Language of document : ECLI:EU:C:2015:186

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 19 de março de 2015 (1)

Processo C‑153/14

Minister van Buitenlandse Zaken

contra

K e A

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos)]

«Diretiva 2003/86/CE — Reagrupamento familiar — Nacionais de países terceiros — Artigo 7.°, n.° 2 — Medidas de integração — Prova de conhecimentos básicos da língua oficial e de conhecimentos relativos à cultura do país»





I –    Introdução

1.        O presente processo tem por objeto a questão de saber se se pode exigir a um nacional de um país terceiro a aprovação num exame sobre a língua e a cultura de um Estado‑Membro antes de se autorizar a sua entrada, no âmbito de um reagrupamento familiar, nesse Estado‑Membro, em que já reside de forma legal o seu cônjuge, igualmente nacional de um país terceiro.

2.        Neste contexto, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o artigo 7.° da Diretiva 2003/86 (2) relativa ao direito ao reagrupamento familiar (a seguir «diretiva sobre o reagrupamento familiar») e a apreciar a questão de saber se o exame em causa constitui uma «medida de integração» admissível, que o Estado‑Membro pode, ao abrigo da referida disposição, impor a um nacional de um país terceiro que pretende beneficiar do reagrupamento.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

3.        O conceito de medida de integração é utilizado não só na diretiva sobre o reagrupamento familiar, mas também na Diretiva 2003/109 (3) relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (a seguir «diretiva relativa aos residentes de longa duração») e na Diretiva 2009/50 (4) relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (a seguir «diretiva relativa ao emprego altamente qualificado»).

1.      Diretiva sobre o reagrupamento familiar

4.        De acordo com o seu artigo 1.°, a diretiva sobre o reagrupamento familiar tem por objetivo estabelecer «as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros».

5.        O capítulo IV da diretiva tem como título «Requisitos para o exercício do direito ao reagrupamento familiar». No seu artigo 7.°, n.° 2, este capítulo contém as regras relativas às medidas de integração, determinando o seguinte:

«Os Estados‑Membros podem exigir que os nacionais de países terceiros cumpram medidas de integração, em conformidade com o direito nacional.

No que respeita aos refugiados e/ou familiares dos refugiados a que se refere o artigo 12.°, as medidas de integração mencionadas no primeiro parágrafo só poderão ser aplicadas depois de concedido o reagrupamento familiar aos interessados.»

6.        No capítulo VII («Sanções e recursos»), o artigo 17.° da diretiva dispõe:

«Em caso de indeferimento de um pedido, de retirada ou não renovação de uma autorização de residência, bem como de decisão de afastamento do requerente do reagrupamento ou de familiares seus, os Estados‑Membros devem tomar em devida consideração a natureza e a solidez dos laços familiares da pessoa e o seu tempo de residência no Estado‑Membro, bem como a existência de laços familiares, culturais e sociais com o país de origem.»

2.      Diretiva relativa aos residentes de longa duração 

7.        Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da diretiva relativa aos residentes de longa duração, um Estado‑Membro pode exigir que um nacional de um país terceiro, que pretende adquirir o estatuto de residente de longa duração, preencha «condições de integração» em conformidade com o direito nacional.

8.        Apresentando o residente de longa duração num Estado‑Membro um pedido de título de residência num segundo Estado‑Membro, este último pode exigir, de acordo com o n.° 3 do artigo 15.° da diretiva relativa aos residentes de longa duração, que o interessado cumpra medidas de integração em conformidade com o direito nacional, desde que não lhe tenha sido anteriormente exigido que preenchesse condições de integração para adquirir o estatuto de residente de longa duração, em conformidade com o n.° 2 do artigo 5.° da diretiva relativa aos residentes de longa duração.

3.      Diretiva relativa ao emprego altamente qualificado 

9.        A diretiva relativa ao emprego altamente qualificado privilegia determinados nacionais de países terceiros, a fim de fomentar a sua imigração. O artigo 15.°, n.° 3, desta diretiva prevê:

«Em derrogação do [...] n.° 2 do artigo 7.° da [diretiva sobre o reagrupamento familiar], as condições e medidas de integração referidas [nessa disposição] só podem ser aplicadas depois de concedido o reagrupamento familiar aos interessados.»

