uma mesma empresa na aceção do artigo 81.° CE.

30      Esta primeira parte do primeiro fundamento é, pois, procedente.

31      Nestas circunstâncias, há que examinar se, atendendo a este erro, o acórdão recorrido deve ser anulado.

32      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral não é suscetível de invalidar o acórdão recorrido se a sua parte decisória se mostrar fundada por outras razões jurídicas (v., neste sentido, acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 47, e de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp Nirosta/Comissão, C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 136).

33      No recurso no Tribunal Geral, o exame do primeiro fundamento da petição poderia ter conduzido a dois resultados.

34      Se o Tribunal Geral tivesse concluído que as três sociedades em questão não formavam uma única empresa, na aceção do direito da concorrência da União, as criticas formuladas pela Comissão no âmbito do presente fundamento, relativamente ao exame realizado pelo Tribunal Geral, seriam infundadas.

35      Se, em contrapartida, uma empresa, na aceção do direito da concorrência da União, tivesse sido identificada, tal constatação poderia, em princípio, ter levado a uma parte decisória diferente da do acórdão recorrido.

36      Esta segunda hipótese deve se examinada pelo Tribunal de Justiça.

37      É pacífico que a Comissão, na decisão controvertida, examinou e avaliou o cartel em causa em duas etapas, no intervalo das quais a Comissão realizou inspeções não anunciadas em março de 2001, nas instalações de várias empresas. A investigação relativa ao grupo Aalberts ocorreu durante a segunda etapa, designadamente no período entre 15 de junho de 2003 e 1 de abril de 2004. A este respeito, a própria Comissão utiliza a expressão «segundo período» no seu recurso.

38      No n.° 570 da decisão controvertida, a Comissão reconhece que a IMI, antecessora da Aalberts e sociedade‑mãe da Aquatis e da Simplex, pôs fim, em março de 2001, à sua implicação no cartel imediatamente após as inspeções não anunciadas realizadas pela Comissão. Além disso, o n.° 80 do acórdão recorrido contém a declaração das recorrentes em primeira instância segundo a qual a Aalberts, quando adquiriu a totalidade das atividades de fabrico e distribuição das ligações da IMI, se certificou de que esta e as suas filiais, entre as quais a Raccord Orléanais e a Woeste & Co., tinham efetivamente cessado a sua participação no cartel controvertido. Esta declaração não é contestada pela Comissão. No que se refere especificamente à Aquatis, é o Tribunal Geral que salienta, no n.° 114 do acórdão recorrido, que, quando o seu capital era controlado pela IMI, a Aquatis pôs termo à sua participação na infração imediatamente após as inspeções realizadas pela Comissão em março de 2001.

39      Em todo o caso, relativamente ao período entre março de 2001 e 25 de junho de 2003, a Comissão não alega nenhum acontecimento que possa ser qualificado de infração relativamente à Aalberts e às suas filiais. Consequentemente, deve considerar‑se assente que, durante este período de referência, nenhum membro do grupo Aalberts estava implicado no cartel controvertido.

40      Nestas circunstâncias, ainda que se deva considerar que a Aalberts, a Aquatis e a Simplex formavam uma empresa na aceção do direito da concorrência da União, para que a responsabilidade do cartel controvertido possa ser imputada a esta empresa, teria sido necessário que pelo menos um dos membros deste grupo tivesse novamente aderido ao cartel (v., neste sentido, acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, n.° 37).

41      Assim, o Tribunal Geral procedeu corretamente quando examinou todos os elementos de acusação mencionados na decisão controvertida que poderiam provar que uma das filiais da Aalberts tinha novamente aderido ao cartel.

42      Com efeito, o Tribunal Geral constatou, por um lado, no n.° 68 do acórdão recorrido, que «não foi feita prova bastante de que a Simplex participou numa infração ao artigo 81.° CE durante o período controvertido» e, por outro, no n.° 119 daquele acórdão, que «não ficou demonstrado que a Aquatis estava consciente de que, com o seu comportamento, tinha aderido a um cartel composto por diversas vertentes que prosseguiam um objetivo comum, nem mesmo ao cartel em que já havia participado anteriormente a março de 2001 e que prosseguia».

