Language of document : ECLI:EU:C:2011:173

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

Niilo JÄÄSKINEN

apresentadas em 24 de Março de 2011 (1)

Processo C‑323/09

Interflora Inc

Interflora British Unit

contra

Marks & Spencer plc

Flowers Direct Online Limited

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice of England and Wales, Chancery Division (Reino Unido)]

«Marcas – Publicidade a partir de palavras‑chave correspondentes à marca de um concorrente do anunciante – Marcas que gozam de prestígio – Ofuscamento – Depreciação – Aproveitamento (free‑riding) – Directiva 89/104 – Artigo 5.°, n.° 2 – Regulamento n.° 40/94 – Artigo 9.°, n.° 1, alínea c)»





I –    Introdução

1.        O presente processo tem por objecto o último pedido de decisão prejudicial de uma sequência de processos sobre a publicidade a partir de palavras‑chave num motor de busca na Internet.

2.        As partes no processo nacional oferecem ambas um serviço de entrega de flores. As sociedades demandantes (a seguir conjuntamente referidas como «Interflora») alegam que a demandada, Marks & Spencer (2), viola a marca INTERFLORA (3), essencialmente pelo facto de ter adquirido diversas sequências de sinais que correspondem ou se assemelham a esta marca como palavras-chave no serviço de publicidade AdWords oferecido pela Google.

3.        As quatro questões prejudiciais podem ser divididas em dois grupos.

4.        O primeiro grupo de questões tem por objecto os direitos conferidos a todas as marcas. As disposições relevantes constam do artigo 5.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (4) e o correspondente artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (5). Para este grupo de questões, as respostas podem ser encontradas nas decisões proferidas em 2010 nos processos Google France e Google (6), BergSpechte, eis.de e Portakabin (7). Estes processos referiam‑se ao «uso» por concorrentes, em serviços de referenciamento na Internet, de sinais idênticos às marcas de que eram titulares os demandantes nesses processos (8).

5.        O segundo grupo de questões constitui a novidade do presente processo: estas questões têm por objecto a protecção das marcas que gozam de prestígio. Em relação a estas marcas, os Estados‑Membros podem conceder uma protecção mais ampla, por força do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/109. Esta protecção alargada das marcas que gozam de prestígio (9), também prevista pelo artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento 40/94 sobre a marca comunitária, foi objecto de uma jurisprudência do Tribunal de Justiça menos numerosa do que a relativa à protecção geral referida no número anterior. As novas questões dizem respeito à protecção de uma marca que goza de prestígio e à questão de saber em que condições um concorrente ofusca esta marca (diluição por ofuscamento) ou tira partido indevido da mesma (aproveitamento) quando este concorrente compra uma correspondente palavra‑chave num serviço de referenciamento na Internet (10).

6.        De facto, a palavra «Interflora» desempenha três funções diferentes no presente processo. Em primeiro lugar, é um termo de pesquisa que pode ser digitado no motor de busca da Internet por iniciativa de um qualquer internauta. Em segundo lugar, é uma palavra‑chave, que os anunciantes adquiriram a um serviço de referenciamento de um operador de um motor de busca na Internet para desencadear a apresentação de um determinado anúncio. Em terceiro lugar, é um sinal com determinado significado que foi registado e está a ser utilizado como marca para indicar que determinados produtos ou serviços são provenientes de uma única fonte comercial.

7.        Importa mencionar, neste contexto, que a Comissão criticou certos aspectos da jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito de outras funções da marca diversas da função de indicação da origem, porque a considera errada e problemática do ponto de vista da segurança jurídica. Porém, verifica‑se que, neste pedido de decisão prejudicial, só a função relativa à indicação da origem dos produtos ou serviços é relevante para a aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104. Como também se verifica que a interpretação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 não conduz, no presente processo, a uma protecção desrazoavelmente ampla dos interesses do titular da marca. Creio, pois, que não é necessário aprofundar este tema.

8.        Dito isto, não se pode negar que o Tribunal de Justiça se encontra perante um desafio bastante difícil no tocante à aceitação da sua jurisprudência a respeito do artigo 5.° da Directiva 89/104, tendo também em vista as críticas formuladas por numerosos comentadores académicos e eminentes magistrados nacionais no domínio do direito das marcas (11).

9.        Contudo, entendo que estes problemas resultam, em parte, da redacção problemática do artigo 5.° da Directiva 89/104. Por conseguinte, a actual situação poderá ser melhor remediada por medidas legislativas adequadas do que por uma reorientação da jurisprudência, como mostra o exemplo do desenvolvimento da legislação federal dos Estados Unidos sobre a diluição da marca (12). Observo que, em Dezembro de 2010, a Comissão recebeu um estudo sobre o funcionamento global do regime das marcas na Europa, sendo de prever que estejam em vias de adopção novas medidas neste domínio (13).

II – Quadro jurídico

A –    Directiva 89/104

10.      O primeiro considerando da Directiva 89/104 enuncia (14):

«[...] as legislações actualmente aplicáveis nos Estados‑Membros em matéria de marcas comportam disparidades susceptíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum; [...] importa, pois, aproximar as legislações dos Estados‑Membros com vista ao estabelecimento e funcionamento do mercado interno.»

11.      O nono considerando da Directiva 89/104 refere:

«[...] é fundamental, para facilitar a livre circulação de produtos e serviços, providenciar para que as marcas registadas passem a usufruir da mesma protecção de acordo com a legislação de todos os Estados‑Membros; [...] tal não priva os Estados‑Membros da faculdade de conceder uma protecção mais ampla às marcas que gozem de prestígio.»

12.      O décimo considerando da Directiva 89/104 reza:

«[...] a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; [...] a protecção é igualmente válida em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; [...] é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; [...] o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção; [...] é do domínio das regras nacionais de processo que a presente directiva não prejudica a questão dos meios pelos quais o risco de confusão pode ser constatado, em especial o ónus da prova.»

13.      O artigo 5.° da Directiva 89/104, intitulado «Direitos conferidos pela marca», dispõe (15) (16):

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2.      Qualquer Estado‑Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado‑Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

[…]

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

[…]

d)      Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.

[…]

5. Os n.os 1 a 4 não afectam as disposições aplicáveis num Estado‑Membro relativas à protecção contra o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços, desde que a utilização desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

B –    Regulamento n.° 40/94

14.      O sétimo considerando do Regulamento n.° 40/94 (17) é idêntico mutatis mutandis ao décimo considerando da Directiva 89/104. Os artigos 8.°, n.° 5, 9.° e 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 correspondem, essencialmente, aos artigos 4.°, n.° 4, 5.° e 6.°, n.° 1, da Directiva 89/104.

15.      O artigo 9.° («Direito conferido pela marca comunitária») do Regulamento n.° 40/94 tem o seguinte teor:

«1.      A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)      Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

b)      Um sinal que, pela sua identidade ou semelhança com a marca comunitária e pela identidade ou semelhança dos produtos ou serviços abrangidos pela marca comunitária e pelo sinal, provoque o risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

c)      Um sinal idêntico ou similar à marca comunitária, para produtos ou serviços que não sejam similares àqueles para os quais a marca comunitária foi registada, sempre que esta goze de prestígio na Comunidade e que o uso do sinal sem justo motivo tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária ou lhe cause prejuízo.

2.      Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.° 1:

[…]

b)      Oferecer os produtos, colocá‑los no comércio ou possuí‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal;

[…]

d)      Utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.»

III – Litígio no processo principal e questões prejudiciais

A –    Serviço de referenciamento «AdWords»

16.      A Google explora um motor de busca na Internet. Quando um internauta faz uma busca a partir de uma ou de várias palavras, o motor de busca apresenta os sítios que melhor parecem corresponder a estas palavras, por ordem decrescente de pertinência. São os chamados resultados «naturais» da pesquisa.

17.      Por outro lado, a Google propõe um serviço remunerado de referenciamento, denominado «AdWords». Este serviço permite aos operadores económicos, mediante a selecção de uma ou várias palavras‑chave, fazer aparecer, em caso de concordância entre essa palavra ou essas palavras e a palavra ou as palavras constantes da pesquisa lançada por um internauta no motor de busca, um link publicitário para o seu sítio. Este link publicitário aparece na rubrica «links patrocinados», no lado direito do ecrã, à direita dos resultados naturais, ou na parte superior do ecrã, por baixo dos referidos resultados.

18.      Esse link publicitário é acompanhado de uma curta mensagem comercial. Constitui, juntamente com a mensagem, o anúncio («ad») que aparece sob a rubrica «links patrocinados».

19.      O anunciante paga por esse serviço de referenciamento um certo montante por cada clique no link publicitário. Esse montante é calculado em função, designadamente, do «preço máximo por clique» que o anunciante, quando celebrou o contrato de prestação de serviço de referenciamento com a Google, se dispôs a pagar, bem como do número de cliques dos internautas no referido link.

20.      A mesma palavra‑chave pode ser seleccionada por vários anunciantes. Deste modo, a ordem pela qual os referidos links publicitários são exibidos é determinada, designadamente, em função do preço máximo por clique, do número de cliques anteriores nos ditos links, bem como da qualidade do anúncio, avaliada pela Google. O anunciante pode, em qualquer momento, melhorar a sua posição na ordem de apresentação, fixando um preço máximo por clique mais elevado ou tentando melhorar a qualidade do seu anúncio.

21.      A Google criou um mecanismo automatizado para permitir a selecção de palavras‑chave e a criação de anúncios. Os anunciantes seleccionam as palavras‑chave, redigem a mensagem comercial e inserem o link para o seu sítio.

B –    O uso de palavras‑chave no litígio no processo principal

22.      A Interflora Inc., uma sociedade constituída no Estado de Michigan (Estados Unidos da América), explora uma rede mundial de serviços de entrega de flores. A Interflora British Unit é uma licenciada da Interflora Inc.

23.      A rede Interflora é constituída por floristas independentes aos quais podem ser feitas encomendas pessoalmente ou por telefone. A Interflora tem também sítios Web que permitem realizar encomendas através da Internet, as quais são executadas pela loja membro da rede mais próximo do endereço onde as flores serão entregues. Este serviço funciona através do sítio Web www.interflora.com. que, por sua vez, dá acesso a sítios Web específicos de países, como o www.interflora.co.uk.

24.      INTERFLORA é uma marca nacional do Reino Unido e é também uma marca comunitária (18). É pacífico que estas marcas adquiriram prestígio considerável no Reino Unido e noutros Estados‑Membros da União Europeia.

