Language of document : ECLI:EU:C:2012:545

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 6 de setembro de 2012(1)

Processos apensos C‑237/11 e C‑238/11

República Francesa

contra

Parlamento Europeu

«Recurso de anulação — Calendário dos períodos de sessões plenárias do Parlamento Europeu para os anos 2012 e 2013 — Protocolos relativos à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços da União Europeia»





I —    Introdução

1.        Através dos seus recursos, interpostos em 19 de maio de 2011, a República Francesa pede ao Tribunal de Justiça a anulação da deliberação do Parlamento Europeu, de 9 de março de 2011, relativa ao calendário dos períodos de sessão do referido Parlamento para o ano 2012 (processo C‑237/11), assim como da deliberação do Parlamento da mesma data, relativa ao calendário dos períodos de sessão do referido Parlamento para o ano 2013 (processo C‑238/11) (a seguir, em conjunto, «deliberações impugnadas»).

2.        A particularidade destes calendários reside no facto de que, para os meses de outubro de 2012 e de 2013, preveem que o Parlamento realize duas sessões plenárias em Estrasburgo (França) na mesma semana, com uma duração reduzida em relação à das sessões previstas para os outros meses do ano.

II — Quadro jurídico e antecedentes do litígio

3.        Em 1992, na Cimeira de Edimburgo, os governos dos Estados‑Membros adotaram uma decisão, designada «decisão de Edimburgo», relativa à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços das Comunidades Europeias, com fundamento nos artigos 216.° CEE, 77.° CECA e 189.° CEEA.

4.        O artigo 1.°, alínea a), da decisão de Edimburgo dispõe que:

«O Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental. As sessões plenárias suplementares realizam‑se em Bruxelas [(Bélgica)]. As comissões do Parlamento Europeu reúnem‑se em Bruxelas. O Secretariado‑Geral do Parlamento Europeu e os seus serviços permanecem no Luxemburgo.»

5.        Na conferência intergovernamental que conduziu à adoção do Tratado de Amesterdão, foi decidido anexar aos Tratados a decisão de Edimburgo. Atualmente, é no protocolo n.° 6 anexo ao Tratado UE e ao Tratado FUE, e no protocolo n.° 3 anexo ao Tratado CEEA (a seguir, em conjunto, «protocolos») que está reproduzido o texto do artigo 1.°, alínea a), da decisão de Edimburgo (2).

6.        Por conseguinte, o direito primário impõe que o Parlamento se reúna em sessão plenária mensal em Estrasburgo. No entanto, é tradição que a sessão plenária do mês de agosto passe para o mês de outubro, durante o qual devem, assim, decorrer duas sessões plenárias em Estrasburgo.

7.        A conferência dos presidentes adotou, em 3 de março de 2011, dois projetos de calendário dos períodos de sessão do Parlamento para os anos 2012 e 2013. Estes dois projetos preveem que o Parlamento realize uma sessão plenária de 1 a 4 de outubro de 2012 e outra de 22 a 25 de outubro de 2012, assim como de 30 de setembro a 3 de outubro de 2013 e de 21 a 24 de outubro de 2013.

8.        Em 7 de março de 2011, foram propostas duas alterações ao projeto de calendário apresentado pela conferência dos presidentes, uma relativa ao calendário para o ano 2012, e outra relativa ao calendário para o ano 2013. Redigidas em termos idênticos, as duas alterações propõe «suprimir o período de sessão da semana 40» (3) e «dividir o período de sessão de outubro II [de 22 de outubro a 25 de outubro de 2012 e de 21 de outubro a 24 a outubro de 2013] em dois períodos de sessão distintos». Está previsto que o primeiro período de sessão do mês de outubro de 2012 decorra em 22 e 23 de outubro de 2012 (e no ano de 2013, em 21 e 22 de outubro) e que o segundo período de sessão do mês de outubro 2012 decorra em 25 e 26 de outubro 2012 (e no ano de 2013, em 24 e 25 de outubro). As duas alterações foram sujeitas a votação e adotadas.

9.        Deste modo, o calendário dos períodos de sessão para o ano 2012 prevê a realização de dois períodos de sessão no mês de outubro, durante a mesma semana, em 22 e 23 de outubro (primeiro período de sessão) e em 25 e 26 outubro (segundo período de sessão).

10.      Quanto ao calendário dos períodos de sessão para o ano 2013, prevê a realização de dois períodos de sessão no mês de outubro, durante a mesma semana, em 21 e 22 de outubro (primeiro período de sessão) e em 24 e 25 outubro (segundo período de sessão).

III — Pedidos das partes e tramitação processual no Tribunal de Justiça

11.      Por despacho de 9 de janeiro de 2012, o presidente do Tribunal de Justiça ordenou a apensação dos processos C‑237/11 e C‑238/11, para efeitos das fases escrita e oral do processo e do acórdão.

12.      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        anular as deliberações impugnadas e

¾        condenar o Parlamento nas despesas.

13.      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

¾        julgar os recursos inadmissíveis;

¾        a título subsidiário, julgar os recursos improcedentes, e

¾        condenar a recorrente nas despesas.

14.      Por despacho de 21 de setembro de 2011, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção do Grão‑Ducado do Luxemburgo em apoio dos pedidos da República Francesa.

15.      A República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo e o Parlamento foram ouvidos na audiência, que se realizou em 5 de junho de 2012.

IV — Análise

16.      Uma vez que o recurso interposto pela República Francesa no âmbito do processo C‑237/11 está redigido em termos estritamente idênticos aos do recurso interposto no âmbito do processo C‑238/11, e que o mesmo acontece com os articulados apresentados pelo Parlamento e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo (4), proponho ao Tribunal de Justiça uma análise única dos dois recursos.

17.      Deste modo, os dois recursos de anulação interpostos pela República Francesa centram‑se num único fundamento, relativo à violação dos protocolos sobre as sedes das instituições e ao facto de o acórdão França/Parlamento (5) ter sido ignorado. Dado que o Parlamento duvidou da admissibilidade dos recursos, importa iniciar a análise por este aspeto do litígio.

