Language of document : ECLI:EU:C:2015:354

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

4 de junho de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.° TFUE — Pedido incidental de fiscalização da constitucionalidade — Apreciação da conformidade de uma lei nacional quer com o direito da União quer com a Constituição do Estado‑Membro em causa — Faculdade que assiste a um órgão jurisdicional nacional de submeter ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial — Regulamentação nacional que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares — Diretivas 2003/96/CE e 2008/118/CE — Artigo 107.° TFUE — Artigos 93.° EA, 191.° EA e 192.° EA»

No processo C‑5/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Finanzgericht Hamburg (Alemanha), por decisão de 19 de novembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de janeiro de 2014, no processo

Kernkraftwerke Lippe‑Ems GmbH

contra

Hauptzollamt Osnabrück,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Ó Caoimh, C. Toader, E. Jarašiūnas e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de novembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Kernkraftwerke Lippe‑Ems GmbH, por J. Lüdicke e G. Roderburg, Rechtsanwälte,

–        em representação do Hauptzollamt Osnabrück, por C. Schürle e I. Schmidtke, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e K. Petersen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo finlandês, por S. Hartikainen e J. Heliskoski, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal e R. Sauer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 267.° TFUE, do artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (JO L 283, p. 51), do artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), do artigo 107.° TFUE, do artigo 93.°, n.° 1, EA, do artigo 191.° EA, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, em anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA (a seguir «protocolo»), bem como do artigo 192.°, n.° 2, EA, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, EA e o artigo 2.°, alínea d), EA.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Kernkraftwerke Lippe‑Ems GmbH (a seguir «KLE»), entidade exploradora da central nuclear de Emsland em Lingen (Alemanha), ao Hauptzollamt Osnabrück (a seguir «Hauptzollamt»), a propósito do imposto sobre os combustíveis nucleares devido pela KLE em aplicação da Lei relativa ao imposto sobre os combustíveis nucleares (Kernbrennstoffsteuergesetz), de 8 de dezembro de 2010 (BGBl. 2010 I, p. 1804, a seguir «KernbrStG»), a título da utilização por esta sociedade, no decurso do mês de junho de 2011, de elementos de combustível no reator nuclear da referida central.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/96

3        Os considerandos 2, 3, 6 e 7 da Diretiva 2003/96 têm a seguinte redação:

«(2)      A ausência de disposições comunitárias que sujeitem a uma taxa mínima de tributação da eletricidade e dos produtos energéticos que não os óleos minerais poderá ser prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno.

(3)      O bom funcionamento do mercado interno e a realização dos objetivos das outras políticas comunitárias exigem a fixação de níveis mínimos de tributação a nível comunitário para a maioria dos produtos energéticos, incluindo a eletricidade, o gás natural e o carvão.

[…]

(6)      Em conformidade com o artigo 6.° do Tratado [CE], as exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser integradas na definição e aplicação das outras políticas comunitárias.

(7)      Como parte signatária da Convenção‑Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, a Comunidade ratificou o Protocolo de Quioto; a tributação dos produtos energéticos e, sendo o caso, da eletricidade constitui um dos instrumentos disponíveis para a consecução dos objetivos do Protocolo de Quioto.»

4        O artigo 1.° desta diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos e a eletricidade de acordo com o disposto na presente diretiva.»

5        O artigo 2.° da referida diretiva dispõe:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘produtos energéticos’ os produtos adiante especificados:

a)      Os produtos abrangidos pelos códigos NC 1507 a 1518, quando destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento;

b)      Os produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702 e 2704 a 2715;

c)      Os produtos abrangidos pelos códigos NC 2901 e 2902;

d)      Os produtos abrangidos pelo código NC 2905 11 00 que não sejam de origem sintética, quando destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento;

e)      Os produtos abrangidos pelo código NC 3403;

f)      Os produtos abrangidos pelo código NC 3811;

g)      Os produtos abrangidos pelo código NC 3817;

h)      Os produtos abrangidos pelos códigos NC 3824 90 99, quando destinados a serem utilizados como carburante ou combustível de aquecimento.

2.      A presente diretiva é igualmente aplicável:

À eletricidade abrangida pelo código NC 2716.

3.      Quando destinados a serem utilizados, colocados à venda ou consumidos como carburante ou combustível de aquecimento, os produtos energéticos para os quais não é especificado um nível tributário na presente diretiva serão tributados de acordo com a sua utilização, à taxa prevista para o carburante ou o combustível de aquecimento equivalente.

Para além dos produtos tributáveis referidos no n.° 1, qualquer produto destinado a ser utilizado, colocado à venda ou consumido como carburante, ou como aditivo ou acrescimento de carburantes, será tributado à taxa aplicável ao carburante equivalente.

Para além dos produtos tributáveis enumerados no n.° 1, quaisquer outros hidrocarbonetos, com exceção da turfa, destinados a serem utilizados, colocados à venda ou consumidos para fins de aquecimento serão tributados à taxa aplicável ao produto energético equivalente.

4.      A presente diretiva não é aplicável:

[…]

b)      Às seguintes utilizações de produtos energéticos e eletricidade:

–        produtos energéticos utilizados para fins que não o de carburantes ou combustíveis de aquecimento,

–        dupla utilização de produtos energéticos.

[…]

5.      Os códigos da Nomenclatura Combinada para que remete a presente diretiva são os constantes do Regulamento (CE) n.° 2031/2001 da Comissão, de 6 de agosto de 2001, que altera o Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum [(JO L 279, p. 1, a seguir ‘Nomenclatura Combinada’)].

Deve ser tomada anualmente uma decisão de atualização dos códigos da [N]omenclatura [C]ombinada para os produtos referidos na presente diretiva, de acordo com o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 27.° Dessa decisão não devem resultar quaisquer alterações dos níveis mínimos de tributação aplicados na presente diretiva, nem o aditamento ou retirada de quaisquer produtos energéticos e da eletricidade.»

6        O artigo 4.° da Diretiva 2003/96 prevê:

«1.      Os níveis de tributação aplicados pelos Estados‑Membros aos produtos energéticos e à eletricidade enumerados no artigo 2.° não podem ser inferiores aos níveis mínimos previstos na presente diretiva.

2.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por ‘nível da tributação’, o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o [imposto sobre o valor acrescentado, a seguir ‘IVA’]), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo.»