25.      A Marks & Spencer plc, uma sociedade de direito inglês, é uma das maiores retalhistas do Reino Unido. Vende a retalho uma grande variedade de produtos e presta serviços, tanto através de um grande número de lojas como online, no seu sítio Web www.marksandspencer.com. Uma das suas actividades é a venda e a entrega de flores. Esta actividade comercial está em concorrência com a da Interflora. A Marks & Spencer não faz parte da rede Interflora.

26.      No âmbito do serviço de referenciamento «AdWords», a Marks & Spencer reservou como palavras‑chave a palavra‑chave «interflora» e variantes compostas por esta palavra‑chave com «pequenas aproximações» e expressões contendo a palavra interflora (tais como «interflora flowers», «interflora delivery», «interflora.com», «interflora co uk») (19).

27.      Consequentemente, quando os internautas introduziam no motor de busca da Google, como termo de pesquisa, a palavra «interflora» ou uma dessas variantes ou expressões, aparecia um anúncio da Marks & Spencer sob a rubrica «links patrocinados».

28.      É pacífico que o anúncio exibido não continha nenhuma das expressões escolhidas como palavra‑chave referentes à Interflora; o anúncio também não exibia, de nenhuma outra forma, a marca da Interflora.

29.      Tendo constatado estes factos, a Interflora intentou uma acção contra a Marks & Spencer por violação dos seus direitos de marca no órgão jurisdicional nacional, o qual decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça várias questões prejudiciais.

C –    As questões prejudiciais

30.      Por despacho de 16 de Julho de 2009, a High Court of Justice of England and Wales, Chancery Division (a seguir «High Court») submeteu 10 questões prejudiciais, cujas quatro primeiras são as seguintes:

«1)      Numa situação em que um comerciante é concorrente do proprietário de uma marca registada e, através do seu sítio Web, vende produtos ou presta serviços idênticos aos protegidos pela marca: (i) escolhe um sinal idêntico à marca […] como palavra‑chave para o serviço de links patrocinados do operador de um motor de busca; (ii) designa o sinal como palavra‑chave, (iii) associa o sinal ao URL do seu sítio Web; (iv) estabelece o custo por clique que irá pagar em relação a essa palavra‑chave; (v) define o momento da apresentação do link patrocinado; e (vi) usa o sinal em correspondência comercial relativa à facturação e pagamento de contrapartidas ou à gestão da sua conta no operador do motor de busca, mas o link patrocinado em si mesmo não inclui o sinal ou outro sinal semelhante, estes actos ou algum deles constituem ‘uso’ do sinal pelo concorrente na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da [Directiva 89/104] e do artigo 9.°, n.° 1, alínea a) do [Regulamento n.° 40/94]?

2)      Algum desses usos é feito ‘relativamente’ a produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da [Directiva 89/104] e do artigo 9.°, n.° 1, do [Regulamento n.° 40/94]?

3)      Algum desses usos cai no âmbito de ambas ou de alguma das seguintes disposições:

a)      artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da [Directiva 89/104] e artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do [Regulamento n.° 40/94]; e

b)      artigo 5.°, n.° 2, da [Directiva 89/104] e artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do [Regulamento n.° 40/94]?

(4)      Para a resposta à questão 3, faz alguma diferença que:

a)      a apresentação do link patrocinado do concorrente, em resposta a uma pesquisa pelo utilizador através do sinal em questão, seja susceptível de induzir alguns elementos do público a pensar que, ao contrário da realidade, o concorrente é membro da rede comercial do proprietário da marca; ou

b)      o operador do motor de busca não permita que os proprietários da marca no Estado‑Membro da Comunidade em causa bloqueiem a escolha, por outras partes, de sinais idênticos às suas marcas, como palavras‑chave?»

31.      Na sequência do acórdão Google France e Google e após ter recebido, por ofício da Secretaria do Tribunal de Justiça de 23 Março de 2010, um pedido de esclarecimento, a High Court, por decisão de 29 de Abril de 2010, recebida no Tribunal de Justiça em 9 de Junho de 2010, retirou as questões prejudiciais n.os 5 a 10, mantendo, pois, unicamente as primeiras quatro questões citadas no número anterior. A High Court também reduziu a questão 3(b) à redacção reproduzida no número anterior.

32.      Foram apresentadas observações escritas pela Interflora, a Marks & Spencer, a República Portuguesa e a Comissão. Com excepção da República Portuguesa, todas estas partes participaram na audiência de 13 de Outubro de 2010 e apresentaram alegações orais. Para efeitos da audiência, o Tribunal de Justiça pediu às partes que concentrassem as suas alegações na questão 3(b).

IV – Análise

A –    Observações gerais

33.      Para efeitos da apreciação dos dois grupos de questões que esquematizei na introdução, começarei por fazer algumas observações gerais em relação à protecção oferecida pelo artigo 5.° da Directiva 89/104. Importa precisar liminarmente que a questão submetida será examinada apenas à luz do artigo 5.°, n.os 1, alínea a), e 2, da directiva, mas que a interpretação que proporei no termo deste exame será transponível, mutatis mutandis, para o artigo 9.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Regulamento n.° 40/94 (20).

34.      A protecção conferida às marcas ao abrigo do artigo 5.° da Directiva 89/104 respeita ao uso de um sinal para efeitos de distinção de produtos ou serviços, uma vez que o n.° 5 deste artigo exclui do seu âmbito de aplicação a protecção oferecida pelos Estados‑Membros relativamente a outros usos. Quanto ao âmbito da protecção conferida pelo artigo, o seu n.° 1 abrange as situações em que o sinal e a marca em oposição sejam usados para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, ao passo que este requisito está ausente do n.° 2.

35.      A protecção prevista pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104, relativa a sinais e produtos ou serviços idênticos, é «absoluta», no sentido de que o proprietário da marca não necessita de demonstrar o risco de confusão (21). Tal é necessário, em contrapartida, para a protecção ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), o qual abrange as situações em que não existe a «dupla identidade» entre os sinais e os produtos ou serviços, mas os sinais, e os produtos ou serviços, ou ambos, são semelhantes. Por situações de dupla identidade entendo os casos em que os direitos do titular da marca são violados por um terceiro que usa um sinal idêntico para produtos idênticos (22).

36.      O que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 acrescenta para as marcas que gozam de prestígio é o seguinte:

–        cria uma possibilidade de protecção adicional de determinadas marcas, que os Estados‑Membros podem optar por introduzir ou não; o Reino Unido introduziu esta opção, assim como muitos outros Estados‑Membros, se não todos (23).

–        a protecção que oferece vai além da protecção prevista no artigo 5.°, n.° 1.

–        esta protecção só é possível para as marcas que gozam de prestígio.

37.      Cabe aqui salientar que, numa contradição bastante aparente com a redacção do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, o Tribunal de Justiça declarou, nos acórdãos Davidoff (24) e Adidas‑Salomon e AdidasBenelux (25), que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 cria uma protecção específica em caso de utilização, por um terceiro, de uma marca ou de um sinal posterior, idêntica ou semelhante à marca de prestígio registada, tanto para produtos ou serviços não semelhantes como para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos por esta (26).

B –    Aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 [questões 1, 2, 3(a) e 4]

38.      Relativamente às questões 1, 2, 3(a) e 4 [na medida em que esta se refere à questão 3(a)], é necessário analisar a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 numa situação em que um anunciante decidiu usar uma palavra‑chave idêntica a uma marca, sem o consentimento do seu titular, no âmbito de um serviço remunerado de referenciamento na Internet.

39.      Recordo que, no único acórdão que envolvia um operador de um motor de busca (processo Google France e Google), uma das questões fulcrais dirimidas foi‑o no sentido de que o operador de um motor de busca ou o seu serviço remunerado de referenciamento não «usam» sinais semelhantes a marcas, pelo que as suas actividades não estão abrangidas pelo artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 89/104 (27).

40.      Creio, pois, que daí resulta que a atitude do prestador do serviço de referenciamento a respeito da possibilidade de o titular da marca proibir o uso das suas marcas como palavras‑chave é irrelevante para as respostas a dar às questões 1 a 3(a). O único aspecto do direito das marcas relevante a este respeito consiste em saber, caso o operador do serviço de referenciamento proporcione tal possibilidade ao titular da marca, se é possível inferir, em certos casos, a existência do consentimento tácito do titular da marca no uso das suas marcas como palavras‑chave (28).

41.      Também resulta do acórdão Google France e Google que é o anunciante que escolhe uma palavra‑chave idêntica a um marca de outrem que faz uso da marca, conforme o caso, para os seus próprios produtos ou os do titular da marca. Tal é susceptível de afectar a função de indicação de origem caso o anúncio apresentado no link patrocinado não permitir ou permitir dificilmente ao internauta médio determinar se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, ou, pelo contrário, de um terceiro (29).

42.      Quanto à noção de uso para produtos ou serviços, verifica‑se que é irrelevante saber se o anúncio resultante apresentou ou não a marca (30). Creio que é óbvio que se pode excluir a violação da função de indicação de origem se o anúncio no link patrocinado mencionar a marca mas, eficazmente, dissociar esta do anunciante, por exemplo, através de uma publicidade comparativa lícita. Porém e desde logo, um anúncio apresentado no link patrocinado que menciona ou reproduz a marca que foi escolhida como palavra‑chave corresponde a «utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade», o que poderá ser proibido pelo titular da marca nos termos do artigo 5.°, n.° 3, alínea d), da Directiva 89/104, salvo se forem aplicáveis os artigos 6.° ou 7.° da Directiva 89/104 ou as disposições da directiva sobre a publicidade comparativa (31).

43.      Uma vez que o critério aplicado pelo Tribunal de Justiça consiste na susceptibilidade de o uso feito prejudicar algumas das funções da marca, neste caso, a função de indicação de origem (32), é necessário analisar este uso em termos concretos. Se a marca não for mencionada no anúncio, creio que a importância deste aspecto depende da natureza dos produtos e dos serviços protegidos pela marca, tendo em conta, não apenas o âmbito da protecção registada para a marca, mas também o significado e o prestígio que a marca tenha adquirido através do uso no espírito do relevante sector do público.

44.      No acórdão Google France e Google, o Tribunal de Justiça referiu que, «na maior parte dos casos, o internauta que introduz o nome de uma marca como termo de pesquisa quer encontrar informações ou ofertas sobre os produtos ou os serviços dessa marca. Assim, sempre que, ao lado ou por baixo dos resultados naturais da pesquisa, são exibidos links publicitários para sítios que propõem produtos ou serviços de concorrentes do titular da referida marca, o internauta pode, se não puser imediatamente de lado esses links por não serem pertinentes e não os confundir com os links do titular da marca, encarar esses links publicitários como uma alternativa aos produtos ou aos serviços do titular da marca» (33).

