Language of document : ECLI:EU:C:2013:248

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 18 de abril de 2013 (1)

Processo C‑501/11 P

Schindler Holding Ltd e o.

contra

Comissão Europeia

«Recurso — Concorrência — Cartéis — Artigo 81.° CE — Mercado da instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes — Responsabilidade da sociedade‑mãe pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filiais — Sociedade ‘holding’ — Programa interno de conformidade (programa de ‘compliance’) — Direitos fundamentais — Princípios do Estado de direito na aplicação de coimas — Separação de poderes, princípio da precisão, proibição da retroatividade, proteção da confiança legítima e princípio da culpa — Validade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 — Validade das Orientações da Comissão de 1998»






Índice


I —   Introdução

II — Antecedentes do litígio

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

IV — Apreciação do recurso

A —   Quanto aos princípios da separação de poderes, do Estado de direito e do caráter direto da instrução (primeiro e segundo fundamentos de recurso)

1.     Quanto à aplicação de coimas em matéria de concorrência pela Comissão (primeiro fundamento de recurso)

a)     Nota prévia

b)     Inexistência de obstáculos decorrentes dos direitos fundamentais à aplicação de coimas pela Comissão

c)     Quanto à refutação de outros argumentos das recorrentes

2.     Quanto às exigências em matéria de apreciação de provas pelo Tribunal Geral no quadro do controlo de decisões de aplicação de coimas proferidas pela Comissão (segundo fundamento de recurso)

a)     Admissibilidade

b)     Procedência

3.     Conclusão intercalar

B —   Quanto à responsabilização da empresa pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no seu âmbito de responsabilidade

1.     Quanto à responsabilidade conjunta da sociedade «holding» (sétimo fundamento de recurso)

a)     Quanto à crítica de fundo da Schindler à presunção dos 100% (primeira parte do sétimo fundamento de recurso)

i)     Quanto ao princípio da separação de responsabilidades, consagrado no direito das sociedades

ii)   Quanto à alegada ingerência nas competências dos Estados‑Membros

iii) Quanto à alegada violação da reserva da essencialidade

iv)   Conclusão intercalar

b)     Quanto à crítica da Schindler acerca da aplicação concreta da presunção dos 100% (segunda parte do sétimo fundamento de recurso)

i)     Quanto à importância do «programa de ‘compliance’» da Schindler Holding

ii)   Quanto à exigência de «revelação das relações de grupo»

iii) Quanto ao conceito de «política comercial» no quadro da presunção dos 100%

2.     Quanto ao princípio da culpa (sexto e, em parte, sétimo fundamentos de recurso)

a)     Quanto à alegação segundo a qual a presunção dos 100% conduz a uma responsabilização independente de culpa

b)     Quanto à alegação de que não basta que alguns colaboradores não identificados tenham violado a proibição dos cartéis

3.     Conclusão intercalar

C —   Quanto a outras questões jurídicas suscitadas no contexto da aplicação e do cálculo de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis

1.     Validade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 sob o prisma do princípio da precisão (terceiro fundamento de recurso)

a)     Quanto à alegada indeterminação do conceito de empresa (primeira parte do terceiro fundamento de recurso)

b)     Quanto à alegada indeterminação do quadro sancionatório (segunda parte do terceiro fundamento de recurso)

c)     Conclusão intercalar

2.     Validade das Orientações de 1998 (quarto e quinto fundamentos de recurso)

a)     Competência da Comissão para a adoção das Orientações (quarto fundamento de recurso)

b)     Proibição da retroatividade e proteção da confiança legítima (quinto fundamento de recurso)

3.     O valor de base da coima e as razões que alegadamente implicariam uma redução da coima (décimo, décimo primeiro e décimo segundo fundamentos de recurso)

a)     Quanto à qualificação da infração como «muito grave» (décimo fundamento de recurso)

b)     Quanto às circunstâncias atenuantes (décimo primeiro fundamento de recurso)

c)     Quanto às reduções no valor da coima por cooperação com a Comissão (décimo segundo fundamento de recurso)

i)     Quanto à cooperação no âmbito da comunicação de 2002 (primeira parte do décimo segundo fundamento de recurso)

ii)   Quanto à cooperação fora do âmbito da comunicação de 2002 (segunda parte do décimo segundo fundamento de recurso)

iii) Síntese

4.     O limite máximo de 10% para o montante da coima (oitavo fundamento de recurso)

5.     O direito de propriedade (nono fundamento de recurso)

a)     Nota prévia

b)     Quanto à alegada violação do direito de propriedade enquanto direito fundamental da União

6.     O princípio da proporcionalidade (décimo terceiro fundamento de recurso)

D —   Síntese

V —   Despesas

VI — Conclusão


I —    Introdução

1.        No presente caso questiona‑se uma série de aspetos fulcrais do regime da punição das infrações ao direito em matéria de cartéis. A Schindler Holding Ltd e várias das suas filiais (a seguir também referidas conjuntamente como «Schindler») põem genericamente em causa o sistema existente na União em matéria de aplicação do direito da concorrência, incluindo o papel institucional da Comissão Europeia como autoridade responsável em matéria de concorrência.

2.        A Schindler põe particularmente em causa a validade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 e das Orientações da Comissão de 1998 (2), enquanto fundamento para a aplicação de coimas. Além disso, a Schindler recusa‑se a aceitar os princípios, reconhecidos pelos tribunais da União, da responsabilização solidária das sociedades‑mãe e das respetivas filiais pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no seu âmbito de responsabilidade.

3.        As mencionadas questões de direito são suscitadas no quadro do chamado «cartel dos elevadores», que operou em vários Estados‑Membros da União Europeia, que a Comissão Europeia identificou há alguns anos e que em 21 de fevereiro de 2007 foi objeto de uma decisão de aplicação de coima (a seguir também «decisão controvertida») (3). A Comissão atribuiu a várias sociedades do grupo Schindler, entre elas à sociedade «holding» que lidera o referido grupo, bem como a outras quatro empresas, parte da responsabilidade pelo cartel dos elevadores, tendo‑lhes consequentemente aplicado coimas, que foram calculadas com base no volume de negócios do grupo.

4.        Em primeira instância, a impugnação pela Schindler da decisão controvertida não obteve sucesso; o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, por acórdão de 13 de julho de 2011 (a seguir também «acórdão impugnado» ou «acórdão do Tribunal Geral») (4). A Schindler prossegue agora a sua demanda por via de recurso jurisdicional interposto para o Tribunal de Justiça, invocando, nomeadamente, os seus direitos fundamentais bem como princípios do Estado de direito, tais como a separação de poderes, o princípio da precisão, a proibição da retroatividade, a proteção da confiança legítima e o princípio da culpa.

II — Antecedentes do litígio

5.        A Schindler é um dos principais grupos mundiais fornecedores de elevadores e escadas rolantes. A sua sociedade‑mãe é a Schindler Holding Ltd (a seguir «Schindler Holding»), com sede na Suíça. A Schindler exerce as suas atividades no domínio dos elevadores e escadas rolantes através de filiais nacionais (5).

6.        Durante o verão de 2003, foram transmitidas à Comissão informações sobre a possível existência de um cartel entre os quatro principais fabricantes europeus de elevadores e escadas rolantes que exercem atividades comerciais na União, a saber, a Kone, a Otis, a Schindler e a ThyssenKrupp (6).

7.        As exaustivas investigações da Comissão acabaram por revelar que os mencionados fabricantes de elevadores e escadas rolantes «participaram em quatro infrações únicas, complexas e continuadas ao artigo 81.°, n.° 1, CE em quatro Estados‑Membros, repartindo mercados, através da atribuição ou concertação para a atribuição de contratos relativos à venda, instalação, manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes» (7). Estão concretamente em causa os cartéis dos elevadores belga, alemão, luxemburguês e neerlandês. A duração da participação da Schindler nestes cartéis variou consoante o Estado‑Membro, mas em qualquer dos casos arrastou‑se por vários anos (8).

8.        A Comissão, nos termos da decisão controvertida, aplicou por cada uma das quatro infrações ao direito em matéria de cartéis uma coima a cada uma das empresas que participaram no cartel, tendo recorrido, para efeitos do respetivo cálculo, às Orientações de 1998.

9.        No caso da Schindler, a Schindler Holding foi sempre condenada solidariamente com as suas respetivas filiais nacionais (9). A soma total das coimas aplicadas à Schindler, nos termos referidos, em virtude das quatro infrações, ascende a 143 milhões de euros.

10.      Vários dos destinatários da decisão controvertida impugnaram‑na em primeira instância, através de recursos de anulação no Tribunal Geral (10).

11.      No que concerne ao grupo Schindler, a Schindler Holding, a Schindler Management AG, a Schindler SA (Bélgica), a Schindler Deutschland Holding GmbH (Alemanha), a Schindler Sàrl (Luxemburgo) e a Schindler Liften BV (Países Baixos) interpuseram conjuntamente recurso em primeira instância, junto do Tribunal Geral, em 4 de maio de 2007.

12.      No seu acórdão de 13 de julho de 2011 o Tribunal Geral entendeu não dever conhecer do mérito do recurso no que respeita à Schindler Management AG (11). Quanto ao mais negou provimento ao recurso, condenando as recorrentes nas despesas.

III — Tramitação processual no Tribunal de Justiça

13.      Em 27 de setembro de 2011 a Schindler Holding e todos os seus compartes em primeira instância (a seguir também «recorrentes») interpuseram, conjuntamente, o presente recurso do acórdão do Tribunal Geral. As recorrentes pedem que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      anular o acórdão do Tribunal Geral;

2)      anular a decisão da Comissão;

a título subsidiário, anular ou reduzir as coimas aplicadas às recorrentes na referida decisão;

3)      a título subsidiário, relativamente aos primeiro e segundo pedidos, remeter o processo ao Tribunal Geral para que decida em conformidade com a apreciação jurídica contida no acórdão do Tribunal de Justiça;

4)      em qualquer caso, condenar a Comissão nas despesas das recorrentes nos processos perante o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça.

14.      A Comissão, por seu turno, pede que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      negar totalmente provimento ao recurso;

2)      condenar as recorrentes nas despesas do processo.

15.      O Conselho, que interveio no processo de primeira instância ao lado da Comissão, pede, por fim, que o Tribunal de Justiça se digne:

1)      negar provimento ao recurso no que tange à exceção da invalidade do Regulamento n.° 1/2003;

2)      proferir uma decisão adequada em matéria de despesas.

16.      No âmbito do presente recurso foram apresentadas no Tribunal de Justiça alegações escritas e, posteriormente, alegações orais, em 17 de janeiro de 2013. O Conselho limitou‑se a tomar posição acerca da questão da validade do Regulamento n.° 1/2003, que foi suscitada em especial no contexto do primeiro e do terceiro fundamentos do recurso interposto pela Schindler.

IV — Apreciação do recurso

17.      As recorrentes apresentam, ao todo, treze fundamentos de recurso, através dos quais questionam, em parte, aspetos fulcrais do regime da aplicação de coimas pela Comissão Europeia, pela prática de infrações ao direito em matéria de cartéis. Importa agrupar tematicamente estes fundamentos de recurso, passando‑se, por conseguinte, a apreciá‑los por ordem ligeiramente diferente daquela pela qual foram invocados.

A —    Quanto aos princípios da separação de poderes, do Estado de direito e do caráter direto da instrução (primeiro e segundo fundamentos de recurso)

18.      Através dos seus primeiro e segundo fundamentos de recurso a Schindler questiona, basicamente, a compatibilidade do sistema vigente ao nível da União, em matéria de punição das infrações ao direito em matéria de cartéis, com princípios elementares do Estado de direito.

19.      Por um lado, a Schindler entende que as coimas em matéria de cartéis não podem ser aplicadas pela Comissão, enquanto autoridade administrativa, devendo sê‑lo antes por um órgão jurisdicional independente (primeiro fundamento de recurso; v., a este propósito, o ponto 1 infra). Por outro lado, a Schindler censura a forma da determinação da matéria de facto pela Comissão e pelo Tribunal Geral, que na sua opinião viola o princípio do caráter direto da instrução (segundo fundamento de recurso; v., a este propósito, o ponto 2 infra).

1.      Quanto à aplicação de coimas em matéria de concorrência pela Comissão (primeiro fundamento de recurso)

20.      A Schindler começa por alegar que o facto de as coimas em matéria de cartéis serem aplicadas, ao nível da União, pela Comissão, enquanto autoridade da concorrência no mercado interno, e não por um órgão jurisdicional independente, viola os princípios da separação de poderes e do Estado de direito.

a)      Nota prévia

21.      Apesar de a Schindler se reportar genericamente aos princípios da separação de poderes e do Estado de direito, as suas alegações escritas e orais revelam que no cerne deste primeiro fundamento de recurso se alega a violação do artigo 6.° da CEDH (12), ou seja, a violação do direito a um processo equitativo junto de um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei.

22.      A este propósito, importa notar que o artigo 6.° da CEDH — ao contrário do que é afirmado pela Schindler — não tem aplicação direta ao nível da União. É que a União ainda não aderiu à CEDH, sendo que o artigo 6.°, n.° 2, TUE ainda tem de ser transposto (13).

23.      Não obstante, os direitos fundamentais consagrados no artigo 6.° da CEDH têm já uma considerável relevância prática, ao nível do direito da União. Por um lado, expressam princípios gerais de direito que também são reconhecidos pelo direito da União (artigo 6.°, n.° 3, TUE) (14) e, por outro lado, constituem o critério de interpretação das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que lhes correspondem (artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta) (15).

24.      Neste contexto, o artigo 6.° da CEDH e a jurisprudência proferida a esse respeito pelo TEDH (16) assumem uma relevância não despicienda para dar resposta às críticas formuladas pela Schindler, razão pela qual irei, seguidamente, analisar com especial ênfase este tema. Não obstante, de um ponto de vista formal não é o artigo 6.° da CEDH, per se, mas sim o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, em especial o seu segundo parágrafo, bem como os princípios gerais do direito da União na aceção do artigo 6.°, n.° 3, TUE, que constituem o substrato determinante para a análise das violações dos princípios da separação de poderes e do Estado de direito, alegadas pela Schindler (17).

b)      Inexistência de obstáculos decorrentes dos direitos fundamentais à aplicação de coimas pela Comissão

25.      O direito da concorrência tem natureza quase penal (18) mas não faz parte do núcleo duro do direito penal (19).

26.      Segundo a jurisprudência do TEDH, fora do «núcleo duro» do direito penal as garantias penais resultantes do artigo 6.° da CEDH não são necessariamente aplicáveis com todo o seu rigor (20).

27.      Isto significa, no âmbito do direito da concorrência, que as coimas aplicadas para sancionamento das infrações ao direito em matéria de cartéis não têm necessariamente de ser aplicadas por tribunais independentes, podendo, em princípio, esse poder sancionatório também ser conferido a uma autoridade administrativa. Neste caso, é dado cumprimento às exigências do artigo 6.° da CEDH desde que a empresa afetada possa recorrer de toda e qualquer decisão de aplicação de coima em matéria de cartéis para um órgão jurisdicional de plena jurisdição (francês: «pleine juridiction»; inglês: «full jurisdiction») (21).

28.      O tribunal de recurso, chamado a controlar as decisões de aplicação de coimas em matéria de cartéis, tem, segundo o TEDH (22), de dispor do poder de «rever» em qualquer ponto, tanto de facto como de direito, a decisão da autoridade administrativa (23). Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, tal não significa necessariamente que o próprio tribunal tenha de poder proceder a alterações substanciais (em francês «réformer») em relação a todo e qualquer aspeto da decisão de aplicação de coima. Na realidade, basta que o tribunal tenha competência para examinar todas as questões de facto e de direito relevantes para a solução do litígio nele pendente (24) e que possa anular (em inglês «to quash») a decisão controvertida em todos os seus aspetos (25).