B –    Direito neerlandês

10.      Nos termos do direito neerlandês, o cônjuge que pretende beneficiar do reagrupamento deve demonstrar, antes da sua entrada, conhecimentos básicos da língua neerlandesa correspondentes ao nível A1 (5) do quadro europeu de referência de línguas estrangeiras modernas (6) e conhecimentos básicos sobre a sociedade neerlandesa.

11.      Para apresentar a referida prova, o interessado deve ser aprovado num exame de integração cívica sujeito a custos. Quem não pagar estes custos, num montante de 350 euros, não será admitido ao exame.

12.      Em caso de impedimento físico ou psíquico grave, pode ser concedida dispensa do exame de integração cívica.

13.      Além disso, a pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento pode invocar uma cláusula de salvaguarda, quando, em virtude de circunstâncias individuais muito específicas, se encontre permanentemente impossibilitada de ser aprovada no exame e demonstre que envidou todos os esforços que lhe podiam ser razoavelmente exigidos para tal.

14.      Por último, os nacionais de determinados países terceiros estão igualmente isentos da obrigação de realizar o exame.

III – Factos do processo principal e questões prejudiciais

15.      A Sr.ª K., de nacionalidade azerbaijana, e a Sr.ª A., de nacionalidade nigeriana, pretendem entrar no território dos Países Baixos, ondem já residem os seus respetivos cônjuges, igualmente nacionais de países terceiros (7).

16.      A fim de serem dispensadas do exame de integração cívica, invocaram afeções físicas e psíquicas. Porém, as autoridades competentes não consideraram essas afeções suficientemente graves e indeferiram os pedidos apresentados pela Sr.ª K. e pela Sr.ª A.

17.      O Raad van State, ao qual compete agora decidir do litígio, tem dúvidas quanto à compatibilidade das disposições neerlandesas relativas ao exame de integração cívica com a diretiva sobre o reagrupamento familiar. Este órgão jurisdicional solicita ao Tribunal de Justiça que se pronuncie a título prejudicial sobre as seguintes questões:

1)      a)      Deve o termo «medidas de integração» — contido no artigo 7.°, n.° 2, da [diretiva sobre o reagrupamento familiar]— ser interpretado no sentido de que as autoridades competentes dos Estados‑Membros podem exigir a um familiar de um requerente do reagrupamento familiar que demonstre ter conhecimentos da língua oficial desse Estado‑Membro de nível correspondente ao nível A1 do quadro europeu de referência de línguas estrangeiras modernas, bem como conhecimentos básicos sobre a sociedade desse Estado‑Membro, antes de essas autoridades autorizarem a entrada e permanência deste familiar?

      b)      Para a resposta a esta questão é relevante que, também no quadro do [exame] da proporcionalidade descrito no Livro Verde da Comissão Europeia de 15 de novembro de 2011 relativo ao reagrupamento familiar [(8)], segundo a legislação nacional que contém a exigência referida na questão 1.a, o pedido de autorização de entrada e permanência só não seja indeferido, ressalvada a circunstância de o familiar ter demonstrado que está permanentemente impossibilitado de ser aprovado no exame [...] de integração cívica referido no artigo 3.98a devido a um impedimento físico ou psíquico, se ocorrer uma combinação de circunstâncias individuais muito especiais que justifique a presunção de que o [familiar] está permanentemente impossibilitado de cumprir as medidas de integração?

2)      Opõe‑se a finalidade da [diretiva sobre o reagrupamento familiar] e, em especial, o seu artigo 7.°, n.° 2, tendo em conta o critério da proporcionalidade descrito no referido Livro Verde, a que os custos do exame que avalia o cumprimento, pelo familiar, das referidas medidas de integração ascendam a € 350,00 por cada vez que o exame é realizado, e a que o custo único do pacote de preparação para o exame ascenda a € 110,00?