45.      Em muitos casos, a exibição de alternativas comerciais não parece prejudicar a função de indicação de origem da marca porque o aparecimento de um anúncio num link patrocinado na sequência da digitação de uma palavra‑chave idêntica à marca não cria uma associação ou uma ligação entre a marca e o produto ou o serviço promovido pelo anúncio. Como referiu o Tribunal de Justiça, o internauta pode encarar os links publicitários como alternativas comerciais aos produtos ou aos serviços do titular da marca. Tal aplica‑se aos produtos ou serviços idênticos ou semelhantes. O risco de erro é ainda menos provável no caso de produtos ou serviços diferentes, mas relacionados. É este o caso, por exemplo, se a marca escolhida como palavra‑chave se refere a viagens aéreas e o anúncio exibido disser respeito ao aluguer de viaturas ou a hotéis. Além disso, uma das vantagens da Internet é, precisamente, o facto de esta reforçar consideravelmente as possibilidades de escolha esclarecida dos consumidores entre produtos e serviços (34).

46.      Contudo, no caso de uma marca como a INTERFLORA que identifica uma rede comercial notoriamente conhecida de empresas independentes que prestam um serviço especial uniforme, ou seja, a entrega de flores segundo um procedimento normalizado, a exibição do nome de outra empresa num link patrocinado pode, a meu ver, criar a impressão de que a empresa mencionada no anúncio pertence à rede de empresas identificada por esta marca (35).

47.      Portanto, entendo que, para além do seu significado registado, a marca INTERFLORA adquiriu um «significado secundário» (36) que designa uma determinada rede comercial de floristas que presta um determinado tipo de serviço de entregas e que o prestígio desta marca se refere ou é idêntico às associações positivas que este significado assume nos espíritos dos relevantes círculos de consumidores (37).

48.      Consequentemente, a associação entre a marca da Interflora e um serviço idêntico de entrega de flores prestado pela Marks & Spencer é possível, e é até provável, no espírito de um consumidor médio que procure informações sobre estes serviços na Internet, quando se depare com o seguinte anúncio (38):

«M&S Flores Online

www.marksandspencer.com/flowers

Gorgeous fresh flowers & plants [lindíssimas plantas e flores frescas]. Order by 5pm for next day delivery [encomende até às 17h00 para entrega no dia seguinte].»

A meu ver, a apresentação do anúncio na sequência da digitação da palavra «interflora» num motor de busca cria, no contexto do presente processo, a ideia de que a Marks & Spencer é parte da rede Interflora.

49.      Tendo em conta esta análise no que respeita às questões 1, 2 e 3(a), proponho que o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e o artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 sejam interpretados no sentido de que

–        Um sinal idêntico a uma marca é usado «para produtos ou serviços» na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 e do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 quando tenha sido escolhido como palavra‑chave no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, sem o consentimento do titular da marca, e a apresentação dos anúncios seja organizada com base nesta palavra‑chave.

–        O titular de uma marca está habilitado a proibir tal prática nas circunstâncias antes descritas, quando tal publicidade não permita ou permita dificilmente ao internauta médio determinar se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, ou de um terceiro.

–        Existe erro a respeito da origem dos produtos ou serviços quando o link patrocinado do concorrente seja susceptível de induzir alguns elementos do público a pensar que o concorrente é membro da rede comercial do titular da marca e este não o seja. Por conseguinte, o titular da marca tem o direito de proibir ao concorrente em questão o uso da palavra‑chave na publicidade.

–        A atitude do prestador do serviço de referenciamento quanto à possibilidade de o titular da marca proibir o uso das suas marcas como palavras‑chave é irrelevante para as respostas supra.

C –    Protecção alargada da marca relativamente às marcas que gozam de prestígio nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 [questões 3(b) e 4]

1.      Observações gerais sobre a protecção contra a diluição da marca

50.      A diluição da marca (39) prende‑se com a ideia de que o verdadeiro objectivo do direito das marcas deve consistir na protecção dos esforços e dos investimentos realizados pelo titular da marca e do valor independente (good will) assumido pela marca. Esta abordagem das marcas «assente na propriedade» difere da ideia «assente no erro», no sentido de o direito das marcas proteger sobretudo a função de indicação de origem, com vista a impedir que os consumidores e outros utilizadores finais sejam induzidos em erro quanto à origem comercial dos produtos e serviços (40). A abordagem assente na propriedade também protege as funções de comunicação, publicidade e investimento das marcas registadas, com vista à criação de uma marca com uma imagem positiva e um valor económico independente (brand equity ou good will). Consequentemente, a marca registada pode ser utilizada para diversos produtos e serviços que nada têm em comum, salvo o facto de estarem sob o controlo do titular da marca. As funções de indicação de origem e de qualidade (41) são protegidas enquanto factores que contribuem para o valor da marca.

51.      Esta teoria da diluição, hoje em dia especificamente associada a marcas notoriamente conhecidas, estende a protecção da marca a produtos e serviços diferentes dos pertencentes ao domínio de protecção registado. Historicamente, esteve ao serviço de uma função semelhante à da denominada doutrina Kodak, a qual justifica um âmbito de protecção extensivo contra o risco de confusão a respeito das marcas notoriamente conhecidas (42).

52.      Tanto no direito da UE como nos EUA, a noção da protecção contra a diluição refere‑se sobretudo a dois fenómenos: a protecção contra o ofuscamento e a protecção contra a depreciação (43). A protecção contra o ofuscamento (ou a diluição em sentido estrito) é conferida contra usos que implicam o perigo de que a marca perca o seu carácter distintivo e, consequentemente, o seu valor. A protecção contra a depreciação significa a protecção contra usos que prejudicam o prestígio da marca

53.      Além disso, no direito das marcas da UE, ao contrário do que se passa nos EUA (44), a protecção contra a diluição também abrange um terceiro fenómeno, nomeadamente a protecção contra o «aproveitamento» (free‑riding) ou o partido indevido retirado do prestígio ou do carácter distintivo da marca de outrem. A essência da protecção contra o aproveitamento (free‑riding) não consiste na protecção do titular da marca contra o prejuízo causado à sua marca, mas antes na protecção do titular da marca contra o benefício indevido que é tirado pelo infractor do uso não autorizado dessa marca (45).

54.      Quanto à terminologia, creio que, no direito das marcas da UE, a diluição em sentido amplo abrange o ofuscamento, a depreciação (ou degradação) e o aproveitamento (ou parasitismo). O ofuscamento (ou diminuição ou diluição em sentido estrito) significa um uso que pode conduzir a um processo de diluição da marca em sentido estrito, ou seja, à diminuição do seu carácter distintivo.

55.      Com as suas questões 3(b) e 4, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar em que circunstâncias se pode considerar que um anunciante, que usa um sinal idêntico a uma marca de um concorrente que goza de prestígio, actua

–        de forma a prejudicar o carácter distintivo dessa marca

e/ou

–        tirando partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio dessa marca (46).

2.      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 é aplicável se a situação também for abrangida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a)?

56.      Uma questão preliminar à questão 3(b) consiste em analisar se n.os 1, alínea a), e 2 da Directiva 89/104 podem ser aplicados simultaneamente ou se só é possível aplicar um deles de cada vez.

57.      A protecção contra as três formas de diluição é conferida, ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, às marcas que gozam de prestígio contra sinais idênticos e semelhantes usados para produtos e serviços que não são idênticos e semelhantes aos abrangidos pela marca. No entanto, conforme observado supra, o acórdão Davidoff ampliou a aplicação desta disposição aos casos nos quais o sinal idêntico ou semelhante é usado para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes. O que estende a protecção da diluição também às relações onde exista uma relação de concorrência económica directa entre o titular da marca e o utilizador do sinal idêntico ou semelhante. Recordo que é pacífico entre as partes que a INTERFLORA goza de prestígio no sentido do artigo 5.°, n.° 2.

58.      Resulta da recente jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 que o uso de um sinal idêntico é abrangido pelo preceito se for susceptível de prejudicar uma qualquer das funções da marca, e não apenas a função de indicação de origem (47).

59.      Contudo, não creio que o Tribunal de Justiça tenha com tal pretendido significar que o papel de todas as funções da marca ficaria restringido à aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104. Nos casos de dupla identidade de sinais e produtos ou serviços, todas ou algumas destas funções são relevantes para a aplicação do artigo 5.°, n.° 2. Lembro que outras funções da marca, para além da função de indicação de origem, estão protegidas pelo artigo 5.°, n.° 2, nos casos referidos no artigo 5.°, n.° 1, alínea b), caso não possa ser estabelecido o risco de confusão.

60.      No caso da dupla identidade poder‑se‑ia pensar que a protecção contra o ofuscamento, a depreciação e o aproveitamento seria exclusivamente baseada no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), e não envolveria, de forma alguma, o artigo 5.°, n.° 2. Tal seria o caso, na condição de o uso de um sinal idêntico a uma marca para produtos ou serviços idênticos ser susceptível de prejudicar qualquer das funções da marca. As funções envolvidas mais óbvias seriam as de qualidade, comunicação, publicidade ou investimento, mas também estariam envolvidas a função de identificação ou de distinção, na medida em que o sinal fosse usado para distinguir entre produtos e serviços para outros fins que não sejam os da indicação da sua origem.

61.       Tal interpretação seria conciliável com a ideia, expressa no décimo considerando da Directiva 89/104, de que a protecção conferida pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), é «absoluta». Mas também creio que é óbvio que qualquer dos usos cobertos pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 é susceptível de prejudicar, no mínimo, algumas das funções da marca antes mencionadas, sobretudo porque a protecção alargada conferida pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 é normalmente fundamentada por referência às funções de comunicação, publicidade e investimento das marcas.

62.      Este raciocínio implicaria a protecção pelo artigo 5.°, n.° 1, alínea a), das formas de diluição referidas no artigo 5.°, n.° 2, nos casos de dupla identidade entre sinais e produtos ou serviços. Além disso, o carácter distintivo e o prestígio seriam protegidos, neste caso, independentemente da questão de saber se a marca goza ou não de prestígio na acepção do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, ou seja, da questão de saber se é ou não notoriamente conhecida.