A —    Quanto à admissibilidade dos recursos

1.      Argumentação das partes

18.      O Parlamento contesta a admissibilidade dos recursos de anulação alegando que as deliberações impugnadas não são atos impugnáveis na aceção do artigo 263.° TFUE. As referidas deliberações estão abrangidas exclusivamente pela organização interna do Parlamento e não produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros, o que é confirmado pelo facto de não haver, em relação às referidas deliberações, dever de fundamentação. Por outro lado, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral da União Europeia que, apesar de o recurso de anulação poder ser dirigido aos atos do Parlamento destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, os atos que só se referem à organização interna dos trabalhos do Parlamento não podem ser objeto de tal recurso (6). A planificação dos trabalhos do Parlamento exige a adoção de um determinado número de medidas de ordem interna, entre as quais as deliberações impugnadas, abrangidas pelo exercício conferido à referida instituição pelo artigo 232.° TFUE. As únicas consequências destas deliberações são de natureza económica e só dizem respeito ao Estado‑Membro da sede. A instituição recorrida considera que a República Francesa pretende que seja declarado um eventual incumprimento do Parlamento às suas obrigações, apesar de tal meio legal não estar previsto nos Tratados. Por último, o Parlamento rejeita a tese avançada pela recorrente e pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, que consiste em sustentar que o Tribunal de Justiça se pronunciou implícita mas necessariamente sobre a admissibilidade do recurso de anulação no âmbito do seu acórdão França/Parlamento, já referido.

19.      A República Francesa e o Grão‑Ducado do Luxemburgo consideram, por seu turno, que o acórdão em questão constitui incontestavelmente um precedente pelo qual o Tribunal de Justiça anulou a deliberação do Parlamento, de 20 de setembro de 1995, que fixa o seu calendário de trabalho para o ano 1996. Alegam que, uma vez que a admissibilidade é um fundamento de ordem pública que deve ser conhecido oficiosamente, o silêncio do Tribunal de Justiça sobre este ponto, no seu acórdão, impõe o reconhecimento de que, implícita mas necessariamente, admitiu a admissibilidade do recurso de anulação interposto de uma deliberação em todos os aspetos comparável às presentemente impugnadas. A República Francesa acrescenta que a questão de saber se as deliberações impugnadas estão abrangidas pela organização interna do Parlamento ou se produzem efeitos jurídicos em relação a terceiros é uma questão indissociavelmente ligada à apreciação do seu conteúdo e, por conseguinte, à apreciação do mérito dos recursos (7).

2.      Apreciação

20.      Relativamente aos atos do Parlamento, um recurso de anulação interposto nos termos do artigo 263.° TFUE apenas pode ser dirigido a atos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Para determinar se uma medida constitui um ato impugnável na aceção do artigo 263.°, n.° 1, TFUE, há que atender ao seu conteúdo, sendo indiferente a este respeito a forma como foi adotado (8). No caso em apreço, as partes opõem‑se precisamente quanto à determinação dos efeitos jurídicos das deliberações impugnadas.

21.      Nos termos do acórdão Weber/Parlamento (9), o Tribunal de Justiça afirmou que os atos do Parlamento «que apenas digam respeito à organização interna dos trabalhos do Parlamento» não podem ser objeto de recurso de anulação e que «relevam desta categoria os atos do Parlamento que ou não produzem efeitos jurídicos, ou apenas os produzem no interior do Parlamento no que se refere à organização dos seus trabalhos e estão sujeitos a processos de fiscalização estabelecidos pelo seu regimento» (10). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que uma decisão do Parlamento que recusa a concessão, a um deputado, de um subsídio de reintegração de fim de mandato produz «efeitos jurídicos que vão além da organização interna dos trabalhos da instituição, na medida em que afetam a situação patrimonial do deputado aquando da cessação das suas funções» (11).

22.      Noutro contexto, o Tribunal de Justiça considerou igualmente que uma resolução do Parlamento, que designa precisamente o pessoal encarregue de determinadas atividades, cuja presença em Bruxelas é considerada indispensável pela instituição, e que confere mandato aos órgãos competentes do Parlamento para adotarem rapidamente todas as medidas exigidas para a implementação da referida resolução, reveste «caráter decisório e […] os seus efeitos poderiam, tal sendo o caso, afetar as garantias resultantes para o Grão‑Ducado do Luxemburgo dos textos relativos à sede e aos locais de trabalho do Parlamento» (12).

23.      Em contrapartida, invocou um fundamento de inadmissibilidade em relação a um recurso de anulação de uma decisão do presidente do Parlamento que considerou admissível o pedido de constituição de uma comissão de inquérito, declarando que «o ato impugnado não [é] de natureza a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros […] [uma vez que] as comissões de inquérito apenas são dotadas de um poder de estudo e, consequentemente, os atos relativos à sua constituição apenas dizem respeito à organização interna dos trabalhos do Parlamento Europeu» (13). Fez o mesmo no âmbito de um recurso destinado a contestar a regularidade do processo de designação do presidente de uma delegação interparlamentar, que têm apenas uma competência de informação e de contacto, cujos atos constitutivos dizem unicamente respeito à organização interna dos trabalhos do Parlamento (14).

24.      À luz destas diferentes tomadas de posição do Tribunal de Justiça, onde situar as deliberações impugnadas?

25.      Duvido que os efeitos das deliberações impugnadas estejam, como afirma o Parlamento, estritamente confinados ao interior da instituição. É certo que, prima facie, a votação do calendário permite ao Parlamento planificar os seus trabalhos e aparentemente está abrangida pela sua organização interna. No entanto, o calendário estabelece para todo o ano não só os períodos de trabalho do Parlamento, mas igualmente os períodos de presença deste, dos deputados que o compõe e do pessoal que lhe está afetado nos seus diferentes locais de trabalho. Por conseguinte, inclino‑me a partilhar da posição do advogado‑geral C. Lenz, segundo a qual «a indispensável colocação à disposição da infraestrutura [que deve acolher as sessões] cria […] indiretamente obrigações jurídicas face a terceiros» (15), e a não excluir a possibilidade de tais deliberações cumprirem os requisitos fixados pelo artigo 263.°, primeiro parágrafo, TFUE.

26.      O facto de partilhar das observações do advogado‑geral Lenz induz‑me, por outro lado, a rejeitar o argumento do Parlamento que contesta a qualidade de precedente, em termos de admissibilidade do recurso, do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. Com efeito, como foi exposto, apesar de a República Francesa considerar que o Tribunal de Justiça se manifestou «implícita mas necessariamente» sobre a admissibilidade do recurso no contexto deste acórdão, o Parlamento afirma, em contrapartida, que o silêncio do referido acórdão sobre este ponto não constitui uma tomada de posição do Tribunal de Justiça. Ora, além de a admissibilidade do recurso ser um fundamento de ordem pública que o Tribunal de Justiça deve conhecer oficiosamente (16), como corretamente alegaram a República Francesa e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o advogado‑geral C. Lenz também chamou a atenção do Tribunal de Justiça precisamente para a questão da admissibilidade do recurso que na altura a República Francesa interpôs da deliberação do Parlamento então impugnada (17). Por conseguinte, foi com pleno conhecimento de causa que, nesse processo, o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o mérito.

