Language of document : ECLI:EU:C:2013:529

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 5 de setembro de 2013 (1)

Processos apensos C‑159/12 a C‑161/12

Alessandra Venturini

contra

A. S. L. Varese e o. (C‑159/12)


Maria Rosa Gramegna

contra

A. S. L. Lodi e o. (C‑160/12)


Anna Muzzio

contra

A. S. L. Pavia e o. (C‑161/12)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale della Lombardia (Itália)]

«Liberdade de estabelecimento — Admissibilidade — Elementos de facto do processo principal circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro — Saúde pública — Legislação nacional que restringe a venda de medicamentos sujeitos a receita médica cujo custo é integralmente suportado pelo cliente — Parafarmácias»





1.        Alessandra Venturini, Maria Rosa Gramegna e Anna Muzzio — as recorrentes nos processos principais (a seguir «recorrentes») — são farmacêuticas qualificadas inscritas na «Ordine dei Farmacisti di Milano» (a Ordem dos Farmacêuticos de Milão) e proprietárias de estabelecimentos de venda a retalho denominados «parafarmácias».

2.        Perante o Tribunale Amministrativo Regionale della Lombardia (Tribunal Administrativo Regional da Lombardia; a seguir «TAR Lombardia»), as recorrentes alegam, no essencial, que, ao impedi‑las de vender medicamentos sujeitos a receita, cujo custo é suportado pelo serviço nacional de saúde, e não pelo cliente, os regulamentos nacionais (a seguir «a legislação em causa») limitam de uma forma inadmissível a liberdade de estabelecimento, nos termos do artigo 49.° TFUE.

3.        As recorrentes são todas nacionais italianas, já estabelecidas em Itália, o seu recurso tem por objeto a legislação italiana. Nenhuma delas parece ter feito qualquer uso das liberdades consagradas no Tratado relativamente à situação em apreço nos processos principais.

4.        Portanto, do ponto de vista dos factos, a situação das recorrentes parece estar circunscrita ao interior de um único Estado‑Membro. De facto, no litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio não é possível identificar elementos transfronteiriços.

5.        Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça dispõe de competência para responder à questão submetida a título prejudicial pelo TAR Lombardia sobre a interpretação do artigo 49.° TFUE?

6.        Esta é, na minha opinião, a questão fundamental que se levanta no presente processo e que, por conseguinte, analisarei em primeiro lugar nas presentes conclusões. Na segunda parte destas conclusões, depois de propor, como conclusão intercalar, que o pedido de decisão prejudicial seja considerado admissível, explicarei os motivos pelos quais discordo das recorrentes quanto à alegada incompatibilidade com o artigo 49.° TFUE da legislação em causa.

I —     Enquadramento jurídico

7.        Em Itália, a Legge n.° 468/1913 definiu a assistência farmacêutica como uma «função essencial do Estado» que só podia ser exercida por farmácias municipais ou por farmácias privadas ao abrigo de uma concessão pública. Foi criado um instrumento administrativo de contingentação da oferta: a «pianta organica», uma forma de grelha territorial concebida para assegurar a distribuição uniforme dos medicamentos em todo o território nacional. Sobretudo, o subsequente Regio Decreto 27 luglio 1934, n.° 1265, atribuiu às farmácias a venda exclusiva de todos os medicamentos (artigo 122.°).

8.        A Legge n.° 537/1993 reclassificou mais tarde os medicamentos com base nas seguintes classes: A, medicamentos essenciais e para doenças crónicas; B, medicamentos (não incluídos na classe A), de interesse significativo do ponto de vista terapêutico; e C, outros medicamentos, não incluídos nas classes A ou B. Nos termos do artigo 8.°, n.° 14, da Legge n.° 537/1993, o custo dos medicamentos abrangidos pelas classes A ou B deve ser integralmente suportado pelo «Servizio Sanitario Nazionale» (SSN, serviço nacional de saúde italiano), enquanto o custo dos medicamentos da classe C deve ser integralmente suportado pelo cliente.

9.        Posteriormente, o artigo 85.°, n.° 1, da Legge n.° 388/2000 suprimiu a classe B, e o artigo 1.° de Lei n.° 311/2004 criou uma nova categoria de medicamentos — C‑bis — para abranger medicamentos não sujeitos a receita médica e que, ao contrário dos produtos abrangidos pelas outras categorias, podem ser objeto de publicidade junto do público (normalmente designados como medicamentos OTC, sendo OTC a abreviatura de «over‑the‑counter»). Como no caso dos medicamentos da classe C, o custo dos medicamentos da classe C‑bis deve ser suportado pelo cliente.

10.      O Decreto legge n.° 223/2006, mais tarde convertido na Legge n.° 248/2006 (a seguir «decreto Bersani») autorizou a abertura de novos estabelecimentos comerciais diferentes das farmácias. Estes são normalmente denominados «parafarmácias» e estão autorizados a vender medicamentos OTC (classe C‑bis). Mais recentemente, o Decreto legge n.° 201/2011, agora convertido na Legge n.° 214/2011, alargou as categorias de medicamentos que podem ser vendidas pelas parafarmácias, pelo que estas podem agora oferecer ao público alguns dos medicamentos da classe C não sujeitos a receita médica.

II — Matéria de facto, tramitação e questão prejudicial

11.      Em 30 de junho de 2012, cada uma das recorrentes solicitou à competente «Azienda Sanitaria Locale» [a seguir «ASL» (autoridade de saúde local)], bem como aos competentes municípios, ao Ministero della Salute (Ministério da Saúde) e à Agenzia Italiana del Farmaco (Agência Italiana dos Medicamentos), autorização para a venda ao público de medicamentos sujeitos a receita mas cujo custo é integralmente suportado pelo cliente, bem como de todos os medicamentos para uso veterinário que necessitam de prescrição médica, cujo custo é integralmente suportado pelo cliente.

12.      Em 15 e 17 de agosto de 2011, respetivamente, a ASL indeferiu todos esses pedidos por considerar que, com base na legislação nacional em vigor, os medicamentos em causa só podiam ser vendidos nas farmácias. O Ministro da Saúde emitiu decisões negativas semelhantes em 16 e 18 de agosto de 2011, respetivamente. Referir‑me‑ei a todas estas decisões, em conjunto, como «decisões em questão».

13.      As recorrentes impugnaram as decisões em questão no TAR Lombardia, alegando que a legislação italiana em que se baseiam é contrária ao direito da União Europeia.

14.      No âmbito desse processo, o tribunal italiano, tendo dúvidas sobre a compatibilidade da legislação em questão com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir «Tratado»), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os princípios da liberdade de estabelecimento, da não discriminação e da proteção da concorrência, consagrados nos artigos 49.° e segs. TFUE, opõem‑se a uma legislação nacional que não permite a um farmacêutico qualificado e inscrito na sua ordem profissional, mas que não explora um estabelecimento comercial integrado n[a «pianta organica»] o quadro orgânico, vender a retalho, na parafarmácia de que é proprietário, os medicamentos sujeitos a prescrição médica em [ricetta bianca] receita livre, ou seja, não comparticipados pelo SSN e pagos integralmente pelos cidadãos, e que estabelece também neste setor uma proibição de venda de determinadas categorias de medicamentos e uma contingentação do número de estabelecimentos comerciais que podem existir em território nacional?»

15.      No presente processo, foram apresentadas observações escritas por A. Venturini, Federfarma, os Governos italiano, espanhol e português, e pela Comissão. Na audiência realizada em 15 de maio de 2013, foram apresentadas alegações orais em nome de A. Venturini, da Federfarma, do Governo espanhol e da Comissão. Infelizmente, o Governo italiano não participou na audiência, não obstante a complexidade da legislação nacional em questão e o facto de as respetivas observações escritas serem particularmente sucintas.

III — Análise

A —    Admissibilidade

16.      Tanto nas suas observações escritas como na audiência, a Federfarma contestou a admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial. Alegou essencialmente que, na ausência de qualquer elemento transfronteiriço, a questão submetida a título prejudicial pelo TAR Lombardia não tem nenhuma ligação com o direito da União e é, portanto, hipotética. Em especial, a Federfarma baseou‑se na conclusão a que chegou o Tribunal de Justiça no acórdão Sbarigia (2).

