Language of document : ECLI:EU:C:2010:661

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

9 de Novembro de 2010 (*)

«Directiva 2004/83/CE – Normas mínimas relativas aos requisitos de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela protecção subsidiária – Artigo 12.° – Exclusão do estatuto de refugiado – Artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c) – Conceito de ‘crime grave de direito comum’ – Conceito de ‘actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas’ – Pertença a uma organização implicada em actos de terrorismo – Inscrição ulterior dessa organização na lista de pessoas, grupos e entidades que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931/PESC – Responsabilidade individual por uma parte dos actos praticados pela referida organização – Requisitos – Direito de asilo nos termos do direito constitucional nacional – Compatibilidade com a Directiva 2004/83/CE»

Nos processos apensos C‑57/09 e C‑101/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE, apresentados pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha), por decisões de 14 de Outubro e 25 de Novembro de 2008, entrados no Tribunal de Justiça, respectivamente, em 10 de Fevereiro e 13 de Março de 2009, nos processos

Bundesrepublik Deutschland

contra

B (C‑57/09),

D (C‑101/09),

sendo intervenientes:

Vertreter des Bundesinteresses beim Bundesverwaltungsgericht (C‑57/09 e C‑101/09),

Bundesbeauftragter für Asylangelegenheiten beim Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (C‑101/09),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts e J.‑C. Bonichot, presidentes de secção, A. Borg Barthet, M. Ilešič, U. Lõhmus e L. Bay Larsen (relator), juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Março de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de B, por R. Meister, Rechtsanwalt,

–        em representação de D, por H. Jacobi e H. Odendahl, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma, J. Möller e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e B. Beaupère‑Manokha, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo sueco, por A. Falk e A. Engman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente, assistido por T. Eicke, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação, em primeiro lugar, do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (JO L 304, p. 12, e – rectificação – JO 2005, L 204, p. 24, a seguir «directiva»), e, em segundo lugar, do artigo 3.° desta mesma directiva.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Bundesrepublik Deutschland, representada pelo Bundesministerium des Irnneren (Ministério Federal do Interior), por seu turno representado pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Instituto federal da migração e dos refugiados, a seguir «Bundesamt»), a B (C‑57/09) e a D (C‑101/09), nacionais turcos de origem curda, a propósito, respectivamente, do indeferimento, pelo Bundesamt, do pedido de asilo e de concessão do estatuto de refugiado apresentado por B e da revogação, por essa mesma autoridade, do direito de asilo e do estatuto de refugiado que tinham sido concedidos a D.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados

3        A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de Julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.° 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de Abril de 1954. Foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de Janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de Outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4        O seu artigo 1.°, depois de definir, na secção A, o conceito de «refugiado» para efeitos da referida Convenção, enuncia, na secção F:

«As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam razões ponderosas para pensar:

[…]

b)      Que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites refugiados;

c)      Que praticaram actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.»

5        O artigo 33.° da Convenção de Genebra, intitulado «Proibição de expulsar e de repelir», dispõe:

«1.      Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.

2.      Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.»

 Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

6        A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê, no seu artigo 3.°:

«Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.»

 Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas

7        Na sequência dos ataques terroristas cometidos em 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque, Washington e na Pensilvânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou, em 28 de Setembro de 2001, com base no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, a Resolução 1373 (2001).

8        O preâmbulo desta resolução reafirma «a necessidade de combater, por todos os meios, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, as ameaças à paz e à segurança internacionais que os actos de terrorismo representam».

9        Nos termos do ponto 5 da referida resolução, «os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos fins e princípios das Nações Unidas e […] financiar com conhecimento de causa actos de terrorismo, planeá‑los ou incitar à sua prática é igualmente contrário aos fins e princípios das Nações Unidas».

10      Em 12 de Novembro de 2001, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou a Resolução 1377 (2001), pela qual «[e]ntende que os actos do terrorismo internacional são contrários aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, e que os seus financiamento, planeamento e preparação, bem como qualquer outra forma de apoio para actos de terrorismo internacional[,] são igualmente contrários aos propósitos e princípios [desta última]».

 Regulamentação da União

Directiva

11      Nos termos do terceiro considerando da directiva, a Convenção de Genebra e o seu protocolo constituem a pedra angular do regime jurídico internacional relativo à protecção dos refugiados.

12      O sexto considerando da directiva enuncia que o seu principal objectivo consiste em, por um lado, assegurar que todos os Estados‑Membros aplicam critérios comuns para a identificação das pessoas que tenham efectivamente necessidade de protecção internacional e, por outro, assegurar que em todos os Estados‑Membros existe um nível mínimo de benefícios à disposição daquelas pessoas.

13      O nono considerando da directiva está formulado como segue:

«O nacional de um país terceiro ou o apátrida, autorizado a permanecer em território dos Estados‑Membros, não por motivo de necessidade de protecção internacional mas, discricionariamente, por compaixão ou motivos humanitários, não fica abrangido pela presente directiva.»

14      O décimo considerando da directiva precisa que a mesma respeita os direitos fundamentais assim como os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em especial, a directiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes.

15      O décimo sexto e décimo sétimo considerandos da directiva enunciam o seguinte:

«(16) Importa estabelecer normas mínimas relativas à configuração e conteúdo do estatuto de refugiado, a fim de auxiliar as instâncias nacionais competentes dos Estados‑Membros a aplicar a Convenção de Genebra.

(17)      É necessário introduzir critérios comuns de reconhecimento como refugiados de requerentes de asilo, nos termos do artigo 1.° da Convenção de Genebra.»

16      O vigésimo segundo considerando da directiva enuncia:

«Os actos contrários aos objectivos e princípios da Organização das Nações [U]nidas estão enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações [U]nidas, estando incluídos, entre outros, nas resoluções daquela organização relativas às medidas visando eliminar o terrorismo internacional, segundo as quais, ‘os actos, métodos e práticas terroristas são contrários aos objectivos e princípios das Nações [U]nidas’ e ‘são igualmente contrários aos objectivos e princípios das Nações [U]nidas o financiamento, a planificação e a incitação, com conhecimento de causa, de tais actos terroristas’.»