7        Nos termos do artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva:

«Para além das disposições gerais previstas na Diretiva 92/12/CEE [do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1),] relativas às utilizações isentas de produtos tributáveis, e sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados‑Membros devem isentar os produtos a seguir referidos nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar uma aplicação correta e simples dessas isenções e de modo a impedir a fraude, a evasão fiscal ou utilizações abusivas:

a)      Produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade. No entanto, por razões de política ambiental, os Estados‑Membros podem sujeitar estes produtos a imposto, sem que tenham de respeitar os níveis mínimos de tributação estabelecidos na presente diretiva. Nesse caso, a tributação destes produtos não será tomada em consideração para efeitos da observância do nível mínimo de tributação aplicável à eletricidade fixado no artigo 10.°;

[…]»

 Diretiva 2008/118

8        O considerando 9 da Diretiva 2008/118 tem a seguinte redação:

«Dado que constitui um imposto sobre o consumo de determinados produtos, o imposto especial de consumo não deverá ser cobrado relativamente a produtos que, em determinadas circunstâncias, tenham sido inutilizados ou irremediavelmente perdidos.»

9        O artigo 1.° desta diretiva prevê:

«1.      A presente diretiva estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo dos seguintes produtos, adiante designados ‘produtos sujeitos a impostos especiais de consumo’:

a)      Produtos energéticos e eletricidade, abrangidos pela Diretiva [2003/96];

[…]

2.      Os Estados‑Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao [IVA] no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

3.      Os Estados‑Membros podem cobrar impostos sobre:

a)      Produtos não sujeitos a impostos especiais de consumo;

b)      Prestações de serviços, incluindo as relativas a produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, que não possam ser considerados impostos sobre o volume de negócios.

Todavia, no comércio entre Estados‑Membros, a cobrança dos referidos impostos não pode originar formalidades ligadas à passagem de fronteiras.»

10      Nos termos do artigo 47.° da Diretiva 2008/118:

«1.      A Diretiva [92/12] é revogada com efeitos a partir de 1 de abril de 2010.

[…]

2.      As remissões para a diretiva revogada devem entender‑se como sendo feitas para a presente diretiva.»

 Direito alemão

11      O artigo 100.°, n.° 1, primeiro período, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland) enuncia:

«Quando um tribunal considere inconstitucional uma lei, de cuja validade dependa a decisão, deverá suspender a instância e submeter a questão […] ao Bundesverfassungsgericht [(Tribunal Constitucional Federal)] […]»

12      O § 1 da KernbrStG, sob a epígrafe «Matéria tributável, território fiscal», prevê:

«(1)      O combustível nuclear utilizado para produção industrial de eletricidade está sujeito ao imposto sobre os combustíveis nucleares. O imposto sobre os combustíveis nucleares constitui um imposto sobre o consumo, na aceção do Código dos Impostos.

(2)      O território fiscal é o território da República Federal da Alemanha […]»

13      O § 2 da KernbrStG, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

1.      Combustíveis nucleares:

a)      o plutónio 239 e o plutónio 241,

b)      o urânio 233 e o urânio 235,

também sob a forma de compostos, ligas, produtos cerâmicos e misturas;

2.      Elementos de combustível: conjunto composto por diversas varas de combustível, através do qual o combustível nuclear é introduzido no reator nuclear;

3.      Vara de combustível: forma geométrica sob a qual o combustível nuclear, envolto em material de revestimento, é introduzido no reator nuclear;

4.      Reação em cadeia: processo no qual neutrões libertam, por cisão de elementos de combustíveis nucleares, outros neutrões, os quais provocam, por seu lado, a cisão de outros elementos de combustível nuclear;

5.      Reator nuclear: conjunto geométrico de elementos de combustível ou de varas de combustível e de outros compostos técnicos, de forma a permitir a execução de uma reação em cadeia controlada e autossustentada;

6.      Entidade exploradora: titular de uma autorização de exploração de uma instalação de produção industrial de eletricidade por cisão de combustíveis nucleares.»

14      O § 3 desta lei, sob a epígrafe «Taxa do imposto», fixa em 145 euros a taxa devida por 1 grama de plutónio 239, de plutónio 241, de urânio 233 ou de urânio 235.

15      O § 5 da referida lei, sob a epígrafe «Facto gerador do imposto, devedor do imposto», prevê:

«(1)      O imposto é devido quando elementos de combustível ou varas de combustível sejam utilizados num reator nuclear pela primeira vez, dando origem a uma reação em cadeia autossustentada.

[…]

(2)      O devedor do imposto é a entidade exploradora.»

16      O § 6 da mesma lei, sob a epígrafe «Declaração fiscal, exigibilidade do imposto», dispõe, no seu n.° 1, que o devedor do imposto deve apresentar uma declaração na qual ele próprio procede ao cálculo do imposto devido.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      No decurso do mês de junho de 2011, a KLE utilizou elementos de combustível no reator da central nuclear de Emsland para provocar uma reação em cadeia autossustentada.

18      A KLE transmitiu ao Hauptzollamt uma declaração relativa ao imposto sobre os combustíveis nucleares, com data de 13 de julho de 2011, na qual calculou, em conformidade com as disposições da KernbrStG em vigor desde 1 de janeiro de 2011, um montante de 154 117 745 euros devido a título desse imposto.

19      Em seguida, a KLE apresentou uma reclamação contra essa declaração. Por decisão de 16 de novembro de 2011, a sua reclamação foi indeferida. A KLE interpôs então, em 30 de novembro de 2011, recurso dessa decisão no Finanzgericht Hamburg (Tribunal Tributário de Hamburgo). Por aviso de liquidação de 28 de agosto de 2013, o Hauptzollamt alterou o montante do imposto devido, fixando‑o em 154 117 455 euros. É este aviso de liquidação que constitui o objeto do litígio no processo principal.

20      Resulta das indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que as partes no processo principal discordam, nomeadamente, quanto à questão de saber se a KernbrStG é compatível com o direito da União.

21      Em primeiro lugar, a KLE considera que as Diretivas 2008/118 e 2003/96 autorizam a tributação da eletricidade enquanto produto final e não a cobrança simultânea de impostos especiais de consumo sobre as fontes de energia consumidas para efeitos de produção de eletricidade. Em segundo lugar, a KLE entende que o artigo 107.° TFUE se opõe à KernbrStG, na medida em que esta lei afeta a concorrência entre os diferentes produtores de eletricidade, ao implicar uma tributação da produção de eletricidade nas centrais nucleares, ao passo que, por um lado, os outros modos de produção de eletricidade que não geram emissões de CO2 e, por outro, os que estão na origem de tais emissões não são tributados. Em terceiro lugar, ao incitar os produtores de energia elétrica a optar por modos de produção de eletricidade menos favoráveis à redução das emissões de CO2, a KernbrStG seria incompatível com os artigos 191.° TFUE e seguintes, lidos em conjugação com o artigo 4.°, n.° 3, TUE. Por último, segundo a KLE, a KernbrStG é contrária à lógica que resulta do artigo 93.° EA e ao objetivo enunciado nos artigos 191.° EA, 192.° EA e no protocolo, que visam desenvolver a produção de eletricidade a partir de energia nuclear, a qual não gera emissões de CO2.