17.      Na audiência, A. Venturini salientou que, embora não houvesse nenhum elemento transfronteiriço no processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, a legislação em questão tinha potenciais efeitos restritivos importantes sobre a possibilidade de operadores baseados noutros Estados‑Membros se estabelecerem em Itália. Isso significava que a questão devia ser admissível. A Comissão também contestou o argumento da Federfarma, referindo‑se principalmente ao acórdão Blanco Pérez (3), em que as circunstâncias de facto eram substancialmente idênticas às do processo atualmente pendente no TAR Lombardia e em que o Tribunal de Justiça se declarou competente.

18.      Concordo com a Comissão e com as recorrentes que, à luz da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as objeções da Federfarma devem ser rejeitadas.

19.      Contudo, importa também recordar que a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a admissibilidade de questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais em processos em que todos os elementos de facto estão circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro tem sido objeto de críticas de vários advogados‑gerais (4), assim como da doutrina (5).

20.      É certo que algumas das críticas tecidas a essa jurisprudência não são infundadas. Se interpretada de forma demasiado lata, essa jurisprudência poderá significar que praticamente em todos os casos em que um operador invoque perante um órgão jurisdicional nacional as disposições relativas ao mercado interno da União para contestar a validade de uma regulamentação nacional, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se — embora essa legislação possa ter sido adotada para fins perfeitamente legítimos e o seu impacto no comércio intra‑União possa ser marginal, insignificante ou puramente hipotético.

21.      Essa interpretação lata não é útil nem sustentável. Com efeito, acarretaria o risco de o Tribunal de Justiça poder interpretar normas da União apesar de não haver nenhuma ameaça efetiva à aplicação uniforme do direito da União (6), proferindo uma decisão que poderia ser totalmente alheia ao contexto factual e normativo do processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio (7) e, deste modo, alargar o âmbito de aplicação do direito da União para além dos limites definidos no Tratado (8).

22.      Além disso, o alargamento da competência do Tribunal de Justiça em consequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, associado ao aumento substancial do número de membros da União Europeia ao longo da última década, culminando na recente adesão da Croácia, poderia ter um impacto significativo na capacidade do Tribunal de Justiça para decidir os litígios com a necessária rapidez, mantendo simultaneamente a qualidade das suas decisões (9). De facto, as estatísticas do Tribunal de Justiça dos últimos anos, atestam um aumento claro e constante do número de pedidos de decisões prejudiciais (10).

23.      Considero, portanto, que é oportuna e adequada, neste momento, uma reflexão mais aprofundada do Tribunal de Justiça sobre a problemática da admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial. Para tal, antes de explicar de forma mais detalhada os motivos pelos quais penso que a questão submetida a título prejudicial pelo TAR Lombardia no presente processo é admissível, farei algumas observações gerais sobre essa problemática como contributo para a reflexão.

24.      Embora não considere que a jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito deva ser alterada ou o seu alcance radicalmente limitado, estou convicto da necessidade de interpretar essa jurisprudência de forma estrita a fim de evitar os riscos ligados a um alargamento excessivo da competência do Tribunal de Justiça.

25.      As minhas sugestões não devem, porém, ser consideradas pertinentes apenas no que diz respeito à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial relativos à legislação nacional que alegadamente restringe o comércio intra‑União. Bem pelo contrário. Existe um problema mais geral que transcende os aproximadamente 100 processos sobre questões de liberdades fundamentais submetidos todos os anos no Tribunal de Justiça — e é um problema que pode realmente ter implicações para todos os pedidos de decisão prejudicial.

1.      Jurisprudência do Tribunal de Justiça

26.      Desde logo, recordo que, segundo um princípio assente do direito material da União, as disposições do Tratado sobre as liberdades fundamentais «não são aplicáveis a atividades em que todos os elementos se circunscrevem ao território de um Estado‑Membro» (11).

27.      A necessidade de um elemento transfronteiriço para que as disposições do Tratado sobre liberdades fundamentais sejam aplicáveis é coerente com a própria finalidade dessas disposições. Parafraseando o advogado‑geral Tesauro no processo Hünermund, essa finalidade consiste na «liberalização das trocas intra‑[União] [e não em] promover o livre exercício da atividade comercial em cada Estado‑Membro» (12). No mesmo sentido, o advogado‑geral A. Tizzano salientou, no acórdão CaixaBank France, que uma interpretação das disposições do Tratado sobre as liberdades fundamentais que alarga a sua aplicabilidade para além dos seus próprios limites «equivale a associar o Tratado a um fim que não lhe é próprio: já não o de instituir um mercado interno em que vigorem condições semelhantes às de um mercado único e no qual os operadores possam circular livremente, mas o de instituir um mercado sem regras. Ou melhor: um mercado em que as regras são, em princípio, proibidas, exceto se necessárias e proporcionadas à satisfação de exigências imperativas de interesse geral» (13).

28.      Portanto, quando a situação de facto do processo no órgão jurisdicional de reenvio carece de qualquer ligação com o exercício de uma liberdade fundamental, o exame da compatibilidade da legislação nacional pertinente com as disposições do direito da União invocadas não é, em princípio, necessário para que o órgão jurisdicional nacional se possa pronunciar. Na medida em que as regras do Tratado não se aplicam ao processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio, a resposta às questões submetidas a título prejudicial não é relevante para a resolução do litígio e, por conseguinte, essas questões devem ser consideradas hipotéticas.

29.      No entanto, este princípio de direito material deve ser conjugado com alguns princípios gerais de natureza processual. Não preciso sequer de sublinhar que uma abordagem relativamente «generosa» do Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial radica claramente no próprio texto do Tratado. De facto, o artigo 267.° TFUE exige apenas que uma questão de interpretação das normas da União «seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados‑Membros». Cabe depois a esse órgão jurisdicional, por uma questão de princípio, decidir se «[considera] que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa».

30.      A competência alargada do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.° TFUE também está em consonância com o espírito de colaboração entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, que «deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial» (14).

31.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela subsequente decisão jurisdicional, determinar, tendo em conta as especificidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões prejudiciais sejam relativas à interpretação do direito da UE, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (15). A recusa de se pronunciar sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio do processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões (16).

32.      A necessidade de reconciliar os princípios de direito material acima mencionados com esses princípios processuais levou o Tribunal de Justiça, em diversos processos, a declarar admissíveis determinadas questões prejudiciais apesar de todos os elementos de facto do processo principal estarem circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro. Embora essas decisões do Tribunal de Justiça não possam ser classificadas em grupos claramente definidos, é possível identificar, em meu entender, três linhas de jurisprudência principais.

33.       Numa primeira linha de jurisprudência, que teve provavelmente início com o acórdão Oosthoek (17), e foi mais recentemente confirmada no acórdão Blanco Pérez (a seguir «jurisprudência Oosthoek»), o Tribunal de Justiça salientou que, embora os factos do processo estivessem circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro, não podiam ser afastados certos efeitos transfronteiriços da legislação nacional impugnada (18). As questões prejudiciais submetidas foram, assim, declaradas admissíveis.

34.      O raciocínio do Tribunal de Justiça é, a meu ver, correto, desde que não seja interpretado no sentido de criar uma presunção ou quase presunção, de que o Tribunal de Justiça se deve pronunciar em todos os processos em que não se possa excluir a priori a produção de efeitos no comércio intra‑União.

35.      Na verdade, não há motivo para limitar a competência do Tribunal de Justiça, no âmbito dos processos de decisão prejudicial, aos processos que apresentam um elemento transfronteiriço real e direto. Se houver motivos suficientes para considerar que a legislação nacional pode produzir efeitos transfronteiriços relevantes, por exemplo, nos termos dos artigos 34.°, 35.°, 45.°, 49.°, 56.° ou 63.° TFUE, essa legislação recai diretamente no âmbito de aplicação dessas disposições do Tratado.