17      Nos termos do seu artigo 1.°, a directiva tem por objectivo estabelecer normas mínimas relativas, por um lado, aos requisitos a preencher pelos nacionais de países terceiros ou os apátridas para poderem beneficiar de protecção internacional e, por outro, ao conteúdo da protecção concedida.

18      Nos termos do artigo 2.° da directiva, para efeitos desta última, entende‑se por:

«a)      ‘Protecção internacional’, o estatuto de refugiado e o estatuto de protecção subsidiária, definidos nas alíneas d) e f);

[…]

c)      ‘Refugiado’, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.°;

d)      ‘Estatuto de refugiado’, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

[…]

g)      ‘Pedido de protecção internacional’, o pedido de protecção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de protecção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente directiva e que seja susceptível de ser objecto de um pedido separado;

[…]»

19      O artigo 3.° da directiva dispõe:

«Os Estados‑Membros podem aprovar ou manter normas mais favoráveis relativas à determinação das pessoas que preenchem os requisitos para beneficiar do estatuto de refugiado ou que sejam elegíveis para protecção subsidiária, bem como à determinação do conteúdo da protecção internacional, desde que essas normas sejam compatíveis com a presente directiva.»

20      O artigo 12.° da directiva, sob a epígrafe «Exclusão» e inserido no capítulo III da mesma directiva, o qual, por seu turno, se intitula «Condições para o reconhecimento como refugiado», dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

[...]

b)      Praticou crime grave de direito comum fora do país de refúgio, antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, na data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado; poderão ser classificados como crimes de direito comum graves os actos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objectivos alegadamente políticos;

c)      Praticou actos contrários aos objectivos e princípios das Nações [U]nidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações [U]nidas.

3.      O n.° 2 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou actos aí referidos.»

21      Os artigos 13.° e 18.° da directiva estabelecem que os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado ou o estatuto conferido pela protecção subsidiária aos nacionais de países terceiros que preencham as condições previstas, respectivamente, nos capítulos II e III ou II e V desta mesma directiva.

22      O artigo 14.° da directiva, intitulado «Revogação, supressão ou recusa de renovação do estatuto de refugiado» e contido no capítulo IV desta, o qual, por seu turno, se intitula «Estatuto de refugiado», dispõe:

«1.      Relativamente aos pedidos de protecção internacional apresentados após a entrada em vigor da presente directiva, os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de refugiado de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida concedido por uma entidade [competente], se essa pessoa tiver deixado de ser refugiado nos termos do artigo 11.°

[…]

3.      Os Estados‑Membros revogam, suprimem ou recusam renovar o estatuto de refugiado do nacional de um país terceiro ou do apátrida se, após este ter recebido o estatuto de refugiado, for apurado pelo Estado‑Membro em questão que:

a)      Deveria ter sido ou foi excluído da qualidade de refugiado, nos termos do artigo 12.°;

[…]»

23      O artigo 21.° da directiva, que figura no capítulo VII desta, intitulado «Conteúdo da protecção internacional», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da não repulsão, de acordo com as suas obrigações internacionais.

2.      Nos casos em que as obrigações internacionais mencionadas no n.° 1 não o proíbam, os Estados‑Membros podem repelir um refugiado, formalmente reconhecido ou não, quando:

a)      Haja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança do Estado‑Membro em que se encontra; ou

b)      Tendo sido condenado por sentença transitada em julgado por crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade desse Estado‑Membro.»

24      De acordo com os seus artigos 38.° e 39.°, a directiva entrou em vigor em 9 de Novembro de 2004 e devia ser transposta o mais tardar em 10 de Outubro de 2006.

 Posição Comum 2001/931/PESC

25      A fim de dar execução à Resolução 1373 (2001), o Conselho da União Europeia adoptou, em 27 de Dezembro de 2001, a Posição Comum 2001/931/PESC, relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo (JO L 344, p. 93).

26      O artigo 1.°, n.° 1, desta posição comum prevê que a mesma se aplica «às pessoas, grupos ou entidades envolvidos em actos terroristas» e cuja lista figura no anexo da referida posição comum.

27      Nos termos do artigo 1.°, n.os 2 e 3, da Posição Comum 2001/931, para efeitos desta última, entende‑se por:

«2.      […] ‘pessoas, grupos e entidades envolvidas em actos terroristas’,

–        pessoas que pratiquem ou tentem praticar actos terroristas, neles participem ou os facilitem;

–        grupos e entidades directa ou indirectamente possuídas ou controladas por essas pessoas; e pessoas, grupos e entidades que actuem em nome ou sob a orientação dessas pessoas, grupos e entidades, incluindo fundos obtidos a partir de bens directa ou indirectamente possuídos ou controlados por essas pessoas e por pessoas, grupos e entidades a elas associadas, ou provenientes desses bens.

3.      […] ‘acto terrorista’ um acto intencional que, dada a sua natureza ou o seu contexto, possa causar sérios danos a um país ou a uma organização internacional, definido como infracção na legislação nacional e cometido com o intuito de:

[…]

iii)      Desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional:

[…]

k)      Participação nas actividades de um grupo terrorista, nomeadamente através da prestação de informações, do fornecimento ou meios materiais, ou de qualquer forma de financiamento das suas actividades, com o conhecimento de que essa participação contribui para as actividades criminosas desse grupo.

[…]»

28      A Posição Comum 2001/931 contém um anexo intitulado «Primeira lista de pessoas, grupos e entidades referida no artigo 1.° […]». Nesta lista não figuravam inicialmente o DHKP/C nem o PKK.

29      O conteúdo deste anexo foi actualizado pela Posição Comum 2002/340/PESC do Conselho, de 2 de Maio de 2002 (JO L 116, p. 75).