29.      O sistema de proteção jurisdicional instituído ao nível da União — no âmbito do qual as decisões de aplicação de coimas em matéria de direito da concorrência, proferidas pela Comissão, podem ser impugnadas pelas empresas afetadas — cumpre com as mencionadas exigências. Com efeito, constitui jurisprudência assente do nosso Tribunal de Justiça que o juiz da União, em relação às mencionadas decisões, dispõe de dois poderes (26):

¾        Por um lado, o juiz da União procede a uma fiscalização da legalidade (artigo 263.°, primeiro parágrafo, TFUE). Ao contrário do que possa parecer, neste contexto não está limitado a meras questões de direito, podendo igualmente verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência; deve ainda fiscalizar se os elementos fornecidos pela Comissão constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em conta para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem, bem como se a Comissão fundamentou suficientemente a sua decisão. Neste sentido, não existe uma margem de apreciação da Comissão subtraída ao controlo jurisdicional (27).

¾        Por outro lado, o juiz da União, no que tange às sanções de caráter financeiro, dispõe de competência de plena jurisdição (artigo 261.° TFUE, em conjugação com o artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003), que, para evitar mal‑entendidos, seria melhor designar como «pleine juridiction» (em francês) ou «full jurisdiction» (em inglês) em sentido estrito. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (28).

30.      Desta forma, os tribunais da União dispõem, no que concerne às decisões de aplicação de coimas em matéria de cartéis, tanto ao nível da matéria de facto como ao nível do direito, de plena jurisdição (em francês: «pleine juridiction»; em inglês: «full jurisdiction» em sentido amplo), tal como o exige o artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais, interpretado e aplicado à luz do artigo 6.° da CEDH e da jurisprudência do TEDH (29).

31.      A alegação da Schindler, segundo a qual «na prática atual» as decisões da Comissão proferidas em processos em matéria de cartéis não são sujeitas a um controlo jurisdicional pleno, não constitui mais do que uma mera declaração, que não foi, de modo algum, fundamentada, com referência ao presente caso (30). Na realidade, o Tribunal Geral atendeu a todas as questões de facto suscitadas pela Schindler no decurso do processo de primeira instância e analisou‑as detalhadamente.

32.      Tudo ponderado, não tem fundamento a alegação, assente no artigo 6.° da CEDH, da violação dos princípios da separação de poderes e do Estado de direito, pelo facto de as coimas em matéria de cartéis serem aplicadas pela Comissão.

c)      Quanto à refutação de outros argumentos das recorrentes

33.      As recorrentes alegam que, em virtude do valor exorbitante das coimas em matéria de cartéis aplicadas ao nível da União, a Comissão penetra no «núcleo duro» do direito penal, dentro do qual a aplicação de sanções está reservada, nos termos do artigo 6.° da CEDH, a tribunais independentes.

34.      Este argumento não é convincente. A questão de saber se certa matéria é parte integrante do «núcleo duro» do direito penal, na aceção do artigo 6.° da CEDH, não pode ser apreciada unicamente à luz do valor das sanções aplicadas e, muito menos ainda, quando, dentro dessa linha de raciocínio, se ignora a dimensão e a capacidade financeira das empresas afetadas e se toma em conta exclusivamente a vertente nominal dos montantes envolvidos.

35.      Não releva apenas a apreciação quantitativa, mas também — e esse é que é o aspeto decisivo — a apreciação qualitativa das sanções aplicadas. Neste contexto, a Schindler esquece também que as sanções em matéria de cartéis aplicadas ao nível da União — independentemente do seu montante — afetam sempre empresas. O Regulamento n.° 1/2003 não prevê quaisquer sanções penais ou quase penais contra pessoas singulares, e muito menos quaisquer sanções privativas da liberdade. Tudo isto revela uma diferença qualitativa significativa em relação ao «núcleo duro» do direito penal, ao qual parece aludir o TEDH na sua jurisprudência (31).

36.      Além disso, as recorrentes pretendem extrair da jurisprudência do TEDH que fora do domínio dos «pequenos delitos» e dos «processos em massa» a atribuição do poder sancionatório a uma autoridade administrativa não é compatível com as exigências do artigo 6.° da CEDH (32).

37.      A este propósito, basta referir que, segundo a jurisprudência mais recente do TEDH, a aplicação, por uma autoridade da concorrência, de uma coima em matéria de cartéis, de elevado montante, não viola o artigo 6.° da CEDH (33). Este facto acabou por ser reconhecido pelos representantes processuais da Schindler, no decurso da audiência realizada no Tribunal de Justiça.

38.      Quero ainda acrescentar que a aplicação, por autoridades da concorrência, de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis, constitui uma tradição amplamente arreigada, pelo menos na Europa continental.

39.      Por último, as recorrentes entendem que o Tratado de Lisboa impõe uma reavaliação da questão de saber se a Comissão, enquanto autoridade da concorrência, pode aplicar coimas em matéria de cartéis.

40.      Mas também este argumento falha o alvo. Por um lado, a legalidade da decisão controvertida, que foi proferida antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, tem de ser apreciada à luz do regime jurídico então vigente. Por outro lado, a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, não introduziu quaisquer alterações relevantes nas disposições relativas a direitos fundamentais ora em apreço. É certo que este Tratado guindou a Carta dos Direitos Fundamentais para o nível do direito primário vinculativo e determinou que a Carta e os Tratados passam a ter o mesmo valor jurídico (artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE). Porém, o conteúdo do direito fundamental, reconhecido ao nível da União, a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial, encontra‑se fortemente influenciado pelo artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, bem como pela jurisprudência proferida pelo TEDH e pelos tribunais da União acerca desta temática. O conteúdo do referido direito fundamental não foi substancialmente alterado pelo Tratado de Lisboa (34).

41.      É certo que, segundo o artigo 52.°, n.° 3, segundo período, da Carta dos Direitos Fundamentais, o direito da União pode ir além do nível de proteção conferido pela CEDH. Porém, o legislador da União esclareceu que as competências e as atribuições, tal como definidas nos Tratados, não podem ser, de modo algum, modificadas por força das disposições da Carta (artigo 6.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 51.°, n.° 2, da Carta). Com este pano de fundo, os direitos fundamentais consagrados na Carta, nomeadamente o direito a um recurso efetivo e a um tribunal imparcial, na aceção do artigo 47.° da Carta, não podem servir como fundamento para uma alteração substancial da repartição de competências entre a Comissão Europeia, enquanto autoridade da concorrência no mercado europeu, e o Tribunal de Justiça da União Europeia, enquanto instância de fiscalização jurisdicional.

2.      Quanto às exigências em matéria de apreciação de provas pelo Tribunal Geral no quadro do controlo de decisões de aplicação de coimas proferidas pela Comissão (segundo fundamento de recurso)

42.      Para além da sua crítica basilar ao papel institucional da Comissão na aplicação de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis, as recorrentes alegam ainda uma violação do princípio do caráter direto da instrução. Segundo referem, nem a Comissão nem o Tribunal Geral procederam, no presente caso, à determinação da matéria de facto no quadro de uma «instrução direta». Mais concretamente, a Comissão baseou‑se apenas em documentos escritos e não também em testemunhos prestados por pessoas singulares. Além disso, foram ouvidas testemunhas que beneficiam do regime de clemência sem estarem obrigadas a dizer a verdade e sem ser na presença de todos os intervenientes no processo. Ainda segundo as recorrentes, isto constitui uma violação do artigo 6.°, n.os 1 e 3, alínea d), da CEDH (35). O Tribunal Geral tem o dever, em decorrência do princípio do Estado de direito, de proceder, em casos como aquele que ora se discute, à sua própria investigação dos factos.

a)      Admissibilidade

43.      A Comissão suscita dúvidas quanto à admissibilidade deste fundamento de recurso. Esta exceção tem de ser apreciada sob dois prismas diferentes.

44.      A alegação da Schindler é inadmissível na parte em que critica a Comissão por ter baseado a sua produção de prova em elementos escritos fornecidos por testemunhas que beneficiam do regime de clemência, sem posterior verificação. É que, como bem refere a Comissão, está aqui em causa um novo fundamento de recurso que não foi invocado, sob esta forma, junto do Tribunal Geral. É certo que, em primeira instância, a Schindler referiu outros aspetos jurídicos da prova produzida no quadro do regime de clemência (36), mas não o fez especificamente no que concerne à falta de verificação dos elementos fornecidos pelas testemunhas que beneficiam desse regime, que é o aspeto no qual concentra agora a sua alegação. Desta forma, a Schindler alarga, em termos inadmissíveis, o objeto do presente litígio, em relação ao processo de primeira instância (37).

45.      Contudo, a situação já é diferente em relação ao outro argumento da Schindler, segundo o qual também o Tribunal Geral violou o princípio do caráter direto da instrução. Através desta alegação, a Schindler dirige uma crítica, em concreto, contra o acórdão impugnado, sendo que a mesma, pela própria natureza das coisas, só podia ser formulada em fase de recurso jurisdicional. Portanto, o segundo fundamento de recurso é admissível, na parte em que tem por objeto o procedimento do Tribunal Geral em matéria de prova.

b)      Procedência

46.      Contudo, o argumento da Schindler não convence.

47.      O processo de recurso direto perante os tribunais da União caracteriza‑se pelos princípios do dispositivo e da alegação dos factos pelas partes. Neste sentido, é exigível ao recorrente que identifique os elementos contestados da decisão controvertida, formule alegações a esse respeito e apresente provas ou, pelo menos, indícios sérios, para demonstrar que as suas alegações são procedentes (38).

48.      Tal como as recorrentes acabaram por reconhecer no decurso da audiência no Tribunal de Justiça, a Schindler, em momento algum do processo de primeira instância, pôs em causa a exatidão da matéria de facto apurada pela Comissão ou requereu a inquirição de testemunhas, apesar de ser inequívoco que teve suficientes oportunidades para o fazer perante o Tribunal Geral. Antes pelo contrário, a Schindler, nos termos das constatações, não contestadas, do Tribunal Geral, reconheceu expressamente os factos apresentados na comunicação de acusações (39).

49.      Nestas circunstâncias, a Schindler não pode, nesta fase do processo de recurso, invocar com o mínimo de razão que o Tribunal Geral não cumpriu devidamente as suas obrigações relativamente ao esclarecimento da matéria de facto.

50.      Seja como for, segundo jurisprudência constante, o Tribunal Geral é o único juiz da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos (40). Em última análise, a questão que se coloca é a de saber se o Tribunal Geral considera ou não necessário o esclarecimento de algum aspeto da matéria de facto para proferir a sua decisão.

51.      Só em casos muito excecionais é que será de admitir que a ampla margem de apreciação do Tribunal Geral para avaliar quais os meios de prova que são adequados e necessários para provar determinado facto se adensa ao ponto de se convolar no dever de ordenar, por sua própria iniciativa, a produção de prova adicional, mesmo que nenhuma das partes o tenha requerido. Ainda mais será assim quando as partes no processo — como sucede no caso em apreço — são grandes empresas com alguma experiência em questões de direito de concorrência e representadas por advogados especializados.

52.      A circunstância de a Comissão, no âmbito de uma decisão de aplicação de coimas em matéria de cartéis, se ter baseado essencialmente nas declarações de uma testemunha que beneficia do regime de clemência, não é adequada, por si só, a constituir o Tribunal Geral na obrigação de ordenar, por sua própria iniciativa, a produção de prova adicional.

53.      Quero ainda acrescentar que não se deve atribuir às observações escritas apresentadas por empresas no quadro de processos em matéria de cartéis, logo à partida, um valor probatório menor do que aquele que se reconhece às declarações orais prestadas por pessoas singulares. Antes pelo contrário, atendendo à complexidade de muitos processos em matéria de cartéis é praticamente inevitável — e, em todo o caso, extremamente útil para a investigação e fixação da matéria de facto — o recurso a documentos escritos, incluindo aqueles que foram voluntariamente fornecidos por empresas que intervieram nos cartéis.

54.      É, sem dúvida, necessário verificar cuidadosamente se, no caso concreto, as declarações de uma empresa — em especial de uma empresa que interveio num cartel e que beneficia do regime de clemência — não constituem uma exposição unilateral, incompleta ou inexata dos factos ou não se caracterizam por um excessivo furor acusatório contra os demais intervenientes no cartel. Contudo, isto não implica que se deva pôr logo à partida globalmente em causa a veracidade e o valor probatório das declarações escritas das testemunhas que beneficiam do regime de clemência no quadro de um processo em matéria de cartéis ou que se deva genericamente atribuir‑lhes menor relevância do que aos demais meios de prova.

55.      Tanto mais que os restantes participantes no cartel têm oportunidade, ainda na pendência do processo administrativo, de consultar as provas em que a Comissão se baseia e de lhe apresentar, sendo caso disso, uma outra versão dos factos (artigo 27.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1/2003), podendo, desta forma, se for preciso, contradizer a apreciação dos factos baseada em afirmações de testemunhas que beneficiam do regime de clemência ou, ao menos, colocá‑la a outra luz.

56.      Porém, se nenhum dos intervenientes no processo contrariou o conteúdo da apreciação dos factos realizada pela Comissão e assente em afirmações de testemunhas que beneficiam do regime de clemência, e também não existem indícios de que essas afirmações enfermam de unilateralidade, inexatidão ou falta de veracidade, não existe motivo para que o Tribunal Geral proceda a averiguações adicionais e ordene nova produção de prova, por sua própria iniciativa.

57.      Em termos gerais, o Tribunal Geral não pode estar obrigado a ordenar a produção de prova a propósito de todas as possíveis questões de pormenor relativas à matéria de facto, no essencial não controvertida, apurada pela Comissão — vejam‑se, a título de exemplo, os pormenores mencionados pela Schindler na réplica que apresentou no processo de recurso (41) —, quando tais pormenores, como sucede no caso em apreço, são irrelevantes ou, no limite, têm uma importância marginal para a boa decisão da causa. A título de exemplo: se para qualificar a gravidade da infração não faz juridicamente diferença saber se um cartel teve um impacto elevado ou reduzido no mercado, então também não é necessário produzir prova acerca desse mesmo impacto (42).

3.      Conclusão intercalar

58.      Pelo exposto, as alegações da Schindler, no sentido de terem sido violados princípios basilares do Estado de direito, carecem de fundamento. Por conseguinte, importa julgar improcedentes o primeiro e o segundo fundamentos de recurso.

B —    Quanto à responsabilização da empresa pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no seu âmbito de responsabilidade

59.      O sexto e o sétimo fundamentos de recurso tratam dos princípios de direito da União, reconhecidos em jurisprudência constante, relativos à responsabilização das empresas pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no seu âmbito de responsabilidade. Por um lado, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral aceitou indevidamente a responsabilidade conjunta da Schindler Holding em relação às infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas quatro filiais nacionais (sétimo fundamento de recurso; v., a este propósito, o ponto 1 infra). Por outro lado, alegam, em termos gerais, a violação do princípio da culpa (sexto e, em parte, sétimo fundamentos de recurso; v., a este propósito, o ponto 2 infra).

1.      Quanto à responsabilidade conjunta da sociedade «holding» (sétimo fundamento de recurso)

60.      O sétimo fundamento de recurso tem por objeto os princípios segundo os quais, no direito da União, as sociedades‑mãe respondem conjuntamente com as filiais por si detidas a 100% pelas infrações ao direito em matéria de cartéis. No cerne da questão está a dita «presunção dos 100%». Segundo a mesma, no caso de a sociedade‑mãe deter 100% (ou quase 100%) da filial, existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce uma influência determinante no comportamento no mercado da sua filial. Esta presunção aplica‑se ainda que a sociedade‑mãe controle a filial por intermédio de uma outra sociedade, quando a sociedade‑mãe detém 100% (ou quase 100%) das participações numa sociedade intercalar e esta, por seu turno, detém 100% (ou quase 100%) da filial. Segundo a jurisprudência, esta participação de 100% (ou quase 100%) permite considerar a sociedade‑mãe e a sua filial como formando uma única empresa, o que, em consequência, conduz a que se considere que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável por infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pela sua filial.