63.      Não obstante, uma tal interpretação seria contrária ao teor, embora talvez não à ratio decidendi, do acórdão Davidoff. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 é aplicável, não só no caso de produtos semelhantes, mas também no caso de produtos idênticos, apesar de se verificar que o raciocínio exposto pelo Tribunal de Justiça só é relevante a respeito da situação mencionada em primeiro lugar (48).

64.      Porém, teria relutância em propor ao Tribunal de Justiça uma resposta à questão 3 no sentido de que é unicamente aplicável o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104, sobretudo porque verifico que o Tribunal de Justiça já aceitou a aplicação em paralelo do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), e do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 (49). Sejam quais forem os méritos do papel das funções da marca na aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a) (50), creio que a diluição da marca enquanto fenómeno jurídico deve, em todos os processos, ser analisada com base no artigo 5.°, n.° 2. Tal conduz a uma interpretação uniforme das noções relativas à diluição da marca, apesar das diferenças nos graus de semelhança que devem existir entre os produtos ou serviços alegadamente infractores e os abrangidos pela marca nas situações referidas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 e no n.° 2 do artigo 5.° da Directiva 89/104. Creio que daí se pode concluir que todas as funções da marca – com excepção da função de indicação de origem – podem ter um papel a desempenhar na aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, mesmo quando já tenham sido aplicadas para a determinação da aplicabilidade do artigo 5.°, n.° 1, alínea a).

3.      Existência de ligação entre a marca e o sinal escolhido como palavra‑chave

65.      De acordo com a jurisprudência, deve haver uma «ligação» entre a marca que goza de prestígio e o sinal usado pelo terceiro para que o uso dos sinais seja abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104. O Tribunal de Justiça definiu a existência desta ligação da seguinte forma: «As violações a que se refere o artigo 4.°, n.° 4, alínea a), da directiva, quando ocorrem, são a consequência de um certo grau de semelhança entre a marca anterior e a posterior, em razão do qual o público em causa efectua uma aproximação entre essas duas marcas, isto é, estabelece uma ligação entre estas, embora não as confunda […] Quando essa ligação não exista no espírito do público, o uso da marca posterior não é susceptível de tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior, ou de lhes causar prejuízo (51).»

66.      No presente processo, a marca INTERFLORA em questão é idêntica à palavra‑chave adquirida pela Marks & Spencer no serviço publicitário da Google. Por conseguinte, a questão da existência da ligação poderia parecer esvaziada de sentido. Infelizmente não é o caso: a existência de uma ligação entre uma marca e uma palavra‑chave está longe de ser simples.

67.       A palavra‑chave que pode ser utilizada no contexto de um serviço de referenciamento na Internet é uma sequência de sinais que pode corresponder, e normalmente corresponde, a uma palavra, uma sequência de palavras ou uma frase da linguagem corrente. A palavra‑chave não tem, enquanto tal, um significado no sistema de referenciamento porque os algoritmos do motor de busca captam sequências idênticas de sinais independentemente dos seus significados em qualquer sistema linguístico. Portanto, as palavras‑chave são, enquanto tal, semanticamente vazias (52); só assumem significados e referências específicos no espírito dos internautas que as digitam. Os anunciantes que compram as palavras‑chave baseiam‑se na existência de tais associações no espírito dos internautas.

68.      Para o direito das marcas, tal causa diversos problemas quando uma operação invisível, que consiste na escolha de uma sequência correspondente a uma marca pertencente a outrem, é considerada um uso desta marca, como foi declarado no acórdão Google France e Google.

69.      Estes problemas respeitam ao carácter único das marcas. Algumas marcas são únicas (53). Quando existe uma marca notoriamente conhecida que é arbitrária, inventada ou fantasiada (por exemplo, uma palavra de fantasia ou um conjunto de letras e/ou de números desprovido de significado), e que pertence a uma única fonte, é fácil presumir que o internauta que a digita como termo de pesquisa está a pensar nessa marca. O mesmo se aplica a uma empresa que compra essa palavra‑chave.

70.      Contudo, a maior parte das marcas não são únicas. Uma marca nominativa idêntica é muitas vezes registada por outros titulares para produtos ou serviços dissemelhantes no mesmo país ou no estrangeiro. Tal condição também não é inerente ao conceito de marca prestigiada no direito das marcas da UE (54). Existem ainda marcas compostas por palavras comuns ou palavras descritivas que adquiriram um grande prestígio ou um significado secundário forte enquanto marcas de um sector específico. Todavia, seria temerário presumir que um internauta que escolhe «apple» ou «diesel» como termo de pesquisa está sempre à procura de computadores ou de calças de ganga de uma determinada marca e não de fruta ou de combustível. Ou que o termo de pesquisa «nokia» será sempre utilizado unicamente em buscas relativas a telemóveis e nunca em buscas relativas a uma cidade, a um lago, a um movimento religioso ou a uma marca de pneus, todos com um nome semelhante.

71.      Igualmente temerário seria presumir, em termos gerais, que uma empresa que compra sinais como palavras‑chave num serviço de referenciamento na Internet está sempre a visar uma determinada marca, sobretudo quando existam diversas marcas registadas idênticas de diferentes titulares em diferentes jurisdições (55).

72.      Em conclusão, no caso de marcas verdadeiramente únicas e de carácter distintivo intrinsecamente forte, pode presumir‑se com certeza que a identidade entre uma palavra‑chave e uma marca indica a existência de uma ligação entre estas. De igual modo, só se pode presumir que uma empresa que compra uma palavra‑chave visa uma marca idêntica se a marca possuir estas características e a palavra‑chave for adquirida por um concorrente, ou seja, uma empresa que vende produtos ou serviços que estão em concorrência com os cobertos pela marca. Creio que estas condições estão preenchidas no caso, bastante excepcional, da marca Interflora.

73.      Noutros casos, a existência de uma ligação não pode ser estabelecida sem o recurso a factores que são externos ao uso «invisível» da marca, consistente na escolha de uma palavra‑chave idêntica para efeitos da publicidade efectuada através dos motores de busca. Estes factores devem, na minha opinião, respeitar às informações de marketing apresentadas no anúncio que aparece no link patrocinado (56).

74.      Entendo que o Tribunal de Justiça seguiu esta via no raciocínio exposto no acórdão Google France e Google, já referido. Neste último, o Tribunal de Justiça rejeitou a proposta do advogado‑geral, segundo a qual a selecção de palavras‑chave devia ser classificada como uma utilização privada por parte dos anunciantes (57), e declarou, em vez disto, que um anunciante «usa» efectivamente a marca quando a selecciona como palavra‑chave num serviço remunerado de referenciamento. Como já referi, esta conclusão não estava na dependência da questão de saber se o sinal tinha ou não sido incluído no anúncio apresentado no link patrocinado.

75.      Porém, apesar de o processo respeitar ao prestador do serviço de referenciamento na Internet e não aos anunciantes, o Tribunal de Justiça prosseguiu, no acórdão Google France e Google, salientando que «[a] questão de saber se esta função da marca [de indicação da origem dos produtos ou serviços] (58) é prejudicada quando é mostrado aos internautas, a partir de uma palavra‑chave idêntica a uma marca, um anúncio de um terceiro, como um concorrente do titular dessa marca, depende, em especial, da maneira como esse anúncio é apresentado» (59).

76.      Na minha opinião, pode inferir‑se do acórdão Google France e Google que, apesar de a escolha das palavras‑chave constituir um uso da marca para produtos ou serviços pelo anunciante, as condições de permissibilidade desse uso devem, em primeira linha (60), ser apreciadas com base no seu resultado visível, que é o anúncio no link patrocinado do anunciante, exibido ao internauta que digitou o termo de pesquisa. Uma vez que o Tribunal de Justiça não declarou que a selecção de palavras‑chave idênticas a marcas de terceiros violava, enquanto tal, o direito exclusivo do titular da marca à utilização desta na publicidade de produtos ou serviços idênticos aos por ela cobertos, é lógico que se conclua que os efeitos do anúncio no link patrocinado visível ao internauta devem constituir o ponto de partida da análise.

4.      Ofuscamento

77.      Nos termos do artigo 2.° da Directiva 89/104, o sinal que pode ser registado como marca tem de ser distintivo, ou seja, adequado a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. A protecção alargada da marca ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, pode ser conferida pelos Estados‑Membros sempre «que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique».

78.      Para ser distintivo (e, assim, ser susceptível de constituir uma marca) um sinal não deve ter nenhum significado primário ou deve ter um significado primário que não seja descritivo em termos gerais, ou seja, não se deve referir aos produtos ou serviços cobertos pela marca ou à sua origem ou qualidades, mas a coisas diferentes (como APPLE para computadores). Na linha de fronteira, situam‑se as marcas sugestivas, as quais têm um significado primário, que não é descritivo dos produtos e serviços em questão, mas cria uma associação que está relacionada com (as propriedades dos) produtos ou serviços (como TRÉSOR para perfumes de qualidade) (61).

79.      O Tribunal de Justiça definiu a diluição por ofuscamento nos seguintes termos: «No que se refere ao prejuízo causado ao carácter distintivo da marca, igualmente designado pelos termos ‘diluição’, ‘diminuição’ ou ‘ofuscamento’, considera‑se que esse prejuízo existe quando a aptidão dessa marca em identificar os produtos e os serviços para os quais foi registada esteja enfraquecida, dado o uso do sinal idêntico ou semelhante pelo terceiro implicar uma dispersão da identidade da marca e da sua influência no espírito do público. É o que acontece quando a marca anterior, que suscitava uma associação imediata com os produtos ou os serviços para os quais foi registada, já não esteja em situação de o fazer» (62).

80.      Ofuscamento refere‑se, pois, ao uso de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca que goza de prestígio, de um modo tal que é susceptível de enfraquecer o carácter distintivo desta, diminuindo a sua capacidade de diferenciar produtos e serviços. No final do processo de ofuscamento (ou de diluição em sentido estrito), a marca já não consegue criar a associação, no espírito dos consumidores, da existência de uma ligação económica entre a origem comercial específica (63) de determinados produtos ou serviços e a marca. Por outras palavras, o que está em jogo é a própria capacidade de um sinal para servir como marca, ou ainda por outras palavras, a função de identificação ou de distinção da marca.

81.      O ofuscamento ou a diluição neste sentido significa, em primeiro lugar, que o carácter distintivo da marca é «atenuado» [«watered down» em inglês, «Verwässerung» em alemão (aguado)] à medida que a marca se banaliza. Um sinal usado como marca e que se refere a diversos produtos ou serviços de diferentes origens comerciais já não é capaz de identificar os produtos e serviços cobertos pela marca que tem uma única origem (64). Este risco refere‑se sobretudo aos casos em que uma marca notoriamente conhecida é exposta à presença de sinais idênticos ou semelhantes que dizem respeito a diferentes produtos e serviços e às suas origens.