IV – Apreciação jurídica

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

18.      A primeira questão prejudicial é composta por duas partes. Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o exame neerlandês de integração cívica pode ser considerado uma «medida de integração» na aceção do artigo 7.°, n.° 2, da diretiva sobre o reagrupamento familiar. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as autoridades neerlandesas, ao apenas isentarem da obrigatoriedade deste exame os familiares que pretendem beneficiar do reagrupamento em condições muito estritas, violam o princípio da proporcionalidade.

1.      O exame neerlandês de integração cívica como «medida de integração» na aceção do artigo 7.°, n.° 2, da diretiva sobre o reagrupamento familiar

19.      Enquanto elemento constitutivo do direito da União, o conceito de «medidas de integração» deve ser interpretado de forma autónoma.

20.      É certo que o direito da União não prevê qualquer definição do conceito de medidas de integração, que permita apreciar se o mesmo pode igualmente abranger exames de integração como o exame neerlandês. Porém, o termo «medidas» é suficientemente vasto para incluir um exame de integração (9).

21.      Esta situação não é tão‑pouco posta em causa pelo facto de o artigo 7.°, n.° 2, da diretiva sobre o reagrupamento familiar não estar redigido da mesma forma em todas as versões linguísticas. Ao passo que a maioria das versões linguísticas (10) refere «medidas de integração», a versão neerlandesa menciona «integratievoorwarden», isto é, condições de integração.

22.      Por um lado, a redação da versão neerlandesa pode ser entendida precisamente no sentido de que é possível exigir‑se um exame de integração cívica como condição para o reagrupamento familiar.

23.      Por outro lado, as «medidas de integração» na aceção do artigo 7.°, n.° 2, da diretiva sobre o reagrupamento familiar foram concebidas, independentemente da redação de cada versão linguística, como uma «condição» para o reagrupamento familiar, como indica o título do capítulo IV da diretiva sobre o reagrupamento familiar. A questão de saber se a medida de integração em causa foi suficientemente cumprida e se, portanto, a «condição para o exercício do direito ao reagrupamento familiar» na aceção do capítulo IV está preenchida, deve poder ser verificável pelo respetivo Estado‑Membro, sobretudo porque a integração de nacionais de países terceiros constitui um dos objetivos da diretiva.

24.      Neste contexto, não se excluiu do ponto de vista conceptual, sistemático ou teleológico, que uma medida de integração na aceção da diretiva sobre o reagrupamento familiar abranja um exame mediante o qual se demonstre o preenchimento de uma condição para o reagrupamento familiar relativa à integração.

25.      Além disso, o facto de um exame neste sentido poder, em regra, ser previamente exigido da pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento é demonstrado pelo artigo 7.°, n.° 2, segundo parágrafo, da diretiva sobre o reagrupamento familiar, que exclui as medidas de integração antes do reagrupamento familiar apenas no caso dos refugiados, bem como pelo artigo 15.°, n.° 3, da diretiva relativa ao emprego altamente qualificado, que concede o mesmo benefício aos membros da família deste grupo privilegiado de imigrantes.

26.      Da diretiva relativa aos residentes de longa duração, objeto de consulta ao mesmo tempo que a diretiva sobre o reagrupamento familiar, não é tão‑pouco possível extrair quaisquer argumentos que se oponham de forma imperativa à associação das medidas de integração na aceção da diretiva sobre o reagrupamento familiar à aprovação num exame.

27.      De acordo com a diretiva relativa aos residentes de longa duração, o nacional de um país terceiro pode ser sujeito a «condições de integração» num primeiro Estado‑Membro, não necessitando contudo, caso tenha preenchido essas condições, de cumprir outras «medidas de integração» num segundo Estado‑Membro, se aí solicitar um título de residência.

28.      A distinção conceptual entre «condição de integração» e «medida de integração» levou o advogado‑geral M. Szpunar a concluir, no que se refere à diretiva relativa aos residentes de longa duração, que as simples medidas de integração não podem impor quaisquer «condições»; em particular, elas não devem ser, «nem de jure, nem de facto, um instrumento de seleção das pessoas ou de controlo da imigração» (11).