61.      É incontestável que esta presunção dos 100% tem vindo a ser aplicada em jurisprudência constante dos tribunais da União — a chamada jurisprudência Akzo Nobel (43) —, sendo que, mais recentemente, foi confirmada por duas vezes por acórdãos da Grande Secção do Tribunal de Justiça (44).

62.      Não obstante, as recorrentes entendem que o Tribunal Geral, em aplicação da presunção dos 100%, pressupôs erradamente a responsabilidade conjunta da Schindler Holding, enquanto sociedade‑mãe do grupo Schindler, com as suas quatro filiais nacionais na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo, pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no âmbito do cartel dos elevadores. Por um lado, as recorrentes põem em causa a legalidade da presunção dos 100%, enquanto tal [v., a este propósito, a alínea a) infra], e por outro lado, criticam a aplicação concreta ao presente caso, pelo Tribunal Geral, desta presunção dos 100% [v., a este propósito, a alínea b) infra].

a)      Quanto à crítica de fundo da Schindler à presunção dos 100% (primeira parte do sétimo fundamento de recurso)

63.      Na primeira parte do sétimo fundamento de recurso a Schindler faz uma crítica de fundo à presunção dos 100%, enquanto tal. Esta crítica assenta, no essencial, em três argumentos, que passo a analisar.

i)      Quanto ao princípio da separação de responsabilidades, consagrado no direito das sociedades

64.      A Schindler começa por afirmar, tal como já fizera no processo de primeira instância, que a presunção dos 100% viola o princípio da separação, que domina o direito das sociedades e segundo o qual as pessoas coletivas, por norma, são autónomas e respondem separadamente, não sendo admissível atuar contra os detentores das respetivas participações sociais. Só excecionalmente é que se admite a derrogação deste «princípio da separação de responsabilidades» e, neste caso, com pressupostos estreitos, nomeadamente quando uma sociedade‑mãe assumiu conscientemente a responsabilidade por dívidas da sua filial ou quando lhe é imputável o seu próprio comportamento indevido.

65.      É verdade que o princípio da separação constitui um princípio amplamente arreigado no direito das sociedades dos Estados‑Membros, que tem uma importância prática não despicienda, sobretudo em questões de responsabilidade civil relacionada com sociedades comerciais — por exemplo, sociedades por quotas ou sociedades anónimas.

66.      Contudo, no quadro da apreciação da responsabilidade no âmbito do direito em matéria de cartéis, de certa empresa, a existência de um «corporate veil» entre uma sociedade‑mãe e a sua filial não pode assumir caráter decisivo. Na verdade, o que é determinante é a realidade económica, pois o direito da concorrência não se rege por formalidades, mas sim pelo comportamento concreto das empresas (45) no mercado. Para efeitos de determinação, à luz do direito em matéria de cartéis, da influência do comportamento no mercado de uma empresa sobre a concorrência não é relevante saber qual a configuração jurídica que as pessoas singulares ou coletivas que estão por trás dela escolheram para regular as respetivas relações jurídicas.

67.      A questão de saber se uma sociedade‑mãe e as suas filiais atuam no mercado como se formassem uma empresa única não pode, portanto, ser apreciada sob um prisma puramente jurídico‑formal. Do mesmo modo, também não se pode apurar unicamente à luz do direito das sociedades se uma filial estabelece o seu comportamento no mercado de forma autónoma ou se está sujeita à influência determinante da sua sociedade‑mãe. De outra forma, as sociedades‑mãe poderiam facilmente subtrair‑se à responsabilidade por infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filias detidas a 100%, bastando‑lhes invocar questões relevantes apenas a nível de direito das sociedades (46).

68.      Deste modo, foi com razão que o Tribunal Geral julgou improcedente a objeção, apresentada pela Schindler e fundamentada exclusivamente com base no direito das sociedades, contra a presunção dos 100% e, mais genericamente, contra os princípios consagrados no direito da União da responsabilidade conjunta das sociedades‑mãe relativamente às infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filiais (47).

ii)    Quanto à alegada ingerência nas competências dos Estados‑Membros

69.      A Schindler alega, ainda, que a jurisprudência dos tribunais da União, acerca da responsabilidade conjunta das sociedades‑mãe por infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filiais constitui uma ingerência nas competências dos Estados‑Membros. É que, segundo a Schindler, é da exclusiva competência dos Estados‑Membros determinar quando pode ser ultrapassada a separação de responsabilidades que, por norma, existe entre a sociedade‑mãe e as suas filiais.

70.      Como a Comissão bem refere, este argumento constitui uma nova questão que foi invocada, pela primeira vez, já em fase de recurso. Assim sendo, esta parte do sétimo fundamento de recurso é, desde logo, inadmissível (48).

71.      Mas este argumento da Schindler também não convence a nível material.

72.      É evidente que a União, em virtude do princípio da atribuição, atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objetivos fixados por estes últimos (artigo 5.°, n.° 2, primeiro período, em conjugação com o n.° 1, primeiro período, TUE, antes artigo 5.°, primeiro parágrafo, CE). Além disso, cada instituição da União atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados (artigo 13.°, n.° 2, primeiro período, TUE) e todas as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem aos Estados‑Membros (artigo 4.°, n.° 1, e artigo 5.°, n.° 2, segundo período, TUE).

73.      Contudo, carece de todo e qualquer fundamento a afirmação segundo a qual a União não dispõe de competência para responsabilizar conjuntamente as sociedades‑mãe e as respetivas filiais detidas a 100% pela prática de infrações ao direito em matéria de cartéis.

74.      Com efeito, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, o poder sancionatório da Comissão não se restringe à aplicação de medidas a pessoas coletivas específicas — por exemplo, a sociedades de certo grupo envolvidas diretamente num cartel —, mas permite à Comissão aplicar coimas à empresa que cometeu uma infração ao direito em matéria de cartéis. Este poder sancionatório encontra base expressa de direito primário no artigo 83.°, n.° 1, em conjugação com o n.° 2, alínea a), CE [atual artigo 103.°, n.° 1, em conjugação com o n.° 2, alínea a), TFUE].

75.      O conceito de empresa, enquanto tal, também se encontra consagrado no direito primário, gozando portanto, na ordem jurídica da União, de estatuto constitucional (v., em especial, os artigos 81.° CE, 82.° CE, 86.° E e 87.° CE, atuais artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE, 106.° TFUE e 107.° TFUE). A determinação do seu conteúdo e do seu alcance, através da interpretação, faz parte das funções específicas do Tribunal de Justiça da União Europeia, chamado a garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (artigo 19.°, n.° 1, segundo período, TUE).

76.      Enquanto elemento nuclear das regras da concorrência, necessárias ao funcionamento do mercado interno, o conceito de empresa tem de ser interpretado e aplicado uniformemente em toda a União e não pode depender das especificidades do direito nacional das sociedades dos Estados‑Membros. De outra forma não se poderia assegurar às empresas que operam no mercado interno um quadro jurídico uniforme («level playing field»).

77.      Embora atualmente os Estados‑Membros continuem, em larga medida, a ser competentes para regular o direito das sociedades, não é menos certo que — como noutras áreas do direito (49) — os Estados‑Membros devem exercer essas competências observando o direito da União pertinente e respeitando as competências da União (50).

78.      Portanto, tudo ponderado deve a argumentação avançada pelas recorrentes, baseada na incompetência da União, ser julgada inadmissível ou, em qualquer caso, infundada.

iii) Quanto à alegada violação da reserva da essencialidade

79.      A Schindler alega, ainda, que a determinação dos princípios da responsabilidade conjunta de uma sociedade‑mãe pelas infrações ao direito em matéria de cartéis, cometidas pelas suas filiais, não pode ser deixada à prática da Comissão e dos tribunais da União, estando antes reservada ao seu legislador. Segundo refere, é o que resulta da reserva da essencialidade, tal como se encontra consagrada, desde o Tratado de Lisboa, no artigo 290.°, n.° 1, TFUE.

80.      Também este argumento constitui, em relação ao processo de primeira instância, uma nova questão, pelo que é inadmissível, pelas mesmas razões supra expostas a propósito do argumento da ingerência nas competências dos Estados‑Membros (51).

81.      Em termos materiais importa realçar que o artigo 290.°, n.° 1, TFUE, enquanto tal, não é, de todo, aplicável à questão ora em apreço, visto que só se reporta ao caso da adoção de atos pela Comissão em complemento ou alteração de atos legislativos dos órgãos da União. Diferentemente, o sancionamento de infrações ao direito em matéria de cartéis insere‑se, ao nível da União, na competência originária da Comissão enquanto autoridade da concorrência, a qual não lhe foi conferida pelo Parlamento ou pelo Conselho da União Europeia, mas que é sua por força do direito primário (artigo 105.° TFUE, antes artigo 85.° CE) e, portanto, também independentemente do Regulamento n.° 1/2003.

82.      Mas a Schindler não tem razão, mesmo que se interprete a sua alegação no sentido de que só se reporta ao artigo 290.°, n.° 1, TFUE com o intuito de dele extrair um princípio constitucional geral, segundo o qual as regras essenciais em certo domínio devem ser adotadas pelo poder legislativo e não podem ser delegadas no poder executivo.

83.      O ponto fulcral na responsabilidade conjunta de uma sociedade‑mãe, pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas por filiais por ela detidas a 100% ou quase 100% é, como já se referiu, o conceito de empresa, tal como consagrado no direito da concorrência, e que não se confunde com o de pessoa coletiva. É a empresa que intervém no cartel e é à empresa que é aplicada uma coima, independentemente de serem uma ou mais as pessoas coletivas que dão corpo a essa empresa.

84.      Ao contrário do que pretende a Schindler, a autonomia do conceito de empresa não assenta numa mera prática da Comissão, enquanto órgão executivo, ou do Tribunal de Justiça, enquanto órgão jurisdicional, mas está ancorada nos próprios Tratados. Neste sentido, é logo o direito primário da União que distingue, cuidadosamente, entre o conceito de pessoa coletiva (v., por exemplo, artigos 15.°, n.° 3, TFUE, 54.°, segundo parágrafo, TFUE, 75.°, primeiro parágrafo, TFUE, 263.°, quarto parágrafo, TFUE e 265.°, terceiro parágrafo, TFUE), o conceito de sociedade [artigos 50.°, n.° 2, alínea g), TFUE e 54.°, segundo parágrafo, TFUE], e o conceito de empresa, o qual é utilizado essencialmente no quadro do direito da concorrência [v., por exemplo, os artigos 101.° TFUE, 102.° TFUE, 106.° TFUE e 107.° TFUE].

85.      Por outras palavras, a circunstância de a responsabilidade pela infração ao direito em matéria de cartéis poder ser imputada não necessariamente apenas a uma única pessoa coletiva ou sociedade comercial, mas a uma unidade económica sui generis, que é a empresa que intervém no cartel, é reconduzível a uma vontade originária do legislador do Tratado.

86.      Por conseguinte, a argumentação da Schindler, assente na reserva da essencialidade, não procede.

87.      Isto em nada se altera pelo facto de o legislador da União, no artigo 23.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, ter previsto um regime específico segundo o qual as coimas aplicadas a associações de empresas também podem, em determinadas circunstâncias, ser executadas contra os seus membros. É que esta disposição não trata, de todo, da responsabilidade de empresas pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas próprias, mas sim da responsabilidade das empresas pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas por uma unidade maior que, por seu turno, não tem estatuto de empresa mas é composta por várias empresas. Portanto, a ser possível extrair alguma conclusão do artigo 23.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, relativamente à reserva da essencialidade, então será a de que só é necessário um regime jurídico específico nos casos em que se quer que o círculo daqueles que respondem por uma infração ao direito em matéria de cartéis extravase o âmbito do conceito de empresa.

88.      Em suma, as alegações da Schindler relativas à reserva da essencialidade são inadmissíveis ou, em qualquer caso, infundadas e, por conseguinte, improcedem.

iv)    Conclusão intercalar

89.      Por todo o exposto importa julgar improcedente a primeira parte do sétimo fundamento de recurso.

b)      Quanto à crítica da Schindler acerca da aplicação concreta da presunção dos 100% (segunda parte do sétimo fundamento de recurso)

90.      Na segunda parte do sétimo fundamento de recurso a Schindler dirige a sua crítica à aplicação, em concreto, pelo Tribunal Geral, da presunção dos 100%, em especial no que concerne à exigência de ilisão desta presunção. As recorrentes entendem que o Tribunal Geral, no presente caso, presumiu, sem razão, a responsabilidade conjunta da Schindler Holding, enquanto sociedade‑mãe (52), relativamente às infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas quatro filiais nacionais na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo.

91.      Numa primeira análise, poder‑se‑ia considerar que, com esta crítica, as recorrentes põem simplesmente em causa a apreciação dos factos e das provas feita pelo Tribunal Geral e pedem ao Tribunal de Justiça que substitua pela sua própria apreciação a do Tribunal Geral. Isto seria inadmissível em sede de recurso (53). Na verdade, está aqui em causa, porém, a questão de saber se, ao apreciar os factos e as provas, o Tribunal Geral teve por base critérios e parâmetros corretos. Trata‑se, a este respeito, de uma questão de direito que pode ser examinada pelo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de recurso (54).

92.      Importa, em especial, esclarecer se o simples facto de existir um «programa de ‘compliance’» (em português também denominado «programa de conformidade») (55) é suficiente para libertar a sociedade‑mãe da sua responsabilidade conjunta. As partes discutem também acerca da questão de saber em que medida têm de ser reveladas as «relações de grupo» entre a sociedade‑mãe e as suas filiais a fim de se ilidir a presunção dos 100%.

i)      Quanto à importância do «programa de ‘compliance’» da Schindler Holding

93.      A Schindler entende, antes de mais, que uma sociedade‑mãe fica desde logo liberta da responsabilidade conjunta pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filiais a 100% a partir do momento em que cumpriu as suas obrigações de cuidado e, em especial, que adotou um «programa de ‘compliance’». A Schindler considera que a uma sociedade‑mãe não se pode exigir mais do que a prova de que dispõe de um programa de «compliance» «efetivo».

94.      Esta argumentação não satisfaz. Assenta, se bem se compreende, na ideia errada segundo a qual a responsabilidade conjunta de uma sociedade‑mãe pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas pelas suas filiais detidas a 100% é o resultado da imputação de algum tipo de falta ao nível da própria organização, ou seja, de uma violação do dever de cuidado que impende sobre a sociedade‑mãe. Mas não é assim.

95.      O aspeto determinante para a responsabilização da sociedade‑mãe não é uma organização ou fiscalização deficiente dos processos de trabalho dentro do grupo, mas sim apenas o facto de a sociedade‑mãe, à época da prática da infração ao direito em matéria de cartéis, ter exercido uma influência determinante na política comercial da sua filial. É esta influência determinante — e não algum tipo de falta ao nível da organização — que se presume nos casos em que a filial é detida a 100% ou quase 100% pela sociedade‑mãe (presunção dos 100%).

96.      Por este motivo, para ilidir a presunção dos 100% é irrelevante o facto de a sociedade‑mãe dispor de um programa de «compliance». A existência de um programa deste tipo demonstra que foram feitos certos esforços, no interior do grupo, a fim de evitar infrações ao direito em matéria de cartéis (e de outras infrações em geral) e a sua utilidade é inquestionável. Porém, nenhum programa de «compliance» é suscetível de demonstrar a falta de influência determinante na política comercial da filial ou mesmo de indiciar, da mais ténue forma que seja, que mãe e filial detida a 100% — ao contrário das aparências — não formam uma empresa unitária, na aceção do direito da concorrência.