30      No referido anexo, tal como foi assim actualizado, figuram, nos pontos 9 e 19 da rubrica 2, intitulada «Grupos e entidades», respectivamente, o «Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)» e o «Exército/Frente/Partido Revolucionário Popular de Libertação (DHKP/C), [Devrimci Sol (Esquerda Revolucionária), Dev Sol]». Estas organizações foram seguidamente mantidas na lista mencionada no artigo 1.°, n.os 1 e 6, da Posição Comum 2001/93 pelas subsequentes posições comuns do Conselho e, por último, pela Decisão 2010/386/PESC do Conselho, de 12 de Julho de 2010, que actualiza a lista de pessoas, grupos e entidades a que se aplicam os artigos 2.°, 3.° e 4.° da Posição Comum 2001/931 (JO L 178, p. 28).

 Decisão‑Quadro 2002/475/JAI

31      O artigo 1.° da Decisão‑Quadro 2002/475/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta contra o terrorismo (JO L 164, p. 3), obriga os Estados‑Membros a tomar as medidas necessárias para que sejam considerados infracções terroristas os actos intencionais enumerados nesse artigo que, pela sua natureza ou o seu contexto, sejam susceptíveis de afectar gravemente um país ou uma organização internacional, quando o seu autor os pratique com um dos objectivos igualmente enumerados no referido artigo.

32      O artigo 2.° da dita decisão‑quadro, intitulado «Infracções relativas a um grupo terrorista», dispõe no seu n.° 2:

«Cada Estado‑Membro tomará as medidas necessárias para tornar puníveis os seguintes actos intencionais:

[…]

b)      Participação nas actividades de um grupo terrorista, incluindo pelo fornecimento de informações ou meios materiais, ou através de qualquer forma de financiamento das suas actividades, tendo conhecimento de que essa participação contribuirá para as actividades criminosas do grupo terrorista.»

 Legislação nacional

33      O artigo 16a, n.° 1, da Lei Fundamental (Grundgesetz) dispõe:

«As pessoas que são alvo de perseguições de carácter político beneficiam do direito de asilo.»

34      O § 1 da Lei sobre o processo de asilo (Asylverfahrensgesetz, a seguir «AsylVfG»), na sua versão publicada em 2 de Setembro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 1798), enuncia que a mesma se aplica aos estrangeiros que solicitem protecção na qualidade de perseguidos políticos na acepção do artigo 16a, n.° 1, da Lei Fundamental ou protecção contra as perseguições, em conformidade com a Convenção de Genebra.

35      O § 2 da AsylVfG prevê que os beneficiários do direito de asilo gozam, no território nacional, do estatuto definido pela Convenção de Genebra.

36      O estatuto de refugiado era inicialmente regulado pelo § 51 da Lei sobre a entrada e a residência dos estrangeiros no território federal (Gesetz über die Einreise und den Aufenthalt von Ausländern im Bundesgebiet, a seguir «Ausländergesetz»).

37      A Lei de 9 de Janeiro de 2002, relativa à luta contra o terrorismo internacional (Gesetz zur Bekämpfung des internationalen terrorismus, BGBl. 2002 I, p. 361, a seguir «Terrorismusbekämpfungsgesetz»), introduziu, pela primeira vez, no § 51, n.° 3, segunda frase, da Ausländergesetz, com efeitos a partir de 11 de Janeiro de 2002, causas de exclusão que reflectem as previstas no artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra.

38      A República Federal da Alemanha transpôs, entre outras, a directiva através da Lei de 19 de Agosto de 2007 que transpõe as directivas da União Europeia em matéria de direito de residência e de asilo (Gesetz zur Umsetzung aufenthalts‑ und asylrechtlicher Richtlinien der Europäischen Union, BGBl. 2007 I, p. 1970), entrada em vigor em 28 de Agosto de 2007.

39      Actualmente, os requisitos para ser considerado refugiado estão fixados no § 3 da AsylVfG. Nos termos dos n.os 1 e 2 dessa disposição:

«(1)      Um estrangeiro é considerado refugiado na acepção da [Convenção de Genebra] quando, no Estado de que tem a nacionalidade, esteja exposto aos riscos referidos no § 60, n.° 1, da Lei [sobre a residência, o trabalho e a integração dos estrangeiros no território federal] (Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet, a seguir «Aufenthaltsgesetz»)] […]

(2)      Um estrangeiro não beneficia do estatuto de refugiado, na acepção do n.° 1, quando existam suspeitas graves de que:

[…]

2.      Praticou um crime grave de direito comum fora do território nacional antes de neste ter sido admitido como refugiado, em especial um acto cruel, ainda que ao prosseguir objectivos alegadamente políticos, ou

3.      Praticou actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

A primeira frase aplica‑se igualmente aos estrangeiros que tenham incitado a esses crimes ou acções, ou que neles tenham participado de outra forma.»

40      As causas de exclusão que figuram no § 3, n.° 2, da AsylVfG substituíram, a partir de 28 de Agosto de 2007, o § 60, n.° 8, segunda frase, da Aufenthaltsgesetz, que, por seu turno, tinha substituído o § 51, n.° 3, segunda frase, da Ausländergesetz.

41      O § 60, n.° 1, da Aufenthaltsgesetz, na sua versão publicada em 25 de Fevereiro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 162), dispõe:

«Em aplicação da Convenção [de Genebra], um estrangeiro não pode ser conduzido à fronteira a fim de ser afastado para um Estado onde a sua vida ou a sua liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, das suas convicções políticas ou do facto de pertencer a um determinado grupo social. […]»

42      O § 73, n.° 1, primeira frase, da AsylVfG prevê que «[o] reconhecimento do direito de asilo e o estatuto de refugiado são imediatamente revogados se deixarem de estar reunidos os requisitos exigidos para esse efeito».

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C‑57/09

43      Em finais de 2002, B, nascido em 1975, entrou na Alemanha, onde pediu asilo e protecção como refugiado e, a título subsidiário, o benefício da proibição de expulsão para a Turquia.

44      Como fundamento do seu pedido, declarou, nomeadamente, que, quando ainda era estudante na Turquia, tinha simpatizado com o Dev Sol (actual DHKP/C) e que tinha apoiado a luta armada da guerrilha nas montanhas entre finais de 1993 e o início de 1995.