36.      Além disso, parece‑me que não seria razoável adotar a premissa de que, para poderem ser apreciadas pelo Tribunal de Justiça, todas as possíveis violações das liberdades fundamentais devam necessariamente ser alegadas no contexto de um processo judicial instaurado por uma parte que já exerceu (ou está a tentar exercer) uma dessas liberdades. Tal interpretação estrita dos princípios que regulam a admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial impediria o Tribunal de Justiça de se pronunciar sobre legislações nacionais que podem gravemente dificultar o acesso aos mercados nacionais e que, exatamente por isso, já dissuadiram operadores estrangeiros de tentarem esse acesso. É frequentemente mais fácil para os nacionais do Estado‑Membro em questão — porque o investimento necessário da sua parte é mais reduzido, porque não se deparam com barreiras linguísticas, e porque estão mais familiarizados com o sistema jurídico nacional e a prática administrativa local — impugnar uma legislação nacional que é incompatível com as regras sobre o mercado interno. Por exemplo, poder‑se‑ia alegar que, no processo pendente no TAR Lombardia, é por mero acaso que todos os elementos estão circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro. As recorrentes podiam igualmente ser nacionais de outro Estado‑Membro.

37.      Concordo portanto com o advogado‑geral L. A. Geelhoed, que alegou no acórdão Reisch que «são a natureza e o conteúdo da medida nacional, e não os factos do litígio no processo principal, que determinam se o Tribunal de Justiça responde às questões prejudiciais que lhe são submetidas» (19).

38.      Como é óbvio, quando o processo principal contém, de facto, um elemento transfronteiriço, é imediatamente evidente a importância da interpretação, pelo Tribunal de Justiça, das regras do Tratado para o órgão jurisdicional de reenvio. Quando, por outro lado, os factos estão todos circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro, os efeitos transfronteiriços não podem ser presumidos. Por conseguinte, a não ser que esse elemento resulte claramente dos autos, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio explicar ao Tribunal de Justiça o motivo pelo qual a aplicação da medida em apreço é potencialmente suscetível de dificultar o exercício de uma liberdade fundamental pelos operadores económicos estrangeiros. Na falta de quaisquer explicações pormenorizadas sobre este aspeto, o Tribunal de Justiça pode, em meu entender, decidir que se trata de um processo hipotético, ou que não existe suficiente informação para poder fazer uma interpretação útil das regras dos Tratados.

39.      Numa segunda linha de jurisprudência, que teve início com o acórdão Guimont (20), e que foi também recentemente confirmada no acórdão Blanco Pérez («jurisprudência Guimont»), o Tribunal de Justiça considerou admissíveis as questões prejudiciais submetidas, não obstante todos os elementos dos litígios nos processos principais estarem circunscritos ao interior de um Estado‑Membro, na medida em que a interpretação solicitada do direito da União pareça útil ao órgão jurisdicional de reenvio «no caso de o direito nacional impor que um [nacional desse Estado‑Membro] beneficie dos mesmos direitos que os que um cidadão de outro Estado‑Membro diferente extrairia do direito da União na mesma situação» (21).

40.      Entendo que esta jurisprudência, devidamente interpretada, está correta. Sugiro, porém, que a sua evolução a levou demasiado longe.

41.      Em meu entender, o raciocínio subjacente a esta linha de decisões é, efetivamente, correto: na medida em que existe uma regra interna ou um princípio que proíbe a discriminação inversa, e que os regulamentos nacionais impugnados também se podem aplicar a operadores estrangeiros, o órgão jurisdicional nacional poderá necessitar do auxílio da jurisdição europeia para interpretar corretamente as disposições do direito da União pertinentes. Isto é assim, não obstante o facto de — em bom rigor — essas disposições do direito da União não serem diretamente aplicáveis ao caso em apreço, mas, possivelmente, apenas indirectamente (22), através de uma remissão feita pela legislação nacional. Nessas circunstâncias, a competência do Tribunal de Justiça é por conseguinte justificada uma vez que, na ausência de uma decisão da sua parte, o órgão jurisdicional de reenvio não poderia efetivamente proferir uma decisão no litígio que lhe foi submetido.

42.      Contudo, a existência dessa regra sobre a discriminação inversa e a sua aplicabilidade nos processos principais não pode, em meu entender, ser tomada como certa, como o Tribunal de Justiça parece ter feito em algumas das decisões anteriores sobre esta questão (23). Caso contrário, seriam admissíveis praticamente todos os pedidos de decisão prejudicial sobre a compatibilidade da regulamentação nacional com as liberdades fundamentais, independentemente do facto de o impacto dessa legislação sobre o comércio intra‑União não ser mais do que uma possibilidade abstrata, e de a sua ligação com as situações regidas pelas disposições pertinentes da UE ser remota.

43.      Além disso, o Tribunal de Justiça também deve garantir que a legislação nacional em questão também seja aplicável a situações transfronteiriças e que não diga apenas respeito a situações reguladas pelas leis nacionais (24). Como é óbvio, não pode haver discriminação inversa quando a legislação nacional impugnada não pode, em nenhum caso, aplicar‑se, por exemplo, a operadores ou a produtos estrangeiros.

44.      À luz destas considerações, considero que o órgão jurisdicional de reenvio deve indicar expressamente a existência, na ordem jurídica nacional, dessa regra ou princípio contra a discriminação inversa. O órgão jurisdicional de reenvio também deve indicar que a regra nacional impugnada é suscetível de ser aplicada a situações transfronteiriças, salvo se isso resultar de forma evidente dos autos.

45.      Penso que quando estes aspetos não são mencionados no despacho de reenvio ou, a fortiori, quando é evidente que não existe na ordem jurídica nacional uma regra ou princípio contra a discriminação inversa (25), ou que a legislação só pode ser aplicada a situações puramente internas, o Tribunal de Justiça deve declarar‑se incompetente, salvo se houver outros motivos imperiosos para não o fazer.

46.      Por último, existe uma terceira linha de jurisprudência, que teve início com o acórdão Thomasdünger (26) e que foi mais recentemente confirmada no acórdão Allianz («jurisprudência Thomasdünger»), no qual o Tribunal de Justiça se declarou competente para se pronunciar, a título prejudicial, sobre questões de direito da União em situações nas quais os factos no processo principal saíam do âmbito de aplicação direto das disposições da União, mas em que as referidas disposições tinham passado a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual era conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções do direito da União (27).

47.      Esta terceira linha de jurisprudência constitui, na minha opinião, o corolário da jurisprudência Guimont: também nos processos Guimont, a aplicação das regras pertinentes do direito da União nos processos submetidos nos órgãos jurisdicionais de reenvio era indireta e dependia de uma remissão (expressa ou implícita) feita a essas regras pelas legislações nacionais.

48.      Como salientou reiteradamente o Tribunal de Justiça, não resulta nem dos termos do artigo 267.° TFUE nem do objeto do processo instituído por esta disposição que os autores do Tratado CE tenham entendido excluir essas situações da competência do Tribunal de Justiça (28). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que existe um interesse da União Europeia em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União sejam interpretados de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (29).

49.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou‑se competente, por exemplo, em processos em que as regras nacionais em matéria de concorrência se baseavam abertamente nos artigos 101.° e 102.° TFUE e em que se pedia uma interpretação dessas disposições de modo a aplicar de uma forma coerente as correspondentes regras nacionais (30). Esse raciocínio foi igualmente seguido em processos que tinham por objeto regras fiscais que aplicavam uma disposição de uma diretiva da União e que a alargavam a situações semelhantes, puramente internas (31), ou regras fiscais que tomavam o Código Aduaneiro Comunitário como modelo a fim de assegurar um processo único em situações comparáveis (32).

50.      Também considero aceitável essa linha de jurisprudência, desde que os princípios subjacentes sejam aplicados respeitando condições muito rigorosas: embora não seja necessário que a remissão para as regras pertinentes do direito da União seja feita no próprio texto da lei interna a aplicar (33), deve ser suficientemente inequívoca ou, como o Tribunal de Justiça já referiu em certas ocasiões, «direta e incondicional» (34). Sobretudo, o Tribunal de Justiça só é competente nesses casos quando é evidente que o órgão jurisdicional nacional está vinculado à interpretação que o Tribunal de Justiça faz; de contrário, o processo será de natureza hipotética (35), resultando num verdadeiro desvio do processo previsto no artigo 267.° TFUE (36).