82.      Todavia, não é fácil ver este desenvolvimento no contexto de produtos ou serviços idênticos ou semelhantes. Uma vez que a Marks & Spencer não usa a marca INTERFLORA para produtos ou serviços diferentes dos fornecidos pela Interflora, creio que não estamos perante uma diluição no sentido definido na jurisprudência. Portanto, neste caso, o problema da Interflora não é o de que a sua marca INTERFLORA se torne banal e perca, assim, o seu carácter distintivo, mas o risco da sua degeneração, ou seja, o risco de que a marca se torne um termo genérico ou um nome comum. Isto também indica uma perda de carácter distintivo, mas de uma natureza diferente relativamente à diluição no sentido de atenuação da marca (65).

83.      Sempre que o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 seja aplicável também nos casos de dupla identidade entre os sinais e os produtos ou serviços, creio que a protecção contra a degeneração deve também ser conferida com base nesta disposição, isto porque o problema de fundo, ou seja, a perda gradual de carácter distintivo, é o mesmo.

84.      A degeneração resulta ou da ausência de um termo genérico alternativo que designe a classe de produtos representada exclusivamente, ou do modo mais proeminente, pelo produto ou pelo serviço coberto pela marca ou ainda do sucesso extraordinário de uma determinada marca numa determinada classe de produtos. A degeneração ameaça sobretudo as marcas que protegem uma inovação ou as que são notoriamente conhecidas em domínios específicos (66).

85.      A degeneração da marca pode também resultar de actos e omissões do próprio titular da marca, por exemplo, a utilização que faz dela como termo genérico ou ainda o facto de se abster de desenvolver um termo genérico alternativo adequado a fim de facilitar as referências aos produtos sem recurso à marca como um termo genérico. No entanto, a degeneração pode também resultar do uso da marca por outros de um modo que contribua para que esta se torne um termo genérico.

86.      A Interflora sustenta que o facto de a Marks & Spencer ter escolhido como palavras‑chave a sua marca e termos derivados desta que só se distinguem por pequenas modificações implica um risco de diluição de marca INTERFLORA e constitui, assim, um ofuscamento que a Interflora deve poder proibir ao abrigo do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104. O seu argumento é o de que, ao digitar «interflora», o internauta procura informações sobre floristas que comercializam os seus serviços (e os seus produtos, ou seja, flores) a coberto da marca INTERFLORA. A conduta da Marks & Spencer implica, pois, o risco de que a marca INTERFLORA se dilua, adquirindo um significado genérico que designe qualquer grupo de floristas que ofereçam serviços de entrega, quando esta possa ser efectuada por uma loja diferente daquela que recebeu o pedido.

87.      Receio que esta argumentação não possa proceder após o que foi declarado no acórdão Google France e Google, pois implica que a escolha de marcas de terceiros como palavras‑chave possa, enquanto tal, constituir um ofuscamento, pelo menos no caso de marcas que gozam de prestígio. Com efeito, o argumento identifica a associação resultante da cadeia causal que liga a digitação da palavra‑chave à apresentação do link patrocinado com o anúncio do terceiro como o factor que provoca o risco de degeneração da marca.

88.      Contudo, como já referi, o Tribunal de Justiça não condenou a publicidade com recurso a palavras‑chave que usam as marcas de terceiros enquanto tal, mas associou a questão da sua permissibilidade ao conteúdo do anúncio apresentado no link patrocinado. Se a conjunção de uma palavra‑chave e de um anúncio no link patrocinado constituísse, enquanto tal, diluição, todas as marcas seriam ofuscadas se fossem escolhidas como uma palavra‑chave que conduzisse a um anúncio de uma empresa diferente da do titular da marca.

89.      No presente caso, o link patrocinado apresentado após o internauta ter digitado o termo de pesquisa «interflora» não contém o próprio sinal ou qualquer sinal semelhante. Como expliquei anteriormente, no caso de uma marca que cobre produtos e serviços fornecidos por uma rede comercial de empresas, isto não exclui a possibilidade de um erro a respeito da existência de uma ligação económica entre a marca e o anunciante. Por outras palavras, é possível a violação da função de indicação de origem mesmo quando a marca não seja mencionada no anúncio apresentado no link patrocinado.

90.      Porém, não creio que a diluição da marca, ou seja, o enfraquecimento do seu significado como designação de produtos ou serviços com uma origem comercial abstracta específica, se possa juridicamente considerar como podendo decorrer de uma publicidade que não menciona a marca. Afinal de contas, o ofuscamento no sentido da perda de carácter distintivo significa que o sinal apercebido pelo consumidor adquire no seu espírito um significado alternativo. Este outro significado pode ser ou uma referência ambivalente a diferentes produtos ou serviços de diferentes origens, no caso de produtos ou serviços não semelhantes, ou a uma categoria genérica de produtos ou serviços, no caso de produtos idênticos ou semelhantes (67).

91.      Creio que o uso das marcas de terceiros como palavras‑chave para a publicidade através de motores de busca prejudica o carácter distintivo de uma marca prestigiada nos casos em que os produtos ou serviços são idênticos se estiverem preenchidas as seguintes condições: o sinal é mencionado ou apresentado no anúncio que figura no link patrocinado e a mensagem ou a comunicação comercial que consta do anúncio utiliza o sinal num sentido genérico para fazer referência à categoria ou classe de produtos ou serviços e não para distinguir entre os produtos e serviços de origens diferentes.

5.      Depreciação

92.      Por uma questão de clareza, importa também evocar o segundo elemento coberto pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, ou seja, a depreciação que visa o prejuízo causado ao prestígio da marca. No acórdão L’Oréal e o., o Tribunal de Justiça observou que «este prejuízo [se] verifica quando os produtos ou serviços para os quais o sinal idêntico ou semelhante é utilizado pelo terceiro suscitam no público uma impressão tal que a força de atracção da marca sofre uma redução. O risco deste prejuízo pode resultar, nomeadamente, de os produtos ou serviços oferecidos pelo terceiro possuírem uma característica ou uma qualidade susceptíveis de exercer uma influência negativa na imagem da marca» (68). Porém, o presente processo não respeita a um caso de depreciação.

6.      Aproveitamento (free‑riding)

93.      No acórdão L’Oréal e o., o Tribunal de Justiça definiu o aproveitamento com a seguinte situação: «quando um terceiro procura, através do uso de um sinal semelhante a um marca de prestígio, colocar‑se na esteira desta para beneficiar do seu poder de atracção, da sua reputação e do seu prestígio, e para explorar, sem nenhuma compensação financeira e sem ter de despender esforços próprios para tanto, o esforço comercial despendido pelo titular da marca para gerar e manter a imagem dessa marca, considera‑se que o partido obtido com o referido uso é indevidamente tirado do carácter distintivo ou do prestígio da referida marca» (69).

94.      O Tribunal de Justiça declarou no acórdão L’Oréal e o. que a existência de benefício indevido não pressupõe que o uso da marca prejudica o seu titular. Entendo que isto suscita um grave problema do ponto de vista da concorrência, pois o Tribunal de Justiça está, na realidade, a afirmar que o titular da marca pode exercer o seu direito de proibir o uso de um sinal em circunstâncias em que tal resultará em nos afastarmos da situação de óptimo de Pareto. A situação do titular da marca não melhorará porque este, por definição, não sofrerá qualquer prejuízo em virtude do uso, mas a situação do concorrente piorará porque perderá uma parte do seu negócio. A situação dos consumidores que não tinham sido induzidos em erro pelo anúncio, mas tinham conscientemente preferido comprar os produtos do concorrente, também será afectada (70).

95.      É importante recordar que o processo L’Oréal e o. respeitava à imitação de produtos de luxo. No presente processo, os produtos e serviços são «normais» e não réplicas ou imitações; pelo menos, não foi alegado que a Marks & Spencer esteja, de qualquer modo, a imitar a Interflora.

96.      No caso em apreço, a Marks & Spencer esforça‑se por se apresentar como uma alternativa comercial aos clientes que procuram informações ou sobre os serviços da Interflora ou sobre os serviços de entrega de flores em geral, lembrando‑se provavelmente da marca mais conhecida para esse tipo de serviços. É óbvio que, em ambos os casos, a Marks & Spencer está a tirar partido do prestígio da marca da Interflora, pois é inconcebível que esta escolha de palavras‑chave possa ser explicada por qualquer outro motivo. Por conseguinte, resta a questão da legitimidade desse uso. Lembro que, segundo o acórdão Google France e Google, a escolha de palavras‑chave nestas circunstâncias constitui um uso da marca da Interflora para produtos e serviços da Marks & Spencer.

97.      No acórdão L’Oréal e o., o advogado‑geral também propôs que o critério do carácter indevido do uso só se aplique se houver um justo motivo para a utilização da marca da outra parte. Se não existir justo motivo, o uso será automaticamente indevido (71).

98.      O uso relevante neste caso, definido como a selecção da marca como palavra‑chave para a publicidade através dos motores de busca na Internet, deve ter um justo motivo. Na medida em que estão aqui em causa os casos típicos abrangidos pelo artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104, ou seja, os que se referem a produtos ou serviços não semelhantes, é muito difícil de ver como deve ser interpretada esta condição. Como já referi, é muito difícil estabelecer a ligação entre a palavra‑chave e a marca sem recorrer a informações sobre circunstâncias externas a esse uso.

99.      No caso de produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, o objectivo que consiste na apresentação de uma alternativa comercial aos produtos ou serviços protegidos pela marca que goza de prestígio deve ser considerado um justo motivo, no contexto do marketing moderno assente na publicidade a partir de palavras‑chave na Internet. Caso contrário, a publicidade a partir de palavras‑chave que utilizam marcas de terceiros notoriamente conhecidas constituiria, enquanto tal, um aproveitamento proibido. Tal conclusão seria insusceptível de justificação, vista a necessidade que há de promover a concorrência leal e as possibilidades, para os consumidores, de procurarem informações sobre produtos e serviços. O que caracteriza a economia de mercado é, afinal de contas, a possibilidade de os consumidores bem informados fazerem escolhas em conformidade com as suas preferências. Consideraria injustificado que o titular da marca pudesse proibir tal uso, salvo se tivesse motivos para se opor ao anúncio que resulta da introdução de um termo de pesquisa que corresponde a uma palavra‑chave.