43      Ora, nada permite considerar que o Tribunal Geral teria constatado uma infração às regras da concorrência da União por uma ou várias das sociedades em questão se tivesse previamente constatado que estas sociedades formavam em conjunto uma única empresa na aceção do direito da concorrência da União.

44      Por outro lado, há que observar que o Tribunal Geral efetuou as suas apreciações factuais à luz dos elementos que figuram nos autos que lhe foram apresentados, em especial no que diz respeito às ligações existentes entre a Aalberts, a Aquatis e a Simplex.

45      Nestas condições, o erro de direito verificado no n.° 29 do presente acórdão não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido.

46      Em seguida, quanto à segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral, no essencial, de ter examinado separadamente os elementos de prova de acusação relativos a cada uma das filiais sem ter em consideração, para avaliar o caráter ilícito do comportamento de cada filial, as ligações existentes entre o conjunto dos elementos de prova.

47      Há que recordar, a este respeito, que resulta dos artigos 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o Tribunal Geral é o único competente para, por um lado, apurar a matéria de facto, exceto nos casos em que a inexatidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados e, por outro, para apreciar esses factos. Quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça é competente, por força do referido artigo 256.° TFUE, para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal Geral (acórdão de 19 de dezembro de 2012, Bavaria/Comissão, C‑445/11 P, n.° 23 e jurisprudência referida).

48      Há que constatar que, com esta parte do primeiro fundamento, a Comissão convida o Tribunal de Justiça a realizar uma nova apreciação das circunstâncias factuais. A apreciação dos elementos de prova posta em causa pela Comissão diz assim respeito a uma apreciação dos factos que, salvo no caso da desvirtuação dos elementos de prova produzidos perante o Tribunal Geral, não pode ser submetida à fiscalização do Tribunal de Justiça (v. acórdão Bavaria/Comissão, já referido, n.° 24 e jurisprudência referida).

49      Em consequência, a segunda parte do primeiro fundamento é inadmissível.

50      Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, deve lembrar‑se que, quando um recorrente alega desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve, em aplicação dos artigos 256.°, n.° 1, segundo parágrafo, TFUE, 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 168.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso os elementos que por aquele foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, do seu ponto de vista, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (v., neste sentido, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 50).

51      Tal desvirtuação existe quando, sem ter recorrido a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada (v. acórdãos de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, Colet., p. I‑439, n.° 37, e de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361, n.° 17).

52      Todavia, com esta terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão limita‑se a propor uma leitura diferente da defendida pelo Tribunal Geral dos diferentes elementos de prova relativos a uma alegada participação da Simplex no cartel controvertido, designadamente, as notas manuscritas da Sr.a P., de 25 de fevereiro de 2004, relativas a um contacto telefónico com o Sr. W. e as declarações dos Srs. Be, H. e Ha relativas a um contacto alegadamente colusório que terá ocorrido quando da Feira de Essen de 18 de março de 2004. Contudo, os argumentos invocados pela Comissão no caso em apreço não permitem concluir que o Tribunal Geral ultrapassou manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos referidos elementos de prova (v., por analogia, acórdão de 10 de fevereiro de 2011, Activision Blizzard Germany/Comissão, C‑260/09 P, Colet., p. I‑419, n.° 57).

53      Por fim, quanto à alegada falta de fundamentação, a argumentação da Comissão refere‑se no essencial à apreciação das referidas notas manuscritas, de 25 de fevereiro de 2004. Ainda que o Tribunal Geral não explique a pertinência da constatação que faz no n.° 60 do acórdão recorrido, declara, no n.° 61 desse acórdão, que a série de notas em questão «não basta, por si só, para provar a participação da Simplex na infração aqui em causa [na medida em que] não é possível excluir a hipótese de esse contacto poder ser considerado um incidente isolado [e que, a]lém disso, […] esta única série de notas manuscritas também não podia fazer prova da participação da Simplex no cartel em 2003». A acusação relativa a uma alegada fundamentação contraditória também não pode ser acolhida. Enquanto no seu acórdão IBP e International Building Products France/Comissão, já referido, o Tribunal Geral apurou que os elementos de prova demonstravam com força jurídica bastante a participação dos recorrentes em questão na infração referida no artigo 1.° da decisão controvertida, a apreciação dos elementos de prova relativos à Aalberts, à Aquatis e à Simplex, no acórdão recorrido, não permitiu ao Tribunal Geral fundamentar essa conclusão em relação à alegada empresa constituída pelas referidas sociedades.