27.      De qualquer forma, mesmo nos casos em que o Tribunal de Justiça considera não estar em condições de determinar a priori se o ato visado pelo recurso de anulação produz efetivamente efeitos jurídicos, entende que só uma análise ao mérito permite garanti‑lo. Neste sentido, já declarou que a «apreciação dos efeitos jurídicos da resolução em litígio está indissociavelmente ligada ao exame do seu conteúdo e ao respeito das regras de competência. Há, por isso, que passar à análise do mérito» (18). O Tribunal de Justiça também reiterou esta posição quando lhe foi submetido um recurso de anulação de decisões da Mesa do Parlamento em que uma destas decisões assumia a forma de nota relativa às previsões a médio prazo para as atividades do Parlamento nos três locais de trabalho (19).

28.      Por conseguinte, em qualquer caso, não é possível, nesta fase da análise, negar provimento aos recursos que, portanto, devem ser julgados admissíveis.

B —    Quanto ao único fundamento, relativo a uma violação dos protocolos, assim como ao facto de o acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, ter sido ignorado

1.      Argumentação das partes

29.      Na primeira parte do único fundamento, a República Francesa afirma que, uma vez que os protocolos se limitam a reproduzir a decisão de Edimburgo, o acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, no qual o Tribunal de Justiça teve oportunidade de interpretar a referida decisão, continua a ser plenamente pertinente no âmbito dos presentes processos. A recorrente recorda que o Tribunal de Justiça considerou que, ao adotarem a decisão de Edimburgo, os Estados‑Membros consagraram a prática do Parlamento de, em princípio, se reunir mensalmente em Estrasburgo e de reportar a sessão do mês de agosto para o mês de outubro. Dado que os textos referem «os» doze períodos de sessões plenárias mensais, a decisão, como os protocolos, deveria ser interpretada no sentido de que remete necessariamente para a prática existente antes da adoção da decisão de Edimburgo. Ora, resulta do n.° 5 do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, que o Tribunal de Justiça definiu um período de sessão plenária mensal, que deve decorrer em Estrasburgo, entre segunda‑feira e sexta‑feira. Segundo a República Francesa, o Tribunal de Justiça admitiu assim, «implícita mas necessariamente», que a decisão de Edimburgo fixou igualmente a duração das sessões. Por conseguinte, ao reduzir os dois períodos de sessão que devem decorrer no mês de outubro de 2012 e, sucessivamente, no mês de outubro de 2013, em dois dias, as deliberações impugnadas violaram o conteúdo dos protocolos referidos, uma vez que tal iniciativa reduz em 1/12 a duração anual dos períodos de sessões plenárias que devem decorrer em Estrasburgo e, na realidade, só fixam anualmente onze períodos de sessões plenárias mensais. Embora o Tribunal de Justiça deva considerar que as deliberações impugnadas são conformes aos protocolos, a República Francesa alerta para os riscos de generalização de tal iniciativa e, a prazo, de uma redução ainda maior dos períodos de sessões plenárias que devem decorrer em Estrasburgo.

30.      Na segunda parte do fundamento, a República Francesa crítica o Parlamento por ter quebrado a regularidade do ritmo em que as sessões plenárias devem decorrer. Ora, em conformidade com o que o Tribunal de Justiça declarou no n.° 29 do seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, a decisão de Edimburgo define a sede do Parlamento como sendo «o local onde devem ser realizados, a um ritmo regular, doze períodos de sessões plenárias ordinárias dessa instituição». A rutura desta regularidade só é aceitável relativamente à sessão do mês de agosto, bem como, nos anos de eleição, à sessão do mês de junho.

31.      Na terceira parte do fundamento, a República Francesa afirma, com base no mesmo número do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, que o Parlamento não tinha condições para prever a realização de sessões suplementares em Bruxelas tendo em conta que tal fixação das sessões suplementares só pode ocorrer se estiverem previamente previstos doze períodos de sessões plenárias. Como o calendário para os anos 2012 e 2013 apenas prevê onze sessões plenárias, o Parlamento não podia ter previsto sessões suplementares para os dois anos em causa.

32.      Na quarta parte do fundamento, a República Francesa considera que o Parlamento violou o princípio da repartição das competências entre os Estados‑Membros e o Parlamento, conforme definido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. Afirma que o objetivo prosseguido pelas deliberações impugnadas não é outro senão a redução da presença dos deputados europeus em Estrasburgo. Isto é confirmado pelo facto de o calendário para os meses de outubro 2012 e 2013 ter sido votado em termos idênticos, o que prova que não se trata de uma resposta pontual a uma necessidade conjuntural, mas de uma prática destinada a tornar‑se perene. A República Francesa considera que as deliberações impugnadas são reveladoras de um certo paradoxo que consiste na redução da duração das sessões plenárias do Parlamento num momento em que a carga de trabalho desta instituição é cada vez mais elevada. Por último, a recorrente recorda o conteúdo de uma sessão plenária do Parlamento e explica que não é possível que todas estas atividades sejam desempenhadas da mesma maneira se a duração das sessões for reduzida em dois dias.

33.      No âmbito da sua intervenção em apoio da República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo partilha das conclusões desta última e afirma que, com efeito, uma melhor organização interna dos trabalhos não é o real objetivo prosseguido pelas deliberações impugnadas. O Grão‑Ducado do Luxemburgo recorda que o contexto atual põe claramente em causa a pluralidade dos locais de trabalho do Parlamento e, mais particularmente, a sua obrigação de presença em Estrasburgo. Através das deliberações impugnadas, o Parlamento pretendeu efetivamente fixar a sua sede. Além disso, o Grão‑Ducado do Luxemburgo observa que o Parlamento não explicou em que medida esta nova organização das sessões do mês de outubro permite melhor organizar os seus trabalhos, e que o constante aumento das competências do Parlamento torna incoerente a diminuição da duração e da frequência das sessões plenárias mensais. Por último, o Grão‑Ducado do Luxemburgo considera que existe uma diferença bastante clara entre os períodos de sessões plenárias mensais e os períodos de sessões plenárias suplementares, que se distinguem tanto pela sua duração (quatro dias para os períodos de sessões mensais, dois dias para os períodos de sessões suplementares), como pelo local onde devem decorrer (em Estrasburgo para os períodos de sessões mensais e em Bruxelas para os períodos de sessões suplementares). Deste modo, ou se considera que as duas sessões de dois dias previstas no mês de outubro pelas deliberações impugnadas devem, de facto, ser entendidas como uma única sessão de quatro dias, e neste caso, os calendários em causa só preveem onze períodos de sessões plenárias mensais, ou se considera que efetivamente se tratam de dois períodos de sessões de dois dias, devendo as sessões de tal duração ser requalificadas como sessões plenárias suplementares que o Parlamento não pode prever, uma vez que a fixação de tais períodos só pode ocorrer após o Parlamento ter fixado efetivamente doze períodos de sessões plenárias mensais. Independentemente da interpretação acolhida, as deliberações impugnadas ignoraram os protocolos.