51.      Finalmente, uma vez que o Tribunal de Justiça só é competente para apreciar as disposições do direito da União invocadas e não as normas nacionais que remetem para essas disposições, o seu papel interpretativo devia ficar circunscrito dentro de limites especialmente estritos. Por exemplo, compete ao órgão jurisdicional de reenvio a tomada em consideração dos limites que a legislação interna pode impor na aplicação das disposições de direito da União invocadas (37). Do mesmo modo, caberá em princípio ao órgão jurisdicional de reenvio aplicar a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às circunstâncias do processo que lhe foi submetido (38).

52.      Incumbe portanto ao órgão jurisdicional de reenvio a obrigação de indicar claramente, no seu pedido de decisão prejudicial, todas as regras e princípios nacionais que possibilitem ao Tribunal de Justiça determinar se é necessário responder ao órgão jurisdicional nacional e se este ficará vinculado à resposta daquele.

53.      Concluo, assim, que nas três linhas de jurisprudência analisadas, o Tribunal de Justiça se declarou corretamente competente porque embora todos os elementos de facto estivessem circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro, isso não acontecia com os elementos de direito pertinentes.

54.      Acrescento porém que, conforme acima demonstrado, o Tribunal de Justiça parece ter‑se declarado competente, em alguns casos, com base em meras presunções, sem verificar se as condições pertinentes estavam realmente preenchidas.

55.      Penso que uma tal abordagem é bastante problemática. A competência do Tribunal de Justiça em situações que são puramente internas e de um único Estado‑Membro constitui uma exceção a um princípio geral e devem, como tal, ser interpretadas de forma estrita.

56.      Sublinho que o «espírito de cooperação» que deve prevalecer no contexto do processo de reenvio prejudicial se aplica nos dois sentidos (39): o Tribunal de Justiça deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar os órgãos jurisdicionais de reenvio a interpretar e aplicar corretamente o direito da União, mas esses órgãos jurisdicionais também devem desenvolver todos os esforços para auxiliar o Tribunal de Justiça, facultando‑lhe todos os elementos de informação e de prova necessários para que este possa exercer a sua função interpretativa de uma forma coerente com o objetivo do artigo 267.° TFUE (40). Este aspeto é especialmente importante tendo em conta que a informação e a prova a facultar pelos órgãos jurisdicionais de reenvio é necessária para o Tribunal de Justiça determinar se é efetivamente competente.

57.      Em termos mais gerais, os problemas causados por uma descrição inadequada do contexto factual e jurídico das questões prejudiciais não se confinam obviamente aos processos relativos ao mercado interno. Com efeito, esses problemas podem suscitar‑se no contexto de qualquer pedido de decisão prejudicial, independentemente do domínio do direito da União em causa.

58.      O não fornecimento pelo órgão jurisdicional nacional de todos os elementos de informação e de prova pertinentes relativos às questões essenciais de um litígio traduz‑se, a meu ver, na falta de cumprimento das condições previstas no artigo 94.° do Regulamento de Processo (41), e deve, por conseguinte, levar a que o Tribunal de Justiça se declare — regra geral — incompetente; caso adequado, o Tribunal de Justiça também poderá fazê‑lo por despacho fundamentado nos termos do artigo 53.°, n.° 2, do Regulamento de Processo (42).

59.      Na verdade, o Tribunal de Justiça pode decidir tentar preencher as lacunas do pedido de decisão prejudicial pedindo esclarecimentos ao órgão jurisdicional de reenvio — nos termos do artigo 101.° do Regulamento de Processo — ou, se possível, extraindo as necessárias informações dos documentos anexos ao despacho de reenvio (43) ou das observações e alegações submetidas pelas partes (44).

60.      Contudo, essas «soluções» devem, a meu ver, ser consideradas excecionais, e só devem ser aplicadas na medida em que as lacunas do pedido sejam consideravelmente limitadas e/ou digam respeito a questões que não sejam essenciais para uma compreensão plena e clara das questões fundamentais. Em meu entender, o despacho de reenvio deve ser um documento autónomo que contém todas as informações relevantes. Quaisquer outros documentos devem servir apenas como fontes suplementares de informação (45) e não devem, a meu ver, colmatar situações em que o despacho de reenvio carece da mais elementar informação.

61.      Se um despacho de reenvio estiver incompleto ou pouco claro, o direito de os Estados‑Membros (e, caso aplicável, de outras partes) (46) submeterem observações nesse processo, em que são eventualmente partes interessadas, poderá ficar comprometido. Por exemplo, apesar de a legislação de um Estado‑Membro estar redigida em termos semelhantes, ou de se poderem suscitar questões jurídicas equivalentes na sua própria ordem jurídica interna, o governo desse Estado‑Membro poderá não chegar a intervir pela simples razão de não se encontrar em condições de apreciar totalmente o objeto ou o alcance do processo (47). Esse facto poderá não só ser prejudicial para essas partes, mas também afetar a capacidade do Tribunal de Justiça de desempenhar a sua função jurisdicional, que consiste em proferir decisões nos termos do artigo 267.° TFUE, tendo em conta observações e alegações esclarecidas apresentadas por todas as partes interessadas (48).

62.      Além disso, qualquer tentativa do Tribunal de Justiça de reunir os elementos de informação e de prova omissos no pedido de decisão prejudicial implica necessariamente uma utilização mais ou menos intensiva dos recursos limitados do Tribunal de Justiça. Como consequência, os esforços adicionais do Tribunal de Justiça interferem não só com o tratamento correto e célere desses processos, mas também podem afetar, indiretamente, a resolução atempada de outros processos pendentes no Tribunal de Justiça.

63.      Feitas estas observações gerais, debruçar‑me‑ei agora sobre a admissibilidade da questão submetida a título prejudicial pelo TAR Lombardia.

2.      Admissibilidade da questão prejudicial

64.      É ponto assente que todos os elementos do processo principal estão circunscritos ao interior de um único Estado‑Membro.

65.      À luz da informação dos autos, parece que a jurisprudência Guimont e a jurisprudência Thomasdünger não são relevantes para o caso em apreço, mas que a jurisprudência Oosthoek o é.

66.      Conforme acima referido, também foi em aplicação da jurisprudência Oosthoek que o Tribunal de Justiça considerou admissíveis, no acórdão Blanco Pérez, as questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional nacional sobre a compatibilidade das regras que limitam a abertura de novas farmácias nas Astúrias, não obstante o facto de o problema da incompatibilidade ter sido suscitado por dois nacionais espanhóis que não tinham feito uso das liberdades do Tratado. Na verdade, o Tribunal de Justiça observou, designadamente, que «não se [podia] excluir de modo algum que nacionais estabelecidos em Estados‑Membros diferentes do Reino de Espanha [tivessem] estado ou [estivessem] interessados em explorar farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias» (49).

67.      Entendo esta afirmação no sentido de que, não obstante os factos estarem todos circunscritos a Espanha, os potenciais efeitos restritivos sobre situações transfronteiriças da legislação em questão eram nesse processo tão manifestos que o Tribunal de Justiça podia, imediatamente e sem dificuldade, declarar‑se competente (50).

68.      É verdade que, como salientou a Comissão, o contexto jurídico e de facto desse processo é bastante semelhante ao do processo atualmente pendente no TAR Lombardia. Entendo portanto que as considerações tecidas pelo Tribunal de Justiça no acórdão Blanco Pérez são, mutatis mutandis, igualmente válidas no presente processo. O TAR Lombardia sugere, no despacho de reenvio, que a legislação em questão pode ter efeitos restritivos que não estão circunscritos a Itália, na medida em que pode dissuadir os nacionais estabelecidos noutros Estados‑Membros de iniciarem uma atividade em Itália.

69.      Portanto, ao contrário da Federfarma, penso que as circunstâncias do presente processo são distintas das do acórdão Sbarigia. O litígio no processo Sbarigia tinha por objeto a eventual concessão de uma derrogação no que respeita aos períodos de abertura de uma determinada farmácia situada numa zona específica do município de Roma. Não era claro de que modo uma decisão nesse processo poderia ter efeitos, diretos ou indiretos, reais ou potenciais, sobre qualquer outro operador estabelecido noutro Estado‑Membro (51). Consequentemente, o Tribunal de Justiça decidiu corretamente que a questão prejudicial era inadmissível.