45      Após ter sido detido em Fevereiro de 1995, foi vítima de graves sevícias físicas, tendo‑lhe sido extorquida uma confissão sob tortura.

46      Em Dezembro de 1995, foi condenado a prisão perpétua.

47      Em 2001, quando se encontrava preso, foi de novo condenado a prisão perpétua após ter assumido a responsabilidade pelo homicídio de outro detido suspeito de ser um delator.

48      Em Dezembro de 2002, aproveitou um período de liberdade condicional de seis meses que lhe foi concedido em razão do seu estado de saúde para abandonar a Turquia e fugir para a Alemanha.

49      Por decisão de 14 de Setembro de 2004, o Bundesamt indeferiu o pedido de asilo de B, por ter considerado que não estavam preenchidos os requisitos do § 51, n.° 1, da Ausländergesetz. Essa autoridade entendeu que, visto ter cometido crimes graves de direito comum, era aplicável a B a segunda causa de exclusão prevista no § 51, n.° 3, segunda frase, da Ausländergesetz (mais tarde prevista no § 60, n.° 8, segunda frase, da Aufenthaltsgesetz, e em seguida no § 3, n.° 2, ponto 2, da AsylVfG).

50      Na mesma decisão, o Bundesamt declarou igualmente que não existia no direito nacional aplicável nenhum obstáculo à expulsão de B para a Turquia e declarou‑o passível de expulsão para esse país.

51      Por sentença de 13 de Junho de 2006, o Verwaltungsgericht Gelsenkirchen (Tribunal Administrativo de Gelsenkirchen) anulou a decisão do Bundesamt e instou essa autoridade a conceder o direito de asilo a B e a declarar a proibição de o expulsar para a Turquia.

52      Por acórdão de 27 de Março de 2007, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen (Tribunal Administrativo Regional Superior da Renânia do Norte‑Vestefália) negou provimento ao recurso interposto da referida sentença pelo Bundesamt, tendo considerado que devia ser reconhecido a B o direito de asilo, ao abrigo do artigo 16a da Grundgesetz, bem como o estatuto de refugiado.

53      Esse órgão jurisdicional considerou, em particular, que a causa de exclusão invocada pelo Bundesamt deve ser entendida no sentido de que não visa apenas punir um crime grave de direito comum cometido no passado mas também prevenir o perigo que o requerente poderia representar para o Estado‑Membro de refúgio, e de que a sua aplicação exige uma apreciação global do caso concreto à luz do princípio da proporcionalidade.

54      O Bundesamt interpôs recurso de «Revision» desse acórdão para o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Federal Administrativo), invocando a aplicação da segunda e terceira causas de exclusão previstas no § 60, n.° 8, segunda frase, da Aufenthaltsgesetz (e em seguida no § 3, n.° 2, pontos 2 e 3, da AsylVfG) e alegando que, contrariamente à tese adoptada pelo órgão jurisdicional de recurso, esses dois casos de exclusão não implicam a existência de um perigo para a segurança da República Federal da Alemanha nem um exame da proporcionalidade à luz do caso concreto.

55      Além disso, segundo o Bundesamt, as causas de exclusão do artigo 12.°, n.° 2, da directiva fazem parte dos princípios que, por força do artigo 3.° da mesma directiva, os Estados‑Membros não podem derrogar.

 Processo C‑101/09

56      D, nascido em 1968, reside, desde Maio de 2001, na Alemanha, onde pediu asilo em 11 de Maio de 2001.

57      Como fundamento do seu pedido, declarou, nomeadamente, que, em 1990, fugiu para as montanhas para integrar as fileiras do PKK. Foi combatente na guerrilha e ocupou um alto cargo nesse partido. Em finais de 1998, o PKK enviou‑o para o Norte do Iraque.

58      Em razão de divergências de ordem política com a direcção do PKK, abandonou essa organização em Maio de 2000 e, desde então, tem sido alvo de ameaças. Ainda permaneceu cerca de um ano no Norte do Iraque, mas sem estar em segurança.

59      Em Maio de 2001, o Bundesamt concedeu‑lhe o direito de asilo e reconheceu o seu estatuto de refugiado com base na legislação então em vigor.

60      Após a entrada em vigor da Terrorismusbekämpfungsgesetz, o Bundesamt iniciou um processo de revogação do direito de asilo e, por decisão de 6 de Maio de 2004, revogou, nos termos do § 73, n.° 1, da AsylVfG, a decisão de concessão do direito de asilo e do estatuto de refugiado de que D beneficiava. Essa autoridade considerou que existiam suspeitas graves de que D tinha cometido um crime grave de direito comum fora da Alemanha antes de ser admitido como refugiado nesse país e de que tinha praticado actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

61      Por sentença de 29 de Novembro de 2005, o Verwaltungsgericht Gelsenkirchen anulou essa decisão de revogação.

62      Por acórdão de 27 de Março de 2007, o Oberverwaltungsgericht für das Land Nordrhein‑Westfalen negou provimento ao recurso interposto pelo Bundesamt. Seguindo um raciocínio análogo ao do acórdão proferido nesse mesmo dia no processo relativo a B, o referido órgão jurisdicional considerou igualmente inaplicáveis no caso de D as causas de exclusão previstas pela legislação nacional.

63      O Bundesamt interpôs recurso de «Revision» desse acórdão, invocando, no essencial, fundamentos idênticos aos apresentados no recurso interposto no quadro do processo relativo a B.

 Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

64      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo as constatações efectuadas pelo órgão jurisdicional de recurso, às quais se encontra vinculado, os recorridos no processo principal não estariam, em caso de regresso aos respectivos países de origem, suficientemente ao abrigo de novas perseguições. Daqui deduz que os requisitos positivos para ser considerado refugiado estão preenchidos nos dois processos. Todavia, não poderá ser reconhecida aos interessados a qualidade de refugiados se uma das cláusulas de exclusão do artigo 12.°, n.° 2, da directiva se aplicar.