22      O Hauptzollamt entende que a Diretiva 2008/118 se aplica apenas à circulação entre os Estados‑Membros de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e que a Diretiva 2003/96 não contém regras aplicáveis ao combustível nuclear. Considera que a KernbrStG não constitui uma medida de auxílio estatal, na aceção do artigo 107.° TFUE, e que, em todo o caso, esta disposição do Tratado FUE não pode conferir à KLE o direito de obter a anulação da sua declaração de 13 de julho de 2011 relativa ao imposto sobre os combustíveis nucleares. Além disso, o artigo 194.°, n.° 2, segundo parágrafo, TFUE permite aos Estados‑Membros decidir livremente quanto ao próprio princípio do recurso à energia nuclear e submeter a utilização desta última a um imposto. Segundo o Hauptzollamt, as disposições do Tratado CEEA também não se opõem à KernbrStG, uma vez que o mesmo não designa a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA) devedora do imposto sobre os combustíveis nucleares e não onera com este imposto o seu direito de propriedade. O Hauptzollamt considera que estas disposições não afetam a competência dos Estados‑Membros para determinar as modalidades do seu aprovisionamento em energia nem a sua competência para aplicar impostos associados à exploração de centrais nucleares.

23      Além disso, resulta da decisão de reenvio que, num processo paralelo, o Finanzgericht Hamburg submeteu ao Bundesverfassungsgericht a questão da conformidade da KernbrStG com a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha.

24      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre a possibilidade de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais na pendência do processo no Bundesverfassungsgericht.

25      Salienta, em primeiro lugar, que, se o Bundesverfassungsgericht, único com competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis federais e, se for caso disso, declarar a sua invalidade, declarar a invalidade da KernbrStG e a sua inaplicabilidade ex tunc, a declaração da KLE de 13 de julho de 2011 relativa ao imposto sobre os combustíveis nucleares deveria, desde logo, ser anulada com esse fundamento e a interpretação do direito da União deixaria de ser determinante para a resolução do litígio no processo principal. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a consulta do Bundesverfassungsgericht não lhe permite partir do princípio de que não terá de aplicar esta lei e que, portanto, a questão da conformidade desta com o direito da União deixará de colocar‑se, uma vez que a referida lei se manterá em vigor enquanto não for decidido de modo diferente. Por outro lado, o Bundesverfassungsgericht poderia declarar a invalidade e a inaplicabilidade desta lei com efeitos apenas para o futuro.

26      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que interpreta o artigo 100.°, n.° 1, primeiro período, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha no sentido de que esta disposição impede os tribunais de decidir quanto ao mérito enquanto o Bundesverfassungsgericht não tiver proferido a sua decisão, mas não proíbe os pedidos de decisão prejudicial dirigidos ao Tribunal de Justiça.

27      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, embora a interpretação do direito da União por via de um pedido de decisão prejudicial só possa ser solicitada após ser proferida uma decisão pelo Bundesverfassungsgericht que declare a constitucionalidade da KernbrStG, o procedimento poderá arrastar‑se por vários anos. Ora, conviria a este propósito ter, nomeadamente, em consideração o dever de respeitar um prazo de julgamento razoável.

28      Nestas condições, o Finanzgericht Hamburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 267.°, segundo parágrafo, em conjugação com a alínea b)[…] do primeiro parágrafo, TFUE, permite ao órgão jurisdicional de um Estado‑Membro apresentar questões ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que lhe foram colocadas no âmbito da apreciação da legalidade de uma lei nacional sobre a interpretação do direito da União, mesmo quando o órgão jurisdicional não só tem dúvidas quanto à compatibilidade dessa lei com o direito da União[…] mas também concluiu que a lei nacional viola a Constituição nacional, e por conseguinte, já recorreu num processo paralelo ao Tribunal Constitucional, que é, segundo o direito nacional, o órgão com competência exclusiva para se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis, mas cuja decisão ainda está pendente?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)      Opõem‑se as Diretivas 2008/118 e 2003/96, adotadas para a harmonização dos impostos especiais de consumo e para os produtos energéticos e a eletricidade na União [Europeia], à introdução de um imposto nacional cobrado sobre os combustíveis nucleares usados na produção industrial de eletricidade? É relevante para responder a esta questão determinar se é expectável que o imposto nacional seja repercutido no consumidor através do preço da eletricidade, e, se esse for o caso, o que deve entender‑se por repercussão?

3)      Pode uma empresa opor‑se a um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares na produção de eletricidade que um Estado‑Membro cobra a fim de obter receitas, com o fundamento de que a cobrança do imposto constitui um auxílio contrário ao direito da União, nos termos do artigo 107.° TFUE? Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, constitui a KernbrStG, segundo a qual é cobrado um imposto para a obtenção de receitas apenas às empresas que produzem industrialmente eletricidade mediante a utilização de combustíveis nucleares, uma medida de auxílio estatal na aceção do artigo 107.° TFUE? Quais as circunstâncias a ter em conta na análise da questão de saber se outras empresas, às quais não são cobrados impostos do mesmo modo, se encontram numa situação factual e jurídica comparável?

4)      A cobrança do imposto alemão sobre os combustíveis nucleares está em contradição com as regras do Tratado CEEA?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

29      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional que tenha dúvidas quanto à compatibilidade de uma disposição nacional quer com o direito da União quer com a Constituição do Estado‑Membro em causa está privado da faculdade, ou conforme o caso, está dispensado da obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação ou à validade desse direito, pelo facto de um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade dessa disposição estar pendente no órgão jurisdicional nacional com competência para proceder a essa fiscalização.

30      Há que recordar que o artigo 267.° TFUE confere ao Tribunal de Justiça competência para decidir, a título prejudicial, quer sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, pelos órgãos ou pelos organismos da União quer sobre a validade desses atos. Esse artigo prevê, no seu segundo parágrafo, que um órgão jurisdicional nacional pode submeter tais questões ao Tribunal de Justiça, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, e, no seu terceiro parágrafo, que é obrigado a fazê‑lo se as suas decisões não forem suscetíveis de recurso jurisdicional previsto no direito interno.