70.      O acórdão Sbarigia está em conformidade com a jurisprudência assente. O Tribunal de Justiça chegou a uma conclusão semelhante, por exemplo, no acórdão Woningstichting Sint Servatius (52), em que a restrição aos movimentos de capitais impugnada se referia a uma única empresa específica, sujeita à lei desse Estado‑Membro, e não era suscetível de produzir quaisquer efeitos no mercado interno. No mesmo sentido, no acórdão Van Buynder (53), o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão de saber se a legislação belga que sujeitava o exercício da medicina veterinária a diversas condições (tais como a posse de um diploma de medicina veterinária reconhecido, e a inscrição na ordem dos médicos veterinários) era compatível com o artigo 49.° TFUE, porque a questão foi suscitada no âmbito de um processo penal intentado contra Van Buynder, nacional belga, acusado de ter praticado na Bélgica atos veterinários não autorizados, sem preencher as condições impostas pela legislação acima mencionada.

71.      Em todos esses processos, o Tribunal de Justiça concluiu corretamente que a legalidade das medidas impugnadas pelos recorrentes nos processos principais não podia depender da interpretação das regras do Tratado sobre a livre circulação, porque não era fácil identificar efeitos transfronteiriços de qualquer tipo. A situação do presente processo é, no entanto, diferente. Pelos motivos explicados no n.° 68, supra, a legislação em questão está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 49.° TFUE. Por conseguinte, examinarei a seguir detalhadamente as questões substanciais suscitadas no TAR Lombardia.

B —    Apreciação da questão prejudicial

72.      Com o seu pedido de decisão prejudicial, o TAR Lombardia pretende ser esclarecido pelo Tribunal de Justiça quanto à questão de saber se uma legislação nacional que reserva às farmácias a venda de medicamentos sujeitos a receita, mas cujo custo é suportado pelo cliente e não pelo SSN, é compatível com as regras do direito da União sobre liberdade de estabelecimento.

1.      Existência de uma restrição

73.      De acordo com jurisprudência assente, qualquer legislação nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atraente o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado constitui uma restrição na aceção do artigo 49.° TFUE (54).

74.      Parece‑me que, no presente processo, um requisito prévio para qualquer interpretação é a identificação do mercado onde a legislação em questão produz alegadamente os seus efeitos restritivos impedindo o estabelecimento de operadores estrangeiros.

75.      Esse elemento não é óbvio. O despacho de reenvio não faz qualquer alusão sobre este aspeto e A. Venturini apenas refere, em termos gerais, alguns efeitos restritivos em relação às atividades profissionais de um farmacêutico.

76.      Refira‑se, a este respeito, que as decisões administrativas que as recorrentes impugnam nos processos principais não são indeferimentos de pedidos de abertura de uma farmácia, mas de simples pedidos de autorização de venda de determinados medicamentos específicos.

77.      De facto, as recorrentes não questionam a compatibilidade com o Tratado nem da legislação nacional que limita o número de farmácias de acordo com a pianta organica, nem da legislação que reserva às farmácias a venda de medicamentos de classe A. A única legislação que impugnam é a regra que lhes proíbe a venda de medicamentos sujeitos a receita, mas cujo custo é suportado pelo cliente.

78.      Isso leva‑me a pensar que os possíveis efeitos restritivos da legislação italiana pertinente sobre as liberdades fundamentais em causa no presente processo não são os relativos à abertura de farmácias em Itália, mas os relativos à abertura de estabelecimentos de venda a retalho como as parafarmácias.

79.      Identificado o mercado afetado, parece‑me que o passo seguinte deve ser averiguar se os efeitos restritivos produzidos pela legislação em questão são os efeitos pertinentes nos termos do artigo 49.° TFUE. Por outras palavras, é necessário averiguar se a legislação em questão pode dificultar o estabelecimento de operadores estrangeiros no mercado italiano das parafarmácias.

80.      Nas suas observações, a Federfarma salienta que as parafarmácias são, essencialmente, estabelecimentos comerciais normais que vendem uma diversidade de produtos, e a proibição de venda de determinados medicamentos não é suscetível de dissuadir um operador estrangeiro de abrir novas parafarmácias em Itália.

81.      Se as parafarmácias fossem efetivamente estabelecimentos comerciais cuja atividade principal não tivesse qualquer relação com a venda de medicamentos (como supermercados, postos de abastecimento de combustível, etc.), não teria tido qualquer hesitação em concordar com a Federfarma e em concluir que qualquer efeito restritivo alegadamente produzido pela legislação em questão teria de ser considerado como «demasiado [aleatório] e [indireto]» (55), «simplesmente hipotético» (56), ou «demasiado insignificante e aleatório» (57) e, por conseguinte, não seria suscetível de dificultar o acesso ao mercado.

82.      Contudo, observo que, apesar de não serem totalmente equiparáveis às farmácias, as parafarmácias têm muitos aspetos em comum com as primeiras. Por exemplo: (i) estão sujeitas a vários controlos farmacêuticos e sanitários específicos desenvolvidos pelas competentes autoridades italianas; (ii) devem dispor de aparelhos e instrumentos adequados para garantir a boa conservação e distribuição dos medicamentos; (iii) adquirem medicamentos aos mesmos canais de distribuição das farmácias, e (iv) asseguram a possibilidade de identificar a origem do medicamento vendido graças ao código único que lhe é atribuído pelo Ministero della Salute. Além disso, tanto nas farmácias como nas parafarmácias, a venda de medicamentos deve ser sempre feita na presença de um farmacêutico qualificado. Além disso, é claro que a principal atividade das parafarmácias envolve produtos de bem‑estar e de saúde e, em termos mais genéricos, de tratamento médico.

83.      Na audiência, em resposta a uma questão direta, A. Venturini e a Federfarma deram estimativas muito diferentes do montante e do valor dos produtos farmacêuticos em relação aos quais as recorrentes pedem uma autorização de venda. Contudo, parece‑me que nenhuma dessas estimativas nos permite considerar essa atividade como sendo de importância negligenciável.

84.      Nestas circunstâncias, não vejo qualquer motivo para duvidar da análise realizada pelo órgão jurisdicional nacional, segundo a qual a legislação em questão produz, realmente, efeitos restritivos que podem entravar o estabelecimento em Itália de operadores interessados na venda desses medicamentos.

85.      À luz destas considerações, sou levada a concluir que a legislação em questão constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento nos termos do artigo 49.° TFUE. Em todo o caso, esta questão não é crucial para a resposta a dar ao órgão jurisdicional nacional uma vez que, como explicarei a seguir, a legislação em questão é justificada por motivos imperiosos de interesse geral.

2.      Justificação da restrição

86.      O Tribunal de Justiça já declarou que as restrições à liberdade de estabelecimento que são aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, na condição de serem capazes de assegurar a realização do objetivo prosseguido, sem ultrapassarem o necessário para esse efeito (58).

87.      Uma vez que é ponto assente que a legislação em questão se aplica sem discriminação em razão da nacionalidade, o nosso exame deve incidir, em primeiro lugar, no que são os objetivos prosseguidos pela legislação em questão e, em segundo, a questão de saber se a restrição é coerente com o princípio da proporcionalidade.

88.      Quanto ao primeiro aspeto, observo, desde logo, que as leis italianas pertinentes são bastante extensas e complexas, e não permitem uma fácil identificação do(s) objetivo(s) real(is) prosseguidos pelo legislador. Além disso, as observações escritas do Governo italiano são, lamentavelmente, particularmente lacónicas e contêm apenas algumas afirmações vagas sobre os objetivos da proteção da saúde pública mediante a prevenção do consumo excessivo de medicamentos e da proteção do erário público mediante a prevenção da dissipação dos recursos financeiros limitados que podem ser disponibilizados para os cuidados de saúde.