65      O referido órgão jurisdicional precisa que, em caso de aplicação de uma dessas cláusulas de exclusão, o direito de asilo poderia ser reconhecido aos recorridos nos processos principais ao abrigo do artigo 16a da Grundgesetz, que não exclui nenhuma categoria de pessoas desse direito.

66      Por último, refere que nem uma exclusão por força do artigo 12.° da directiva nem a constatação de uma eventual incompatibilidade entre o artigo 16a da Grundgesetz e a directiva conduziriam necessariamente, para os recorridos no processo principal, à perda do direito de residência na Alemanha.

67      Foi neste contexto que o Bundesverwaltungsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça, em cada um dos processos principais, as cinco questões prejudiciais seguintes, das quais a primeira e a quinta apresentam uma formulação ligeiramente diferente, tendo em conta as circunstâncias próprias a cada um desse processos:

«1)      Estamos perante um crime grave de direito comum ou um acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas, na acepção do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da [d]irectiva […], quando[:]

[–]      o requerente pertenceu a uma organização indicada na lista [das] pessoas, grupos e entidades que figura em anexo à Posição Comum [2001/931] e que utiliza métodos terroristas, e o requerente apoiou activamente a luta armada desta organização? [(processo C‑57/09)]

[–]      o estrangeiro pertenceu, durante muitos anos, como combatente e funcionário – durante algum tempo também como membro do órgão de direcção – a uma organização (neste caso o PKK) que, na sua luta armada contra o Estado (neste caso a Turquia), tem, repetidamente, utilizado métodos terroristas e que está indicada na lista [das] pessoas, grupos e entidades que figura em anexo à Posição Comum [2001/931], e, desse modo, o estrangeiro apoiou activamente a sua luta armada numa posição de chefia? [(processo C‑101/09)]

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão […]: a exclusão do reconhecimento [do estatuto de] refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) [ou] c), da [d]irectiva […], [está subordinada à condição de a pessoa em causa] continua[r] a representar um perigo?

3)      Em caso de resposta negativa à segunda questão [...]: a exclusão do reconhecimento [do estatuto de] refugiado, nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) [ou] c), da Directiva […], [está subordinada a] um exame da proporcionalidade no caso concreto?

4)      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão:

a)      Ao examinar a proporcionalidade, deve ter‑se em conta que [a pessoa em causa] beneficia de protecção contra a expulsão, ao abrigo do artigo 3.° da [CEDH], ou nos termos das disposições nacionais?

b)      A exclusão é desproporcionada apenas em casos excepcionais que apresentam características particulares?

5)      É compatível com a directiva […], na acepção do seu artigo 3.°, que[:]

[–]      o requerente, apesar de existir um motivo de exclusão nos termos do seu artigo 12.°, n.° 2, [beneficie de um] direito [de] asilo ao abrigo do direito constitucional nacional? [(processo C‑57/09)]

[–]      o estrangeiro, apesar de existir um motivo de exclusão nos termos do seu artigo 12.°, n.° 2, e não obstante a revogação do estatuto de refugiado em aplicação do seu artigo 14.°, n.° 3, [beneficie do reconhecimento do] direito [de] asilo ao abrigo do direito constitucional nacional? [(processo C‑101/09)]»

68      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2009, os processos C‑57/09 e C‑101/09 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

69      Nos processos principais, o Bundesamt adoptou as decisões controvertidas com base na legislação aplicável antes da entrada em vigor da directiva, ou seja, antes de 9 de Novembro de 2004.

70      As referidas decisões, que deram lugar aos presentes pedidos de decisão prejudicial, não estão portanto abrangidas pelo âmbito de aplicação ratione temporis da directiva.

71      Todavia, importa recordar que, quando as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais tenham por objecto a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir. Em especial, não resulta dos termos dos artigos 68.° CE e 234.° CE nem do objecto do processo instituído por este último artigo que os autores do Tratado CE tenham pretendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvios prejudiciais relativos a uma directiva, no caso particular de o direito nacional de um Estado‑Membro remeter para o conteúdo das disposições de uma Convenção internacional que são retomadas por essa directiva para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado‑Membro. Em tal caso, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições dessa Convenção internacional retomadas pelo direito nacional e pelo direito da União sejam interpretadas de forma uniforme, sejam quais forem as condições em que se devem aplicar (v., por analogia, acórdão de 2 de Março de 2010, Salahadin Abdulla e o., C‑175/08, C‑176/08, C‑178/08 e C‑179/08, Colect., p. I‑0000, n.° 48).

72      Nos presentes processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que a Terrorismusbekämpfungsgesetz introduziu no direito nacional causas de exclusão do estatuto de refugiado que correspondem, no essencial, às causas contidas no artigo 1.°, secção F, da Convenção de Genebra. Tendo em conta que as causas de exclusão que figuram no artigo 12.°, n.° 2, da directiva também correspondem, no essencial, às que figuram no referido artigo 1.°, secção F, o Bundesamt examinou e aplicou, nas duas decisões em questão nos processos principais, adoptadas antes da entrada e vigor da directiva, cláusulas de exclusão que, no essencial, correspondem às que foram posteriormente inseridas na directiva.

73      Além disso, no que respeita à decisão do Bundesamt de revogar a decisão que concedeu a D o estatuto de refugiado, importa referir que o artigo 14.°, n.° 3, alínea a), da directiva impõe às autoridades competentes de um Estado‑Membro que revoguem o estatuto de refugiado de qualquer interessado se apurarem, após ter concedido esse estatuto, que «[d]everia ter sido ou foi excluído» dele nos termos do artigo 12.° da directiva.

74      Ora, contrariamente à causa de revogação prevista no artigo 14.°, n.° 1, da directiva, a que figura no n.° 3, alínea a), do mesmo artigo não está associada a um regime transitório e não pode ser limitada aos pedidos apresentados ou às decisões tomadas após a entrada em vigor da directiva. Também não apresenta o carácter facultativo das causas de revogação enunciadas no n.° 4 do mesmo artigo.