97.      Mesmo que se admitisse — em sentido contrário ao supra exposto — que a responsabilidade conjunta da sociedade‑mãe pelas infrações ao direito em matéria dos cartéis cometidas pelas suas filiais detidas a 100% assenta na imputação de algum tipo de falta ao nível da própria organização, ainda assim não se poderia afastá‑la através da remissão lapidar para um «programa de ‘compliance’ efetivo», tal como o tenta fazer a Schindler.

98.      De resto, não se pode afirmar, sem mais, existir um programa de «compliance» «efetivo» quando uma ou mais filiais detidas 100%, violaram tão gravemente, ao longo de um período de vários anos, as regras da concorrência em vigor no mercado interno, como ficou provado ter sucedido relativamente à participação da Schindler no cartel dos elevadores na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo.

99.      É certo que um programa de «compliance» não permite evidentemente evitar toda e qualquer violação jurídica, por mais pequena que seja. Mas um programa de «compliance» «efetivo» tem de permitir, por um lado, evitar eficazmente infrações graves e duradouras ao direito em matéria de cartéis e, por outro, identificar e fazer cessar infrações já cometidas ou que se encontrem em curso. Tendo em conta as constatações do Tribunal Geral — que, no essencial, não foram postas em causa — acerca da duração e da gravidade da participação da Schindler no cartel dos elevadores, não é possível, por mais boa vontade que se tenha, vislumbrar indícios de que tenha acontecido algo desse tipo. Desta forma, não se pode partir do princípio de que a Schindler «fez tudo o que estava ao seu alcance» para evitar as infrações ao direito em matéria de cartéis, nem o Tribunal Geral, apesar das insistentes afirmações da Schindler nesse sentido, em alguma passagem do acórdão impugnado deu tal facto como provado (56).

100. Por conseguinte, importa julgar improcedente o argumento da Schindler assente na existência de um «programa de ‘compliance’ efetivo».

ii)    Quanto à exigência de «revelação das relações de grupo»

101. As recorrentes criticam ainda a passagem do acórdão (57) em que o Tribunal Geral considerou insuficiente a restante alegação da Schindler destinada a ilidir a presunção dos 100%.

102. Para as recorrentes o pomo de discórdia reside, em particular, no n.° 90 do acórdão impugnado, no qual o Tribunal Geral se debruça sobre a qualidade da argumentação da Schindler a propósito da sua estrutura interna de gestão e das obrigações de comunicação («reporting lines» e «reporting obligations») de alguns colaboradores das filiais nacionais. O Tribunal Geral decidiu, aí, que o alegado pela Schindler não é suficiente para ilidir a presunção dos 100%, uma vez que as relações sociais entre a Schindler Holding e as suas filiais ativas nos países em causa não foram mais amplamente clarificadas (58).

103. A Schindler contrapõe que, para demonstrar a ausência de influência determinante da sociedade‑mãe sobre as suas filias detidas a 100%, «não se pode de modo algum exigir que se revelem as relações de grupo».

104. Este entendimento está errado. É evidente que é exigível a uma sociedade‑mãe, que queira ilidir a presunção dos 100%, que preste ampla informação acerca das suas relações com as filiais, uma vez que todas as informações que a este propósito possam existir provêm da esfera interna da empresa constituída pela sociedade‑mãe e pela filial.

105. As indicações meramente esporádicas acerca da medida das obrigações de comunicação que recaem sobre alguns colaboradores não permitem fornecer uma imagem completa das relações internas no grupo. Seria necessário que a empresa em causa clarificasse todos os aspetos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem a filial à sociedade‑mãe (59). Em particular, seria necessário, recorrendo a aspetos concretos do quotidiano da empresa, esclarecer se e em que medida a filial definia, ela própria, a sua política comercial e o seu comportamento no mercado, e atuava portanto de modo autónomo, ou seja, independentemente da sua sociedade‑mãe. A simples remissão para a dimensão das obrigações de comunicação dos colaboradores é manifestamente desadequada à demonstração, em termos conclusivos, da falta de influência determinante sobre a política comercial de filiais.

106. Deste modo, a crítica da Schindler ao n.° 90 do acórdão impugnado não tem sustento.

iii) Quanto ao conceito de «política comercial» no quadro da presunção dos 100%

107. As recorrentes alegam ainda, em especial com referência ao n.° 86 do acórdão impugnado, que o Tribunal Geral se baseou num entendimento demasiado amplo do conceito de «política comercial» das filiais, presumindo que são influenciadas de maneira determinante pela sociedade‑mãe, quando esta detém 100% das participações.

108. Este argumento também improcede.

109. Saber se uma filial se encontra sob a influência determinante da sociedade‑mãe no tocante ao seu comportamento no mercado não depende apenas de saber quem determina a sua política comercial em sentido estrito, ou seja, a política de preços, as atividades de produção e de distribuição, os objetivos de venda, as margens brutas, as despesas de venda, o «cash‑flow», as existências e o «marketing». É que, em última análise, o comportamento no mercado de uma filial pode ser influenciado por todos os aspetos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem a filial à sociedade‑mãe. Por isso o Tribunal de Justiça tem vindo a reconhecer que, para ilidir a presunção dos 100%, há que atender a todos esses elementos e que é essencial provar a falta de influência determinante sobre a política comercial, em sentido amplo (60). O Tribunal Geral aplicou corretamente esta jurisprudência ao caso em apreço.

110. Independentemente da controvérsia acerca da amplitude do conceito de política comercial, importa notar que o Tribunal Geral, nos n.os 84 a 90 do acórdão impugnado, apreciou detalhadamente a totalidade das alegações da Schindler apresentadas com vista a contradizer a presunção dos 100% e censurou o facto de as recorrentes, a este propósito, se limitarem a tecer afirmações para as quais não apresentaram elementos de prova (61). Foi com inteira razão que o Tribunal Geral considerou essas meras afirmações insuficientes para ilidir a presunção dos 100% (62).

2.      Quanto ao princípio da culpa (sexto e, em parte, sétimo fundamentos de recurso)

111. Através do sexto fundamento de recurso, bem como de certas partes do sétimo fundamento de recurso, as recorrentes alegam, ainda, que os princípios de direito da União relativos à responsabilização de uma empresa pelas infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas no seu âmbito de responsabilidade violam o princípio da culpa.

112. O argumento da violação do princípio da culpa assenta, bem vistas as coisas, em duas críticas distintas: por um lado, a Schindler critica o facto de o Tribunal Geral ter aplicado a presunção dos 100%, contra a Schindler Holding, em termos tais que conduziu a uma responsabilização independente de culpa (63) [v., a este propósito, a alínea a), infra]. Por outro lado, a Schindler alega que o Tribunal Geral, no acórdão impugnado, «desrespeitou princípios basilares da imputação da responsabilidade», uma vez que considerou bastante, para efeitos de responsabilização em matéria de cartéis, que «nas filiais um qualquer colaborador tenha atuado em violação do direito em matéria de cartéis» (64) [v., a este propósito, a alínea b), infra].

a)      Quanto à alegação segundo a qual a presunção dos 100% conduz a uma responsabilização independente de culpa

113. O facto de o Tribunal Geral ter recusado que o programa de «compliance» da Schindler a eximisse da culpa motiva as recorrentes a alegar que a presunção dos 100% conduz a uma responsabilização da Schindler Holding, enquanto sociedade‑mãe, independente de culpa.

114. É inequívoco que o princípio nulla poena sine culpa (não há pena sem culpa), que emana do princípio do Estado de direito e do princípio da culpa, constitui um dos princípios gerais que importa respeitar no processo em matéria de cartéis ao nível da União. Como referi recentemente noutro local, está em causa um princípio com carácter de direito fundamental, comum às tradições constitucionais dos Estados‑Membros (65).

115. Embora este princípio não seja expressamente mencionado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia nem na CEDH, ele constitui uma conditio sine qua non da presunção de inocência. Por isso, é possível considerar que o princípio nulla poena sine culpa está implicitamente contido quer no artigo 48.°, n.° 1, da Carta, quer no artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, duas disposições que são de reconhecida importância em processos em matéria de cartéis (66). Em última análise, pode considerar‑se que estas disposições da Carta e da CEDH constituem uma concretização processual do princípio nulla poena sine culpa (67).

116. No respeitante às sanções em matéria de cartéis, a aplicar pela Comissão, o princípio nulla poena sine culpa está consagrado no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003: segundo esta disposição, as coimas em matéria de cartéis só podem ser aplicadas por infrações cometidas com dolo ou negligência.

117. É, pois, com inteira razão que as recorrentes realçam a relevância do princípio nulla poena sine culpa, ao qual se referem como «princípio da culpa». Porém, já não têm razão quando alegam que a presunção dos 100% conduz a uma responsabilização da sociedade‑mãe independente de culpa e viola o princípio nulla poena sine culpa, pelo simples facto de se ter recusado eximir a sociedade‑mãe da culpa por esta dispor de um programa de «compliance» interno.

118. Afigura‑se‑me que as recorrentes interpretam incorretamente o conteúdo da presunção dos 100%. Esta presunção nada diz quanto a saber se uma empresa cometeu culposamente (ou seja, dolosa ou negligentemente) uma infração ao direito em matéria de cartéis. Não está em causa uma presunção de culpa. Na realidade, a presunção dos 100% limita‑se a dar resposta à questão de saber quais as partes que compõem a empresa que participou — de forma comprovadamente dolosa ou negligente — num cartel. A determinação da forma como se compõe uma empresa ainda nada diz quanto à imputação da culpa relativamente à atuação ilícita do cartel.

119. Nos termos da presunção dos 100%, pode‑se partir do princípio que, em regra, uma sociedade‑mãe e as suas filiais detidas a 100% fazem parte de uma só empresa. Com efeito, no caso de participações nesta ordem de grandeza tudo indica que a sociedade‑mãe exerce uma influência determinante na política comercial das suas filiais.

120. A sociedade‑mãe pode ilidir esta presunção apresentando prova convincente de que a filial em causa, ao contrário das aparências, determina autonomamente a sua política comercial, distinguindo‑se portanto a sua situação do caso normal de uma filial detida a 100% ou quase 100%. Porém, esta contraprova, tal como já referi (68), não pode ser produzida através da mera referência a um programa de «compliance». Na verdade, um programa deste tipo não constitui meio adequado para demonstrar a falta de influência determinante da sociedade‑mãe na política comercial da filial.

121. Se a sociedade‑mãe — como sucede no caso em apreço — não está em condições de provar não ter exercido uma influência determinante na política comercial das filiais, então é considerada um dos sujeitos jurídicos que integram a empresa que participou no cartel em causa. A mesma é — em conjunto com as filiais — a encarnação jurídica da empresa à qual é imputada a violação das regras da concorrência (69).

122. Questão diferente é a de saber se esta empresa, por intermédio dos respetivos colaboradores, cometeu culposamente a infração ao direito em matéria de cartéis. É inequívoco que em caso de dúvida se tem de determinar especificamente a culpa da empresa relativamente à sua participação nas atuações anticoncorrenciais do cartel, em harmonia com o princípio nulla poena sine culpa (70). Porém, a presunção dos 100% nada tem que ver com esta questão da culpa.

123. Por conseguinte, é improcedente a alegação segundo a qual a presunção dos 100% viola o princípio da culpa.

124. Se as recorrentes tivessem querido pôr em causa a culpa da respetiva empresa na atuação do cartel dos elevadores, então deviam tê‑lo alegado. A alegação ora em causa, contra a presunção dos 100%, não produz esse efeito.

b)      Quanto à alegação de que não basta que alguns colaboradores não identificados tenham violado a proibição dos cartéis

125. As recorrentes censuram, ainda, a omissão, no acórdão impugnado, de factos julgados provados que incidam concretamente sobre a questão de saber quais os seus colaboradores que participaram nos atos ilícitos cometidos pelo cartel dos elevadores. Na opinião da Schindler, o Tribunal Geral «desrespeitou princípios basilares da imputação da responsabilidade».

126. Como a Comissão bem refere, a Schindler, em primeira instância, não apresentou uma alegação equivalente. Consequentemente, trata‑se de uma nova questão, cuja primeira invocação, já em fase de recurso, é inadmissível (71).

127. Mas também materialmente este argumento está longe de ser sólido.

128. As recorrentes não puseram em causa, em qualquer fase do processo, serem as pessoas que, da parte da Schindler, participaram nas atuações anticoncorrenciais do cartel dos elevadores, colaboradores seus. Por conseguinte, o acórdão impugnado não carecia, logo à partida, de quaisquer considerações mais detalhadas acerca da exata identidade dessas pessoas (72) e da eventual imputação à Schindler do respetivo comportamento.

129. As recorrentes também não têm razão caso se entenda esta alegação como tendo o sentido de que à Schindler Holding e às quatro filiais nacionais só pode ser imputado o comportamento ilícito dos respetivos representantes legais ou de colaboradores especialmente mandatados. É que, segundo jurisprudência constante, a aplicação da proibição dos cartéis, em vigor na União, não pressupõe uma atuação nem mesmo o conhecimento dos sócios ou dos gerentes da empresa em causa. Na realidade, basta a atuação de uma pessoa autorizada a agir por conta da empresa (73).

130. E caso se pretendesse que num processo em matéria de cartéis só se pode imputar às empresas a conduta dos respetivos colaboradores cujo comportamento anticoncorrencial tivesse comprovadamente origem em instrução concreta ou em mandato da administração da empresa, ou pelo menos tivesse sido por esta conscientemente tolerada, então estar‑se‑ia a tirar toda a qualquer eficácia prática à proibição em matéria de cartéis em vigor na União. Seria então fácil para as empresas subtraírem‑se à sua responsabilização por infrações ao direito em matéria de cartéis, recorrendo a fundamentos puramente formais.

131. O que sucede é que a uma empresa, em regra, são imputáveis todos os comportamentos ilícitos — mesmo aqueles que foram praticados sem conhecimento e sem aprovação expressa da administração da empresa — verificados no seu âmbito de responsabilidade. Entende‑se ser este o caso, em princípio, sempre que os atos forem praticados pelos próprios colaboradores no quadro da respetiva atividade para a empresa.

132. A mera circunstância de os colaboradores de uma empresa, no âmbito de um programa de «compliance», serem alertados regularmente para a necessidade de atuarem de modo conforme ao direito não pode bastar para libertar a empresa da sua responsabilidade em matéria de cartéis. É que, se apesar de tal programa foram cometidas, ao longo de vários anos, infrações graves ao direito em matéria de cartéis, é legítimo partir do princípio que os esforços de «compliance» realizados na empresa não foram suficientes (74) e, em especial, que não foram criados incentivos adequados para evitar que os colaboradores da empresa se comportassem ilicitamente.

3.      Conclusão intercalar

133. Tudo ponderado, não podem ser acolhidas as alegações da Schindler a propósito da responsabilidade conjunta da Schindler Holding, enquanto sociedade‑mãe, e do princípio da culpa. O sexto e o sétimo fundamentos de recurso devem, portanto, ser julgados improcedentes.

C —    Quanto a outras questões jurídicas suscitadas no contexto da aplicação e do cálculo de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis

134. Através dos seus outros fundamentos de recurso a Schindler suscita uma série de questões de direito relativas à aplicação e ao cálculo de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis.

1.      Validade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 sob o prisma do princípio da precisão (terceiro fundamento de recurso)

135. No âmbito do terceiro fundamento de recurso a Schindler põe em causa a validade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 como base jurídica para a aplicação, pela Comissão, de coimas em matéria de cartéis. Segundo a Schindler, esta disposição viola a exigência de precisão, consagrada no direito penal.

136. O princípio da precisão, cuja aplicação às sanções em matéria de cartéis foi já reconhecida pelo Tribunal de Justiça (75), decorre do princípio da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege). Este princípio é um dos princípios gerais de direito na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros (76) e tem entretanto, por força do artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o estatuto de direito fundamental da União. Segundo a exigência de homogeneidade (artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta) importa, na interpretação do artigo 49.° da Carta, ter em consideração o artigo 7.° da CEDH e a jurisprudência do TEDH proferida a seu propósito.