100. A Interflora sustenta que a publicidade feita a partir de palavras‑chave pela Marks & Spencer aumentou consideravelmente os seus próprios custos publicitários devido ao aumento do preço por clique cobrado pela Google em consequência da concorrência a respeito destas AdWords.

101. O Tribunal de Justiça referiu no acórdão Google France e Google o seguinte (72): «Quanto ao uso, por anunciantes na Internet, do sinal idêntico à marca de outrem, como palavra‑chave, para exibir mensagens publicitárias, é evidente que esse uso é susceptível de ter certas repercussões na utilização publicitária da referida marca pelo seu titular, bem como na sua estratégia comercial. […] Com efeito, atendendo ao lugar importante que a publicidade na Internet ocupa na vida comercial, é plausível que o titular da marca inscreva a sua própria marca como palavra‑chave junto do fornecedor do serviço de referenciamento, a fim de fazer inserir um anúncio na rubrica ‘links patrocinados’. Quando assim é, o titular da marca deve, eventualmente, aceitar pagar um preço por clique mais elevado do que outros operadores económicos, se pretender que o seu anúncio seja exibido antes dos anúncios dos referidos operadores que tenham igualmente seleccionado a sua marca como palavra‑chave. Além disso, mesmo que o titular da marca esteja disposto a pagar um preço por clique mais elevado do que o oferecido pelos terceiros que tenham igualmente seleccionado a referida marca, não pode ter a garantia de que o seu anúncio seja exibido antes dos anúncios dos referidos terceiros, dado que há outros elementos que são igualmente tomados em consideração para determinar a ordem de exibição dos anúncios. […] Todavia, essas repercussões do uso do sinal idêntico à marca por terceiros não constituem, em si mesmas, uma violação da função de publicidade da marca.»

102. Portanto, como o aumento dos custos relacionados com os pagamentos por clique não afectam a função de publicidade da marca prestigiada, entendo que tal aumento dos custos não pode, por si só, constituir um comportamento desleal ou um benefício indevidamente retirado do prestígio da marca.

103. Acresce que, como o Tribunal de Justiça aprovou no plano dos princípios, no seu acórdão Google France e Google, a publicidade a partir de palavras‑chave que utilizam marcas de terceiros, creio que a questão do aproveitamento também tem de ser analisada com base no anúncio exibido no link patrocinado. Se este anúncio menciona ou exibe a marca, a admissibilidade deste uso depende da questão de saber se estamos perante publicidade comparativa lícita ou, pelo contrário, a vontade de se colocar na esteira do titular da marca (73).

104. Nos seus anúncios, a Marks & Spencer não compara os seus produtos e serviços com os da Interflora (por exemplo, «os nossos produtos e serviços são melhores ou mais económicos do que os da Interflora»), nem apresenta os seus produtos como imitações ou cópias (por exemplo, «oferecemos um serviço do tipo Interflora»), nem sequer os apresenta expressamente como alternativas aos da Interflora (por exemplo, «é um cliente da Interflora? Porque não experimenta a Marks & Spencer desta vez?»).

105. Contudo, a escolha de palavras‑chave feita pela Marks & Spencer para a publicidade através de motores de busca implica uma mensagem comercial no sentido de oferecer uma alternativa à Interflora. Porém, creio que tal não constitui aproveitamento no sentido do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104.

106. Por último, entendo que os aspectos mencionados na questão 4 são irrelevantes para a resposta a dar à questão 3(b).

V –    Conclusão

107. Tendo em conta as precedentes observações, proponho que sejam dadas as seguintes respostas à High Court of Justice of England and Wales, Chancery Division:

1.      O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, e o artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, devem ser interpretados do seguinte modo:

–        Um sinal idêntico a uma marca é usado «para produtos ou serviços» na acepção das referidas disposições quando tenha sido escolhido como palavra‑chave no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet, sem o consentimento do titular da marca, e a apresentação dos anúncios seja organizada com base nesta palavra‑chave.

–        O titular de uma marca está habilitado a proibir tal prática nas circunstâncias antes descritas, quando tal publicidade não permitir ou permitir dificilmente ao internauta médio determinar se os produtos ou os serviços objecto do anúncio provêm do titular da marca ou de uma empresa economicamente ligada a este, ou de um terceiro.

–        Existe erro a respeito da origem dos produtos ou serviços quando o link patrocinado do concorrente seja susceptível de induzir alguns elementos do público a pensar que o concorrente é membro da rede comercial do titular da marca e este não o seja. Por conseguinte, o titular da marca tem o direito de proibir ao concorrente em questão o uso da palavra‑chave na publicidade.

2.      O artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 e o artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 devem ser interpretados no sentido de que o uso de um sinal como palavra‑chave num serviço de referenciamento na Internet para produtos ou serviços idênticos aos cobertos por uma marca idêntica que goza de prestígio também é abrangido pelo âmbito de aplicação das referidas disposições e pode ser proibido pelo titular da marca quando

(a)      o anúncio, exibido pelo facto de o internauta ter digitado como termo de pesquisa a palavra‑chave idêntica a uma marca que goza de prestígio, mencionar ou exibir essa marca; e

(b) a marca

–        ou seja aí utilizada como um termo genérico que abrange uma classe ou categoria de produtos ou serviços;

–        ou o anunciante procure por via dela beneficiar do seu poder de atracção, da sua reputação e do seu prestígio e explorar o esforço comercial despendido pelo titular da marca para gerar e manter a imagem desta marca.

3)      O facto de o operador do motor de busca na Internet não permitir que os titulares de marcas na zona geográfica em causa bloqueiem a escolha de sinais idênticos às suas marcas como palavras‑chave por outras partes é, enquanto tal, irrelevante, no que diz respeito à responsabilidade do anunciante que utiliza as palavras‑chave.


1 – Língua original: inglês


2 – Foi homologada no processo nacional uma transacção judicial com a segunda demandada, tendo a Marks & Spencer permanecido como a única demandada.


3 – A Interflora é titular da marca do Reino Unido n.° 1329840, INTERFLORA, respeitante a diversos produtos e serviços das classes 16, 31, 35, 38, 39, 41 e 42 no sentido do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado. Estes incluem «plantas e flores naturais» da classe 31 «serviços de publicidade [...] para floristas» e «serviços de informação relativos à venda de [...] flores» da classe 35, e «transporte de flores» da classe 39. A Interflora também é titular da marca comunitária n.° 909838, INTERFLORA, para vários produtos e serviços das classes 16, 31, 35, 38, 39, 41 e 42, entre os quais se contam as «plantas e flores naturais» da classe 31, os «serviços de publicidade […] para floristas» da classe 35, o «transporte de flores» da classe 39 e os «serviços de informação relativos à venda de […] flores» da classe 42.


4 – JO L 40, p. 1.


5 – JO L 11, p. 1.


6 – Acórdão de 23 de Março de 2010, Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, ainda não publicado na Colectânea).


7 – Acórdão de 25 de Março de 2010, BergSpechte (C‑278/08, ainda não publicado na Colectânea), despacho de 26 de Março de 2010, eis.de (C‑91/09) e acórdão de 8 de Julho de 2010, Portakabin (C‑558/08, ainda não publicado na Colectânea).


8 – V. nota 29 infra.


9 – Observação terminológica: A Directiva 89/104 e o Regulamento 40/94 referem‑se ambos a «marca que goza de prestígio», termo que será aqui utilizado. Contudo, o termo «marca notoriamente conhecida» é utilizado sempre que a discussão não respeita especificamente ao contexto do direito da UE. Por uma questão de clareza, devo acrescentar que a Directiva 89/104 contém uma referência ao artigo 6.° bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, o qual fala de «marca notoriamente conhecida». De igual modo, o artigo 16.°, n.° 2, do Acordo TRIPS, quando remete para a Convenção de Paris, também fala de «marcas notoriamente conhecidas» (v. artigo 16.°, n.° 2, do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe em 15 de Abril de 1994 e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO L 336, p. 1, também conhecido como «Acordo TRIPS»). Nos Estados Unidos da América, o termo utilizado é «famous marks» [marcas famosas]. Para uma visão geral, v. M. Senftleben, «The trademark Tower of Babel: dilution concepts in international, US and EC trademark law», International review of intellectual property and competition law. Vol. 40 (2009), n.° 1, p. 45‑77. Além disso, observo que as diferentes expressões acima referidas também espelham diferenças no tocante às condições exigidas para que uma marca possa ser considerada «notoriamente conhecida».


10 – Importa acrescentar que a percepção do que constitui uma «marca que goza de prestígio» pode variar entre os Estados‑Membros, apesar dos critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão General Motors (C‑375/97, Colect., p. I‑5421, n.os 19 a 30); v. conclusões apresentadas em 26 de Junho de 2008 pela advogada‑geral E. Sharpston no processo Intel Corporation (C‑252/07, Colect., p. I‑8823, n.° 23).


11 – Relativamente a estes últimos, v., por exemplo, os pedidos de decisão prejudicial apresentados pela Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division) no processo L’Oreal SA & Ors v Bellure NV & Ors [2007] EWCA Civ 968 (10 de Outubro de 2007) e pela High Court of Justice (England and Wales) (Chancery Division) no processo L’Oreal SA & Ors v EBay International AG & Ors [2009] EWHC 1094 (Ch) (22 de Maio de 2009), e, em especial, acórdão proferido pela Court of Appeal (England and Wales) (Civil Division) na sequência da resposta do Tribunal de Justiça no processo L’Oreal SA & Ors v Bellure NV & Ors [2010] EWCA Civ 535 (21 de Maio de 2010).


12 – Nos Estados Unidos da América, a protecção contra a diluição da marca foi integrada na legislação federal sobre as marcas pelo Federal Trade Mark Dilution Act, que acrescentou uma nova secção 45(c) ao Lanham Act. Tal foi posteriormente alterado pelo Trademark Dilution Revision Act 2005; v., por exemplo, C. Long, «The political economy of trademark dilution», em G. Dinwoodie e M. Janis (eds.), Trademark Law and Theory. A Handbook of Contemporary Research, Edward Elgar, Cheltenham, 2008, p. 132.


13 – Na sequência de uma Comunicação [«Uma estratégia europeia para os direitos de propriedade industrial, COM(2008) 465 final»], a Comissão Europeia encomendou em 2009 ao Max‑Planck‑Institut für Immaterialgüter‑ und Wettbewerbsrecht um estudo sobre o funcionamento global do regime das marcas na Europa. O seu relatório final foi apresentado à Comissão Europeia em 12 de Dezembro de 2010. No momento da redacção das presentes conclusões, ainda não tinha sido tornado público, v. http://ec.europa.eu/internal_market/indprop/index_en.htm.