31      Em primeiro lugar, resulta do artigo 267.° TFUE que, embora possa ser vantajoso, segundo as circunstâncias, que os factos do processo estejam determinados e que os problemas de puro direito nacional estejam resolvidos no momento do reenvio ao Tribunal de Justiça (v. acórdãos Irish Creamery Milk Suppliers Association e o., 36/80 e 71/80, EU:C:1981:62, n.° 6; Meilicke, C‑83/91, EU:C:1992:332, n.° 26; e JämO, C‑236/98, EU:C:2000:173, n.° 31), os órgãos jurisdicionais nacionais dispõem da mais ampla faculdade para recorrer ao Tribunal de Justiça se considerarem que um processo neles pendente suscita questões sobre as quais têm de decidir e que implicam uma interpretação ou uma apreciação da validade de disposições do direito da União (v., designadamente, acórdãos Mecanarte, C‑348/89, EU:C:1991:278, n.° 44; Cartesio, C‑210/06, EU:C:2008:723, n.° 88; Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.° 41; e A, C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.° 35).

32      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas, afastando, se for necessário, no exercício da sua própria autoridade, a aplicação de qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem ter de pedir ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., designadamente, acórdãos Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.os 21 e 24; Filipiak, C‑314/08, EU:C:2009:719, n.° 81; Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.° 45; e A, C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.° 36).

33      Com efeito, seria incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União qualquer disposição de uma ordem jurídica nacional ou qualquer prática, legislativa, administrativa ou judicial, que tivesse como efeito diminuir a eficácia do direito da União pelo facto de recusar ao juiz competente para aplicar esse direito o poder de fazer, no momento exato dessa aplicação, tudo o que é necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que eventualmente constituam um obstáculo à plena eficácia das normas da União (v. acórdãos Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.° 22; Factortame e o., C‑213/89, EU:C:1990:257, n.° 20; e, neste sentido, Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 70). Seria esse o caso se, na hipótese de uma disposição do direito da União ser contrária a uma lei nacional, a solução desse conflito fosse reservada a uma autoridade diferente do juiz chamado a assegurar a aplicação do direito da União, investida de um poder de apreciação próprio, mesmo que o obstáculo daí resultante para a plena eficácia desse direito fosse apenas temporário (v. acórdão A, C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.° 37 e jurisprudência referida).

34      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça declarou que um órgão jurisdicional nacional ao qual tenha sido submetido um litígio relativo ao direito da União, que considere que uma disposição nacional é não só contrária ao direito da União mas padece igualmente de vícios de inconstitucionalidade, não fica privado da faculdade ou dispensado da obrigação, previstas no artigo 267.° TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União, pelo facto de a declaração da inconstitucionalidade de uma regra de direito interno estar sujeita a recurso obrigatório para um Tribunal Constitucional. Com efeito, a eficácia do direito da União ficaria ameaçada se a existência de um recurso obrigatório para um Tribunal Constitucional pudesse impedir o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um litígio regido pelo direito da União, de exercer a faculdade, que lhe é atribuída pelo artigo 267.° TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União, a fim de lhe permitir decidir se uma norma nacional é ou não compatível com este (acórdãos Mecanarte, C‑348/89, EU:C:1991:278, n.os 39, 45 e 46; Melki e Abdeli, C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.° 45; e A, C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.° 38).

35      O Tribunal de Justiça deduziu de todas estas considerações que o funcionamento do sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.° TFUE e o princípio do primado do direito da União requerem que o juiz nacional possa livremente, em qualquer momento do processo que considere adequado, e mesmo depois de concluído um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entenda ser necessária (acórdão A, C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.° 39).

36      Ora, pelas razões enunciadas nos n.os 31 a 35 do presente acórdão, a eficácia do direito da União seria ameaçada e o efeito útil do artigo 267.° TFUE ver‑se‑ia reduzido se, pelo facto de estar pendente um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade, o juiz nacional estivesse impedido de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça e de dar imediatamente ao direito da União uma aplicação conforme com a decisão ou com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.° 20).

37      No que diz respeito à circunstância de o artigo 100.°, n.° 1, primeiro período, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha prever, para um tribunal que considere que uma lei é inconstitucional, além da obrigação de submeter a questão da conformidade desta última lei com a referida Lei Fundamental a decisão do Bundesverfassungsgericht, a obrigação de suspender a instância, há que recordar que a existência de uma regra processual nacional não pode pôr em causa a faculdade de que dispõem os órgãos jurisdicionais nacionais de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, quando têm dúvidas, como no processo principal, sobre a interpretação do direito da União (acórdão Križan e o., C‑416/10, EU:C:2013:8, n.° 67 e jurisprudência referida).

38      Por último, no que diz respeito ao efeito do procedimento iniciado no Bundesverfassungsgericht sobre a pertinência de uma interpretação do direito da União para a resolução do litígio no processo principal, há que salientar que, na medida em que esse litígio e as questões prejudiciais se refiram, independentemente da questão da constitucionalidade das disposições em causa no processo principal, à questão da compatibilidade à luz do direito da União de uma regulamentação nacional que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares, não se verifica de forma manifesta que a interpretação solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, que o problema é de natureza hipotética ou ainda que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder de forma útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, acórdão Filipiak, C‑314/08, EU:C:2009:719, n.os 43 e 45).

39      Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o artigo 267.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional que tenha dúvidas quanto à compatibilidade de uma disposição nacional não só com o direito da União mas também com a Constituição do Estado‑Membro em causa não está privado da faculdade nem, conforme o caso, dispensado da obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões relativas à interpretação ou à validade do direito da União, pelo facto de um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade dessa mesma disposição estar pendente no órgão jurisdicional nacional com competência para proceder a essa fiscalização.

 Quanto à segunda questão

40      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, por um lado, o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 e, por outro, o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/118 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

41      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que o Finanzgericht Hamburg se interroga, em primeiro lugar, sobre a questão de saber se os combustíveis nucleares devem ser objeto da isenção prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se, não obstante tais combustíveis não estarem abrangidos por essa isenção, não seria, contudo, conveniente aplicar‑lhes a mesma por analogia.