34.      O Parlamento inicia a sua contestação por uma exposição da evolução histórica dos seus poderes, sublinhando que o facto de ter três locais de trabalho constitui, em todo caso, uma desvantagem de funcionamento. No entanto, considera ter respeitado sempre as obrigações decorrentes do direito primário. No que respeita aos calendários para os anos 2012 e 2013, esclarece que, em relação a cada ano, efetivamente previu a realização de doze períodos de sessões plenárias em Estrasburgo, dez períodos com uma duração de quatro dias e dois períodos com uma duração de dois dias. No total, o Parlamento reunirá, em cada um dos dois anos que estão em causa nas deliberações impugnadas, 44 dias em Estrasburgo (20), contra oito dias de presença em sessões plenárias suplementares em Bruxelas.

35.      Prosseguiu, indicando as diferenças factuais e jurídicas que distinguem os presentes processos do processo que deu origem ao acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. A organização dos trabalhos do Parlamento evolui ao mesmo tempo que as suas competências. Na sequência da adoção do Tratado de Lisboa, o processo orçamental foi simplificado e requer apenas uma única leitura, o que, segundo o Parlamento, torna supérflua a realização de uma «sessão orçamental», conforme prevista pelos protocolos. Ora, em princípio, a sessão orçamental é uma das duas sessões do mês de outubro. Em seguida, o Parlamento refere um determinado número de tomadas de posição imputáveis quer ao próprio Parlamento, quer aos deputados europeus que o compõem, quer ainda à sociedade civil, que denunciam os inconvenientes associados à pluralidade de locais de trabalho e, especialmente, às deslocações para Estrasburgo, seja em termos económicos, ambientais ou de produtividade. Por conseguinte, as deliberações impugnadas devem, segundo o Parlamento, ser lidas igualmente à luz destas considerações, às quais acresce um contexto de crise económica e financeira.

36.      Em resposta aos argumentos expostos pela República Francesa, o Parlamento afirma que os protocolos não fixam nenhuma duração dos períodos de sessão. O artigo 341.° TFUE prevê a competência dos Estados‑Membros para fixarem a sede das instituições. Esta base jurídica deve ser interpretada de forma estrita e o exercício desta competência pelos Estados‑Membros não pode ter incidência no poder de organização interna do Parlamento. Mesmo considerando que a decisão de Edimburgo fornece algum tipo de indicação quanto à duração das sessões mensais do Parlamento, deve concluir‑se que, para o efeito, os Estados‑Membros exerceram a competência que lhes reconhece o artigo 341.° TFUE ultra vires. Com efeito, nada está explicitamente previsto, nem nos Tratados, nem nos protocolos, nem mesmo no regimento do Parlamento, quanto à duração dos períodos de sessões plenárias. O Parlamento contesta igualmente a interpretação feita pela República Francesa do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, pondo em evidência, nomeadamente, que a situação factual então submetida à apreciação do Tribunal de Justiça era totalmente diferente da que está no cerne dos presentes recursos.

37.      Em contrapartida, afirma que, em termos de duração dos períodos de sessão, é o acórdão Wybot (21) que tem pertinência, uma vez que nele o Tribunal de Justiça declarou que «na falta de qualquer disposição dos Tratados a este propósito, a fixação da duração das sessões faz parte do poder de organização interna reconhecido ao Parlamento». Assim, este último tem competência para fixar livremente a duração das suas sessões.

38.      O Parlamento contesta vigorosamente a interpretação feita pela República Francesa da decisão de Edimburgo. Em seu entender, ao considerar que a decisão de Edimburgo concretizou a cristalização da prática anterior, a República Francesa tenta privar a instituição do poder de fazer evoluir a sua prática, o que se tornou necessário pela evolução do papel e das competências do Parlamento. Apesar de o Parlamento não esconder que o seu objetivo é reduzir o impacto da localização da sua sede no seu funcionamento e limitar os efeitos associados à pluralidade dos seus locais de trabalho, continua a entender que, no estado atual das previsões para os anos 2012 e 2013, Estrasburgo continua a ser o centro de gravidade da sede. Por outro lado, observa que o mês de outubro é o único mês do ano em que a redução das duas sessões é possível, uma vez que os outros períodos de sessões mensais decorrem, desde o ano de 2001, em quatro dias, e considera que o risco de reduzir ainda mais a sua duração é apenas pura especulação.

39.      Na sua réplica, a República Francesa sublinha que o Parlamento exerce as suas competências em relação ao Banco Central Europeu e ao Tribunal de Contas apesar de estas instituições não terem sede em Bruxelas. Por conseguinte, o Parlamento não tem de estar sediado na mesma cidade em que se encontra a instituição em relação à qual exerce a sua competência.

40.      Além disso, contesta as afirmações do Parlamento relativas à sessão orçamental e considera que a votação do orçamento pelo Parlamento, em sessão plenária, na presença do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia, exige do Parlamento uma leitura ainda mais atenta uma vez que é única. Nestas condições, a sessão orçamental continua a ser especialmente importante.

41.      Quanto às diversas tomadas de posição evocadas pelo Parlamento, a República Francesa denuncia a parcialidade e recorda que a localização da sede das instituições depende exclusivamente da competência dos Estados‑Membros. Na audiência, a República Francesa contestou também os números avançados pelo Parlamento em termos de emissão de dióxido de carbono e em termos de custos gerados pela dispersão geográfica dos locais de trabalho do Parlamento (22).

42.      Por outro lado, a evocação do acórdão Wybot, já referido, não pode pôr em causa a interpretação proposta pela República Francesa dos protocolos relativos à duração das sessões, uma vez que este acórdão foi proferido num contexto totalmente diferente que não é pertinente no âmbito dos presentes recursos. Ainda segundo a República Francesa, o Tribunal de Justiça ao admitir «implícita mas necessariamente» que a decisão de Edimburgo codificou a prática existente, incluindo em termos de duração dos períodos de sessão, não considerou que os Estados‑Membros excederam a sua competência. Deste modo, o Parlamento não avançou nenhum argumento suscetível de justificar as alterações introduzidas pelas deliberações impugnadas.