14 – A Directiva 89/104 foi revogada pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (versão codificada) (JO L 299, p. 25), que entrou em vigor em 28 de Novembro de 2008. A redacção do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 2008/95 corresponde essencialmente à redacção do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104. No entanto, atendendo à data dos factos, os litígios nos processos principais continuam a ser regidos pela Directiva 89/104.


15 – Refira‑se, por uma questão de clareza, que as versões linguísticas do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 diferem umas das outras; v. a análise feita pelo Tribunal de Justiça no acórdão General Motors, n.° 20.


16 – Recordo que o artigo 4.°, n.os 3 e 4, da Directiva 89/104, aplicável na fase do registo da marca, contêm regras idênticas às do artigo 5.°, n.os 1 e 2.


17 – O Regulamento n.° 40/94 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de Abril de 2009. A redacção do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento 207/2009 é idêntica à do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento 40/94. No entanto, atendendo à data dos factos, os litígios nos processos principais são regulados pelo Regulamento 40/94.


18 – Para os registos da marca, v. nota 3 supra.


19 – À luz da jurisprudência, estes sinais podem ser considerados idênticos à marca [v. acórdão de 20 de Março de 2003, LTJ Diffusion (C‑291/00, Colect., p. I‑2799, n.° 54); e acórdãos BergSpechte, n.° 25, e Portakabin, n.° 47]: um sinal é idêntico a uma marca quando reproduz, sem alterar nem acrescentar, todos os elementos que constituem a marca ou quando, considerado no seu conjunto, contém diferenças tão insignificantes que podem passar despercebidas aos olhos de um consumidor médio.


20 – Porém, existem algumas diferenças entre a directiva e o regulamento. Por exemplo, o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva é opcional, enquanto o correspondente artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento não o é. Outra diferença diz respeito à referência geográfica utilizada na apreciação da questão de saber se a marca goza de prestígio. Contudo, quanto a este último aspecto, o Tribunal de Justiça já decidiu que, no plano territorial, a existência do prestígio numa parte substancial de um Estado‑Membro, para efeitos da Directiva 89/104/CEE, ou da Comunidade, para efeitos do Regulamento n.° 40/94, basta para a proibição do uso desse sinal [v. acórdãos General Motors, n.os 28 e 29, e de 6 de Outubro de 2009, PAGO International (C‑301/07, Colect., p. I‑09429, n.os 27 e 30)]. Embora não se devam esquecer as diferenças de redacção, estas não impedem que os resultados da presente análise da directiva sejam extensíveis ao regulamento.


21 – V. M. Strasser, «The Rational Basis of Trademark Protection Revisited: Putting the Dilution Doctrine into Context», Fordham Intellectual Property, Media and Entertainment Law Journal, Vol. 10 (2000), p. 375, pp. 393 a 395.


22 – Para a jurisprudência a respeito das situações de dupla identidade, v. por exemplo o acórdão de 11 de Setembro de 2007, Céline (C‑17/06, Colect., p. I‑7041).


23 – O Tribunal de Justiça declarou que, se um Estado‑Membro proceder à transposição do artigo 5.°, n.° 2, da directiva, deve conceder aos produtos ou serviços idênticos ou semelhantes uma protecção, no mínimo, tão alargada quanto aos produtos ou serviços não semelhantes. A opção do Estado‑Membro incide, assim, sobre o próprio princípio da concessão de uma protecção reforçada em proveito das marcas de prestígio, mas não sobre as situações abrangidas por esta protecção, quando ele a concede. V. acórdão de 23 de Outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux (C‑408/01, Colect., p. I‑12537, n.° 20).


24 – Acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Davidoff (C‑292/00, Colect., p. I‑389, n.° 30).


25 – Acórdão Adidas‑Salomon e AdidasBenelux, n.° 22.


26 – Uma vez que não podem ser introduzidas alterações substanciais nos actos objecto de um processo de codificação, creio que a adopção em 2008 de uma versão codificada da Directiva 89/104 através da Directiva 2008/95 em nada alterou a validade da jurisprudência Davidoff de 2003 [v. também a proposta da Comissão no documento COM(2006)812].


27 – Acórdão Google France e Google, n.° 99, bem como o despacho eis.de, n.° 28, e acórdãos BergSpechte, n.° 41, e Portakabin, n.° 54.


28 – Tal poderá ser o caso sempre que o titular da marca seja informado desta possibilidade de proibir o uso por terceiros das suas marcas como palavras‑chave e o recurso a esta possibilidade não exigir formalidades desrazoáveis nem implicar quaisquer custos.


29 – Acórdão Google France e Google, n.° 99.


30 – Recordo que o Tribunal de Justiça salientou no acórdão Google France e Google (n.° 65) que «a circunstância de o sinal utilizado pelo terceiro para fins publicitários não aparecer na própria publicidade não pode significar, só por si, que essa utilização seja alheia ao conceito de ‘uso […] para produtos ou serviços’, na acepção do artigo 5.° da Directiva 89/104». O acórdão Google France e Google abrangeu três processos: no processo C‑236/09, a marca em questão aparecia no anúncio de um terceiro, ao passo que, nos processos C‑237/08 e C‑238/08, a marca em questão não aparecia no anúncio (v. n.os 62 e 63 do acórdão).


31 – V. Directiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa (versão codificada, JO L 376, p. 21).


32 – Quanto à função de publicidade, verifica‑se que a argumentação desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Google France e Google (n.° 98) parece ser transponível para o presente caso. Contudo, voltarei infra à questão dos custos «por clique» acrescidos da Interflora no contexto da minha análise sobre o «aproveitamento» (free‑riding).


33 – Acórdão Google France e Google, n.° 68. Pelos motivos que adiante explicarei, creio que esta presunção é inilidível no caso de uma marca com carácter distintivo e único intrinsecamente forte. Porém, no caso de várias marcas idênticas pertencentes a diferentes titulares ou de marcas baseadas em nomes ou palavras descritivas ou genéricas, esta presunção pode estar errada. Por exemplo, um internauta que digita «nike» como palavra‑chave pode estar à procura de informação ou ofertas relativas, não apenas a artigos desportivos, mas eventualmente também a uma deusa grega ou à tecnologia produzida pela firma sueca Nike Hydraulics AB.


34 – Pode ser útil recordar que «o direito de marca constitui efectivamente um elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter» (v. acórdão de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club (C‑206/01, Colect., I‑10273, n.° 47). Creio que o objectivo da concorrência económica consiste em reforçar o bem‑estar do consumidor mediante a introdução de melhores substitutos (em termos de qualidade, características ou preço) aos produtos existentes, promovendo‑se, neste contexto, a eficiência e as inovações que conduzem a uma afectação mais racional dos factores de produção.


35 – A seguinte informação encontra‑se num dos sítios Web da Interflora: «Interflora is the world’s largest and most popular flower delivery network. Interflora has become synonymous with a concept that once would have been impossible to believe – that within a day a beautiful bouquet or gift can be personally delivered with style across the world. [A Interflora é a maior rede de entrega de flores do mundo e também a mais popular. A Interflora tornou‑se sinónimo do conceito – que, no passado, teria sido considerado impossível – de que, no prazo de um dia, é possível entregar pessoalmente e com estilo, em todo o mundo, um ramo de flores ou uma prenda.]». V. http://www.interflora.co.uk/page.xml?page_name=help_about (visitado em 31 de Janeiro de 2011).


36 – A noção de «significado secundário da marca» é conhecida em todas as ordens jurídicas, mas o seu significado (sic!) e o seu âmbito de aplicação variam. Em determinadas ordens jurídicas diz respeito a situações nas quais o direito de marca é adquirido através do uso, em vez de registo, noutras, diz também respeito a situações nas quais um sinal não distintivo pode ser registado como marca por ter adquirido um significado secundário distintivo. Também se pode pensar que todas as marcas, sem excepção, requerem o seu uso para se tornarem firmadas nos espíritos dos círculos interessados, adquirindo assim prestígio ou um determinado significado secundário estabelecido. V. L. Holmqvist, Degeneration of Trade Marks. A Comparative Study of the Effects of Use on Trade Mark Distinctiveness, Jurist‑ och samhällvetareförbundets Förlags AB (JSF), Malmö 1971, pp. 117‑126.


37 – A questão de saber se a INTERFLORA adquiriu tal significado secundário deve ser dirimida pelo órgão jurisdicional nacional. Porém, verifica‑se que a questão 4(a) implica a presença de tal significado, uma vez que os registos relevantes da marca (v. supra, nota 3) não fornecem qualquer indicação no sentido de INTERFLORA ser usada como marca a respeito de uma rede comercial.


38 – V. despacho de reenvio de 16 de Julho de 2009 (referido no n.° 30, supra), n.° 29.


39 – A noção de diluição da marca foi desenvolvida no direito alemão sobre a concorrência desleal e foi introduzida na doutrina dos Estados Unidos por Schechter (F.Schechter, «The rational basis of trademark protection», Harvard Law Review 1927, p. 813). Schechter salientou a preservação do carácter distintivo das marcas únicas (ou seja, marcas arbitrárias, inventadas ou fantasiadas) como o principal objectivo da protecção contra a diluição. Os posteriores desenvolvimentos da doutrina colocaram a ênfase na questão da protecção das marcas notoriamente conhecidas contra a perda do carácter distintivo resultante do uso de sinais idênticos ou semelhantes para diferentes produtos ou serviços, v. Holmqvist, op.cit., pp. 147, 155‑156, as conclusões apresentadas em 10 de Julho de 2003 pelo advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Adidas‑Salomon e Adidas Benelux, n.° 37, e as conclusões apresentadas em 26 de Junho de 2008 pela advogada‑geral E. Sharpston no processo Intel Corporation, n.° 30.


40 – V. G. Lunney, «Trademark Monopolies», Emory Law Journal Vol. 48 (1999), p. 367. Lunney considera prejudicial do ponto de vista da política da concorrência a recente pendência, na legislação e na jurisprudência, pela abordagem assente na propriedade, uma vez que permite aos titulares de marcas notoriamente conhecidas grangear vantagens de monopólio sem quaisquer benefícios reais para os consumidores. Strasser, op.cit., defende a visão oposta e considera a abordagem assente na propriedade benéfica também do ponto de vista económico.