137. Resulta da exigência de precisão que a lei tem de definir claramente as infrações e as penas que as reprimem (77) (nullum crimen, nulla poena sine lege certa).

138. A Schindler alega que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 se encontra redigido em termos demasiadamente indeterminados no que toca ao conceito de empresa aí utilizado, por um lado [v., a este propósito, a alínea a) infra], e no que toca ao quadro sancionatório aí previsto, por outro lado [v. a este propósito, a alínea b) infra].

a)      Quanto à alegada indeterminação do conceito de empresa (primeira parte do terceiro fundamento de recurso)

139. No que tange à alegada indeterminação do conceito de empresa, no âmbito do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, importa notar que a Schindler não apresentou esta alegação em primeira instância. Trata‑se, portanto, de uma nova questão, que não pode ser invocada em fase de recurso porque iria alargar, em termos inadmissíveis, o objeto do presente litígio (78).

140. Mas o argumento também não procede materialmente.

141. É verdade que o conceito de empresa não se encontra definido em termos exatos, nem no direito primário, nem no direito derivado. Contudo, a utilização de conceitos indeterminados em disposições legais — mesmo como fundamento da punibilidade em disposições do direito penal tradicional — não é nada fora do comum (79).

142. É dado cumprimento ao princípio nullum crimen, nulla poena sine lege certa quando o particular pode saber, a partir da redação da disposição pertinente e, na medida do necessário, com o auxílio da interpretação adotada pelo tribunais, quais os atos e omissões que o fazem incorrer em responsabilidade penal (80).

143. É o que sucede no que tange ao conceito de empresa no direito da concorrência, tal como é utilizado no contexto da proibição dos cartéis no direito da União (artigo 101.° TFUE, antes artigo 81.° CE) e nas normas sancionatórias correspondentes [artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003]. Desde há décadas que este conceito é interpretado pelos tribunais da União da mesma maneira («qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento») (81).

144. Além disso, tal como já se referiu (82), é desde logo no direito primário que se distingue claramente entre os conceitos de pessoa coletiva, de sociedade e de empresa. Foi, portanto, por vontade originária do legislador dos Tratados que uma infração ao direito em matéria de cartéis pode ser imputada não necessariamente apenas a uma única pessoa coletiva ou sociedade, mas também a uma unidade económica sui generis, que é a empresa implicada no cartel. Esta distinção entre os conceitos de pessoa coletiva e de empresa mantém‑se ao nível do direito derivado, como resulta, nomeadamente, da comparação entre os artigos 7.°, n.° 2, e 23.° do Regulamento n.° 1/2003.

145. Além disso, os tribunais da União reconheceram, em jurisprudência constante, que uma empresa implicada num cartel pode ser composta por várias pessoas coletivas, em especial por uma sociedade‑mãe e a(s) respetiva(s) filial(is) (83). A jurisprudência desenvolveu, além disso, critérios claros, mormente a presunção dos 100% (84), destinados a permitir, se for caso disso, a responsabilização conjunta destas sociedades.

146. Nestas circunstâncias, nenhum particular pode seriamente sustentar que o conceito de empresa, enquanto base para a aplicação de sanções em matéria de cartéis, é pouco concreto ou que empresa, na aceção do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, só abrange a pessoa coletiva que participou diretamente na atuação do cartel.

147. Por conseguinte, importa julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento de recurso.

b)      Quanto à alegada indeterminação do quadro sancionatório (segunda parte do terceiro fundamento de recurso)

148. As recorrentes alegam, ainda, que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 confere à Comissão poderes para aplicar coimas sem prever um quadro jurídico suficientemente definido para o efeito.

149. Os tribunais da União já se pronunciaram por várias vezes acerca de críticas semelhantes, dirigidas contra o quadro jurídico para a aplicação de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis, e sempre as julgaram improcedentes (85). É certo que a maioria da jurisprudência foi proferida a propósito do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (86), mas aplica‑se sem mais ao regime subsequente, de conteúdo essencialmente idêntico, consagrado no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

150. O Tribunal Geral interpretou e aplicou correta e detalhadamente esta jurisprudência consolidada, no acórdão impugnado (87), pelo que me abstenho de voltar a expô‑la. Depois de ter apreciado os argumentos da Schindler, tanto os que foram apresentados por escrito como aqueles que o foram oralmente, não vislumbro motivo para propor ao Tribunal de Justiça que se arrede da referida jurisprudência.

151. Em particular, a entrada em vigor, entretanto ocorrida, do Tratado de Lisboa não fornece motivo para uma reapreciação exaustiva da problemática. Com efeito, o conteúdo da exigência de precisão no direito penal, reconhecida ao nível da União, encontra‑se fortemente influenciado pelo artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, bem como pela jurisprudência do TEDH e dos tribunais da União, proferida a este propósito. O Tratado de Lisboa não introduziu alterações relevantes no conteúdo do mencionado direito fundamental (88). Também não parece ser necessário, precisamente num domínio como o do direito em matéria de cartéis, que não faz parte do núcleo duro do direito penal (89), conferir uma proteção mais ampla do que a da CEDH, ao abrigo do artigo 52.°, n.° 3, segundo período, da Carta dos Direitos Fundamentais. Acresce que mesmo no direito penal tradicional os quadros sancionatórios são, em regra, formulados em termos muito latos, dispondo os órgãos de repressão penal de uma ampla margem de decisão no tocante à determinação concreta da sanção em cada caso.

152. A circunstância, por si só, de o valor nominal das coimas aplicadas pela Comissão por infrações ao direito em matéria de cartéis ter aumentado consideravelmente nos últimos anos, não permite, ao contrário do que pretende a Schindler, concluir pela excessiva indeterminação do quadro jurídico. Constitui jurisprudência consolidada que a Comissão não está impedida de aumentar o nível das coimas em matéria de cartéis, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 1/2003 (antes Regulamento n.° 17), se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União (90).

153. Também o princípio nulla poena sine lege certa não impede a adaptação, na aplicação de uma norma penal, a circunstâncias alteradas — em especial no que toca à frequência, à complexidade e à gravidade das infrações (91). O mesmo é válido, por maioria de razão, para disposições meramente quase penais como o artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 (92), às quais, como já se referiu, não são necessariamente aplicáveis com todo o seu rigor as garantias fundamentais que vigoram para o núcleo duro do direito penal (93).

154. Do mesmo modo não procede a crítica da Schindler dirigida ao limite máximo da coima de 10% do volume de negócios total da empresa, previsto no artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003. É certo que este limite máximo é de valor variável, uma vez que não corresponde a um valor máximo nominal absoluto, mas sim a uma percentagem do volume de negócios. Porém, isto não significa que o regime não seja suficientemente determinado. Cada empresa conhece o respetivo volume de negócios e pode, por isso, prever, sem qualquer dificuldade, qual o montante máximo que certa coima pode atingir, caso pratique uma infração ao direito em matéria de cartéis. Este grau de previsibilidade satisfaz as exigências do princípio nulla poena sine lege certa (94).

155. Seja como for, como referi mais recentemente noutro local (95), o cálculo da coima não é um processo mecânico, que permita prever com antecedência, para cada cartel, de maneira matematicamente exata, qual o montante de uma eventual sanção. Uma tal previsibilidade da sanção até à última casa decimal também não seria, aliás, apropriada, na medida em que facilitaria demasiado aos participantes no cartel o cálculo prévio do «preço» da sua atuação ilegal, permitindo‑lhes decidir se lhes seria mais vantajoso optar por uma prática comercial ilegal ou legal. Deste modo estar‑se‑ia a pôr seriamente em causa uma das funções básicas do sistema sancionatório do direito em matéria de cartéis, a saber o efeito dissuasor.

156. Por todas as razões referidas, importa julgar improcedente a alegação das recorrentes, segundo a qual o quadro sancionatório previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 é incompatível com direito hierarquicamente superior.

157. Por fim, a reserva da essencialidade, alegada a título subsidiário pela Schindler, nada altera quanto ao que se acabou de expor. Tal como já se referiu supra noutro contexto (96), este princípio constitucional impõe que as regras essenciais em certo domínio sejam adotadas pelo poder legislativo, sem possibilidade de delegação no poder executivo. No caso do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 foi dado cumprimento à referida exigência, visto que foi o próprio legislador da União que estabeleceu, em termos suficientemente precisos, o quadro dentro do qual são aplicadas as coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis.

c)      Conclusão intercalar

158. Por todo o exposto importa julgar totalmente improcedente o terceiro fundamento de recurso.

2.      Validade das Orientações de 1998 (quarto e quinto fundamentos de recurso)

159. Quanto ao mais, as recorrentes criticam as Orientações de 1998, cuja validade põem em causa, alegando que a Comissão não teria competência para a sua adoção [v., a este propósito, a alínea a), infra] e que se teria procedido a uma aplicação retroativa das referidas orientações [v., a este propósito, a alínea b), infra].

a)      Competência da Comissão para a adoção das Orientações (quarto fundamento de recurso)

160. Com o seu quarto fundamento de recurso a Schindler invoca a «ineficácia das orientações para o cálculo de coimas, de 1998, por falta de competência legislativa da Comissão».

161. Tenho sérias dúvidas quanto à admissibilidade deste argumento, uma vez que não se indica, em passagem alguma, contra que parte concreta do acórdão se dirige (97).

162. Mesmo supondo que a Schindler se insurge contra o n.° 133 do acórdão impugnado, a sua alegação, quanto a este aspeto, assenta manifestamente na ideia incorreta de que as Orientações de 1998 constituem um ato legislativo ou, pelo menos, uma norma jurídica vinculativa, que fixaria a «punibilidade» das infrações ao direito em matéria de cartéis ou as sanções aplicáveis às mesmas.

163. Porém, não é assim (98). A base jurídica para a aplicação de coimas em matéria de cartéis é constituída exclusivamente pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o qual, como já foi referido (99), cumpre perfeitamente as exigências que decorrem tanto da reserva da essencialidade como do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege certa. Neste sentido, as orientações para o cálculo das coimas, nomeadamente as Orientações de 1998, não visam, à partida, colmatar quaisquer lacunas do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

164. Na realidade, por um lado, as Orientações de 1998 contêm um esclarecimento da prática administrativa da própria Comissão (100). Por outro lado, através destas Orientações a Comissão, na sua qualidade de autoridade da concorrência da União Europeia, adota aí um parecer geral de política da concorrência, no quadro da responsabilidade que lhe foi atribuída em matéria de manutenção e desenvolvimento de um sistema de concorrência não falseada no mercado interno europeu (101). Dispõe de poderes para o efeito, nos termos do artigo 85.° CE, em conjugação com o artigo 211.°, segundo travessão, CE (atual artigo 105.° TFUE, em conjugação com o artigo 292.°, quarto período, TFUE).

165. Por conseguinte, improcede o quarto fundamento de recurso.

b)      Proibição da retroatividade e proteção da confiança legítima (quinto fundamento de recurso)

166. A Schindler alega, através do seu quinto fundamento de recurso, dirigido contra os n.os 117 a 130 do acórdão impugnado, que a aplicação das Orientações de 1998 ao presente caso viola a proibição da retroatividade, consagrada no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, bem como o princípio da proteção da confiança legítima. Esta crítica dever‑se‑á ao facto de o cartel dos elevadores, no qual a Schindler participou, ter iniciado a sua atividade antes de 1998.

167. Tal como já foi referido noutro contexto (102), esta alegação não deve ser apreciada diretamente à luz da CEDH mas sim da Carta dos Direitos Fundamentais — neste caso do artigo 49.° da Carta —, que, porém, deve ser interpretada e aplicada em harmonia com o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH (artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta).

168. A alegação da Schindler não é materialmente procedente.

169. Os tribunais da União já se pronunciaram por várias vezes acerca de argumentos semelhantes, sobre a prática da Comissão na aplicação de coimas por infrações ao direito em matéria de cartéis, e sempre os julgaram improcedentes. Negaram que se tenha verificado uma violação da proibição da retroatividade ou do princípio da proteção da confiança legítima (103) nos casos em que a Comissão alterou o método por si adotado no cálculo das coimas e em que aplicou o novo método a infrações ao direito em matéria de cartéis cuja prática se iniciara em momento anterior.

170. O Tribunal Geral interpretou e aplicou corretamente esta jurisprudência consolidada, no acórdão impugnado (104), pelo que me abstenho de voltar a expô‑la. Depois de ter apreciado os argumentos da Schindler, não vislumbro motivo para propor ao Tribunal de Justiça que se arrede da referida jurisprudência.

171. Desde a entrada em vigor do Regulamento n.° 17, em 1962, que a Comissão pode aplicar às infrações ao direito em matéria de cartéis coimas até 10% do volume de negócios total da empresa em causa.

172. A Schindler não podia confiar em que, enquanto perdurasse o cartel dos elevadores, não se verificaria jamais uma alteração do método inicialmente adotado pela Comissão para efeitos de cálculo das coimas e da ordem de grandeza, então conhecida, das coimas aplicadas pela Comissão. É que já então era bem sabido que a Comissão, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 1/2003 (antes Regulamento n.° 17), pode, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União, aumentar o nível das coimas em matéria de cartéis (105).

173. De resto, também no quadro do direito penal geral ninguém pode confiar que certa disposição penal vigente seja sempre aplicada da mesma forma, designadamente com a mesma condescendência ou severidade. Em especial, um particular não pode razoavelmente supor que a prática dos órgãos de repressão penal, no que toca à determinação das sanções aplicáveis a certa infração concreta, nunca venha a evoluir dentro da margem de apreciação conferida pela lei. Pelo contrário, são admissíveis as adaptações da prática a circunstâncias alteradas, tais como a frequência, a complexidade e a gravidade das infrações (106).

174. No presente caso faz ainda menos sentido admitir a existência de uma confiança da Schindler merecedora de tutela, uma vez que as infrações que lhe são imputadas no quadro do cartel dos elevadores foram praticadas maioritariamente após a publicação das Orientações de 1998. A Comissão, com razão, chamou a atenção para este aspeto.

175. Concluindo, o quinto fundamento de recurso também é improcedente.

3.      O valor de base da coima e as razões que alegadamente implicariam uma redução da coima (décimo, décimo primeiro e décimo segundo fundamentos de recurso)

176. Os décimo, décimo primeiro e décimo segundo fundamentos de recurso têm por objeto os detalhes do cálculo das coimas aplicadas à Schindler.

a)      Quanto à qualificação da infração como «muito grave» (décimo fundamento de recurso)

177. Através do décimo fundamento de recurso, a Schindler impugna a qualificação das suas infrações no quadro do cartel dos elevadores como «muito graves». A Schindler entende que estas infrações produziram efeitos muito diminutos sobre o mercado e que o Tribunal Geral não teve suficientemente em conta esta circunstância, atendendo aos montantes de base das coimas a aplicar.

178. A este propósito basta referir que, segundo jurisprudência constante, o efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui, em si mesmo, um critério determinante para a apreciação do montante adequado da coima. Em especial, elementos atinentes ao aspeto intencional podem ter mais importância do que os que dizem respeito aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infrações intrinsecamente graves como a repartição dos mercados (107).

179. São precisamente estas restrições graves, que têm por finalidade uma restrição da concorrência, que eram objeto do cartel dos elevadores. Os intervenientes no cartel pretendiam, nos quatro Estados‑Membros afetados, repartir entre si contratos e mercados. É correto, no âmbito da fixação dos montantes de base das coimas, qualificar estas infrações como «muito graves», independentemente dos seus efeitos concretos sobre o mercado.