43.      No âmbito da sua tréplica, o Parlamento reitera, em substância, os mesmos argumentos que avançou no âmbito da sua contestação, ou seja, que a competência dos Estados‑Membros para fixar a sede das instituições não abrange a fixação da duração dos períodos de sessões mensais que depende unicamente da organização interna do Parlamento. Invocando a autonomia que lhe deve ser necessariamente reconhecida para organizar com maior eficácia e de maneira menos dispendiosa os seus trabalhos, o Parlamento nega querer pôr em causa a localização da sua sede em Estrasburgo. O Parlamento assinala que a duração das sessões plenárias suplementares, que devem decorrer em Bruxelas, foi igualmente reduzida. Recorda que quando se alterou a prática relativa à duração dos períodos de sessões plenárias em 2000, suprimindo as sessões de sexta‑feira, a República Francesa não interpôs recurso. Ora, em proporção, as deliberações impugnadas representam, na pior das hipóteses, uma redução de 1/12, ao passo que a alteração da prática introduzida em 2000, tornada efetiva a partir do ano de 2001, constituiu uma redução de 1/5. O Parlamento sugere que se pode deduzir da não contestação da supressão das sessões de sexta‑feira pela República Francesa um reconhecimento, igualmente implícito mas necessário, da liberdade que o Parlamento tem para fixar a duração dos seus períodos de sessão. Acrescenta que a adaptação dos seus trabalhos tem por objetivo aumentar a eficácia e assinala que cada vez mais as atividades das comissões são mais importantes que o trabalho no recinto. De qualquer forma, o efeito útil do direito de organização autónoma do Parlamento deve ser preservado, sobretudo por esta instituição ser a única diretamente eleita pelos cidadãos. Por último, em resposta aos argumentos do Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Parlamento refuta a ideia de que uma sessão perde o seu caráter de plenário ordinário se durar apenas dois dias. Não é possível realizar uma leitura da decisão de Edimburgo e, portanto, dos protocolos que obrigam o Parlamento a realizar as suas sessões plenárias de segunda‑feira de manhã a sexta‑feira à tarde sem atender às suas necessidades reais.

2.      Apreciação

44.      Apesar de o Tribunal de Justiça não poder ignorar o contexto de forte contestação à obrigação do Parlamento se reunir em Estrasburgo, também referido pelas partes, é importante recordar que o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se no âmbito dos presentes recursos.

45.      Através do seu único fundamento, a República Francesa afirma que as deliberações impugnadas violam os protocolos e o acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, devido à duração prevista das sessões plenárias previstas para o mês de outubro dos anos 2012 e 2013 (primeira parte), à rutura da regularidade da realização das sessões provocada pela alegada realização de duas sessões plenárias de dois dias na mesma semana (segunda parte), à confusão entre os conceitos de sessões plenárias ordinárias e de sessões plenárias suplementares que vicia as deliberações impugnadas (terceira parte) e, por último, a uma violação da repartição das competências entre os Estados‑Membros e o Parlamento (quarta parte).

46.      Para uma melhor compreensão do processo, sugiro começar a minha análise por recordar as contribuições essenciais do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. Em seguida, proponho uma análise transversal às diferentes partes do fundamento invocado pela recorrente que consistirá, em primeiro lugar, em demonstrar que a questão da duração dos períodos de sessões plenárias mensais não pode ser o único critério em que o Tribunal de Justiça deve basear o seu raciocínio neste processo porque não existe regra explícita que determine a priori esta duração e, em segundo lugar, proponho um teste mais alargado com o objetivo de apreciar a legalidade das deliberações impugnadas, a saber, o teste da coerência global.

a)      As contribuições do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento

47.      No âmbito do recurso de anulação interposto da deliberação do Parlamento que fixa o seu calendário de trabalho para o ano de 1996, que já recordei, o Tribunal de Justiça declarou, a propósito dos trabalhos do Parlamento se desenrolarem em três locais de trabalho, que, «[t]endo em conta essa pluralidade de locais de trabalho, o exercício [da competência dos Estados‑Membros fixarem de comum acordo a sede das instituições da União] envolve não apenas a obrigação de fixar o local da sede do Parlamento, mas implica também o dever de precisar esse conceito indicando as atividades que aí devem decorrer» (23). Também considerou que os Estados‑Membros, ao adotarem a decisão de Edimburgo, «resolveram enunciar que a sede do Parlamento, fixada em Estrasburgo, constitui o local onde a instituição se reúne a título principal em sessões plenárias ordinárias e precisaram, para esse efeito, de modo vinculativo, o número dos períodos de sessões que devem aí ser realizados» (24). Mais ainda, os Estados‑Membros, segundo a apreciação do Tribunal de Justiça, «consagraram a prática dessa instituição que consiste em reunir‑se, em princípio, todos os meses em Estrasburgo» (25). Quanto à sessão orçamental, o Tribunal de Justiça interpretou a decisão de Edimburgo no sentido de que a referida sessão «deve realizar‑se no decurso de um dos períodos de sessões plenárias ordinárias que decorrem na sede da instituição» (26).

48.      Por conseguinte, a sede do Parlamento foi definida, segundo a leitura feita pelo Tribunal de Justiça da decisão de Edimburgo, como sendo «o local onde devem ser realizados, a um ritmo regular, doze períodos de sessões plenárias ordinárias dessa instituição, incluindo as sessões no decurso das quais o Parlamento deve exercer os poderes orçamentais que lhe confere o Tratado. Os períodos de sessões plenárias suplementares só podem ser fixados noutro local de trabalho se o Parlamento realizar os doze períodos de sessões plenárias ordinárias em Estrasburgo, local da sede da instituição» (27).

49.      Em seguida, o Tribunal de Justiça traçou uma linha de demarcação entre a competência dos Estados‑Membros de fixarem a sede das instituições e a competência de organização interna que deve ser reconhecida ao Parlamento. Assim, declarou que, «embora o Parlamento seja autorizado a tomar, por força desse poder de organização interna, medidas adequadas a assegurar o seu bom funcionamento e o desenrolar dos seus processos, essas decisões devem respeitar a competência dos Estados‑Membros de fixar a sede» (28). Em contrapartida, «os Estados‑Membros têm o dever, no exercício da sua competência […], de respeitar a competência de organização interna do Parlamento e de zelarem para que tais decisões não entravem o bom funcionamento desta instituição» (29). Para o efeito, reconheceu igualmente que, «embora seja exato que a decisão de Edimburgo impõe ao Parlamento determinadas obrigações quanto à organização dos seus trabalhos, estas obrigações são inerentes à necessidade de definir a sua sede, mantendo ao mesmo tempo uma pluralidade de locais de trabalho do Parlamento» (30).

50.      Uma vez que a decisão de Edimburgo foi codificada em direito constante pelos protocolos, não existe nenhum motivo para alterar a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça para efeitos da apreciação da legalidade das deliberações impugnadas, tanto mais porque as partes não entenderam pô‑la em causa.

b)      A inexistência de regra estabelecida quanto à duração dos períodos de sessões plenárias mensais

51.      As partes opõem‑se quanto à questão de saber se a decisão de Edimburgo, conforme codificada pelos protocolos, fixa as obrigações que o Parlamento tem de respeitar em termos de duração das suas sessões plenárias.