89.      Embora não haja dúvidas de que estes objetivos podem, em teoria, constituir justificações aceitáveis (59), a sua relevância no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio parece bastante duvidosa. Na verdade, vale a pena recordar mais uma vez que a legislação em questão se refere apenas a medicamentos vendidos com receita médica e que são pagos pelo cliente, e não pelo SSN; portanto, tanto a procura como a oferta são invariáveis. Portanto, não entendo como é que os objetivos legítimos referidos pelo Governo italiano podem ser efetivamente prosseguidos pela legislação em questão.

90.      No entanto, os argumentos apresentados pelas partes sobre essa questão não são decisivos. Efetivamente, é muito mais importante, na minha opinião, que o Tribunal de Justiça identifique os objetivos concretos prosseguidos pelo legislador, com base no próprio texto das disposições nacionais, conforme interpretado e aplicado pelos órgãos jurisdicionais nacionais (60).

91.      No presente processo, o Tribunal de Justiça é auxiliado, nesta tarefa, pela informação contida no despacho de reenvio e por algumas decisões do Tribunal Constitucional italiano que foram extensivamente referidas pelas partes no âmbito das respetivas observações e alegações.

92.      No seu despacho de reenvio, o TAR Lombardia refere que o objetivo prosseguido pela legislação italiana em questão consiste na proteção da saúde pública, assegurando a distribuição uniforme dos medicamentos em todo o território nacional e evitando o risco da concentração das farmácias nas zonas mais apetecíveis do ponto de vista comercial.

93.      Estas declarações foram confirmadas por várias decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional italiano, segundo as quais o enquadramento jurídico complexo das farmácias se destina a assegurar e controlar o acesso dos cidadãos aos medicamentos e, deste modo, garantir a proteção do direito fundamental à saúde (61). O Tribunal Constitucional italiano também já declarou que os serviços farmacêuticos são regulados para garantir uma distribuição adequada dos medicamentos (62). Igualmente importante é o facto de, segundo este órgão jurisdicional, o objetivo concreto prosseguido pelo legislador consistir em assegurar a fiabilidade dos serviços farmacêuticos, tanto em termos territoriais como temporais, e proporcionar aos farmacêuticos uma área de captação, de modo a evitar o desaparecimento de farmácias locais, que, por sua vez, afetaria a distribuição equilibrada de farmácias em todo o território nacional (63).

94.      A esse respeito, gostaria de reiterar que, de acordo com jurisprudência assente, por força do artigo 52.°, n.° 1, TFUE, a proteção da saúde pública pode justificar restrições às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, tais como a liberdade de estabelecimento (64). Em especial, as restrições à liberdade de estabelecimento podem ser justificadas pelo objetivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população (65).

95.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça aceitou no acórdão Blanco Pérez que o objetivo de garantir que a distribuição de medicamentos se adapte às necessidades da população, por meio de uma rede de farmácias vasta e adequadamente equilibrada, através da qual seja assegurada uma presença também nas áreas economicamente mais desfavorecidas, pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral (66).

96.      Não vejo qualquer motivo para que as conclusões a que chegou o Tribunal de Justiça a este respeito no acórdão Blanco Pérez não devam ser igualmente aplicáveis no processo em apreço. É certo que o Governo italiano não invocou expressamente esse argumento. Contudo, parece‑me inconcebível que o Tribunal de Justiça chegasse a conclusões diferentes em dois processos que são substancialmente idênticos, simplesmente porque, num processo, o advogado produziu argumentos jurídicos detalhados e persuasivos, enquanto o outro processo apresentava uma enorme carência de tais argumentos. Considero, portanto, que os objetivos prosseguidos pela legislação em questão podem constituir uma justificação válida para a restrição da liberdade de estabelecimento nos termos do artigo 49.° TFUE.

97.      A segunda e última questão jurídica que deve ser examinada é a de saber se a restrição criada pela legislação em questão é compatível com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, conforme anteriormente mencionado, ao contrário da situação no acórdão Blanco Pérez, as recorrentes não pretendem abrir novas farmácias, mas apenas solicitam autorização para vender, nas parafarmácias de que são proprietárias, determinados medicamentos que a lei reserva às farmácias.

98.      Contudo, essa diferença entre os dois processos parece‑me ser, neste caso, irrelevante. Com efeito, é óbvio que o regime especial das farmácias estabelecido pelo legislador italiano poderia ser posto em causa, pelo menos parcialmente, se fosse permitido a outros tipos de estabelecimento de retalho comercializar medicamentos cuja venda está atualmente reservada às farmácias.

99.      Ao abrigo do sistema italiano, é confiada a prestação de um serviço público às farmácias que, para esse efeito, estão sujeitas a várias obrigações específicas e devem respeitar determinadas limitações no que diz respeito à condução da sua atividade. As recorrentes não negam que diversas destas obrigações e destes limites não são impostos a outros tipos de estabelecimento de venda a retalho: em especial, não são impostos às parafarmácias.

100. Estas obrigações e estes limites implicam custos adicionais significativos para as farmácias. Não se pode excluir que uma redução substancial do seu monopólio sobre os medicamentos exporia algumas destas farmácias ao risco de perderem a viabilidade económica, porque as privaria de um rendimento adequado. Como sucede com a abertura de novas farmácias no acórdão Blanco Pérez, o alargamento das classes de medicamentos oferecidos pelas parafarmácias poderia escoar recursos consideráveis das farmácias.

101. A questão de saber se — e, em caso afirmativo, em que medida e em que condições — as parafarmácias poderiam ser autorizadas a vender outras classes de medicamentos sem pôr em perigo o sistema territorial distribuição de farmácias criado pelo legislador italiano é uma questão que não compete obviamente ao Tribunal de Justiça decidir.

102. Importa recordar, neste contexto, que o Tribunal de Justiça já declarou, reiteradamente, que os Tratados da União não prejudicam a competência dos Estados‑Membros para organizarem os seus sistemas de segurança social e para adotarem, em particular, disposições destinadas a organizar serviços de saúde como os estabelecimentos farmacêuticos (67). No entanto, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União, designadamente as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais, uma vez que as referidas disposições implicam para os Estados‑Membros a proibição de introduzirem ou de manterem restrições injustificadas ao exercício dessas liberdades no domínio dos cuidados de saúde (68).

103. Para efeitos da interpretação desses princípios, o Tribunal de Justiça já salientou que, na apreciação da observância desta obrigação, importa ter em conta o facto de a saúde e a vida das pessoas ocupar o primeiro lugar no rol dos bens ou interesses protegidos pelo Tratado, e que compete aos Estados‑Membros decidir a que nível pretendem assegurar a proteção da saúde pública e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que esse nível pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação (69).

104. Por último, o Tribunal de Justiça também salientou que quando subsistam incertezas quanto à existência ou à importância de riscos para a saúde das pessoas, importa que o Estado‑Membro possa tomar medidas de proteção sem ter de aguardar que a realidade desses riscos seja plenamente demonstrada (70).

105. Isto significa que, numa situação de incerteza, um Estado‑Membro pode adotar uma legislação que evite ou minimize o risco de um número insuficiente de farmácias em determinadas partes do seu território e, consequentemente, de falta de fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos (71).

106. A garantia de que todos os medicamentos sujeitos a receita médica (independentemente de quem suporta os custos) sejam apenas vendidos por farmácias parece ser concebida precisamente para evitar um tal risco. Nada foi alegado no presente processo que sugira a existência de outra medida, como alternativa à medida prevista na legislação em questão, que possa oferecer o mesmo nível de confiança ao Estado quanto à realização dos objetivos prosseguidos, embora sendo menos restritiva para os operadores económicos.

107. Considero, portanto, que a legislação em questão é compatível com o princípio da proporcionalidade.

IV — Conclusão

108. À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Tribunale Amministrativo Regionale della Lombardia (Itália) do seguinte modo:

«O artigo 49.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que reserva às farmácias a venda de medicamentos sujeitos a receita, mas cujo custo é suportado pelo cliente.»


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Acórdão de 1 de julho de 2010, Sbarigia (C‑393/08, Colet., p. I‑6337).


3 —      Acórdão de 1 de junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez (C‑570/07 e C‑571/07, Colet., p. I‑4629).