180. Por conseguinte, falece o décimo fundamento de recurso.

181. Na parte em que a Schindler, no contexto deste décimo fundamento de recurso, censura o Tribunal Geral por este não ter procedido a uma valoração própria da prova, aplica‑se, na íntegra, o que foi referido supra, a propósito do segundo fundamento de recurso (108). De qualquer modo, não incumbe, em regra, ao Tribunal Geral fiscalizar oficiosamente a ponderação dos elementos levados em consideração pela Comissão para determinar o montante da coima (109).

b)      Quanto às circunstâncias atenuantes (décimo primeiro fundamento de recurso)

182. Através do décimo primeiro fundamento de recurso, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral devia ter considerado, como circunstâncias atenuantes, por um lado, o facto de a Schindler ter cessado voluntariamente a infração na Alemanha, em 2000, e, por outro lado, o facto de a Schindler dispor, para todo o grupo, de um programa de «compliance».

183. Contudo, não existe um tal direito à redução da coima, seja por uma ou por outra das razões invocadas pela Schindler.

184. No que tange à «cessação voluntária da infração» na Alemanha, o Tribunal Geral agiu corretamente ao não reduzir a coima com esse fundamento. A cessação voluntária de uma infração não pode conduzir automaticamente à redução da coima pela prática de uma infração ao direito em matéria de cartéis, pois são determinantes as circunstâncias do caso concreto. No presente caso o Tribunal Geral constatou, nomeadamente, que, segundo os autos, a Schindler deixou «o cartel unicamente devido a um desentendimento com os outros participantes» (110). Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral pôde assumir, sem incorrer em erro de apreciação, que não estava propriamente em causa o «regresso à legalidade» reclamado pela Schindler e pelo qual a empresa poderia, efetivamente, ter merecido uma redução da coima.

185. Já no que concerne aos eventuais programas de «compliance» adotados pelas empresas, já referi que os mesmos só merecem ser considerados se permitirem, por um lado, evitar eficazmente infrações graves e duradouras ao direito em matéria de cartéis e, por outro lado, identificar e fazer cessar infrações já cometidas ou que se encontrem em curso (111). No presente caso o programa de «compliance» da Schindler não produziu manifestamente este efeito positivo, sendo antes que, pelo contrário, segundo a própria Schindler, até dificultou a identificação das infrações (112). Seria absurdo premiar uma empresa com uma coima mais reduzida pelo facto de ter adotado um programa de «compliance» deste tipo, manifestamente inútil.

186. Neste sentido, também o décimo primeiro fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

c)      Quanto às reduções no valor da coima por cooperação com a Comissão (décimo segundo fundamento de recurso)

187. O décimo segundo fundamento de recurso tem por objeto a redução das coimas aplicadas à Schindler, por causa da sua intervenção no cartel na Bélgica, na Alemanha e no Luxemburgo, em virtude da cooperação da empresa com a Comissão, no decurso do processo administrativo. A Schindler defende que, no presente caso, o Tribunal Geral, não atribuiu suficiente importância aos seus contributos, no quadro da cooperação.

i)      Quanto à cooperação no âmbito da comunicação de 2002 (primeira parte do décimo segundo fundamento de recurso)

188. Na primeira parte do décimo segundo fundamento de recurso, a Schindler alega que o Tribunal Geral errou ao reconhecer à Comissão, no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 2002 (dita «comunicação sobre a cooperação») (113), uma margem de apreciação excessivamente ampla, guardando para si apenas o controlo de erros manifestos.

189. É verdade que o Tribunal Geral decidiu que a Comissão dispõe de uma «ampla margem de apreciação» quando é chamada a avaliar se elementos de prova fornecidos por uma empresa, no âmbito da comunicação de 2002, «apresentam um valor acrescentado significativo na aceção do ponto 21 da referida comunicação», sendo que «só um excesso manifesto desta margem pode ser censurado pelo Tribunal» (114).

190. Este entendimento do Tribunal Geral está errado. A apreciação do valor dos meios de prova juntos ao processo administrativo pelas empresas, no âmbito da comunicação de 2002, a fim de cooperarem com a Comissão, é feita juntamente com o cálculo do montante da coima. Neste sentido, fica abrangida pela competência jurisdicional plena do Tribunal Geral (artigo 261.° TFUE em conjugação com o artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003), ao abrigo da qual o Tribunal Geral está habilitado, para além da simples fiscalização da legalidade, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação (115). Neste sentido, o Tribunal Geral, ao aludir neste contexto a uma «ampla margem de apreciação» da Comissão, está a transmitir uma ideia errada da medida da sua própria competência.

191. Sucede que um tal erro de direito não implica necessariamente a anulação do acórdão impugnado (116). Na realidade, o que importa é saber qual o critério adotado pelo Tribunal Geral na apreciação concreta do valor acrescentado pela cooperação da empresa em causa com a Comissão.

192. No presente caso o Tribunal Geral não se absteve, de modo algum, de proceder a uma valoração própria, sendo que se debruçou detalhadamente sobre os argumentos apresentados pela Schindler destinados a demonstrar o alegado valor acrescentado da sua cooperação com a Comissão, no âmbito do processo administrativo (117). Neste sentido, o Tribunal Geral — apesar do seu comentário introdutório juridicamente errado — acabou por dar cumprimento às exigências legais.

193. Em particular, é de rejeitar neste contexto o argumento segundo o qual a prova junta ao processo administrativo pelos intervenientes no cartel constitui sempre um valor acrescentado para a produção de prova da Comissão e tem necessariamente de conduzir a uma redução da coima. O valor da prova não se mede pela sua quantidade (iudex non calculat) nem pelo número de vezes que a Comissão lhe fez referência, na decisão controvertida (118).

194. De resto, não cabe ao Tribunal de Justiça, em processo de recurso, sobrepor a sua própria apreciação do valor acrescentado das indicações fornecidas pela Schindler à apreciação da Comissão e do Tribunal Geral (119). Neste sentido, é dispensável voltar‑se a apreciar se as indicações fornecidas pela Schindler à Comissão valiam tanto como aquelas que foram fornecidas pela ThyssenKrupp, pela Otis e pela Kone ou se trouxeram sequer um valor acrescentado à produção da prova pela Comissão.

ii)    Quanto à cooperação fora do âmbito da comunicação de 2002 (segunda parte do décimo segundo fundamento de recurso)

195. Na segunda parte do décimo segundo fundamento de recurso, a Schindler critica os n.os 350 a 361 do acórdão impugnado e queixa‑se de lhe ter sido concedida uma redução da coima muito diminuta pela cooperação fora do âmbito da comunicação de 2002, mais concretamente apenas 1%, por não negar os factos. A Schindler, invocando o n.° 3, sexto travessão, das Orientações de 1998, entende ter direito a uma maior redução das coimas que lhe foram aplicadas.

196. Esta alegação não convence.

197. Como a Comissão, e bem, refere, o regime previsto no n.° 3, sexto travessão, das Orientações de 1998 não se destina a «recompensar, apesar de tudo, pedidos de imunidade insuficientes». A cooperação prestada pela Schindler, ainda que esteja abrangida pelo «programa de clemência» (ou seja, pela comunicação de 2002), não preenche todos os seus pressupostos, em especial o de constituir um valor acrescentado significativo, pelo que não gera o direito à redução da coima, designadamente por aplicação do n.° 3, sexto travessão, das Orientações de 1998.

iii) Síntese

198. Neste sentido, importa julgar totalmente improcedente o décimo segundo fundamento de recurso.

4.      O limite máximo de 10% para o montante da coima (oitavo fundamento de recurso)

199. No âmbito do oitavo fundamento de recurso a Schindler alega que na aplicação do limite máximo das coimas, de 10%, previsto no artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, há que ter unicamente em conta o volume de negócios das filiais nacionais da Schindler e não o volume de negócios do grupo, da Schindler Holding.

200. Esta alegação carece de lógica. O conceito de empresa no artigo 81.° CE (atual artigo 101.° TFUE), por um lado, e no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, por outro lado, é sempre o mesmo. Ambas as disposições têm de ser interpretadas coerentemente. Por isso, no que toca ao limite máximo de 10% importa recorrer ao volume de negócios da empresa cujos sujeitos jurídicos são a sociedade‑mãe — neste caso, a Schindler Holding — e as suas filiais detidas a 100% — neste caso, as filias nacionais na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo.

201. Este oitavo fundamento de recurso só poderia proceder se, no presente caso — contrariamente ao defendido supra (120) —, a Schindler tivesse razão nas suas críticas à aplicação da presunção dos 100%. Como não a tem, há que julgar improcedente este fundamento de recurso.

5.      O direito de propriedade (nono fundamento de recurso)

202. O objeto do nono fundamento de recurso é o direito de propriedade. A Schindler entende que a aplicação de coimas à Schindler Holding, bem como às respetivas filiais na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo (121), viola, «pelo seu montante exorbitante», «garantias essenciais da UE em matéria de proteção dos investimentos e do direito de propriedade, já sedimentadas no direito internacional, das quais a Schindler beneficia, enquanto empresa suíça». Em especial, a Schindler critica o Tribunal Geral por não ter tido em consideração, neste contexto, a jurisprudência do TEDH em matéria de direito de propriedade.

a)      Nota prévia

203. O direito de propriedade é um direito fundamental que goza de proteção enquanto tal ao nível da União, nos termos do artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais, e que faz parte dos princípios gerais do direito da União (122) (artigo 6.°, n.° 3, TUE). Os particulares que não sejam cidadãos de um Estado‑Membro da União também podem invocá‑lo (123).

204. Uma vez que a União ainda não é parte da CEDH, ao contrário do que é pretendido pela Schindler não é possível recorrer‑se diretamente ao artigo 1.° do Primeiro Protocolo Adicional à CEDH (124) como base jurídica do direito de propriedade (125); contudo, esta disposição, juntamente com a correspondente jurisprudência do TEDH, constitui bitola na interpretação e na aplicação do artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais (artigo 6.°, n.° 1, terceiro parágrafo, TUE, em conjugação com o artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta) (126).

205. A alusão não especificada da Schindler, na sua petição de recurso, a garantias de direito internacional, não se encontra suficientemente concretizada para que possa ser conhecida no presente recurso, pelo Tribunal de Justiça, pelo que é inadmissível (127).

b)      Quanto à alegada violação do direito de propriedade enquanto direito fundamental da União

206. Importa notar, quanto à violação dos direitos fundamentais alegada pela Schindler, que não se afigura sequer ser necessário apreciar a aplicação de uma coima por uma infração ao direito em matéria de cartéis como uma ingerência no direito de propriedade. Com efeito, a empresa afetada não é privada, pelos órgãos da União, de uma concreta posição relativa à propriedade, sendo‑lhe apenas imposta, em termos gerais, a obrigação de pagar certa quantia, a partir do seu património. É neste sentido que o Tribunal Geral salientou, no acórdão impugnado, que a decisão controvertida não afeta a estrutura de propriedade no interior da Schindler (128).

207. Contudo, segundo a jurisprudência do TEDH proferida a propósito do artigo 1.° do Primeiro Protocolo Adicional à CEDH, as coimas devem ser consideradas uma ingerência no direito de propriedade, uma vez que privam os particulares de uma parte do seu património, mais concretamente do montante pecuniário que ficam obrigados a pagar (129). A exigência da homogeneidade obriga a interpretar‑se o artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais de modo a que o direito de propriedade tenha, ao nível da União, os mesmos sentido e âmbito que no quadro da CEDH (artigo 52.°, n.° 3, primeiro período, da Carta).

208. Contudo, o direito de propriedade, segundo jurisprudência constante, não é garantido de maneira absoluta nem ilimitada, mas deve ser tomado em consideração tendo presente a sua função social (130).

209. De resto, o artigo 52.°, n.° 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício de direitos como os consagrados nesta, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros (131).

210. A aplicação de coimas em matéria de cartéis, ao ter por fundamento o artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, tem base jurídica (132). Através dela prossegue‑se um objetivo de interesse público: estas coimas visam a salvaguarda de uma concorrência eficaz no mercado interno (133), em particular ao dissuadirem da prática de infrações ao direito em matéria de cartéis e ao reforçarem a confiança de todos os operadores no mercado na eficácia das regras de concorrência do mercado interno europeu (134).

211. De resto, que a aplicação de sanções financeiras é, em regra, legítima, também é expressamente reconhecido no artigo 1.°, segundo parágrafo, do Primeiro Protocolo Adicional à CEDH. Segundo esta disposição, não fica prejudicado o direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias, nomeadamente, para assegurar o pagamento de multas, sendo que, segundo a jurisprudência do TEDH, dispõem, neste contexto, de margem de apreciação (135).

212. Deste modo, só pode verificar‑se uma violação do direito de propriedade, por via da aplicação de coimas, se for imposto ao particular um encargo excessivo ou se a sua situação financeira for gravemente afetada; por outras palavras, as coimas não podem ser desproporcionadas (136). Segundo a jurisprudência do TEDH, as coimas são desproporcionadas quando estão em causa montantes extremamente elevados, que implicam um encargo tão exorbitante que, na prática, corresponde a um confisco de facto da propriedade (137).

213. O Tribunal Geral cumpriu este grau de exigência ao apreciar se as coimas aplicadas constituem uma intervenção desmesurada e intolerável que viola a própria substância do direito fundamental ao respeito da propriedade (138).

214. A questão de saber se uma coima constitui um tal encargo desproporcionado não pode ser apreciada exclusivamente à luz do seu valor nominal, dependendo antes, decisivamente, da capacidade financeira do seu destinatário. O facto de o TEDH ter considerado a aplicação de coimas no total de quase 8 milhões de euros, pela prática de diversas infrações aduaneiras por uma pessoa singular, como violadora do respetivo direito de propriedade (139), não permite, por si só, que se extraiam quaisquer conclusões relativamente ao presente processo, em que está em causa uma infração grave e duradoura ao direito em matéria de cartéis, cometida por uma grande empresa que opera a nível internacional e que dispõe de filiais em vários Estados‑Membros.

215. É evidente que as coimas aplicadas pela Comissão, ao abrigo do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, podem ser muito onerosas, mesmo para grandes empresas como a Schindler. Mas é essa a sua função e isso não constitui, de modo algum, uma injustiça, em especial no caso da prática de infrações graves e duradouras ao direito em matéria de cartéis, como aquela que ora se discute. Além disso, em casos normais, atendendo ao limite máximo de 10% do volume de negócios total realizado durante o exercício precedente, não é possível que se verifique um encargo excessivo das empresas que, na prática, corresponda a um confisco de facto da propriedade (140).

216. Na verdade, a alegação do confisco, pelas recorrentes, assenta menos no encargo que recai sobre a Schindler enquanto empresa ou sobre a Schindler Holding enquanto pessoa coletiva e mais numa apreciação individualizada dos encargos que alegadamente recairão, em virtude da aplicação das coimas, sobre as três filiais nacionais da Schindler na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo. Contudo, uma tal apreciação individualizada da situação de cada uma das pessoas coletivas será, desde logo, desajustada, sempre que estiver em causa a aplicação de coimas a empresas que formam uma unidade económica e que só formalmente são compostas por várias pessoas coletivas (141).

217. Também a afetação do valor dos investimentos efetuados pela Schindler Holding nas suas três filiais nacionais não constitui, neste contexto, um argumento convincente. Na relação interna depende apenas da própria Schindler Holding as coimas serem suportadas a partir do património de cada uma das várias filiais ou socorrer‑se, para o efeito, do seu próprio património, enquanto sociedade‑mãe. Como foi corretamente referido pelo Tribunal Geral, a determinação das contribuições respetivas de sociedades pertencentes a um mesmo grupo, solidariamente obrigadas ao pagamento de uma mesma coima, incumbe a estas últimas (142).

218. Importa recordar, por fim, que a sociedade‑mãe de um grupo, que exerce influência determinante sobre as suas filiais, e que portanto é quem «puxa os cordelinhos» dentro do grupo, não pode desresponsabilizar‑se relativamente às infrações ao direito em matéria de cartéis cometidas, ainda que em relação ao exterior tenham sido unicamente as filiais a intervir no cartel (143). Por isso, no cálculo das coimas e na apreciação da capacidade financeira da empresa importa considerar, também, a capacidade financeira da sociedade‑mãe.