29.      Há que aguardar para saber se o Tribunal de Justiça segue esta tese. Independentemente disso, não é, contudo, necessário interpretar da mesma forma o conceito de medidas de integração na diretiva sobre o reagrupamento familiar e na diretiva relativa aos residentes de longa duração (12). Com efeito, as situações reguladas pelas diretivas são distintas.

30.      A diferença conceptual existente entre medida e condição na diretiva relativa aos residentes de longa duração explica‑se pelo facto de se pretender evitar que nacionais de países terceiros com direito de residência permanente, que já foram aprovados num exame de integração num primeiro Estado‑Membro e, por conseguinte, preencheram uma condição de integração aí prevista, devam submeter‑se a novos exames de integração noutro Estado‑Membro. A entrada pela primeira vez de familiares na União, situação que é objeto da diretiva sobre o reagrupamento familiar, apresenta, em contrapartida, uma qualidade diferente: não se verifica na diretiva sobre o reagrupamento familiar qualquer razão para uma diferença conceptual como a existente na diretiva relativa aos residentes de longa duração, visto que a Primeira Diretiva diz respeito ao reagrupamento familiar em território da União, e não há o risco de se deverem cumprir novamente medidas de integração depois de já terem sido preenchidas, noutro lugar, condições de integração.

31.      Como requisito de entrada, o exame neerlandês de integração cívica pode, portanto, ser entendido como «medida de integração» na aceção do artigo 7.°, n.° 2, da diretiva sobre o reagrupamento familiar, independentemente da terminologia utilizada pela diretiva relativa aos residentes de longa duração (13).

32.      No entanto, a medida neerlandesa em causa deve também ser proporcionada relativamente ao objetivo de integração visado e não deve comprometer o efeito útil da diretiva sobre o reagrupamento familiar (14), o que será seguidamente objeto de análise tendo em conta o critério da proporcionalidade.

2.      Quanto à proporcionalidade do exame neerlandês de integração cívica

33.      Segundo o Reino dos Países Baixos, o exame de integração cívica destina‑se a melhorar a posição de partida das pessoas a reagrupar nos Países Baixos, promovendo, deste modo, a sua integração na sociedade neerlandesa.

34.      Por conseguinte, a legislação neerlandesa prossegue objetivos legítimos, que visam integrar as pessoas a reagrupar (15), servindo‑se para tal de meios adequados. Com efeito, a aprendizagem da língua do país de acolhimento constitui uma condição essencial para a integração (16). Os conhecimentos linguísticos não só melhoram as perspetivas dos nacionais de países terceiros no mercado de trabalho (17), como também lhes permitem procurar assistência no país de acolhimento, de forma autónoma, em situações de emergência (18). Além disso, conhecimentos básicos sobre a sociedade familiarizam as pessoas a reagrupar com importantes regras elementares de convivência (19), o que pode ajudar a evitar mal‑entendidos e infrações.

35.      É certo que o impacto dos cursos de línguas e de integração realizados no próprio Estado‑Membro de acolhimento poderá ser maior do que o de formações concluídas no estrangeiro. No entanto, isto não afeta a necessidade da medida de integração escolhida pelos Países Baixos e aplicada antes do reagrupamento familiar. Com efeito, os Países Baixos pretendem precisamente contribuir para uma melhor posição de partida das pessoas a reagrupar. Por conseguinte, cursos iniciados somente após a entrada no seu território não teriam a mesma eficácia.

36.      O exame de integração cívica apresenta também, em princípio, uma estrutura adequada: os conhecimentos linguísticos correspondentes ao nível A1 do quadro europeu de referência, como exigidos no exame de integração cívica, constituem conhecimentos básicos elementares, que se podem adquirir em circunstâncias normais — especialmente com ajuda de material de preparação apropriado (20) — sem grandes dificuldades.

37.      Tendo ainda em conta que o reagrupamento na União de familiares provenientes de um país terceiro constitui uma decisão pessoal de grande importância, é também lógico exigir às pessoas que pretendem beneficiar do reagrupamento que se debrucem previamente sobre as características gerais do país de acolhimento e as suas regras, tanto mais que isto é no interesse não só do país de acolhimento, como também no interesse das próprias pessoas a reagrupar.