42      Em segundo lugar, esse órgão jurisdicional pretende saber se o imposto instituído pela KernbrStG constitui um imposto especial de consumo que incide indiretamente sobre o consumo de eletricidade abrangido pela Diretiva 2003/96, na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118, ou outro imposto indireto sobre este produto, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, desta diretiva, e, na hipótese de estar abrangido por uma destas disposições, se esse imposto está em conformidade com as disposições, respetivamente, da Diretiva 2003/96 ou da Diretiva 2008/118. O Finanzgericht Hamburg questiona‑se, nomeadamente, sobre se o facto de o encargo com um imposto ser, ou não, suportado por pessoas que não são os devedores do imposto é determinante para efeitos da sua qualificação à luz do artigo 1.° da Diretiva 2008/118 e se, para esse efeito, é exigível uma relação de proporcionalidade entre o combustível nuclear utilizado e a quantidade de eletricidade produzida.

 Quanto à Diretiva 2003/96

43      Sem prejuízo da questão de saber se os atos de direito derivado adotados com base no artigo 93.° CE (atual artigo 113.° TFUE), caso da Diretiva 2003/96, se destinam a ser aplicados ao combustível nuclear, ao qual se aplicam as disposições do Tratado CEEA relativas ao mercado comum nuclear, importa observar que, de qualquer modo, esse combustível não está abrangido pela isenção prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva.

44      Com efeito, segundo o artigo 1.° da Diretiva 2003/96, os Estados‑Membros devem tributar os produtos energéticos em conformidade com esta diretiva, uma vez que esta tem por objetivo, como resulta dos considerandos 2 e 3 da mesma, fixar níveis mínimos de tributação a nível da União para a maioria dos produtos energéticos.

45      O artigo 14.° da referida diretiva enuncia de forma taxativa as isenções obrigatórias que se impõem aos Estados‑Membros no âmbito da tributação dos produtos energéticos e da eletricidade (v., neste sentido, acórdão Fendt Italiana, C‑145/06 e C‑146/06, EU:C:2007:411, n.° 36).

46      Além disso, o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, na medida em que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de não submeterem à tributação prevista por essa diretiva os «produtos energéticos e eletricidade utilizados para produzir eletricidade e eletricidade utilizada para manter a capacidade de produzir eletricidade», determina com clareza os produtos abrangidos pela isenção (v., neste sentido, acórdão Flughafen Köln/Bonn, C‑226/07, EU:C:2008:429, n.° 29).

47      A este respeito, há que observar que o artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2003/96 define o conceito de «produtos energéticos», utilizado para efeitos desta diretiva, enumerando exaustivamente a lista dos produtos abrangidos pela definição deste conceito com referência aos códigos da Nomenclatura Combinada.

48      Ora, basta salientar que o combustível nuclear previsto na KernbrStG não constitui, na medida em que não figura nesta lista, um «produto energético» para efeitos da Diretiva 2003/96 não estando, por conseguinte, abrangido pela isenção prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva.

49      Consequentemente, não há que determinar se esse produto cabe no âmbito de aplicação da Diretiva 2003/96 ou se dele está excluído, nos termos das disposições do artigo 2.°, n.os 3 e 4, desta diretiva.

50      A KLE alega que a isenção prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve, contudo, ser aplicada, por analogia, ao combustível nuclear, pelo facto de esta diretiva ter por finalidade implementar o princípio de uma tributação única da energia elétrica, o qual se oporia à cobrança simultânea de um imposto sobre esta energia e de um imposto sobre a sua fonte de produção. Além disso, a não inclusão deste combustível na lista dos produtos energéticos, na aceção da referida diretiva, resultaria de uma lacuna involuntária por parte do legislador da União Europeia, na medida em que este não podia prever que os Estados‑Membros adotassem uma medida como a KernbrStG, a qual, ao instituir um imposto apenas sobre um processo de produção de energia elétrica que não gera emissões de CO2, seria contrária à política da União em matéria de redução destas emissões e aos considerandos 6 e 7 da mesma diretiva.

51      A este respeito, importa observar que os argumentos invocados pela KLE não permitem concluir pela existência de um princípio que se oporia à cobrança simultânea de um imposto sobre o consumo de energia elétrica e de um imposto que incida sobre as fontes de produção desta energia. Com efeito, resulta da página 5 da exposição de motivos da Proposta de diretiva do Conselho que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos (JO 1997, C 139, p. 14), à qual a KLE se refere, que no máximo «[e]xistem duas formas de incluir a eletricidade no âmbito de aplicação das disposições fiscais: mediante a tributação dos combustíveis utilizados na produção da eletricidade (imposto sobre as matérias‑primas) ou tributando a própria eletricidade (imposto sobre a produção)». Desta proposta não resulta que estes dois modos se excluam mutuamente por princípio, tendo a Comissão Europeia admitido a sua complementaridade ao reservar, na referida proposta, a possibilidade de os Estados‑Membros «introduzir[em] um imposto suplementar sobre as matérias‑primas (não harmonizado) no caso de combustíveis indesejáveis do ponto de vista do ambiente». Por outro lado, também não decorre deste texto que a Comissão tenha tido a intenção de propor a criação de uma obrigação de os Estados‑Membros isentarem de qualquer tributação os produtos não abrangidos pelo regime harmonizado de tributação.

52      Além disso, uma eventual desconformidade entre disposições nacionais e a política da União em matéria de redução de emissões de CO2 não poderia justificar, sob pena de alterar radicalmente o alcance dos artigos 2.°, n.° 1, e 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96, contrariamente à intenção clara do legislador da União, que estas disposições sejam interpretadas no sentido de que se aplicam a produtos distintos dos produtos energéticos e da eletricidade na aceção desta diretiva.

53      Resulta das considerações enunciadas nos n.os 51 e 52 do presente acórdão que a isenção prevista no artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 não é aplicável por analogia ao combustível nuclear visado pela KernbrStG.

54      Por conseguinte, o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

 Quanto à Diretiva 2008/118

55      No que diz respeito à questão de saber se o imposto instituído pela KernbrStG constitui «impostos especiais de consumo» sobre a eletricidade, na aceção do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118 ou «outros impostos indiretos» sobre esse produto, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da referida diretiva, importa observar que esta última não define tais conceitos.

56      Todavia, resulta do considerando 9 da Diretiva 2008/118 que o imposto especial de consumo é um imposto sobre o consumo, ou seja, um imposto indireto. Além disso, da letra do artigo 1.°, n.° 1, desta diretiva decorre que esta disposição se refere aos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo, nomeadamente dos produtos energéticos e da eletricidade abrangidos pela Diretiva 2003/96.