75      Nestas circunstâncias, há que responder às questões submetidas.

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações liminares

76      A directiva foi adoptada com fundamento, nomeadamente, no artigo 63.°, primeiro parágrafo, ponto 1, alínea c), CE, nos termos do qual competia ao Conselho adoptar medidas em matéria de asilo, conformes à Convenção de Genebra e aos demais tratados pertinentes, no domínio das normas mínimas relativas aos requisitos a preencher pelos nacionais de países terceiros para efeitos da obtenção do estatuto de refugiado.

77      Resulta do terceiro, décimo sexto e décimo sétimo considerandos da directiva que a Convenção de Genebra constitui a pedra angular do regime jurídico internacional de protecção dos refugiados e que as disposições da directiva relativas às condições de concessão do estatuto de refugiado, bem como ao respectivo conteúdo, foram adoptadas para auxiliar as instâncias nacionais competentes dos Estados‑Membros a aplicar esta Convenção com base em conceitos e critérios comuns (acórdãos Salahadin Abdulla e o., já referido, n.° 52, e de 17 de Junho de 2010, C‑31/09, Bolbol, Colect., p. I‑0000, n.° 37).

78      Por conseguinte, a interpretação das disposições da directiva deve ser feita à luz da sua economia geral e da sua finalidade, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 63.°, primeiro parágrafo, ponto 1, CE, actual artigo 78.°, n.° 1, TFUE. Essa interpretação deve igualmente ser feita, como decorre do décimo considerando da directiva, no respeito dos direitos fundamentais e dos princípios reconhecidos nomeadamente pela Carta dos Direitos Fundamentais (acórdãos, já referidos, Salahadin Abdulla e o., n.os 53 e 54, e Bolbol, n.° 38).

 Quanto à primeira questão

79      Com a sua primeira questão em cada um dos processos, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se estamos em presença de um «crime grave de direito comum» ou de um «acto contrário aos objectivos e princípios das Nações Unidas», na acepção do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva, quando o interessado tenha pertencido a uma organização inscrita na lista que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931 em razão da sua implicação em actos de terrorismo e tenha apoiado activamente a luta armada dessa organização, eventualmente ocupando nela um lugar de destaque.

80      Para responder a esta questão, que visa determinar em que medida o facto de uma pessoa pertencer a uma organização inscrita na referida lista é susceptível de estar abrangido pelo artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, cumpre verificar previamente se os actos cometidos por uma organização dessa natureza podem, como pressupõe o órgão jurisdicional de reenvio, fazer parte das categorias de crimes graves e de actos visados, respectivamente, nas referidas alíneas b) e c).

81      Em primeiro lugar, impõe‑se considerar que os actos de natureza terrorista, que se caracterizam pela sua violência relativamente às populações civis, devem ser considerados crimes graves de direito comum na acepção da referida alínea b), mesmo quando cometidos com um objectivo pretensamente político.

82      Em segundo lugar, no que respeita aos actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas visados na alínea c) do n.° 2 do artigo 12.° da directiva, o vigésimo segundo considerando desta última indica que os mesmos se encontram enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas, estando incluídos, entre outros, nas resoluções das Nações Unidas relativas às medidas «visando eliminar o terrorismo internacional».

83      Entre esses actos figuram as Resoluções 1373 (2001) e 1377 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, das quais resulta que este parte do princípio de que os actos de terrorismo internacional são, de um modo geral e independentemente da participação de um Estado, contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

84      Daqui resulta que, como sustentaram todos os governos que submeteram observações escritas ao Tribunal de Justiça e a Comissão Europeia, as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem aplicar o artigo 12.°, n.° 2, alínea c), da directiva igualmente a uma pessoa que, no quadro da sua participação nas actividades de uma organização inscrita na lista que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931, tenha estado implicada em actos de terrorismo de dimensão internacional.

85      Em seguida, coloca‑se a questão de saber em que medida o facto de pertencer a uma organização dessa natureza implica que a pessoa em causa está abrangida pelo artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva quando tenha apoiado activamente a luta armada dessa organização, eventualmente ocupando nela um lugar de destaque.

86      A este respeito, importa salientar que o artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, como de resto o artigo 1.°, secção F, alíneas b) e c), da Convenção de Genebra, só permite que uma pessoa seja excluída do estatuto de refugiado quando existam «suspeitas graves» de que «[p]raticou» um crime grave de direito comum fora do seu país de refúgio antes de ser aceite como refugiado ou que «[p]raticou» actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

87      Resulta da letra das referidas disposições da directiva que a autoridade competente do Estado‑Membro em causa só pode aplicá‑las após ter procedido, relativamente a cada caso individual, a uma avaliação dos factos precisos de que tem conhecimento a fim de determinar se existem suspeitas graves de que os actos praticados pelo interessado, que por outro lado preenche os critérios para obter o estatuto de refugiado, correspondem a um desses dois casos de exclusão.

88      Consequentemente, em primeiro lugar, mesmo que os actos praticados por uma organização inscrita na lista que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931 em razão da sua implicação em actos de terrorismo possam corresponder a cada uma das causas de exclusão visadas nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 12.° da directiva, a mera circunstância de a pessoa em causa ter pertencido a uma dessas organizações não tem como consequência automática que deva ser excluída do estatuto de refugiado por força das referidas disposições.

89      Com efeito, não existe uma relação directa entre a Posição Comum 2001/931 e a directiva quanto aos objectivos prosseguidos, e não se justifica que, quando pretende excluir uma pessoa do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva, a autoridade competente se baseie apenas na circunstância de essa pessoa pertencer a uma organização que figura numa lista adoptada fora do quadro que a directiva instaurou no respeito da Convenção de Genebra.

90      No entanto, a inscrição de uma organização numa lista como a que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931 permite comprovar o carácter terrorista do grupo a que a pessoa em causa pertenceu, o que constitui um elemento que a autoridade competente deve ter em conta quando verifica, numa primeira fase, se esse grupo praticou actos abrangidos pelo artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva.

91      A este respeito, importa observar que as condições em que foram inscritas na lista as duas organizações a que os recorridos nos processos principais pertenceram não podem ser comparadas à avaliação individual de factos precisos que deve preceder qualquer decisão de excluir um pessoa do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva.