38.      O facto de se prescindir do exame de integração cívica relativamente a nacionais de determinados países terceiros — por exemplo, Canadá ou Estados Unidos da América —, não implica necessariamente que o regime neerlandês seja incoerente, uma vez que, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, alínea a), da diretiva sobre o reagrupamento familiar, o Reino dos Países Baixos é livre de, com base em acordos bilaterais, conceder um tratamento privilegiado face ao disposto na diretiva a determinados países terceiros. Por maioria de razão, o mesmo se deve aplicar às medidas de integração nacionais, cuja adoção o legislador da União deixou à discricionariedade dos Estados‑Membros.

39.      Não obstante, a legislação neerlandesa não será adequada, se as circunstâncias individuais não forem tidas suficientemente em conta aquando da sua aplicação (21). Decorre do artigo 17.° da diretiva sobre o reagrupamento familiar, de acordo com o qual devem ser tomadas em devida consideração, designadamente, a natureza e a solidez dos laços familiares, que um pedido de reagrupamento deve ser apreciado essencialmente com base numa análise casuística.

40.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, estão totalmente isentos do exame de integração cívica os nacionais de países terceiros a quem é concedido um tratamento privilegiado, bem como os requerentes com deficiência grave. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio chamou a atenção para uma cláusula de salvaguarda, cuja aplicação pressupõe que o requerente esteja permanentemente impossibilitado de, devido a circunstâncias individuais muito especiais, ser aprovado no exame e demonstre ter envidado todos os esforços que lhe podiam ser razoavelmente exigidos para ser aprovado no referido exame.

41.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar quais as situações que podem ser abrangidas por esta cláusula de salvaguarda em conformidade com o direito neerlandês.

42.      À luz dos objetivos prosseguidos pela diretiva, a cláusula de salvaguarda — e com ela a legislação neerlandesa relativa ao exame de integração cívica — só é, todavia, adequada, se tiver em conta a situação individual do requerente e, em particular, os seus conhecimentos linguísticos e os seus horizontes educacionais, isentando‑o da obrigatoriedade do exame perante impossibilidade comprovada.

43.      A este respeito, além do estado de saúde do interessado, das suas capacidades cognitivas e do seu nível de educação, podem igualmente assumir relevância fatores como a disponibilidade de material de preparação compreensível pelo interessado, os custos a suportar e a pressão em termos de tempo.

44.      Nem sempre se pode esperar que a pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento, que não domine nenhuma das 18 línguas em que o material de formação que pode ser utilizado para preparar o exame está disponível, aprenda, num primeiro momento, uma dessas 18 línguas, a fim de, num segundo momento, com a ajuda desse material, iniciar a preparação para o exame propriamente dita.

45.      Além disso, a não aprovação no exame de integração cívica não deve conduzir automaticamente à recusa do reagrupamento familiar, se num caso específico existirem razões que imponham a autorização do mesmo. Se a legislação neerlandesa permitir tomar concretamente em conta estes aspetos, em particular através da cláusula de salvaguarda, ela não será incompatível com a diretiva sobre o reagrupamento familiar.

46.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se é este o caso.

47.      Por conseguinte, a diretiva em questão e o princípio da proporcionalidade não se opõem à aplicação de uma medida de integração como a que está em causa no processo principal, se a obrigação de exame que ela prevê não for aplicada em situações em que a mesma não possa razoavelmente ser imposta à pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento familiar, tendo em conta a sua situação individual, ou em que, devido a circunstâncias especiais do caso concreto, existam razões que, apesar da não aprovação no exame, imponham a autorização do reagrupamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa avaliação.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

48.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a diretiva sobre o reagrupamento familiar se opõe a uma legislação nacional, segundo a qual cada taxa de inscrição para a realização do exame de integração cívica ascende a € 350 e o custo único do material de preparação para o exame ascende a € 110.

49.      Segundo o Reino dos Países Baixos, as taxas cobradas correspondem aos custos reais, sendo, por conseguinte, proporcionadas. No caso de um requerente não dispor de meios suficientes para o pagamento das taxas, esta situação pode ser tida em conta através da aplicação da cláusula de salvaguarda.