52.      Desde o início rejeito a pertinência para o presente processo da invocação do acórdão Wybot, já referido. Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, como recorda o Parlamento, que «na falta de qualquer disposição dos Tratados a este propósito, a fixação da duração das sessões faz parte do poder de organização interna reconhecido ao Parlamento» (31), fê‑lo no contexto específico do processo que deu origem ao acórdão Wybot, já referido. Assim, este processo inscreve‑se num quadro jurídico bastante diferente e tem por objeto a questão da determinação da duração da sessão anual (32), isto é, da duração total do período em que o Parlamento esteve em sessão e que era livre para determinar. É evidente que foi por esta razão que o Tribunal de Justiça pôde afirmar que a fixação da duração das sessões, entendidas como sessões anuais, resulta, em última análise, do poder de organização interna do Parlamento. Isto não significa de maneira nenhuma que, no âmbito dos presentes recursos, é possível deduzir tal liberdade relativamente à fixação da duração das sessões plenárias mensais.

53.      Ainda que, por mais absurdo que seja o raciocínio, se pretenda deduzir deste acórdão Wybot que, mesmo no que se refere aos períodos de sessões plenárias mensais, a fixação da duração das sessões depende do poder de organização interna do Parlamento, não é menos verdade que o exercício deste poder deve respeitar o direito primário. Em meu entender, existe uma ligação evidente entre a determinação da duração dos períodos de sessões plenárias e o respeito da decisão dos Estados‑Membros de fixarem a sede do Parlamento em Estrasburgo. Falando claramente, uma deliberação que prevê que todos os períodos de sessões plenárias mensais que devem decorrer em Estrasburgo duram apenas meio dia viola os protocolos que fixam a sede do Parlamento. Nesta perspetiva, a competência exercida pelos Estados‑Membros quando fixaram a sede do Parlamento incidiu necessariamente no tempo de presença da referida instituição em Estrasburgo, sem, no entanto, chegar a fixar uma regra rígida. O Tribunal de Justiça também o reconheceu quando declarou que «a sede […] constitui o local onde a instituição se reúne a título principal» (33). Por conseguinte, a localização da sede tem, por natureza, uma incidência quantitativa, pelo que não se pode acusar os Estados‑Membros, como afirmou o Parlamento, de terem exercido a sua competência ultra vires.

54.      Feita esta precisão, há que reconhecer que, no que respeita à duração concreta dos períodos das sessões plenárias, o texto dos protocolos não é esclarecedor e importa constatar, concordando com o Parlamento, que, a este propósito, não existe qualquer regra explícita. Por outro lado, tenho tendência para relativizar as obrigações em termos de duração que a República Francesa deduziu do n.° 5 do acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento já referido. Este número, que apenas precisa que «no entanto, as partes estão de acordo em que os períodos de sessões plenárias efetuadas de segunda a sexta‑feira se realizam em Estrasburgo», está claramente situado na parte do referido acórdão que recorda os antecedentes do litígio, de modo que nenhuma consequência jurídica pode verdadeiramente ser daí retirada. A posição especialmente rígida adotada pela República Francesa a este respeito é consideravelmente enfraquecida pelo facto de que, a partir do ano 2001, os períodos de sessões plenárias mensais se efetuam apenas entre segunda‑feira e quinta‑feira, sem que a República Francesa tenha então manifestado qualquer oposição (34).

55.      Deste modo, não se pode simplesmente proceder ao teste da legalidade das deliberações impugnadas confrontando‑as com uma regra claramente estabelecida que fixa a duração dos períodos de sessões plenárias mensais. Nestas condições, o exercício da fiscalização do Tribunal de Justiça exige a realização de um teste mais completo.

c)      O teste da coerência global

56.      A inexistência de regra explícita conjugada com a evolução natural do papel do Parlamento e, portanto, dos seus trabalhos, torna evidente a necessidade de efetuar uma interpretação dinâmica dos protocolos, que respeite os princípios de respeito mútuo impostos pelo Tribunal de Justiça no âmbito do seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. Por conseguinte, a análise deve ser mais global, e, assim, a duração, stricto sensu, deixa de ser determinante para a decisão sobre a legalidade das deliberações impugnadas, passando a ser determinante a coerência global dos calendários.

57.      Deste modo, o teste da coerência global desenrola‑se em dois momentos.

58.      Em primeiro lugar, é a integralidade dos calendários de trabalho para os anos 2012 e 2013 que deve ser apreciada, considerando‑se, nomeadamente, a frequência e a duração dos doze períodos de sessões plenárias mensais previstos.

59.      Em seguida, se for necessária, a constatação de uma rutura no ritmo ou de uma incoerência na organização dos calendários não deve conduzir automaticamente o Tribunal de Justiça a concluir por uma violação dos protocolos, uma vez que resulta do seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, o reconhecimento ao Parlamento da possibilidade de justificar tais irregularidades. A este respeito, além dos diferentes motivos de justificação de tipo conjuntural que podem ser avançados, o Tribunal de Justiça deve mostrar‑se particularmente atento à preservação do bom funcionamento da instituição e do bom desenrolar dos seus processos.

60.      Da aplicação deste teste às deliberações impugnadas, teste que me parece o mais apto para preservar o equilíbrio que o Tribunal de Justiça se esforçou por atingir e aquele que melhor respeita tanto competência dos Estados‑Membros de fixarem a sede do Parlamento como a competência do Parlamento de decidir a sua organização interna, o que se conclui?

i)      A realização de dois períodos de sessões plenárias mensais na mesma semana do mês de outubro constitui uma incoerência

61.      Em relação aos anos 2012 e 2013, as deliberações impugnadas preveem, para cada mês do ano exceto os meses de agosto e de outubro, que um período de sessão plenária mensal decorra num período de quatro dias (mais precisamente de segunda‑feira às 17 horas a quinta‑feira às 17 horas). No que respeita aos meses de outubro, e na sequência da adoção de uma alteração que propôs «suprimir o período da sessão 40» e «dividir o período da sessão de outubro II» (35), decorrem na mesma semana duas sessões de dois dias (de segunda‑feira a terça‑feira e, em seguida, de quinta‑feira a sexta‑feira).