57      A este propósito, há que observar, como salientaram o Governo alemão e a Comissão, que, no caso específico dos produtos energéticos e da eletricidade, o artigo 4.° da Diretiva 2003/96, que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de respeitar determinados níveis mínimos de tributação destes produtos, dá indicações quanto à natureza dos impostos abrangidos pelo artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118. Com efeito, o artigo 4.°, n.° 2, desta diretiva define o «nível da tributação» que os Estados‑Membros aplicam aos produtos em causa como «o montante total dos impostos indiretos cobrados (excluindo o IVA), calculados direta ou indiretamente com base na quantidade de produtos energéticos e de eletricidade à data de introdução no consumo».

58      No que diz respeito ao conceito de «outros impostos indiretos», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, importa salientar que esta disposição, que se destina a ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados‑Membros nesta matéria e o frequente recurso a imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados‑Membros estabeleçam, acima do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (v., por analogia, acórdão Comissão/França, C‑434/97, EU:C:2000:98, n.os 18 e 19).

59      Daqui resulta que o conceito de «outros impostos indiretos», na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, visa os impostos indiretos que incidem sobre o consumo dos produtos enumerados no artigo 1.°, n.° 1, desta diretiva, que não constituam «impostos especiais de consumo», na aceção desta última disposição, e que são cobrados por motivos específicos.

60      Por conseguinte, com vista a determinar se o imposto instituído pela KernbrStG é suscetível de se enquadrar no artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118 ou no respetivo artigo 1.°, n.° 2, da mesma há que verificar desde logo se esse imposto constitui um imposto indireto que incide direta ou indiretamente sobre o consumo de eletricidade previsto na Diretiva 2003/96.

61      A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou, em relação a determinados carburantes abrangidos pela Diretiva 92/82/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à aproximação das taxas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 19), que foi substituída pela Diretiva 2003/96, que se deve considerar que incide sobre o consumo de tais carburantes um imposto nacional destinado à proteção do ambiente e que incide sobre o tráfego aéreo, calculado em função de dados relativos ao consumo de carburante e às emissões de hidrocarbonetos e de monóxido de azoto do tipo de avião em causa num trajeto aéreo médio, na medida em que exista uma ligação direta e indissociável entre o consumo de carburante e as substâncias poluentes emitidas quando desse consumo (v., neste sentido, acórdão Braathens, C‑346/97, EU:C:1999:291, n.os 22 e 23).

62      Da decisão de reenvio decorre, por um lado, que o imposto instituído pela KernbrStG é devido quando elementos de combustível ou varas de combustível são utilizados por reator nuclear pela primeira vez, dando origem a uma reação em cadeia autossustentada, com vista à produção industrial de eletricidade e, por outro, que o mesmo é calculado com base na quantidade de combustível nuclear utilizado, estando prevista uma taxa comum para todos os tipos desse combustível.

63      A este propósito, importa salientar que, segundo as indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a quantidade de eletricidade produzida num reator de uma central nuclear não depende diretamente da quantidade de combustível nuclear utilizado, antes podendo variar segundo a natureza e as propriedades do combustível utilizado e segundo o nível de rendimento do reator em causa. Aliás, como observou a Comissão, o imposto instituído pela KernbrStG poderia ser cobrado devido ao desencadear de uma reação em cadeia autossustentada, mesmo que não fosse necessariamente produzida e, consequentemente, consumida, qualquer quantidade de eletricidade.

64      Além disso, contrariamente ao imposto em causa no processo que deu origem ao acórdão Braathens (C‑346/97, EU:C:1999:291), que era diretamente cobrado a determinados operadores de transportes aéreos, o imposto instituído pela KernbrStG não é diretamente cobrado ao consumidor do produto sujeito ao imposto especial de consumo, mas ao produtor de eletricidade. É certo que o encargo económico deste imposto poderia, como salientou o advogado‑geral no n.° 61 das suas conclusões, em princípio, ser indiretamente suportado, na íntegra, pelo consumidor final se o produtor incluísse o respetivo montante no preço de cada quantidade do produto colocado à disposição para consumo, de modo que este imposto fosse neutro para o referido produtor. No entanto, resulta da análise a esta questão levada a cabo pelo órgão jurisdicional de reenvio que o imposto instituído pela KernbrStG não pode ser integralmente repercutido sobre o consumidor final de eletricidade, nomeadamente, devido à natureza particular deste produto, a qual não permite aferir a origem de determinada quantidade do mesmo e devido ao mecanismo de formação do preço da eletricidade em vigor na Alemanha, caracterizado pelo facto de este preço ser, em substância, um preço único que resulta de negociações na Bolsa da eletricidade.

65      Atendendo a estas considerações, não parece que exista uma ligação direta e indissociável, na aceção do acórdão Braathens (C‑346/97, EU:C:1999:291), entre a utilização do combustível nuclear e o consumo da eletricidade produzida pelo reator de uma central nuclear. Este imposto também não pode ser considerado como calculado direta ou indiretamente com base na quantidade de eletricidade à data de introdução no consumo deste produto, na aceção do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2003/96.

66      Consequentemente, o imposto instituído pela KernbrStG, que não incide direta ou indiretamente sobre o consumo de eletricidade previsto na Diretiva 2003/96, nem sobre o consumo de outro produto sujeito ao imposto especial de consumo, não pode estar abrangido pelo artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2008/118 nem pelo seu artigo 1.°, n.° 2.

67      Daqui decorre que estas disposições não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

68      Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à segunda questão que o artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96 e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/118 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

 Quanto à terceira questão

69      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 107.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade e, em caso de resposta afirmativa, se esta disposição deve ser interpretada no sentido de que os devedores de um tal imposto podem contestar a sua cobrança por constituir um auxílio de Estado proibido por este artigo.

70      O artigo 107.°, n.° 1, TFUE prevê os «auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam».

71      Segundo jurisprudência constante, o conceito de auxílio é mais genérico do que o de subvenção, pois abrange não só prestações positivas, como as próprias subvenções, mas também intervenções do Estado que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdãos Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, EU:C:2001:598, n.° 38; Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.° 45; e Comissão e Espanha/Government of Gribaltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.° 71).

72      Isto significa que uma medida através da qual as autoridades públicas atribuem a certas empresas um tratamento fiscal privilegiado que, embora não implique uma transferência de recursos de Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (acórdãos Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.° 14, e Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.° 46 e jurisprudência referida).