92      Em segundo lugar, contrariamente ao que alega a Comissão, a participação nas actividades de um grupo terrorista na acepção do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da Decisão‑Quadro 2002/475 também não configura uma situação que se enquadre necessária e automaticamente nas causas de exclusão previstas no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva.

93      Com efeito, não só essa decisão‑quadro foi adoptada, à semelhança da Posição Comum 2001/931, num contexto diferente do da directiva, o qual é essencialmente humanitário, como o acto intencional de participação nas actividades de um grupo terrorista, que é definido no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), da referida decisão‑quadro e que os Estados‑Membros foram obrigados a tornar punível no seu direito nacional, não é susceptível de desencadear a aplicação automática das cláusulas de exclusão que figuram no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, as quais pressupõem um exame completo de todas as circunstâncias próprias a cada caso individual.

94      Resulta de todas estas considerações que a exclusão de uma pessoa que pertenceu a uma organização que utiliza métodos terroristas do estatuto de refugiado está subordinada a um exame individual de factos precisos que permita apreciar se há suspeitas graves de que, no quadro das suas actividades nessa organização, essa pessoa cometeu um crime grave de direito comum ou praticou actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas, ou instigou à prática desse crime ou desses actos, ou participou neles de outra forma, na acepção do artigo 12.°, n.° 3, da directiva.

95      Para se poder concluir pela existência das causas de exclusão que figuram nas alíneas b) e c) do n.° 2 do artigo 12.° da directiva, importa poder imputar à pessoa em questão, tendo em conta o nível de prova exigido pelo referido n.° 2, uma parte da responsabilidade por actos cometidos pela organização em causa durante o período em que era membro dela.

96      Essa responsabilidade individual deve ser apreciada à luz de critérios objectivos e subjectivos.

97      Para este efeito, a autoridade competente deve, nomeadamente, examinar o papel que a pessoa em causa desempenhou efectivamente na prática dos actos em questão, a sua posição no seio da organização, o grau de conhecimento que tinha ou devia ter das actividades dessa organização, as eventuais pressões a que esteve sujeita ou outros factores susceptíveis de influenciar o seu comportamento.

98      Ao proceder a esse exame, uma autoridade que constate que a pessoa em causa ocupou, à semelhança de D, uma posição de destaque numa organização que utilizava métodos terroristas pode presumir que essa pessoa tem uma responsabilidade individual em relação a actos praticados pela referida organização durante o período em questão, mas continua, porém, a ser necessário examinar todas as circunstâncias pertinentes antes de se poder adoptar a decisão de excluir a pessoa do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva.

99      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à primeira questão submetida em cada um dos dois processos que o artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva deve ser interpretado no sentido de que:

–        o facto de uma pessoa ter pertencido a uma organização inscrita na lista que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931 em razão da sua implicação em actos de terrorismo e de ter apoiado activamente a luta armada dessa organização não pode suscitar automaticamente uma suspeita grave de que essa pessoa cometeu um «crime grave de direito comum» ou «actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas»;

–        a constatação, em tal contexto, de que existem suspeitas graves de que uma pessoa cometeu um crime dessa natureza ou praticou tais actos está sujeita a uma apreciação casuística de factos precisos a fim de determinar se actos praticados pela organização em causa preenchem os requisitos estabelecidos pelas referidas disposições e se é possível imputar à pessoa em causa uma responsabilidade individual pela prática desses actos, tendo em conta o nível de prova exigido pelo artigo 12.°, n.° 2.

 Quanto à segunda questão

100    Com a sua segunda questão em cada um dos processos, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se a exclusão do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva está subordinada ao facto de a pessoa em causa continuar a representar um perigo para o Estado‑Membro de refúgio.

101    Importa começar por sublinhar que, no sistema da directiva, o perigo actual que um refugiado pode representar para o Estado‑Membro em causa é tido em consideração, não no quadro do seu artigo 12.°, n.° 2, mas, por um lado, no do seu artigo 14.°, n.° 4, alínea a), segundo o qual esse Estado‑Membro pode revogar o estatuto concedido a um refugiado, nomeadamente quando haja motivos razoáveis para considerar que representa uma ameaça para a segurança, e, por outro, do seu artigo 21.°, n.° 2, que prevê que o Estado‑Membro de refúgio pode, como lho autoriza igualmente o artigo 33.°, n.° 2, da Convenção de Genebra, repelir um refugiado quando haja motivos razoáveis para considerar que representa um perigo para a segurança ou a comunidade desse Estado‑Membro.

102    Nos termos do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da directiva, que são análogos aos do artigo 1.°, secção F, alíneas b) e c), da Convenção de Genebra, o nacional de um país terceiro é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que «praticou» um crime grave de direito comum fora do país de refúgio «antes de ter sido admitido como refugiado» ou de que «praticou» actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

103    De acordo com a letra das disposições que as enunciam, essas duas causas de exclusão destinam‑se a punir actos cometidos no passado, como sustentaram os governos que apresentaram observações e a Comissão.

104    A este respeito, importa sublinhar que as causas de exclusão em questão foram instituídas com o objectivo de excluir do estatuto de refugiado as pessoas consideradas indignas da protecção que lhe está associada e de evitar que a concessão do referido estatuto permita aos autores de certos crimes graves escaparem a uma responsabilidade penal. Por conseguinte, não seria conforme com esse duplo objectivo subordinar a exclusão do referido estatuto à existência de um perigo actual para o Estado‑Membro de refúgio.

105    Nestas condições, há que responder à segunda questão submetida que a exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva não está subordinada à condição de a pessoa em causa representar um perigo actual para o Estado‑Membro de refúgio.

 Quanto à terceira questão

106    Com a sua terceira questão em cada um dos processos, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber se a exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva está subordinada a um exame da proporcionalidade no caso concreto.