62.      Deste modo, resulta de uma apreciação perfeitamente objetiva dos calendários que as deliberações impugnadas aprovaram uma rutura da regularidade do ritmo das sessões. Por conseguinte, é dificilmente contestável que, apesar de a inexistência do período de sessão no mês de agosto provocar necessariamente uma irregularidade no calendário, uma vez que devem decorrer duas sessões num mesmo mês, esta irregularidade é, no que respeita aos anos 2012 e 2013, aumentada pela diferença de duração em relação aos outros meses do ano, ao longo dos quais deve ser realizado um período de sessão plenária mensal, que abrange quatro dias.

ii)    Falta de justificação

63.      Todavia, como já recordei, o Parlamento pode adotar, por força do seu poder de organização interna, as medidas adequadas para assegurar o seu bom funcionamento e o desenrolar dos seus processos. Além disso, o Tribunal de Justiça, também no seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido, não se pronunciou em sentido diferente, uma vez que admitiu que podem ser introduzidas derrogações ao princípio da realização de doze períodos de sessões plenárias ordinárias, desde que sejam justificadas (36). Por conseguinte, os protocolos não podem ser interpretados numa maneira que negue esta competência de organização interna.

64.      O facto de os dois períodos de sessões plenárias mensais planificados para os meses de outubro dos anos 2012 e 2013 não terem uma duração equivalente à dos outros meses do ano é, assim, justificável.

65.      Todavia, importa constatar que o Parlamento é pouco convincente em relação às razões suscetíveis de justificar, ou, pelo menos, de explicar, por que motivo as deliberações impugnadas reduziram a duração dos dois períodos de sessões plenárias dos meses de outubro 2012 e 2013 para dois dias.

66.      Por um lado, há que admitir que a argumentação jurídica do Parlamento é constantemente perturbada pela sua vontade, claramente reivindicada, de poder determinar a sua sede, a tal ponto que não é fácil distinguir entre o que depende das necessidades reais do Parlamento em termos de organização dos seus trabalhos e o que depende de uma manipulação orientada da sua competência de organização interna com o objetivo de contornar as regras que lhe são impostas pelo direito primário. Ora, o reconhecimento da liberdade de fixar a sua sede ao Parlamento, por muito desejável que possa ser, não pode ser feito pelo exercício da sua competência de organização interna, exige, em contrapartida, um trabalho de revisão do direito primário, que, eventualmente, pode ser iniciado pelo Parlamento (37).

67.      Por outro lado, o Parlamento não avançou nenhum motivo especial que permita compreender a razões pelas quais devem ser organizadas, conforme previsto nas deliberações impugnadas, as sessões plenárias do mês de outubro.

68.      Afirmou que a sessão orçamental, que, segundo os protocolos, deve decorrer em Estrasburgo, não reveste, neste momento e na sequência das alterações sucessivas do processo orçamental, a mesma importância que tinha no momento em que a decisão de Edimburgo foi adotada. Apesar do facto de o exercício, por parte do Parlamento, da sua competência orçamental constituir um momento fundamental da vida democrática da União e, por conseguinte, dever ser executado com toda a atenção, rigor e compromisso que tal responsabilidade exige, não cabe ao Tribunal de Justiça impor a priori uma duração média da sessão orçamental. No entanto, mesmo admitindo — o que não me convence — que tal sessão possa decorrer com uma duração mais limitada em relação à dos outros períodos de sessões plenárias mensais, isto não oculta o facto de que o segundo período de sessão plenária mensal previsto para a mesma semana do mês de outubro dos anos 2012 e 2013, que não é a sessão orçamental, passou a ter, sem razão aparente, uma duração mais curta que as sessões plenárias mensais dos outros meses do ano.

69.      A este respeito, é pouco convincente considerar desde já, que, por exemplo, a atividade do Parlamento na sessão plenária mensal do mês de outubro 2013, que não é consagrada ao orçamento, será aligeirada e que dois dias de sessão (38) serão suficientes. Uma rápida apreciação da ordem do dia das últimas sessões plenárias mensais mostra uma agenda particularmente preenchida, que se desenrola em quatro dias (39). Interrogado sobre este ponto na audiência, o representante do Parlamento não explicou com detalhe a razão, fora da hipótese da sessão orçamental, que permite presumir que a ordem do dia do outro período de sessão previsto no mês outubro será aligeirada, chegando mesmo a reconhecer que não é possível ao Parlamento antecipar, no momento da votação sobre o seu calendário, o conteúdo da ordem do dia das diferentes sessões.

70.      O argumento relativo ao aumento dos trabalhos do Parlamento em comissão, em detrimento do trabalho em plenário, é de facto interessante e reflete, certamente, uma evolução real na organização dos trabalhos do Parlamento. Dito isto, mais uma vez, continuo sem perceber porque é que só está em causa a duração deste período de sessão de outubro.

71.      Por último, o Parlamento invocou igualmente que as deliberações impugnadas devem ser lidas à luz dos custos gerados pela pluralidade dos locais de trabalho do Parlamento, custos que sobressaem ainda mais num contexto de crise económica. Trata‑se inegavelmente do argumento mais forte. De facto, o contexto atual impõe a realização de uma reflexão sobre este tema. Não é menos verdade que, tendo em conta a repartição das competências operada pelos Tratados, esta responsabilidade incumbe aos Estados‑Membros. Acrescento que, em meu entender, estes custos fazem parte das «obrigações inerentes» à pluralidade dos locais de trabalho do Parlamento que o Tribunal de Justiça evocou no seu acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (40). Dado que o protocolo exige, em todo caso, doze períodos de sessões plenárias mensais, a realização, num mesmo mês, de dois períodos de sessões plenárias, em que cada um tem uma duração equivalente à dos outros meses do ano, não representa um custo suplementar em relação ao que resulta da realização, durante todo o ano, de tal período mensal, incluído o mês de agosto.

72.      Consequentemente, o Parlamento nem avançou razões conjunturais suscetíveis de justificar uma adaptação pontual do seu calendário nem demonstrou que a realização, no mês de outubro, de dois períodos de sessões plenárias ordinárias com uma duração equivalente à dos outros meses do ano impede o seu bom funcionamento ou prejudica o desenrolar dos seus processos.

d)      Conclusão

73.      Tendo em conta a sistematização dos calendários para os anos 2012 e 2013, parece evidente que os dois períodos de sessão previstos para a mesma semana do mês de outubro dos anos 2012 e 2013 abrangem, de facto, um único período de sessão, o que permite legitimamente presumir, devido à falta de explicações convincentes por parte do Parlamento no âmbito do presente processo, que foi artificialmente dividido em dois para responder, de maneira não menos artificial, às exigências fixadas pelos protocolos.

74.      Deste modo, há que concluir que os dois períodos de sessão fixados na mesma semana do mês de outubro não podem ser qualificados, considerados individualmente, como períodos de sessões plenárias mensais na aceção dos protocolos. Assim, as deliberações impugnadas não fixam, para os anos 2012 e 2013, os doze períodos de sessões plenárias mensais exigidos pelos referidos protocolos.