4 —      V., em especial, as conclusões apresentadas em 3 de julho de 1990 pelo advogado‑geral M. Darmon no processo Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colet., p. I‑3763); as conclusões apresentadas em 31 de janeiro de 1995 pelo advogado‑geral G. Tesauro no processo Kleinwort Benson (C‑346/93, Colet., p. I‑615); as conclusões apresentadas em 17 de setembro de 1996 pelo advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Leur‑Bloem (C‑28/95, Colet., p. I‑4161); e as conclusões apresentadas em 9 de março de 2000 pelo advogado‑geral A. Saggio no processo Guimont (C‑448/98, Colet., p. I‑10663).


5 —      Hatzopoulos, V., «De l’arrêt ‘Foglia‑Novello’ à l’arrêt ‘TWD Textilwerke’ —La jurisprudence de la Cour de justice relative à la recevabilité des renvois préjudiciels», Revue du Marché Unique Européen (3)1994, pp. 195 a 219, p. 217; Simon D. «Questions préjudicielles», Journal de droit international 118(2) 1991, pp. 455 a 457, p. 457; e Fenger, N. «Article 177», in Smit, H. e Herzog, P. (eds.), The Law of the European Community: a commentary to the EEC Treaty, Matthew Bender & Co., Nova Iorque, 1997, pp. 5‑443 a 5‑470, pp. 5‑466.


6 —      Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs no acórdão Leur‑Bloem, n.° 47.


7 —      Conclusões apresentadas em 29 de março de 2001 pelo advogado‑geral A. Tizzano no acórdão Adam (C‑267/99, Colet., p. I‑7467, n.° 34).


8 —      Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral M. Darmon no acórdão Dzodzi, n.os 10 e 11.


9 —      V., por exemplo, a análise efetuada pela House of Lords, European Union Committee, 16th Report of Session 2012‑13 «Workload of the Court of Justice of the European Union: Follow‑Up Report», 29 de abril de 2013, pp. 9 e 24.


10 —      De acordo com os Relatórios Anuais do Tribunal de Justiça (v., por exemplo, os relatórios de 2004, p. 183, e de 2012, p. 90), foram apresentados 224 pedidos de decisão prejudicial em 2000, 249 pedidos em 2004, 385 pedidos em 2010 e 404 pedidos em 2012.


11 —      V., em especial, acórdão de 16 de janeiro de 1997, USSL n.° 47 di Biella (C‑134/95, Colet., p. I‑195, n.° 19); de 9 de setembro de 1999, RI.SAN. (C‑108/98, Colet., p. I‑5219, n.° 23); de 2 de outubro de 1999, Jägerskiöld (C‑97/98, Colet.,I‑7319, n.° 42); e de 22 de dezembro de 2010, Omalet (C‑245/09, Colet., p. I‑13771, n.° 12).


12 —      Conclusões apresentadas em 27 de outubro de 1993 pelo advogado‑geral G. Tesauro no processo Hünermund e o. (C‑292/92, Colet., p. I‑6787, n.os 1 e 28).


13 —      Conclusões apresentadas em 25 de março de 2004 pelo advogado‑geral A. Tizzano no processo CaixaBank France (C‑442/02, Colet., p. I‑8961, n.° 63). Embora estas conclusões — tal como as do advogado‑geral G. Tesauro, referidas na nota anterior — tivessem por objeto a noção de «restrição» ao abrigo das disposições do Tratado sobre liberdades fundamentais, considero que as suas observações a esse respeito também são relevantes, mutatis mutandis, quanto à admissibilidade dos processos relativos à compatibilidade de medidas internas com essas disposições do Tratado.


14 —      Acórdão de 22 de outubro de 2009, Zurita García e Choque Cabrera (C‑261/08 e C‑348/08, Colet., p. I‑10143, n.° 36), e de 24 de abril de 2012, Kamberaj (C‑571/10, n.° 41).


15 —      V., inter alia, acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini (C‑119/05, Colet., p. I‑6199, n.° 43 e a jurisprudência aí referida), e de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e Martinez (C‑509/09 e C‑161/10, Colet., p. I‑10269, n.° 32 e a jurisprudência aí referida).


16 —      V., inter alia, acórdãos Lucchini, n.° 44 e jurisprudência aí referida, e eDate Advertising e Martinez, n.° 33 e jurisprudência aí referida.


17 —      Acórdão de 15 de dezembro de 1982, Oosthoek’s Uitgeversmaatschappij (286/81, Recueil, p. 4575).


18 —      V. também acórdãos de 7 de maio de 1997, Pistre e o. (C‑321/94 a C‑324/94, Colet., p. I‑2343, n.° 45), e de 14 de julho de 1988, Smanor (298/87, Colet., p. 4489, n.os 8 a 10).


19 —      Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral L. A. Geelhoed no processo Reisch e o. (C‑515/99, C‑519/99 a C‑524/99 e C‑526/99 a C‑540/99, Colet., p. I‑2157, n.° 88).


20 —      Acórdão de 5 de dezembro de 2000, Guimont (C‑448/98, Colet., p. I‑10663).


21 —      Acórdão Blanco Pérez, n.° 39; acórdãos de 30 de março de 2006, Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti (C‑451/03, Colet., p. I‑2941, n.° 29); e de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o. (C‑94/04 e C‑202/04, Colet., p. I‑11421, n.° 30). V. também acórdão Guimont, n.° 23.


22 —      V. a referência à aplicação indireta das disposições da União no acórdão Leur‑Bloem, n.° 26, e no acórdão de 17 de julho de 1997, Giloy (C‑130/95, Colet., p. I‑4291, n.° 22). V. também as conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo ETI e o. (C‑280/06, Colet., p. I‑10893, n.os 54 e 55).


23 —      V. designadamente acórdãos Reisch e o., n.° 26; Servizi Ausiliari Dottori Commercialisti, n.° 29; e acórdão de 11 de setembro de 2003, Anomar e o. (C‑6/01, Colet., p. I‑8621, n.° 41).


24 —      V. conclusões apresentadas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs em 24 de outubro de 1996 no processo Pistre e o., n.° os 37 e 38, e conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Cosmas em 23 de março de 1995 no processo Belgapom (C‑63/94, Colet., p. I‑2467, n.° 14).


25 —      Acórdão de 21 de junho de 2012, Susisalo e o. (C‑84/11, n.° 21, e acórdão Omalet, n.os 16 e 17).


26 —      Acórdão de 26 de setembro de 1985, Thomasdünger (166/84, Colet., p. 3001).


27 —      Acórdãos Dzodzi, n.os 36 e 37; Leur‑Bloem, n.° 25; acórdão de 14 de dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio (C‑217/05, Colet.,I‑11987, n.° 19); de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, n.os 17 a 23; e de 17 de dezembro de 1998, IP (C‑2/97, Colet., p. I‑8597, n.° 59).


28 —      Acórdão ETI e o., n.° 22 e a jurisprudência aí referida.


29 —      Acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., n.os 17 a 23. A doutrina já observou que as decisões do Tribunal de Justiça nesses processos contribuem para a emergência de um jus communae europeum; v. Tridimas, T. — «Knocking on heaven’s door: Fragmentation, efficiency and defiance in the preliminary reference procedure», Common Market Law Review (40) 2003, pp. 9 a 50, p. 47.


30 —      V. acórdãos ETI e o., n.os 19 a 29, e Allianz Hungária Biztosító e o.


31 —      Acórdão Leur‑Bloem, n.° 25.


32 —      Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Kofisa Italia (C‑1/99, Colet., p. I‑207, n.os 30 a 32).


33 —      Acórdão Allianz Hungária Biztosító e o. V. também as conclusões apresentadas pela advogada‑geral Kokott em 3 de julho de 2007 no processo ETI e o., n.° 39.


34 —      Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, Colet., p. I‑14139, n.° 19 e jurisprudência aí referida), e acórdão de 18 de outubro de 2012, Nolan (C‑583/10, n.° 47).