54      Nestas condições, improcede a terceira parte do primeiro fundamento.

55      Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso suscitado pela Comissão é julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

56      Com o seu segundo fundamento, relativo a um erro de direito, a Comissão considera que o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto ao anular integralmente a decisão controvertida relativamente à filial Aquatis e à sociedade‑mãe Aalberts, tendo o Tribunal Geral confirmado a participação da Aquatis nas atividades do cartel no mercado francês. O acórdão recorrido contém, pelo menos, dois erros de direito.

57      O primeiro consiste no facto de o Tribunal Geral ter anulado a decisão controvertida por a Aquatis ter um grau de conhecimento do cartel diferente comparativamente às outras sociedades que participaram nas reuniões da FNAS em França.

58      O segundo erro de direito caracteriza‑se pela circunstância de o Tribunal Geral ter excedido os seus poderes ao anular na íntegra a decisão controvertida no que respeita à Aalberts e às suas duas filiais, apesar de uma anulação parcial dessa decisão ser a solução mais apropriada. Com efeito, a Comissão considera que, embora haja duas infrações distintas referentes à Aquatis durante os dois períodos de referência do cartel, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao anular na totalidade o montante da coima em vez de simplesmente o reduzir para refletir a infração constituída pela sua participação nas reuniões da FNAS durante o segundo período do cartel.

59      As ora recorridas consideram que este segundo fundamento deve ser julgado improcedente por ser parcialmente inadmissível, uma vez que se tratava, na realidade, de um pedido de reexame dos elementos de facto já invocados em primeira instância. A título subsidiário, este segundo fundamento deve ser rejeitado, pois baseia‑se numa interpretação errada do acórdão recorrido e numa aplicação incorreta do conceito de infração única, complexa e continuada.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

60      Há que salientar que, no n.° 108 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral lembra que, na decisão controvertida, a Comissão acusou a Aquatis de ter participado durante o período controvertido numa infração única, complexa e continuada, que abrangia todo o mercado dito «pan‑europeu», descrita no seu artigo 1.°

61      O Tribunal Geral, após lembrar, no n.° 109 do acórdão recorrido, que os elementos constitutivos da infração única, complexa e continuada após o mês de março de 2001 consistiram em contactos bilaterais, em contactos estabelecidos numa feira comercial e em contactos mantidos no quadro das reuniões da FNAS com o objetivo de coordenar preços, declarou, no n.° 110 do referido acórdão, que a Aquatis, durante o período controvertido, apenas tinha participado nas reuniões da FNAS, e não nas duas outras vertentes da infração. Contudo, ao declarar, no n.° 119 do acórdão recorrido, que não ficou demonstrado que a Aquatis estava consciente de que, com o seu comportamento, tinha aderido a um cartel composto por diversas vertentes que prosseguiam um objetivo comum, nem mesmo ao cartel em que já havia participado anteriormente ao mês de março de 2001 e que prosseguia, o Tribunal Geral anulou a totalidade do artigo 1.° da decisão controvertida relativamente às ora recorridas.

62      Quanto ao alegado erro de direito invocado no n.° 57 do presente acórdão, deve salientar‑se que, admitindo que o comportamento da Aquatis, nas reuniões da FNAS, possa ser, em si, qualificado de anticoncorrencial, é certo que não se encontram preenchidos os critérios definidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para que o comportamento possa ser considerado parte de uma infração única, complexa e continuada.

63      Com efeito, segundo a jurisprudência, devia ter‑se provado que a empresa pretendia contribuir, através do seu próprio comportamento, para os objetivos comuns prosseguidos por todos os participantes e que tinha conhecimento dos comportamentos materiais ou perspetivados ou postos em prática por outras empresas na prossecução dos mesmos objetivos, ou que, razoavelmente, os podia prever e estava pronta a aceitar o risco (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, n.° 42 e jurisprudência referida). Ora, as constatações feitas pelo Tribunal Geral, nos n.os 112 e 119 do acórdão recorrido, excluem esta possibilidade.