75.      Por conseguinte, o único fundamento invocado no âmbito dos presentes recursos pela República Francesa é procedente e deve ser acolhido.

V —    Quanto às despesas

76.      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a República Francesa apresentou requerimento nesse sentido, o Parlamento deve ser condenado nas despesas.

77.      De acordo com o artigo 69.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o Grão‑Ducado do Luxemburgo suportará as suas próprias despesas.

VI — Conclusão

78.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare o seguinte:

«1)      As deliberações do Parlamento Europeu, de 9 de março de 2011, relativas ao calendário dos períodos de sessão do Parlamento para o ano 2012 e ao calendário dos períodos de sessão do Parlamento para o ano 2013 são anuladas, na parte em que fixam na mesma semana, para o mês de outubro dos anos em causa, dois períodos de sessões plenárias ordinárias com uma duração reduzida em relação aos períodos que devem decorrer ao longo dos outros meses do ano, apesar de tal diferença não se justificar.

2)      O Parlamento Europeu é condenado nas despesas.

3)      O Grão‑Ducado do Luxemburgo suportará as suas próprias despesas.»


1 —      Língua original: francês.


2 —      V. artigo único dos referidos protocolos, alínea a).


3 —      Ou seja, o período de 1 a 4 de outubro de 2012 e o período de 30 de setembro a 3 de outubro de 2013.


4 —      Com efeito, apenas difere a menção ao ano a que se refere o calendário dos trabalhos do Parlamento.


5 —      Acórdão de 1 de outubro de 1997 (C‑345/95, Colet., p. I‑5215).


6 —      O recorrido refere, a este respeito, acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento (294/83, Recueil, p. 1339, n.os 25 e segs.); de 23 de março de 1993, Weber/Parlamento (C‑314/91, Colet., p. I‑1093, n.° 12); assim como acórdão do Tribunal Geral de 10 de abril de 2003, Le Pen/Parlamento (T‑353/00, Colet., p. II‑1729, n.° 77).


7 —      A República Francesa apoia‑se especialmente nos acórdãos de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento (230/81, Recueil, p. 255, n.° 30); de 22 de setembro de 1988, França/Parlamento (358/85 e 51/86, Colet., p. 4821, n.° 15); assim como de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento (C‑213/88 e C‑39/89, Colet., p. I‑5643, n.° 16).


8 —      Acórdão de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento, já referido (n.° 15).


9 —      Acórdão de 23 de março de 1993 (C‑314/91, Colet., p. I‑1093).


10 —      Acórdão Weber/Parlamento, já referido (n.os 9 e 10).


11 —      Ibidem (n.° 11).


12 —      Acórdão de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento, já referido (n.os 26 e 27). Para uma demonstração específica do reconhecimento implícito do caráter decisório de uma alteração do regimento do Parlamento, v. acórdão de 30 de março de 2004, Rothley e o./Parlamento (C‑167/02 P, Colet., p. I‑3149).


13 —      Despacho de 4 de junho de 1986, Grupo dos direitos Europeus/Parlamento (78/85, Recueil, p. 1753, n.° 11).


14 —      Despacho de 22 de maio de 1990, Blot e Front national/Parlamento (C‑68/90, Colet., p. I‑2101, n.os 10 e 11).


15 —      V. n.° 16 das conclusões do advogado‑geral C. Lenz no processo que deu origem ao acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido. O advogado‑geral G. Mancini já anteriormente se tinha pronunciado sobre a possibilidade de os atos de organização interna produzirem efeitos jurídicos [v. as suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento, já referido (especialmente p. 302)].


16 —       Acórdão de 16 de dezembro de 1960, Humblet/Estado Belga (6/60, Recueil, p. 1125, Colet.,1954‑1961, p. 545)


17 —      V. n.os 9 e segs. das conclusões do advogado‑geral C. Lenz no processo que deu origem ao acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido.


18 —      Acórdão de 10 de fevereiro de 1983, Luxemburgo/Parlamento, já referido (n.° 30).


19 —      Acórdão de 28 de novembro de 1991, Luxemburgo/Parlamento, já referido (n.° 16).


20 —      Na audiência, o representante do Parlamento reduziu este número para 34 dias, uma vez que as sessões plenárias mensais só começam segunda‑feira às 17 h e terminam quinta‑feira à mesma hora.


21 —      Acórdão de 10 de julho de 1986 (149/85, Recueil, p. 2391, n.° 16).


22 —      O Parlamento, referindo um estudo do ano de 2007, avançou o número de 19 000 toneladas de dióxido de carbono. A República Francesa, referindo outro estudo do ano de 2012, avalia o custo ambiental das deslocações a Estrasburgo em 4 699 toneladas de dióxido de carbono. No que respeita ao custo económico, com base num estudo do ano de 2011, o Parlamento avança o número de 160 milhões de euros. A República Francesa, por seu turno, referindo o estudo de cálculo do custo ambiental, avalia em 51 milhões de euros o montante dos custos inerentes à fixação da sede do Parlamento em Estrasburgo.


23 —      Acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido (n.° 24).


24 —      Ibidem, já referido (n.° 25).


25 —      Ibidem, já referido (n.° 26).


26 —      Ibidem, já referido (n.° 28).


27 —      Ibidem, já referido (n.° 29).


28 —      Ibidem, já referido (n.° 31).


29 —      Ibidem, já referido (n.° 32).


30 —      Ibidem, já referido (n.° 32).


31 —      V. acórdão Wybot, já referido (n.° 16).


32 —      Para efeitos da determinação do âmbito de aplicação ratione temporis da imunidade parlamentar de um deputado europeu.


33 —      Acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido (n.° 25). O sublinhado é meu.


34 —      Nesta medida, o facto de que a República Francesa não se ter oposto a tal alteração da prática quando esta era, em proporção e segundo o Parlamento, bastante mais importante do que a introduzida pelas deliberações impugnadas, não tem incidência na apreciação que o Tribunal de Justiça é atualmente convidado a fazer às referidas deliberações.


35 —      V. n.° 8 das presentes conclusões.


36 —      V. acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento, já referido (n.° 33).


37 —      V. artigo 48.° TUE.


38 —      Para ser totalmente preciso, de segunda‑feira a terça‑feira ou de quinta‑feira a sexta‑feira.


39 —      Para convencer, basta considerar a ordem do dia da última sessão plenária realizada pelo Parlamento em Estrasburgo de 2 a 5 de julho de 2012 (v. documento da sessão de 2 de julho de 2012, n.° 491.927).


40 —      Já referido (n.° 32).