50.      A diretiva sobre o reagrupamento familiar não regula se e em que medida os Estados‑Membros podem cobrar taxas, quando fazem uso da autorização que lhes é conferida nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da diretiva e impõem medidas de integração aos nacionais de países terceiros. Consequentemente, o legislador nacional dispõe de uma certa margem de manobra no âmbito da autonomia processual.

51.      No entanto, as taxas não devem ter por fim nem por efeito criar um obstáculo ao exercício do direito ao reagrupamento familiar, sob pena de prejudicar o objetivo prosseguido pela diretiva (22). Se as taxas tiverem um impacto financeiro considerável nos interessados, estas podem privar os nacionais de países terceiros da possibilidade de exercer o direito ao reagrupamento familiar concedido pela diretiva (23).

52.      Esse risco existe no caso em apreço.

53.      Taxas nos montantes indicados podem representar, em muitas partes do mundo, tendo em conta o rendimento per capita local, um encargo financeiro considerável. Assim, estas taxas poderão criar num caso concreto um obstáculo desproporcionado, o que prejudica o objetivo prosseguido pela diretiva, bem como o seu efeito útil, sobretudo porque as taxas de inscrição devem ser pagas por cada vez que o exame é realizado. Nestes casos, a solução poderia consistir, nomeadamente, na dispensa ou no adiamento do pagamento das taxas. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se e em que medida isto é possível em direito neerlandês.

54.      Por conseguinte, à segunda questão prejudicial há que responder que a diretiva sobre o reagrupamento familiar se opõe a disposições nacionais que associem um exame de integração cívica, como o que está em causa no processo principal, a taxas, se estas taxas e a sua cobrança forem suscetíveis de impedir a pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento familiar de exercer o correspondente direito.

V –    Conclusão

55.      Face ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais da forma seguinte:

1)      O artigo 7.°, n.° 2, da Diretiva 2003/86/CE, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, e o princípio da proporcionalidade não se opõem­ à aplicação de uma medida de integração como a que está em causa no processo principal, se a obrigação de exame que ela prevê não for aplicada em situações em que a mesma não possa razoavelmente ser imposta à pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento familiar, tendo em conta a sua situação individual, ou em que, devido a circunstâncias especiais do caso concreto, existam razões que, apesar da não aprovação no exame, imponham a autorização do reagrupamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa avaliação.

2)      A Diretiva 2003/86/CE opõe‑se a disposições nacionais que associem um exame de integração cívica, como o que está em causa do processo principal, a taxas, se estas taxas e a sua cobrança forem suscetíveis de impedir a pessoa que pretende beneficiar do reagrupamento familiar de exercer o correspondente direito.


1 —      Língua original: alemão.


2 —      Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12).


3 —      Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO L 16, p. 44).


4 —      Diretiva 2009/50/CE do Conselho, de 25 de maio de 2009, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (JO L 155, p. 17).


5 —      O nível A1 (principiante) é descrito do seguinte modo em http://www.europaeischer‑referenzrahmen.de: «Capaz de compreender e utilizar expressões correntes familiares e frases muito básicas destinadas a satisfazer necessidades concretas. Capaz de se apresentar a si próprio/a e a outros e capaz de formular perguntas e de responder a perguntas sobre informações pessoais, como, por exemplo, onde vive, que pessoas conhece e que objetos possui. Capaz de comunicar de forma simples, desde que a outra pessoa fale pausadamente e com clareza e esteja preparada para ajudar.»


6 —      V., a este respeito, http://www.coe.int/t/dg4/linguistic/source/framework_en.pdf.


7 —      Do pedido de decisão prejudicial não é possível inferir a nacionalidade dos cônjuges. Porém, na falta de indicações nesse sentido, parte‑se seguidamente do princípio de que não se trata de pessoas cuja posição jurídica é afetada por acordos especiais celebrados entre a União e países terceiros [v. acórdão Dogan (C‑138/13, EU:C:2014:2066)].


8 —      COM(2011) 735 final.


9 —      Quanto à demonstração de conhecimentos linguísticos adequados como condição para o reagrupamento familiar, v. a posição assumida pela República da Áustria (documento do Conselho n.° 10857/02, de 9 de agosto de 2002, p. 12, nota 3, e documento do Conselho n.° 14272/02, de 26 de novembro de 2002, p. 12, nota 1).