107    A este respeito, deve recordar‑se que resulta da letra do referido artigo 12.°, n.° 2, que, se os requisitos nele fixados estiverem preenchidos, a pessoa em causa «é excluíd[a]» do estatuto de refugiado e que, no sistema da directiva, o artigo 2.°, alínea c), da mesma subordina expressamente a qualidade de «refugiado» à condição de o interessado não estar abrangido pelo âmbito de aplicação do seu artigo 12.°

108    A exclusão do estatuto de refugiado por uma das causas enunciadas no artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), como foi salientado no quadro da resposta à primeira questão, está ligada à gravidade dos actos praticados, que deve ser de um grau tal que a pessoa em causa não possa legitimamente reclamar a protecção associada ao estatuto de refugiado na acepção do artigo 2.°, alínea d), da directiva.

109    Uma vez que a autoridade competente já teve em conta, no quadro da sua apreciação da gravidade dos actos praticados e da responsabilidade individual do interessado, todas as circunstâncias que caracterizam esses actos e a situação dessa pessoa, não pode ser obrigada, se concluir que o artigo 12.°, n.° 2, é aplicável, a proceder a um exame da proporcionalidade que implique uma nova apreciação do nível de gravidade dos actos praticados, como alegaram os Governos alemão, francês, neerlandês e do Reino Unido.

110    Importa sublinhar que a exclusão de uma pessoa do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva não implica uma tomada de posição relativamente à questão distinta de saber se essa pessoa pode ser expulsa para o seu país de origem.

111    Por conseguinte, há que responder à terceira questão submetida que a exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da directiva não está subordinada a um exame da proporcionalidade no caso concreto.

 Quanto à quarta questão

112    Tendo em conta a resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio em cada um dos processos.

 Quanto à quinta questão

113    Com a sua quinta questão em cada um dos dois processos, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, no essencial, se é compatível com a directiva, na acepção do seu artigo 3.°, que um Estado‑Membro reconheça um direito de asilo ao abrigo do seu direito constitucional a uma pessoa excluída do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva.

114    A este respeito, importa recordar que o referido artigo 3.° permite aos Estados‑Membros aprovarem ou manterem normas mais favoráveis relativamente à determinação, nomeadamente, das pessoas que preenchem as condições para beneficiar do estatuto de refugiado, desde que, porém, essas normas sejam compatíveis com a directiva.

115    Ora, atendendo à finalidade das causas de exclusão da directiva, que é preservar a credibilidade do sistema de protecção por ela previsto no respeito da Convenção de Genebra, a reserva que figura no artigo 3.° da directiva opõe‑se a que um Estado‑Membro adopte ou mantenha disposições que concedem o estatuto de refugiado por ela previsto a uma pessoa que está excluída desse mesmo estatuto por força do artigo 12.°, n.° 2.

116    Todavia, importa sublinhar que resulta do artigo 2.°, alínea g), in fine, da directiva que esta não se opõe a que uma pessoa reclame protecção no quadro de «outro tipo de protecção» não abrangido pelo seu âmbito de aplicação.

117    À semelhança da Convenção de Genebra, a directiva parte do princípio de que os Estados‑Membros de refúgio podem conceder, em conformidade com o seu direito nacional, uma protecção nacional acompanhada de direitos que permitem às pessoas excluídas do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, da directiva permanecer no território do Estado‑Membro em causa.

118    A concessão, por um Estado‑Membro, desse estatuto de protecção nacional, por razões diferentes da necessidade de protecção internacional na acepção do artigo 2.°, alínea a), da directiva, ou seja, a título discricionário e por compaixão ou por razões humanitárias, não está abrangida, como precisa o nono considerando da directiva, pelo âmbito de aplicação desta.

119    Esse outro tipo de protecção que os Estados‑Membros têm a faculdade de conceder não deve, contudo, ser confundido com o estatuto de refugiado na acepção da directiva, como a Comissão, nomeadamente, sublinhou com razão.

120    Por conseguinte, desde que as normas nacionais que concedem um direito de asilo a pessoas excluídas do estatuto de refugiado na acepção da directiva permitam distinguir claramente a protecção nacional da protecção concedida ao abrigo da directiva, não infringem o sistema instaurado por esta.

121    Tendo em conta estas considerações, há que responder à quinta questão submetida que o artigo 3.° da directiva deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros podem reconhecer um direito de asilo ao abrigo do seu direito nacional a uma pessoa excluída do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, desta directiva desde que este outro tipo de protecção não comporte um risco de confusão com o estatuto de refugiado na acepção da mesma directiva.

 Quanto às despesas

122    Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida, deve ser interpretado no sentido de que:

–        o facto de uma pessoa ter pertencido a uma organização inscrita na lista que constitui o anexo da Posição Comum 2001/931/PESC do Conselho, de 27 de Dezembro de 2001, relativa à aplicação de medidas específicas de combate ao terrorismo, em razão da sua implicação em actos de terrorismo e de ter apoiado activamente a luta armada dessa organização não pode suscitar automaticamente uma suspeita grave de que essa pessoa cometeu um «crime grave de direito comum» ou «actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas»;

–        a constatação, em tal contexto, de que existem suspeitas graves de que uma pessoa cometeu um crime dessa natureza ou praticou tais actos está sujeita a uma apreciação casuística de factos precisos a fim de determinar se actos praticados pela organização em causa preenchem os requisitos estabelecidos pelas referidas disposições e se é possível imputar à pessoa em causa uma responsabilidade individual pela prática desses actos, tendo em conta o nível de prova exigido pelo artigo 12.°, n.° 2.

2)      A exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da Directiva 2004/83 não está subordinada à condição de a pessoa em causa representar um perigo actual para o Estado‑Membro de refúgio.

3)      A exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 12.°, n.° 2, alíneas b) ou c), da Directiva 2004/83 não está subordinada a um exame da proporcionalidade no caso concreto.

4)      O artigo 3.° da Directiva 2004/83 deve ser interpretado no sentido de que os Estados‑Membros podem reconhecer um direito de asilo ao abrigo do seu direito nacional a uma pessoa excluída do estatuto de refugiado por força do artigo 12.°, n.° 2, desta directiva desde que este outro tipo de protecção não comporte um risco de confusão com o estatuto de refugiado na acepção da mesma directiva.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.