35 —      V. acórdãos Kleinwort Benson, n.os 16 a 25; Allianz Hungária Biztosíto e o., n.os 22 e 23; ETI e o., n.os 24 a 26; Leur‑Bloem, n.° 31; Kofisa Italia, n.os 30 e 31; Adam, n.os 30 a 32; e acórdão de 7 de janeiro de 2003, BIAO (C‑306/99, Colet., p. I‑1, n.° 92).


36 —      V., nesse sentido, parecer 1/91 do Tribunal de Justiça, de 14 de dezembro de 1991 (Colet., p. I‑6079, n.° 61). V. também as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral G. Tesauro no processo Kleinwort Benson, n.° 27.


37 —      Acórdão de 25 de junho de 1992, Federconsorzi (C‑88/91, Colet., p. I‑4035, n.° 10), e acórdão Dzodzi, n.os 41 e 42.


38 —      V., por exemplo, acórdãos Allianz Hungária Biztosíto e o., n.° 29, e ETI e o., n.° 51.


39 —      V. acórdão de 16 de dezembro de 1981, Foglia (244/80, Colet., p. 3045, n.° 20).


40 —      Já em 1974, o Tribunal de Justiça declarou que «sendo essencial à preservação do caráter comunitário do direito instituído pelo Tratado, [o processo de decisão prejudicial] tem por fim assegurar àquele direito, em quaisquer circunstâncias, a produção dos mesmos efeitos em todos os Estados da [União Europeia]»: v. acórdão de 16 de janeiro de 1974, Rheinmühlen‑Düsseldorf (166/73, Colet., p. 33, n.° 2).


41 —      Acórdão Foglia, n.os 17 e 18.


42 —      Acórdão de 9 de outubro de 1997, Grado e Bashir (C‑291/96, Colet., p. I‑5531, n.° 14); acórdão de 23 de março de 1991, Saddik (C‑458/93, Colet., p. I‑511, n.os 18 e 19); e acórdão de 25 de maio de 1998, Nour (C‑361/97, Colet., p. I‑3101, n.os 19 e 20).


43 —      Acórdãos de 3 de março de 1994, Vaneetveld (C‑316/93, Colet., p. I‑763, n.°14), e de 7 de dezembro de 1995, Gervais e o. (C‑17/94, Colet., p. I‑4353, n.° 21).


44 —      Acórdão de 17 de maio de 1994, Corsica Ferries (C‑18/93, Colet., p. I‑1783, n.° 13), e acórdão Vaneetveld, n.° 14.


45 —      V. Barnard, C. e Sharpston, E. — «The changing face of Article 177 references» (34)1997 Common Market Law Review, pp. 1113 a 1171, p. 1153.


46 —      De facto, estas partes podem desconhecer o conteúdo dos documentos anexos ao despacho de reenvio, que não são, por via de regra, traduzidos para outras línguas. E também não têm acesso às observações e alegações apresentadas pelas partes no processo principal, salvo se já tiverem apresentado observações e alegações nesse processo.


47 —      O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de salientar que «as informações fornecidas nas decisões de reenvio não servem apenas para permitir ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis, mas também para dar aos Governos dos Estados‑Membros e às demais partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações nos termos do artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça (despacho de 2 de março de 1999, Colonia Versicherung e o., C‑422/98, Colet., p. I‑1279, n.° 5)» e que «compete ao Tribunal de Justiça velar pela salvaguarda desta possibilidade, atento o facto de que, nos termos do referido artigo [20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça], apenas as decisões de reenvio são notificadas aos interessados». V., entre muitos, despacho de 8 de outubro de 2002, Viacom (C‑190/02, Colet., p. I‑8287, n.° 14 e jurisprudência aí referida).


48 —      Barnard, C. e Sharpston, E., op.cit., p. 1151.


49 —      Acórdão Blanco Pérez, n.° 40.


50 —      Acórdão Blanco Pérez, n.os 54 e 55. Acrescente‑se ainda que, nesse caso, os potenciais efeitos transfronteiriços também resultavam do facto de uma das disposições das leis internas em questão favorecerem expressamente os farmacêuticos que tivessem exercido a sua atividade profissional na Comunidade Autónoma das Astúrias, descriminando assim indiretamente os operadores provenientes de outros Estados‑Membros. V. n.° 117 e segs. do acórdão.


51 —      V., em especial, acórdão Sbarigia, n.os 25 a 29.


52 —      Acórdão de 1 outubro de 2009, Woningstichting Sint Servatius (C‑567/07, Colet., p. I‑ 9021, n.os 40 a 47).


53 —      Acórdão de 16 de novembro de 1995, Van Buynder (C‑152/94, Colet., p. I‑3981).


54 —      V. acórdão de 14 de outubro de 2004, Comissão/Países Baixos (C‑299/02, Colet., p. I‑9761, n.° 15 e jurisprudência aí referida), e de 21 de abril de 2005, Comissão/Grécia (C‑140/03, Colet., p. I‑3177, n.° 27 e jurisprudência aí referida).


55 —      Acórdãos de 7 de março de 1990, Krantz (C‑69/88, Colet., p. I‑583, n.° 11); de 14 de julho de 1994, Peralta (C‑379/92, Colet., p. I‑3453, n.° 24); de 30 de novembro de 1995, Esso Española (C‑134/94, Colet., p. I‑4223, n.° 24); e de 3 de dezembro de 1998, Bluhme (C‑67/97, Colet., p. I‑8033, n.° 22).


56 —      Acórdão de 16 de dezembro de 1992, B & Q (C‑169/91, Colet., p. I‑6635, n.° 15).


57 —      Acórdão de 26 de maio de 2005, Burmanjer e o. (C‑20/03, Colet., p. I‑4133, n.° 31).


58 —      Acórdãos de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, Colet., p. I‑1721, n.° 44 e jurisprudência aí referida), e de 17 de julho de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, Colet., p. I‑4171, n.° 25).


59 —      V., em especial, acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 33, e acórdão de 19 de maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, Colet., p. I‑4103, n.° 57).


60 —      É jurisprudência assente que o alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais (acórdão de 16 de dezembro de 1992, Katsikas e o. (C‑132/91, C‑138/91 e C‑139/91, Colet., p. I‑6577, n.° 39 e jurisprudência aí referida), e de 18 de julho de 2007, Comissão/Alemanha (C‑490/04, Colet., p. I‑6095, n.° 49 e jurisprudência aí referida).


61 —      Acórdãos da Corte costituzionale de 10 de março de 2006, n.° 87, ponto 3; e de 14 de dezembro de 2007, n.° 430, ponto 4.2.1.


62 —      Acórdão da Corte costituzionale de 14 de dezembro de 2007, n.° 430, ponto 4.2.1.


63 —      Acórdão da Corte costituzionale de 4 de fevereiro de 2003, n.° 27, ponto 3.2.


64 —      V. designadamente acórdãos Hartlauer, n.° 46, e Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 27.


65 —      Acórdão de 19 de maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, n.° 52 e jurisprudência aí referida), e acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 28, e jurisprudência aí referida.


66 —      Acórdão Blanco Pérez, n.os 70 a 73 e jurisprudência aí referida.


67 —      Esse princípio também foi reafirmado no considerando 26 da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 255, p. 22), que prevê o seguinte: «A presente diretiva não assegura a coordenação de todas as condições de acesso às atividades do domínio farmacêutico e do seu exercício. Nomeadamente, a repartição geográfica das farmácias e o monopólio de distribuição de medicamentos devem continuar a ser matéria da competência dos Estados‑Membros. A presente diretiva em nada altera as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros que proíbem às sociedades o exercício de determinadas atividades de farmácia ou o sujeitam a determinadas condições.»


68 —      V., nesse sentido, acórdão Hartlauer, n.° 29; acórdão de 19 de maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, n.° 35, e jurisprudência aí referida); e acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 18, e jurisprudência aí referida.


69 —      Acórdão de 11 de setembro de 2008, Comissão/Alemanha (C‑141/07, Colet., p. I‑6935, n.° 51 e jurisprudência aí referida), e acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 19 e jurisprudência aí referida.


70 —      Acórdão Apothekerkammer des Saarlandes e o., n.° 30, e Blanco Pérez, n.° 74.


71 —      Acórdão Blanco Pérez, n.° 75.