73      O artigo 107.°, n.° 1, TFUE proíbe auxílios «favorecendo certas empresas ou certas produções», ou seja, auxílios seletivos.

74      No que respeita à apreciação da condição de seletividade, resulta de jurisprudência constante que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida nacional é suscetível de favorecer certas empresas ou certas produções relativamente a outras que, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável (acórdãos Adria‑Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke, C‑143/99, EU:C:2001:598, n.° 41; British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.° 82; e Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.° 75).

75      Além disso, importa recordar que o artigo 107.°, n.° 1, TFUE não distingue consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos respetivos efeitos e, por conseguinte, independentemente das técnicas utilizadas (acórdãos British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, EU:C:2008:757, n.os 85 e 89, e Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.° 87).

76      A este propósito, a KLE invoca, em substância, que a KernbrStG se inscreve num regime de tributação das fontes de energia utilizadas para efeitos de produção de eletricidade ou, pelo menos, num regime de tributação das fontes de energia utilizadas para efeitos de produção de eletricidade que não contribuem para as emissões de CO2. A KernbrStG levaria a não submeter a tributação fontes de energia utilizadas para efeitos de produção de eletricidade que não sejam combustíveis nucleares.

77      No entanto, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não resulta dos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça que, independentemente do facto de, segundo as indicações prestadas por esse órgão jurisdicional, o setor da energia ser caracterizado, no plano fiscal, na Alemanha, por um grande número de regulamentações e pela sobreposição de medidas estatais, seja possível, à luz destas regulamentações e medidas, identificar um regime fiscal que tenha por objetivo submeter a tributação as fontes de energia utilizadas para efeitos de produção de eletricidade ou as fontes de energia utilizadas para efeitos de produção de eletricidade que não contribuem para as emissões de CO2.

78      Em contrapartida, resulta da decisão de reenvio que, de acordo com a exposição de motivos da proposta de lei que culminou na adoção da KernbrStG, esta lei institui por um determinado período, a saber, de 1 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2016, um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade, com vista a gerar receitas fiscais que devem contribuir, nomeadamente, no contexto de uma consolidação orçamental, em aplicação do princípio do poluidor‑pagador, para a redução do encargo que representa para o orçamento federal a necessária reabilitação do complexo mineiro de Asse II, no qual se armazenam os resíduos radioativos provenientes da utilização de combustíveis nucleares.

79      Ora, cumpre observar que as produções de eletricidade que não utilizam combustíveis nucleares não estão abrangidas pelo regime instituído pela KernbrStG e que, em todo o caso, não se encontram, à luz da finalidade prosseguida por esse regime, numa situação factual e jurídica comparável à das produções de eletricidade que utilizam combustíveis nucleares, únicas a gerar resíduos radioativos provenientes dessa utilização.

80      Isto significa que a KernbrStG não constitui uma medida seletiva, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, e não constitui, por conseguinte, um auxílio de Estado proibido por esta disposição.

81      Nestas condições, não há que responder à segunda parte da terceira questão.

82      Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 107.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

 Quanto à quarta questão

83      Resulta das indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, com a sua quarta questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 93.°, n.° 1, EA, o artigo 191.° EA, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do protocolo, bem como o artigo 192.°, n.° 2, EA, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, EA e o artigo 2.°, alínea d), EA, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares.

84      Quanto ao artigo 93.°, n.° 1, EA, há que salientar que esta disposição impõe aos Estados‑Membros a abolição entre si de todos os direitos aduaneiros de importação e de exportação ou encargos de efeito equivalente e todas as restrições quantitativas à importação e à exportação sobre os bens e produtos abrangidos pelas disposições do Tratado CEEA relativas ao mercado comum nuclear.

85      Importa, pois, verificar se o imposto instituído pela KernbrStG, que não constitui um direito aduaneiro nem uma restrição quantitativa à importação ou à exportação, constitui um encargo de efeito equivalente ao de um direito aduaneiro, na aceção desta disposição.

86      A este propósito, o artigo 93.° EA, constitui, a par de outras disposições previstas no título II, capítulo 9, do Tratado CEEA, a aplicação, a um domínio altamente especializado, das conceções jurídicas que inspiram a estrutura do mercado comum geral (v., neste sentido, decisão 1/78, EU:C:1978:202, n.° 15).

87      No que diz respeito à qualificação de um encargo nacional de efeito equivalente a um direito aduaneiro, há que recordar que a justificação da proibição dos direitos aduaneiros e de todos os encargos de efeito equivalente reside no entrave que os encargos pecuniários, ainda que mínimos, aplicados em consequência da passagem de fronteiras, constituem para a circulação das mercadorias, agravado pelas formalidades administrativas respetivas (v., por analogia, acórdão Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.° 22 e jurisprudência referida).

88      Qualquer encargo pecuniário, por mínimo que seja, imposto unilateralmente, sejam quais forem as suas denominação e técnica, e que onere as mercadorias pelo facto de passarem a fronteira, quando não seja um direito aduaneiro propriamente dito, constitui um encargo de efeito equivalente (v., neste sentido, acórdãos Stadtgemeinde Frohnleiten e Gemeindebetriebe Frohnleiten, C‑221/06, EU:C:2007:657, n.° 27, e Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.° 23).

89      A este respeito, há que recordar que a característica essencial de um encargo de efeito equivalente reside na circunstância de este incidir especificamente sobre um produto importado e não sobre um produto nacional semelhante (v., neste sentido, acórdãos Comissão/França, 90/79, EU:C:1981:27, n.os 12 e 13, e Orgacom, C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.° 28).

90      O Tribunal de Justiça reconheceu, contudo, que um encargo que incide sobre um produto importado de um outro Estado‑Membro não constitui, quando não exista um produto nacional idêntico ou semelhante, um encargo de efeito equivalente se se integrar num regime geral de tributação interna que abrange sistematicamente categorias de produtos segundo critérios objetivos, aplicados independentemente da origem dos produtos (v., neste sentido, acórdãos Comissão/França, 90/79, EU:C:1981:27, n.° 14, e CRT France International, C‑109/98, EU:C:1999:199, n.° 13).

91      Ora, importa constatar que o imposto instituído pela KernbrStG não é cobrado com fundamento no facto de o combustível nuclear passar uma fronteira, mas, como resulta do artigo 1.°, n.° 1, desta lei, com fundamento na sua utilização para efeitos de produção industrial de eletricidade, sem distinção consoante a origem desse combustível. Do mesmo modo, a KernbrStG não opera uma tal distinção quanto à taxa de imposto ou ao devedor do imposto.