219. A eficácia das coimas em matéria de cartéis, aplicadas a empresas, ficaria seriamente comprometida se, no cálculo da sanção respetiva, se tomasse em conta a organização interna do grupo e se permitisse que a sociedade‑mãe, financeiramente forte, na sua qualidade de sociedade «holding», pudesse fazer valer a afetação do valor dos investimentos efetuados e, quanto ao mais, «lavasse as mãos», sacudindo a responsabilidade pelo eventual cometimento de infrações ao direito em matéria de cartéis para as suas filiais, financeiramente mais fracas, apesar de ter exercido uma influência determinante sobre as respetivas políticas comerciais.

220. Por todo o exposto, o Tribunal Geral, no quadro da apreciação da questão relativa ao direito de propriedade, socorreu‑se dos critérios jurídicos adequados e, nesta base, negou, com inteira razão, verificar‑se uma violação da propriedade da Schindler (144). Por conseguinte, importa julgar improcedente o nono fundamento de recurso.

6.      O princípio da proporcionalidade (décimo terceiro fundamento de recurso)

221. Por último a Schindler refere‑se, no décimo terceiro fundamento de recurso, ao princípio da proporcionalidade. Segundo a Schindler, o Tribunal Geral não deu a devida atenção a este princípio, nos n.os 365 a 372 do acórdão impugnado.

222. Segundo jurisprudência constante, no âmbito da aplicação de coimas pela prática de infrações ao direito em matéria de cartéis, importa tomar em consideração o princípio da proporcionalidade (145). Nos termos do artigo 49.°, n.° 3, da Carta dos Direitos Fundamentais, este princípio, segundo o qual as penas não devem ser desproporcionadas em relação à infração, adquiriu estatuto de direito fundamental.

223. Porém, em sede de recurso, relativamente à questão da proporcionalidade de uma coima, não compete ao Tribunal de Justiça substituir, por motivos de equidade, pela sua apreciação a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral, sendo antes que se limita a analisar se o Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, incorreu em erros manifestos, por exemplo não ter tomado em conta todos os pontos de vista relevantes (146). Portanto, em processo de recurso a existência de um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, em razão do caráter inapropriado do montante de uma coima, só pode ser declarada excecionalmente, apenas e só quando «o nível da sanção é não só inapropriado mas igualmente excessivo, ao ponto de ser desproporcionado» (147).

224. No presente caso não se vislumbra que o Tribunal Geral tenha incorrido em tais erros de direito.

225. Em primeiro lugar, é desde logo insustentável a alegação da Schindler, segundo a qual o Tribunal Geral, sem apreciar as circunstâncias do caso concreto, se satisfez com a simples constatação de que não foi excedido o limite máximo de 10%, previsto para as coimas no artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003. Na realidade, o Tribunal Geral analisou com extremo detalhe a questão da proporcionalidade da coima aplicada pela Comissão à Schindler, tendo tratado, por exemplo, da especial gravidade da infração, da necessidade de as sanções produzirem um efeito dissuasivo e da dimensão e da capacidade económica da unidade económica representada pela Schindler, enquanto empresa (148).

226. Em segundo lugar, é igualmente pouco convincente o segundo argumento da Schindler, segundo o qual no quadro da apreciação da dimensão e da capacidade económica da empresa não se deveria ter chamado à colação a Schindler Holding. Muito pelo contrário, como já foi referido (149), impunha‑se juridicamente que se considerasse a capacidade financeira de todo o grupo Schindler, incluindo a Schindler Holding enquanto sociedade‑mãe.

227. Por fim, a Schindler tenta pôr em causa a proporcionalidade das coimas considerando exclusivamente o seu valor nominal e invocando para o efeito a jurisprudência do TEDH (150), mas esta argumentação deve ser rejeitada pelas mesmas razões que já referi supra, no contexto do direito de propriedade (151).

228. Portanto, também improcede o décimo terceiro fundamento de recurso.

D —    Síntese

229. Uma vez que nenhum dos fundamentos jurídicos invocados pelas recorrentes procede, importa negar provimento ao recurso, na sua totalidade.

V —    Despesas

230. Se for negado provimento ao recurso, como proponho, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas, nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, sendo que os detalhes decorrem dos artigos 137.° a 146.°, em conjugação com o artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo (152).

231. Nos termos do artigo 138.°, n.os 1 e 2, em conjugação com o artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido; ficando vencidas várias partes, então o Tribunal de Justiça decide acerca da repartição das custas. Uma vez que a Comissão formulou o pedido correspondente e as recorrentes foram vencidas, as despesas devem ficar a cargo das mesmas. Estas devem suportá‑las como responsáveis solidárias, uma vez que apresentaram o recurso conjuntamente (153).

232. Seria concebível condenar o Conselho, que interveio ao lado da Comissão em primeira instância e que participou também no processo de recurso, a suportar as suas próprias despesas, em aplicação do artigo 184.°, n.° 4, segundo período, do Regulamento de Processo (154). Porém, não tem de ser assim, como resulta, desde logo, do teor da disposição em causa («pode»). Na minha opinião, não existem no presente caso razões atendíveis para condenar o Conselho a suportar as suas próprias despesas. É que mesmo considerando que o Conselho tem um considerável interesse institucional em defender a validade do Regulamento n.° 1/2003, há que ter em conta que as recorrentes, nas críticas que dirigiram ao referido regulamento, não suscitaram propriamente questões jurídicas realmente novas, até ao momento não esclarecidas (155). Na verdade, as recorrentes limitaram‑se, neste aspeto, a tentar convencer o Tribunal de Justiça a alterar o sentido da jurisprudência por si até ao momento proferida. É justo que, neste caso, suportem o risco relativo às despesas. Por isso, o Tribunal de Justiça deve condená‑las a suportar — para além das próprias despesas — as despesas do Conselho, do mesmo modo que, noutros casos, condenou o recorrente vencido a suportar as despesas do interveniente em primeira instância ao lado da parte contrária, quando este — como sucede com o Conselho, neste caso — logrou obter vencimento com os pedidos formulados no processo de recurso (156).

VI — Conclusão

233. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida nos seguintes termos:

1)      É negado provimento ao recurso;

2)      As recorrentes suportam solidariamente a totalidade das despesas do processo.


1 — Língua original: alemão.


2 — Comunicação da Comissão — Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «Orientações de 1998»).


3 — Decisão da Comissão, de 21 de fevereiro de 2007, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia (processo COMP/E‑1/38.823 — Elevadores e escadas rolantes), notificada com o número C(2007) 512 final, retificada através de decisão de 4 de setembro de 2007 e resumida no JO 2008, C 75, p. 19.


4 — Acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 2011, Schindler Holding e o./Comissão (T‑138/07, Colet., p. II‑4819).


5 — Considerandos 27 a 32 da decisão controvertida e n.° 3 do acórdão impugnado.


6 — Considerandos 3 e 91 da decisão controvertida e n.° 4 do acórdão impugnado.


7 — Considerandos 3 e 91 da decisão controvertida e n.° 22 do acórdão impugnado.


8 — Artigo 1.° da decisão controvertida e n.° 31 do acórdão impugnado.


9 — Artigo 2.° da decisão controvertida e n.° 31 do acórdão impugnado.


10 — V., a este propósito, para além do acórdão impugnado, os três outros acórdãos do Tribunal Geral de 13 de julho de 2011 proferidos nos processos General Technic‑Otis e o./Comissão (T‑141/07, T‑142/07, T‑145/07 e T‑146/07, Colet., p. II‑4977), ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão (T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, Colet., p. II‑5129), e Kone e o./Comissão (T‑151/07, Colet., p. II‑5313). O acórdão ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão já transitou em julgado, depois da desistência de seis recursos interpostos para o Tribunal de Justiça por diversas sociedades do grupo ThyssenKrupp (processos C‑503/11 P, C‑504/11 P, C‑505/11 P, C‑506/11 P, C‑516/11 P e C‑519/11 P). O recurso interposto do acórdão Kone e o./Comissão ainda se encontra pendente no Tribunal de Justiça (processo C‑510/11 P, Kone e o./Comissão). O Tribunal de Justiça rejeitou, por despachos de 15 de junho de 2012, United Technologies/Comissão (C‑493/11 P), e Otis Luxemburg (antes General Technic‑Otis) e o./Comissão (C‑494/11 P), dois outros recursos que tinham sido interpostos contra o acórdão General Technic‑Otis e o./Comissão.


11 — O Tribunal Geral proferiu esta decisão de não conhecimento parcial do mérito do recurso porque a Comissão, por decisão de 4 de setembro de 2007, retificou a decisão controvertida, eliminando a Schindler Management AG dos seus destinatários (v. os n.os 40 a 44 do acórdão impugnado).


12 — Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), assinada em Roma em 4 de novembro de 1950.


13 — Neste sentido também acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, n.° 44, primeiro período).


14 — Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colet., p. I‑8417, n.° 21), de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colet., p. I‑6677, n.° 39), e de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 37).


15 — Neste sentido, acórdão Åkerberg Fransson (já referido na nota 13, n.° 44, primeiro período).


16 — Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.


17 — Neste sentido, acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, Colet., p. I‑13849, n.os 30 a 33), de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão (C‑386/10 P, Colet., p. I‑13085, n.° 51), de 6 de novembro de 2012, Otis e o. (C‑199/11, n.° 47), e de 29 de janeiro de 2013, Radu (C‑396‑11, n.° 32).


18 — V., a este propósito, as conclusões apresentadas por mim em 3 de julho de 2007 no processo ETI e o. (C‑280/06, Colet., p. I‑10893, n.° 71), e em 8 de setembro de 2011 no processo Toshiba Corporation e o. (C‑17/10, n.° 48), ambas com remissões. O TEDH, por seu turno, reconheceu no seu acórdão Menarini Diagnostics c. Itália de 27 de setembro de 2011 (petição n.° 43509/08, §§ 38 a 45), que uma coima aplicada pela autoridade da concorrência italiana, por infração em matéria de cartéis, tem natureza penal na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. O Tribunal da EFTA segue a mesma linha no seu acórdão de 18 de abril de 2012, Posten Norge/EFTA‑Órgão de Fiscalização da EFTA, dito «Posten Norge» (E‑15/10, n.os 87 e 88), relativo a uma coima aplicada pelo Órgão de Fiscalização da EFTA por infração em matéria de cartéis.


19 — TEDH, acórdão Jussila c. Finlândia de 23 de novembro de 2006 (petição n.° 73053/01, Recueil des arrêts et décisions 2006‑XIV, § 43).


20 — TEDH, acórdão Jussila c. Finlândia (já referido na nota 19, § 43); no mesmo sentido, TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18, n.° 62); v., também, Tribunal da EFTA, acórdão Posten Norge (já referido na nota 18, n.° 89).


21 — TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18, § 59).


22Idem.


23 — Em francês: «le pouvoir de réformer en tous points, en fait comme en droit, la décision entreprise, rendue par l’organe inférieur» [TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18, § 59)].


24 — Em francês: «compétence pour se pencher sur toutes les questions de fait et de droit pertinentes pour le litige» [TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18, § 59)]; em inglês: «jurisdiction to examine all questions of fact and law relevant to the dispute» [TEDH, decisão Valico c. Itália de 21 de março de 2006 (petição n.° 70074/01, Recueil des arrêts et décisions 2006‑III, p. 20, com remissões)].


25 — Em inglês: «the power to quash in all respects, on questions of fact and law, the challenged decision» [TEDH, acórdão Janosevic c. Suécia de 23 de julho de 2002 (petição n.° 34619/97, Recueil des arrêts et décisions 2002‑VII, § 81), e decisão Valico c. Itália (já referida na nota 24, p. 20)].


26 — Acórdão Chalkor/Comissão (já referido na nota 17, n.° 53), bem como acórdãos de 8 de dezembro de 2011, KME e o./Comissão (C‑272/09 P, Colet., p. I‑12789, n.° 93), e KME Germany e o./Comissão (C‑389/10 P, Colet., p. I‑13125, n.° 120).


27 — Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, Colet., p. I‑987, n.° 39), e acórdãos Chalkor/Comissão (já referido na nota 17, n.os 54, 61 e 62) e Otis e o. (já referido na nota 17, n.os 59 a 61).


28 — Acórdãos Chalkor/Comissão (n.° 63) e Otis e o. (n.° 62), ambos já referidos na nota 17.


29 — Neste sentido também acórdãos Chalkor/Comissão (n.° 67) e Otis e o. (n.° 63), ambos já referidos na nota 17.


30 — A crítica da Schindler, segundo a qual o Tribunal Geral não procedeu a uma apreciação própria dos factos, é retomada no segundo fundamento de recurso e será apreciada no âmbito do mesmo (v. infra, n.os 42 a 57 das presentes conclusões).


31 — TEDH, acórdão Jussila c. Finlândia (já referido na nota 19, § 43); no mesmo sentido, TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18, § 62).


32 — As recorrentes referem‑se aos acórdãos do TEDH, Öztürk e Alemanha de 21 de fevereiro de 1984, (petição n.° 8544/79, série A, n.° 73, § 56), e Bendenoun e França de 24 de fevereiro de 1994 (petição n.° 12547/86, série A, n.° 284, § 46).


33 — TEDH, acórdão Menarini Diagnostics c. Itália (já referido na nota 18); estava aí em causa uma coima em matéria de cartéis aplicada pela autoridade da concorrência italiana, no montante de 6 milhões de euros (v. os §§ 41 e 42 do referido acórdão).


34 — A proximidade entre o artigo 47.° da Carta, por um lado, e os artigos 6.° e 13.° da CEDH, por outro lado, encontra clara expressão no preâmbulo à Carta [JO 2007, C 303, p. 17 (p. 29 e seg.)]. Também a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na qual se reconhece o direito a um recurso efetivo como um princípio geral de direito, assenta, decisivamente, nas duas disposições da CEDH (v., a este propósito, os acórdãos referidos na nota 14).


35 — As críticas semelhantes que foram feitas, a título acessório, no quadro do primeiro fundamento de recurso, são apreciadas conjuntamente no presente ponto.


36 — Em primeira instância a Schindler limitou‑se a alegar a incompatibilidade da prova produzida no quadro do regime de clemência com os princípios nemo tenetur se ipsum accusare, nemo tenetur se ipsum procedere e in dubio pro reo, com o princípio da proporcionalidade e com os limites impostos à margem de apreciação da Comissão (v., a este propósito, o quarto fundamento do recurso de primeira instância, que consta dos n.os 68 a 89 da petição).


37 — Acórdãos de 1 de junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o. (C‑136/92 P, Colet., p. I‑1981, n.° 59), de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colet., p. I‑8237, n.° 38), e de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão, dito «AOI» (C‑628/10 P e C‑14/11 P, n.° 111).


38 — Acórdãos Chalkor/Comissão (n.os 64 e 65) e Otis e o. (n.° 61, primeiro período), ambos já referidos na nota 17.


39 — Acórdão impugnado (n.° 57, parte final).


40 — Acórdãos de 10 de julho de 2001, Ismeri Europa/Tribunal de Contas das Comunidades Europeias (C‑315/99 P, Colet., p. I‑5281, n.° 19), de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão (C‑385/07 P, Colet., p. I‑6155, n.° 163), e de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão (C‑89/11 P, n.° 115).


41 — V., a este propósito, n.° 17 da réplica que a Schindler apresentou no processo de recurso.


42 — V. também, a este propósito, as minhas observações acerca do décimo fundamento de recurso (infra, n.os 177 a 180 das presentes conclusões).


43 — Acórdão Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.os 58 a 61); v., ainda, os acórdãos de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colet., p. I‑9925, n.° 29), de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão (C‑90/09 P, Colet., p. I‑1, n.os 39, 40 e 85 a 90), e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão (C‑521/09 P, Colet., p. I‑8947n.os 54 a 60).