64      Quanto à questão de saber se o Tribunal Geral, como alega a Comissão, deveria, em todo o caso, ter procedido à anulação parcial do artigo 1.° da decisão controvertida relativamente às ora recorridas na medida em que a empresa em questão participou num elemento constitutivo da infração única e continuada, a saber, as reuniões da FNAS, o Tribunal de Justiça já declarou que a anulação parcial de um ato do direito da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do ato (v. acórdão Comissão/Verhuizingen Coppens, já referido, n.° 38 e jurisprudência referida).

65      Todavia, há que constatar que a decisão controvertida imputa às ora recorridas apenas a sua participação numa infração única, complexa e continuada. Assim, esta decisão não qualifica a participação da Aquatis nas reuniões da FNAS de infração ao artigo 81.° CE. Pelo contrário, o considerando 546 da decisão controvertida, que enumera as atividades anticoncorrenciais nela previstas, não contém nenhuma referência às reuniões da FNAS. Por outro lado, o considerando 590 da decisão controvertida confirma expressamente que a Comissão considerava «artificial subdividir [o] comportamento continuado [das empresas em questão], caracterizado por uma só finalidade, nele descortinando várias infrações distintas, quando se tratava, na realidade, de uma infração única».

66      Nestas circunstâncias, admitindo que as reuniões da FNAS tiveram um objeto ou efeitos anticoncorrenciais, o referido elemento constitutivo da infração única, complexa e continuada não era separável do resto do ato no sentido da jurisprudência referida no n.° 64 do presente acórdão.

67      Assim, foi corretamente que o Tribunal Geral, depois de constatar que a participação única, complexa e continuada da empresa no cartel não podia ser declarada, anulou integralmente o artigo 1.° da decisão controvertida em relação às ora recorridas.

68      Consequentemente, o segundo fundamento do recurso deve ser considerado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

69      A Comissão considera que a anulação do artigo 2.°, alínea b), n.° 2, da decisão controvertida não foi suficientemente fundamentada pelo Tribunal Geral. Relativamente ao limite de 10%, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, calculado sobre o volume de negócios cumulado apenas para a Aquatis e a Simplex, o Tribunal Geral estatuiu ultra petita, uma vez que as ora recorridas não tinham invocado esse fundamento.

70      Além disso, a violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 não foi invocada pelas ora recorridas nem nas observações escritas nem na audiência no Tribunal Geral. A Comissão considera, consequentemente, que o Tribunal Geral violou os princípios do processo contraditório e do direito a um processo equitativo. O acórdão recorrido não podia, assim, declarar legalmente nenhum erro no cálculo da fração da coima no artigo 2.°, alínea b), n.° 2, da decisão controvertida e deve também ser anulado a este respeito.

71      As ora recorridas contestam a argumentação da Comissão e pedem a declaração da improcedência deste fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

72      Nos n.os 123 e 124 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral explicou o método de cálculo utilizado para obter o montante de 2,04 milhões de euros a título da coima aplicada à Aquatis e à Simplex e mencionado no artigo 2.°, alínea b), n.° 2, da decisão controvertida.

73      Resulta do n.° 123 do acórdão recorrido que o montante de 100,8 milhões de euros a título da coima aplicada à Aalberts pela Comissão na sua decisão controvertida constituía um fator importante no referido cálculo. O desaparecimento deste montante devido à anulação da coima imposta à Aalberts torna o montante referido no artigo 2.°, alínea b), n.° 2, da decisão controvertida necessariamente incorreto, o que justifica a sua anulação.

74      O facto de o Tribunal Geral lembrar, no n.° 125 do acórdão recorrido, que a IMI foi cindida em várias entidades distintas antes da adoção da decisão controvertida é redundante e não pode alterar a conclusão referida no número anterior.

75      Consequentemente, o terceiro fundamento deve ser considerado improcedente.

76      Na medida em que todos os fundamentos do recurso foram considerados improcedentes, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto ao recurso subordinado

77      Há que salientar que o recurso subordinado foi suscitado pelas ora recorridas no caso de o Tribunal de Justiça acolher favoravelmente o presente recurso. Ora, resulta do n.° 76 do presente acórdão que o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da Comissão.

78      Nestas condições, não há que apreciar o recurso subordinado.

 Quanto às despesas

79      Por força do disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

80      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, desse regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Aalberts, a Aquatis e a Simplex pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas na presente instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso principal.

2)      Não há que conhecer do recurso subordinado.

3)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.