10 —      Por exemplo, as versões búlgara, dinamarquesa, alemã, inglesa, estónia, finlandesa, francesa, grega, italiana, polaca, portuguesa, sueca, eslovaca, espanhola, checa e húngara da diretiva.


11 —      Conclusões no processo P e S (C‑579/13, EU:C:2015:39, n.° 47).


12 —      V., porém, conclusões no processo P e S (C‑579/13, EU:C:2015:39, n.° 46).


13 —      Nem considerações em matéria de direito primário, nem a CEDH, a cujo artigo 8.° a diretiva faz referência no seu segundo considerando, se opõem a este entendimento. Assim, o artigo 8.° da CEDH não concede aos cônjuges qualquer direito incondicional de entrada ou de residência num determinado país; v., a este respeito, n.os 63 a 67 das minhas conclusões apresentadas em 8 de setembro de 2005 no processo Parlamento/Conselho (C‑540/03, EU:C:2005:517) e acórdãos do TEDH de 2 de agosto de 2001 no processo Boultif c. Suíça (n.° 54273/00), Recueil des arrêts et décisions 2001‑IX, § 39, bem como de 19 de fevereiro de 1996 no processo Gül c. Suíça (n.° 23218/94), no qual o TEDH no § 38 salienta: «Article 8 […] cannot be considered to impose on a State a general obligation to […] authorise family reunion in its territory». V., também, recentemente, o acórdão do TEDH de 25 de março de 2014, Biao c. Dinamarca (n.° 38590/10), § 53.


14 —      V. n.° 56 das conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Dogan (EU:C:2014:287), segundo o qual «a expressão ‘medidas de integração’ é suficientemente ampla para abranger também ‘obrigações de resultado’, sob condição, porém, de serem proporcionadas ao objetivo de integração visado pelo artigo 7.°, n.° 2, [da diretiva sobre o reagrupamento familiar] e de o efeito útil desta não ser comprometido».


15 —      V. o considerando 15, bem como o artigo 4.°, n.° 5, da diretiva.


16 —      V. quarto ponto dos Princípios Básicos Comuns para a Política de Integração dos Imigrantes na União Europeia (documento do Conselho n.° 14615/04, de 19 de novembro de 2004, p. 16), segundo o qual o conhecimento básico da língua, da história e das instituições da sociedade de acolhimento é indispensável para a integração.


17 —      V. Comissão Europeia, Agenda europeia para a integração dos nacionais de países terceiros, COM(2011) 455 final, p. 5.


18 —      Na audiência, o Governo alemão referiu que este aspeto é importante, por exemplo, no caso de mulheres forçadas ao casamento, visto que estas mulheres, se já dispusessem de conhecimentos básicos da língua do país aquando da sua entrada no território, poderiam procurar assistência mais facilmente.


19 —      A parte do exame respeitante aos conhecimentos básicos sobre a sociedade neerlandesa contém questões de importância prática sobre, por exemplo, se homens e mulheres têm os mesmos direitos nos Países Baixos, se existe separação entre o Estado e a igreja nos Países Baixos ou com que idade estão as crianças sujeitas à escolaridade obrigatória.


20 —      O Reino dos Países Baixos coloca à disposição um pacote de autoaprendizagem para preparar o exame. Este pacote está disponível em 18 línguas, devendo, portanto, ser imediatamente compreensível — de acordo com as declarações feitas pelo Governo neerlandês na audiência — para cerca de 75% dos examinandos.


21 —      V. acórdão Dogan (C‑138/13, EU:C:2014:2066, n.° 38).


22 —      V. acórdãos Comissão/Irlanda (C‑216/05, EU:C:2006:706, n.° 43) e Comissão/Países Baixos (C‑508/10, EU:C:2012:243, n.° 69).


23 —      V. acórdãos Comissão/Irlanda (C‑216/05, EU:C:2006:706, n.° 44) e Comissão/Países Baixos (C‑508/10, EU:C:2012:243, n.° 70).