41 – Como referiu a advogada‑geral J. Kokott nas conclusões que apresentou em 3 de Dezembro de 2008 no processo Copad (C‑59/08, Colect., p. I‑3421, n.° 50), «o direito de marca visa garantir a possibilidade de um controlo sobre a qualidade dos produtos e não o exercício efectivo deste controlo.»


42 – V., por exemplo, M. Levin, «The wording is not always what it seems to be – On Confusion, Association and Diluição», in L. Kooy, (ed.), 25th Anniversary of CETA. Past, Present and the Future. The Development of Trade Marks, Designs and Related IP Right in Europe, European Communities Trade Mark Association, The Hague 2005, pp. 51 a 64, 60. A autora faz referência à chamada doutrina do «veneno para ratos» dos países nórdicos (segundo a qual o titular de uma marca para alimentos pode impedir o uso de uma marca semelhante para o veneno para ratos) e à jurisprudência CLAERYN/ KLAREIN do Benelux (v. acórdão de 1 de Março de 1975 do Tribunal de Justiça Benelux, Colgate‑Palmolive/Bols, A 74/1).


43 – V. nota 12, supra.


44 – Nos Estados Unidos da América, o «aproveitamento» (free‑riding) ou a apropriação abusiva não foram incluídos na protecção contra a diluição da marca que é conferida pela lei federal, apesar de terem sido reconhecidos em alguns acórdãos. V. I. Simon, «Dilution by blurring – a conceptual roadmap», Intellectual Property Quarterly, 2010, pp. 44 a 87, p. 56.


45 – Contudo, em muitos sistemas jurídicos, a protecção contra a depreciação e o aproveitamento também podem ser – ou são em alternativa – conferidos no âmbito da legislação em matéria da repressão da concorrência desleal.


46 – Creio que a Interflora não acusa a Marks & Spencer de depreciação das suas marcas.


47 – V. acórdãos L’Oréal e o., n.os 58 e 59, e Google France e Google, n.os 75 a 79.


48 – No acórdão Davidoff, o Tribunal de Justiça baseou o seu raciocínio no facto de a protecção das marcas prestigiadas ser menos eficaz no caso de produtos semelhantes do que no caso de produtos dissemelhantes, uma vez que o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), exige o risco de confusão (n.os 27 a 29). Não creio que esta razão tenha aplicação no caso de sinais idênticos e de produtos ou serviços idênticos, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), não exige que se verifique um risco de confusão (v. acórdão L’Oréal e o., n.os 58 e 59).


49 – Acórdão L’Oréal e o., n.° 64


50 – V. a análise efectuada pelo advogado‑geral P. Mengozzi nas conclusões que apresentou em 10 de Fevereiro de 2009 no processo L’Oréal e o., n.os 31 a 61, e as afirmações críticas dos tribunais ingleses referidas na nota 11 supra.


51 – Acórdão Intel Corporation, já referido, n.os 30 e 31 e a jurisprudência aí referida.


52 – Importa acrescentar que existe em diversas fases de desenvolvimento um grupo de métodos e tecnologias denominados «semântica Web» para permitir que as máquinas compreendam o significado – ou «semântica» – da informação na World Wide Web. Se estiver bem informado, os prestadores de serviços de referenciamento na Internet desenvolveram vários métodos para reforçar a relevância dos resultados das buscas tendo isto em conta, mas tal não significa que os motores de busca na Internet passarão a «compreender» o significado de uma palavra‑chave.


53 – Creio que a marca nominativa INTERFLORA é, enquanto tal, única. Não obstante, existem alguns registos de marcas comunitárias com algumas semelhanças (por exemplo, N.° 3371549, marca nominativa INTERFLO para as classes 9, 12, 37; N.° 2178887, marca nominativa INTERFORUM SIGLO XXI para a classe 42; ou N.° 3036944 marca figurativa INTERFLOOR para as classes 1, 6, 8, 17, 19, 20, 27, 37). Enquanto marca comercial, INTERFLORA é uma marca sugestiva, próxima de ser descritiva (é formada por uma palavra latina que designa flores e por um prefixo latino que significa entre ou no meio de).


54 – V. Acórdão Intel Corporation, já referido, n.os 72 a 74.


55 – Lembro que, na aplicação do direito das marcas da UE a respeito daquelas que gozam de prestígio, estas marcas também estão protegidas para produtos ou serviços dissemelhantes. De acordo com a jurisprudência, também as marcas «de nicho», que não são únicas mas são notoriamente conhecidas numa zona geográfica relativamente limitada, são consideradas marcas que gozam de prestígio para efeitos de aplicação do artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 89/104 (v. Acórdão General Motors, n.° 31, e Senftleben, op.cit., p. 54). Pode haver, por exemplo, marcas de equipamentos médicos que certamente gozam de prestígio e são extremamente conhecidas das pessoas dos meios interessados, mas são desconhecidas do público em geral (por exemplo, sistemas de imagiologia necessárias na radiologia ou o equipamento utilizado na cirurgia dentária). As marcas também podem gozar de prestígio junto de um público especializado numa área bastante limitada (por ex., determinadas marcas de facas de cirurgia num Land alemão). Embora seja esta a situação nos termos da Directiva 89/104, nos termos do Regulamento 40/94 o prestígio deve existir a nível da UE [v. artigo 9.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento]. Nos Estados Unidos, pelo contrário, a protecção da lei federal contra a diluição exige, nos termos do Trade Mark Dilution Revision Act 2005, que a marca seja amplamente reconhecida pela generalidade do público consumidor dos Estados Unidos (v. nota 9 supra).


56– Gostaria de acrescentar que o tradicional enquadramento do direito das marcas no tocante à apreciação da resposta do consumidor face à utilização de um sinal é problemática se for aplicada unicamente à escolha das palavras‑chave, pois, na publicidade efectuada através de motores de busca, a associação no espírito do internauta que executa uma busca com um determinado termo de pesquisa precede a apresentação do anúncio patrocinado, ou seja, o momento em que o efeito causal da utilização da marca se torna perceptível para o internauta.


57 – Acórdão Google France e Google, n.os 51 e 52; v. também as conclusões apresentadas em 22 de Setembro de 2009 pelo advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo na origem deste acórdão, n.° 150.


58 – Acrescentado por mim.


59 – Acórdão Google France e Google, n.° 83.


60 – Como antes concluí, em circunstâncias muito específicas relativas à natureza dos produtos ou dos serviços e relacionadas com o prestígio ou o significado secundário da marca, pode haver a possibilidade da violação da função de indicação de origem mesmo quando o anúncio não mencione nem remeta para a marca (v. supra).


61 – Sobre este espectro do carácter distintivo, v. Holmqvist, op.cit., pp. 17‑22.


62 – V. acórdãos Intel Corporation, n.° 29, e L’Oréal o., n.° 39.


63 – Falo de uma fonte ou origem em sentido abstracto, referindo‑me à empresa que controla a produção dos produtos ou a prestação dos serviços cobertos pela marca, e não a um fabricante ou prestador de serviços concreto: v., por exemplo, acórdão Arsenal, n.° 48.


64 – O ofuscamento, neste sentido, não é causado pelo titular da marca que a usa para diversos produtos e serviços, sempre que tenha adquirido prestígio e um carácter distintivo forte através da publicidade e de outros esforços de marketing nos quais o seu titular tenha investido para criar uma imagem da marca. Nesses casos, o público identifica correctamente os diferentes produtos ou serviços cobertos pela marca com tendo uma única origem comercial. O que prejudica o carácter distintivo da marca é a co‑existência de marcas idênticas ou semelhantes que cobrem diferentes produtos ou serviços e que são provenientes de diversas fontes, porque tal impede o desenvolvimento de uma imagem de marca ou dilui a existente.


65 – Na minha opinião, o ofuscamento no sentido de atenuação é um caso análogo ao de um nome de família que perde a sua capacidade de distinguir entre diferentes famílias como grupos com uma origem comum. Assim, Smith é menos distintivo como nome de família do que Windsor. Contudo, a diluição por ofuscamento não significa que a marca perca totalmente o seu carácter distintivo, ou seja, a sua capacidade de servir como marca. Smith pode servir como nome de família, apesar de ser muito comum e STAR pode servir como marca, apesar de ser banal, ou seja, fraca em termos de carácter distintivo. Por outro lado, uma marca degenerada perdeu o seu carácter distintivo e já não pode, pois, servir como marca. Por conseguinte, em teoria, as marcas diluídas não são marcas «semi‑degeneradas» (v. Holmqvist, p. 152). Seja como for, creio que é útil aceitar a degeneração como uma variante do ofuscamento para efeitos da protecção das marcas notoriamente conhecidas, pelo menos nos sistemas jurídicos onde a protecção a respeito de produtos ou serviços idênticos ou semelhantes exija o risco de confusão. Nos Estados Unidos da América, a degeneração ou a «vulgarização» é frequentemente incluída no conceito de diluição, v., por exemplo, Simon, op.cit., pp. 72‑74.


66 – O exemplo de escola clássico é «cellophane», que representa as duas categorias.


67 – Em meu entender, a qualificação da escolha, enquanto tal, de palavras‑chave para efectuar publicidade através dos motores de busca na Internet como correspondendo ao uso de um sinal susceptível de provocar ofuscamento levar‑nos‑ia bem longe do estabelecido pela doutrina da diluição da marca. Tal conduziria a problemas intransponíveis em termos de prova, pois os anúncios patrocinados representam, normalmente, apenas uma fracção da informação exibida ao internauta como resultado da sua busca.


68 – No tocante aos EUA, v. acórdão do Supreme Court of the United States, Moseley et al., DBA Victor’s Little Secret v. V Secret Catalogue, Inc., et al, 537 U.S. 418 (2003), que revogou o acórdão da Court of Appeals for the Sixth Circuit, 259 F.3d 464.


69 – Acórdão L’Oréal e o., n.° 49.


70– V. D. Klerman, «Trademark Dilution, Search Costs, and Naked Licensing», Fordham Law Review, Vol. 74 (2006), pp. 1759–1773, p.1771.


71 – Conclusões apresentadas em 10 de Fevereiro de 2009 pelo advogado‑geral P. Mengozzi no processo L’Oreal e o., n.os105‑111.


72 – Acórdão Google France e Google, n.os 93–95.


73 – Nos Estados Unidos da América, a Secção 43, alínea c), 4(A) do Lanham Act prevê que «[o] uso lícito, por terceiro, de uma marca famosa na publicidade comercial comparativa ou na promoção destinada a identificar os produtos ou serviços concorrentes do titular da marca famosa» não pode ser objecto da acção prevista na Secção 43, alínea c), relativa à diluição da marca.