92      Por conseguinte, o imposto instituído pela KernbrStG não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção do artigo 93.°, n.° 1, EA.

93      Tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 90 do presente acórdão, esta constatação não é posta em causa pela alegação da KLE segundo a qual uma pequena quantidade de combustível nuclear é obtida na Alemanha.

94      Quanto ao artigo 191.° EA e ao artigo 3.°, n.° 1, do protocolo, há que salientar que da aplicação conjugada destas disposições resulta que a CEEA, os seus haveres, os seus rendimentos e os seus outros bens estão isentos de quaisquer impostos diretos.

95      A este propósito, cumpre sublinhar que a KernbrStG institui um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade e não um imposto direto sobre este combustível.

96      Embora, em aplicação do artigo 86.° EA, este combustível seja propriedade da CEEA, não deixa de ser verdade que, em aplicação do artigo 87.° EA, o direito de utilização e de consumo deste combustível pertence aos Estados‑Membros ou às pessoas ou empresas, quando estas tenham acedido regularmente à sua posse.

97      Daqui resulta que o artigo 191.° EA, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do protocolo, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares.

98      Por outro lado, a KLE invocou, em substância, na audiência, que, segundo o direito fiscal alemão, os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo servem de garantia do pagamento dos impostos especiais de consumo que sobre eles incidem. Deste modo, a CEEA, enquanto proprietária do combustível nuclear, poderia ser considerada garante do pagamento, pelo devedor, do imposto instituído pela KernbrStG. Ora, esta situação seria contrária ao artigo 3.° do protocolo.

99      A este respeito, há que referir que o argumento acima mencionado, que foi suscitado e discutido, pela primeira vez, na audiência no Tribunal de Justiça, não consta da decisão de reenvio nem das observações escritas apresentadas pelos interessados. Nestas condições, na falta de informações mais precisas e detalhadas acerca desse ponto, o Tribunal de Justiça considera que não resulta de forma suficientemente evidente dos autos que esse elemento possa ser pertinente para a resolução do litígio no processo principal e, por conseguinte, ser útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o qual, sendo responsável pela decisão jurisdicional a proferir, é o que se encontra em melhor posição para apreciar a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça face às particularidades do processo que lhe foi submetido (v., neste sentido, acórdão Flughafen Köln/Bonn, C‑226/07, EU:C:2008:429, n.os 37 e 38).

100    Por último, no que diz respeito ao artigo 192.°, n.° 2, EA, há que observar que esta disposição impõe aos Estados‑Membros a obrigação de se absterem de tomar quaisquer medidas suscetíveis de pôr em perigo a realização dos objetivos do Tratado CEEA.

101    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o imposto instituído pela KernbrStG tem como efeito pôr em risco a concretização do objetivo prosseguido pela CEEA, que visa estabelecer as condições necessárias à formação e crescimento rápido das indústrias nucleares, previsto no artigo 1.°, n.° 2, EA, e o cumprimento do dever da CEEA de velar pelo aprovisionamento regular e equitativo de todos os seus utilizadores em minérios e combustíveis nucleares, previsto no artigo 2.°, alínea d), EA.

102    A este propósito, há que salientar, por um lado, que a aplicação conjugada do artigo 192.°, n.° 2, EA e do artigo 1.°, n.° 2, EA não tem como consequência impor aos Estados‑Membros a manutenção ou o reforço dos respetivos níveis de utilização de combustíveis nucleares nem proibir‑lhes de tributar essa utilização, o que levaria a torná‑la mais onerosa e, por conseguinte, menos atrativa.

103    Por outro lado, a execução da obrigação prevista no artigo 2.°, alínea d), EA é objeto do título II, capítulo 6, do Tratado CEEA, que compreende os respetivos artigos 52.° a 76.°, que institui um regime comum para o aprovisionamento de minérios, matérias‑primas e materiais cindíveis especiais (acórdão ENU/Comissão, C‑357/95 P, EU:C:1997:144, n.° 2).

104    Ora, não resulta dos elementos ao dispor do Tribunal de Justiça que o imposto instituído pela KernbrStG, o qual embora tenha como efeito, conforme salienta a KLE, tornar mais cara a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade, constitua uma violação das obrigações dos Estados‑Membros enunciadas nessas disposições, ou viole, de forma geral, os princípios relativos a este regime, nomeadamente, o princípio de igual acesso aos recursos, enunciado no artigo 52.° EA ou os princípios relativos à formação dos preços, enunciados nos artigos 67.° EA e 69.° EA. Com efeito, como observou a Comissão, este imposto não é suscetível de afetar o aprovisionamento em matéria de combustíveis por parte das entidades exploradoras de centrais nucleares, uma vez que o mesmo não incide sobre a aquisição de combustíveis nucleares, mas sobre a respetiva utilização.

105    Daqui resulta que este imposto não é suscetível de pôr em risco o cumprimento do dever da CEEA de velar pelo aprovisionamento regular e equitativo de todos os seus utilizadores desta Comunidade em minérios e combustíveis nucleares, previsto no artigo 2.°, alínea d), EA.

106    Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à quarta questão que o artigo 93.°, n.° 1, EA, o artigo 191.° EA, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do protocolo, bem como o artigo 192.°, n.° 2, EA, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, EA e o artigo 2.°, alínea d), EA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

 Quanto às despesas

107    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 267.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional que tenha dúvidas quanto à compatibilidade de uma disposição nacional não só com o direito da União mas também com a Constituição do Estado‑Membro em causa não está privado da faculdade nem, conforme o caso, dispensado da obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia questões relativas à interpretação ou à validade do direito da União, pelo facto de um procedimento incidental de fiscalização da constitucionalidade dessa mesma disposição estar pendente no órgão jurisdicional nacional com competência para proceder a essa fiscalização.

2)      O artigo 14.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2003/96/CE do Conselho, de 27 de outubro de 2003, que reestrutura o quadro comunitário de tributação dos produtos energéticos e da eletricidade, e o artigo 1.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

3)      O artigo 107.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

4)      O artigo 93.°, n.° 1, EA, o artigo 191.° EA, lido em conjugação com o artigo 3.°, n.° 1, do Protocolo (n.° 7) relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, em anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA, bem como o artigo 192.°, n.° 2, EA, lido em conjugação com o artigo 1.°, n.° 2, EA e o artigo 2.°, alínea d), EA, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a cobrança de um imposto sobre a utilização de combustíveis nucleares para efeitos de produção industrial de eletricidade.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.