44 — Acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxemburg e o./Comissão e o. (C‑201/09 P e C‑216/09 P, Colet., p. I‑2239, n.os 96 a 98), e acórdão AOI (já referido na nota 37, n.os 46 e 47).


45 — V. as conclusões apresentadas por mim em 29 de novembro de 2012 no processo Comissão/Stichting Administratiekantoor Portielje, dito «Portielje» (C‑440/11 P, pendente no Tribunal de Justiça, a seguir «acórdão Portielje»).


46 — V., a este propósito, uma vez mais as conclusões apresentadas por mim no processo Portielje (já referidas na nota 45, n.° 71).


47 — N.os 81 a 83 do acórdão impugnado.


48 — V., a este propósito, a jurisprudência indicada supra na nota 37.


49 — Quanto às competências da União neste domínio v., em especial, o artigo 50.°, n.° 2, alínea g), TFUE.


50 — V., a título de mero exemplo, os acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, Colet., p. I‑225, n.° 21, a propósito dos impostos diretos), de 23 de outubro de 2007, Morgan e Bucher (C‑11/06 e C‑12/06, Colet., p. I‑9161, n.° 24, a propósito da organização dos sistemas educativos e da determinação do conteúdo do ensino), e de 10 de março de 2009, Hartlauer (C‑169/07, Colet., p. I‑1721, n.° 29, a propósito da organização dos sistemas de segurança social).


51 — V. supra, o n.° 70 das presentes conclusões, bem como a jurisprudência indicada na nota 37.


52 — A sociedade‑mãe também é referida pela Schindler como «sociedade líder do grupo». Contudo, por simplicidade, mantenho a referência «sociedade‑mãe», na aceção da jurisprudência Akzo Nobel.


53 — Acórdão de 15 de março de 2007, British Airways/Comissão (C‑95/04 P, Colet., p. I‑2331, n.° 137); v., ainda, acórdãos de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, Colet., p. I‑951, n.° 29), e de 29 de março de 2011, ThyssenKrupp Nirosta/Comissão (C‑352/09 P, Colet., p. I‑2359, n.° 180), bem como Elf Aquitaine/Comissão (já referido na nota 43, n.° 68).


54 — Acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão (C‑109/10 P, Colet., p. I‑10329, n.° 51), e Solvay/Comissão (C‑110/10 P, Colet., p. I‑10439, n.° 46).


55 — Sob o conceito de «compliance» alude‑se genericamente aos esforços feitos dentro da empresa no sentido de se garantir o cumprimento das regras no seu dia a dia. As recorrentes remetem, nas peças processuais por si apresentadas tanto no processo de recurso como em primeira instância, para o código de conduta («code of conduct») que se encontra em vigor no grupo Schindler desde 1996 e para as respetivas orientações («guidelines»), que exigem aos colaboradores da empresa, nomeadamente, que cumpram todas as disposições legais e administrativas aplicáveis («comply with all applicable laws and regulations») e denunciem todas as violações das mesmas. As recorrentes salientam o facto de, regularmente, prestarem informações e darem formação ao respetivo pessoal, sublinhando, ainda, que o cumprimento das referidas regras internas da empresa é objeto de uma contínua fiscalização, sendo sancionadas de forma consequente as violações que sejam verificadas. As recorrentes entendem que o programa de «compliance» da Schindler é «exemplar».


56 — No n.° 88 do acórdão impugnado, ao qual a Schindler faz repetidas vezes referência, o Tribunal Geral não procede, de modo algum, à fixação de matéria de facto, limitando‑se a colocar a hipótese «de que a Schindler Holding tenha podido fazer todos os possíveis», mas claramente sem fazer sua esta afirmação.


57 — N.os 84 a 90 do acórdão impugnado.


58 — Acórdão impugnado (n.° 90, parte final).


59 — Acórdãos Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.os 65 e 74) e General Química e o./Comissão (já referido na nota 43, n.° 51); no mesmo sentido, acórdãos Elf Aquitaine/Comissão (já referido na nota 43, n.° 54) e AOI (já referido na nota 37, n.° 43).


60Idem.


61 — N.os 86, 87 e 90 do acórdão impugnado.


62 — Acórdão Elf Aquitaine/Comissão (já referido na nota 43, n.os 57 e 61), e despacho de 13 de setembro de 2012, Total e o./Comissão (C‑495/11 P, n.° 57).


63 — Este argumento é exposto, em especial, no quadro da segunda parte do sétimo fundamento de recurso.


64 — Este argumento é objeto do sexto fundamento de recurso.


65 — V. as conclusões apresentadas por mim em 28 de fevereiro de 2013 no processo Schenker e o. (C‑681/11, ainda não publicadas na Coletânea, n.os 40 e 41).


66 — Acórdão de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão (C‑199/92 P, Colet., p. I‑4287, n.os 149 e 150, a respeito do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH) e acórdão E.ON Energie/Comissão (já referido na nota 40, n.os 72 e 73, a respeito do artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais); já no mesmo sentido, acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão (27/76, Colet., p. 77, n.° 265).


67 — V. novamente as conclusões apresentadas por mim no processo Schenker e o. (já referidas na nota 65, n.° 41).


68 — V., supra, n.os 93 a 100 das presentes conclusões.


69 — V., a este propósito, as conclusões apresentadas por mim em 23 de abril de 2009 no processo Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.° 98).


70 — Por exemplo, nas conclusões apresentadas por mim no processo Schenker e o. (já referidas na nota 65, em especial n.os 38 a 48) referi que não pode ser aplicada uma coima a uma empresa por esta ter infringido a proibição dos cartéis, tal como consagrada no direito da União, quando a empresa se equivocou quanto à legalidade do seu comportamento e este erro não lhe pode ser censurado.


71 — V., a este propósito, a jurisprudência referida supra na nota 37.


72 — A Comissão, com razão, nota que a decisão controvertida contém todas as indicações exigíveis, a este propósito (v. os considerandos 157, 224, 311, 347 e 387 da referida decisão).


73 — Acórdãos de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 97), e de 7 de fevereiro de 2013, Slovenská sporiteľňa (C‑68/12, n.° 25).


74 — V., a este propósito, supra, n.os 97 a 99 das presentes conclusões.


75 — Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., p. I‑5425, n.os 215 a 223), de 22 de maio de 2008, Evonik Degussa/Comissão (C‑266/06 P, n.os 38 a 40), e de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão (C‑413/08 P, Colet., p. I‑5361, n.os 94 e 95).


76 — Acórdãos de 3 de maio de 2007, Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, Colet., p. I‑3633, n.° 49), e de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, Colet., p. I‑4057, n.° 70).


77 — Acórdãos Advocaten voor de Wereld (já referido na nota 76, n.° 50), Evonik Degussa/Comissão (já referido na nota 75, n.° 39), Intertanko e o. (já referido na nota 76, n.° 71) e Lafarge/Comissão (já referido na nota 75, n.° 94); neste mesmo sentido, acórdão de 12 de dezembro de 1996, X (C‑74/95 e C‑129/95, Colet., p. I‑6609, n.° 25), e acórdão ThyssenKrupp Nirosta/Comissão (já referido na nota 53, n.° 80).


78 — V., a este propósito, a jurisprudência referida na nota 37.


79 — É o que sucede, por exemplo, no Código Penal alemão (Strafgesetzbuch, a seguir «StGB»), no que toca à «indução ou manutenção de um engano», a propósito da burla (§ 263 do StGB), à «relação de confiança», a propósito da infidelidade (§ 266, segunda variante, do StGB), à «exploração de um considerável défice volitivo de outrem» e à «manifesta desproporção da prestação com a contraprestação» a propósito da usura (§ 291 do StGB) e, ainda, ao elemento do tipo da «coação» (§ 240 do StGB).


80 — Acórdãos Advocaten voor de Wereld (já referido na nota 76, n.° 50), Evonik Degussa/Comissão (já referido na nota 75, n.° 40), Intertanko e o. (já referido na nota 76, n.° 71) e Lafarge/Comissão (já referido na nota 75, n.° 94). Neste sentido, a propósito do artigo 7.° da CEDH, v. TEDH, acórdãos G e França de 27 de setembro de 1995 (petição n.° 15312/89, série A, n.° 325‑B, § 25), e Coëme e o. c. Bélgica de 22 de junho de 2000 (petição n.° 32492/96 e o., Recueil des arrêts et décisions 2000‑VII, § 145).


81 — Acórdão de 23 de abril de 1991, Höfner e Elser (C‑41/9, Colet., p. I‑1979, n.° 21), e acórdãos Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.° 54), General Química e o./Comissão (já referido na nota 43, n.° 34), ArcelorMittal Luxemburg e o./Comissão e o. (já referido na nota 44, n.° 95), e AOI (já referido na nota 37, n.° 42); em sentido semelhante já acórdão de 12 de julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau (170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11).


82 — V., supra, n.os 84 e 85 das presentes conclusões.


83 — Acórdãos Hydrotherm Gerätebau (já referido na nota 81, n.° 11), Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.° 55) e AOI (já referido na nota 37, n.° 42).


84 — V., supra, n.° 60 das presentes conclusões.


85 — Acórdãos Evonik Degussa/Comissão (n.os 36 a 63) e Lafarge/Comissão (n.os 94 e 95), já referidos na nota 75; acórdãos do Tribunal Geral de 19 de maio de 2010, Wieland‑Werke e o./Comissão (T‑11/05, não publicado na Coletânea, n.os 58 a 73), e de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão (T‑446/05, Colet., p. II‑1255, n.os 123 a 152).


86 — Regulamento (CEE) n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962: primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).


87 — V., em especial, os n.os 97 a 109 do acórdão impugnado.


88 — A proximidade entre o artigo 49.° da Carta, por um lado, e o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, por outro lado, encontra clara expressão no preâmbulo à Carta [JO 2007, C 303, p. 17 (p. 30 e seg.)]. Também a jurisprudência do Tribunal de Justiça (já referida nas notas 75 e 76, supra), na qual se reconhece o princípio nullum crimen, nulla poena sine lege como um princípio geral de direito, assenta, decisivamente, no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH.


89 — V., supra, n.° 25 das presentes conclusões.


90 — Acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão (já referido na nota 73, n.° 109), Dansk Rørindustri e o./Comissão (já referido na nota 75, n.° 169) e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, Colet., p. I‑9555, n.° 294).


91 — TEDH, acórdão SW e Reino Unido de 22 de novembro de 1995 (petição n.° 20166/92, série A, n.° 335‑B,§ 36), que tem por objeto a aplicação do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH relativamente a uma pena — não prevista expressamente na lei — por violação dentro do casamento.


92 — Neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão (T‑99/04, Colet., p. II‑1501, n.° 113).


93 — V., supra, n.° 26 das presentes conclusões.


94 — Acórdãos Evonik Degussa/Comissão (n.os 44 e 50), e Lafarge/Comissão (n.° 95), já referidos na nota 75; quanto à necessidade de previsibilidade das consequências penais de uma determinada conduta no quadro do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, v. TEDH, acórdão M c. Alemanha de 17 de dezembro de 2009 (petição n.° 19359/04, § 90).


95 — V. as conclusões apresentadas por mim em 13 de dezembro de 2012 no processo Ziegler/Comissão (C‑439/11 P, pendente no Tribunal de Justiça).


96 — V., supra, n.° 82 das presentes conclusões.


97 — Acórdão de 24 de março de 2011, ISD Polska e o./Comissão (C‑369/09 P, Colet., p. I‑2011, n.° 66); v., ainda, despacho de 14 de dezembro de 1995, Hogan/Tribunal de Justiça (C‑173/95 P, Colet., p. I‑4905, n.° 20), e acórdão Baustahlgewebe/Comissão (já referido na nota 14, n.° 113).


98 — V., a este propósito, as conclusões apresentadas por mim em 6 de setembro de 2012 no processo Expedia (C‑226/11, n.os 26 e 30); no mesmo sentido, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão (já referido na nota 75, n.os 209 e 210), de 14 de junho de 2011, Pfleiderer (C‑360/09, Colet., p. I‑5161, n.os 21 e 23), e de 29 de setembro de 2011, Arkema/Comissão (C‑520/09 P, Colet., p. I‑8901, n.° 88).


99 — V., a este propósito, a minha exposição supra relativa ao terceiro fundamente de recurso, em especial os n.os 148 a 157 das presentes conclusões.


100 — Acórdão Arkema/Comissão (já referido na nota 98, n.° 88); v., também, acórdão Chalkor/Comissão (já referido na nota 17, n.° 60).


101 — V., a este propósito, as conclusões apresentadas por mim no processo Expedia (já referidas na nota 98, n.° 29). Quanto ao papel da Comissão na determinação da política da concorrência da União Europeia, v., ainda, o acórdão de 14 de dezembro de 2000, Masterfoods (C‑344/98, Colet., p. I‑11369, n.° 46, primeiro período).


102 — V., supra, em especial os n.os 22 a 24 e 136 das presentes conclusões.


103 — Acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão (já referido na nota 75, n.os 217, 218 e 227 a 231), e de 8 de fevereiro de 2007, Groupe Danone/Comissão (C‑3/06 P, Colet., p. I‑1331, n.os 87 a 94).


104 — V., em especial, os n.os 118 a 128 do acórdão impugnado.


105 — V., a este propósito, a jurisprudência indicada na nota 90.


106 — V. também, supra, n.° 153 das presentes conclusões.


107 — Acórdãos de 2 de outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão (C‑194/99 P, Colet., p. I‑10821, n.° 118), de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão (C‑534/07 P, Colet., p. I‑7415, n.° 96), e de 12 de novembro de 2009, Carbone‑Lorraine/Comissão (C‑554/08 P, n.° 84).


108 — V. supra, em especial os n.os 47 a 50 e 57 das presentes conclusões.


109 — Acórdão KME e o./Comissão (já referido na nota 26, n.° 56).


110 — N.° 276 do acórdão impugnado.


111 — V., supra, n.os 99 e 132 das presentes conclusões.


112 — Refere‑se na petição de recurso que «o sistema de ‘compliance’ da Schindler tem como efeito colateral dificultar a identificação interna das infrações que sempre são cometidas, uma vez que os colaboradores infratores correm o risco de lhes serem aplicadas sanções graves» (sic!).


113 — Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO C 45, p. 3), a seguir também «comunicação de 2002».


114 — N.os 295 a 300 do acórdão impugnado, em particular n.os 298 e 300.


115 — Acórdãos Chalkor/Comissão (n.° 63), e Otis e o. (n.° 62), ambos já referidos na nota 17.


116 — Acórdãos KME e o./Comissão (já referido na nota 26, n.° 109), KME Germany e o./Comissão (já referido na nota 26, n.° 136), e Chalkor/Comissão (já referido na nota 17, n.° 82).


117 — N.os 301 a 349 do acórdão impugnado.


118 — Neste sentido, com razão, o Tribunal Geral, no n.° 346 do acórdão impugnado.


119 — Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão (C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., p. I‑8681, n.° 256), e acórdão KME e o./Comissão (já referido na nota 26, n.° 79).


120 — V. a minha exposição a propósito do sétimo fundamento de recurso.


121 — A coima aplicada à filial alemã da Schindler não é objeto do presente fundamento de recurso.


122 — V., a título de mero exemplo, acórdãos de 14 de maio de 1974, Nold/Comissão (4/73, Colet., p. 283, n.° 14), de 13 de dezembro de 1979, Hauer (C‑44/79, Recueil, p. 3727, n.° 17), e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, dito «Kadi» (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.° 355).


123 — Neste sentido, o Tribunal de Justiça tem aceitado, por exemplo no acórdão Kadi (já referido na nota 122, n.os 354 a 371), que particulares provenientes de Estados terceiros invoquem em seu benefício o direito de propriedade enquanto direito fundamental como tal protegido pelo direito da União.


124 — Protocolo de 25 de março de 1952 relativo à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (ETS n.° 9).


125 — V. supra, n.° 22 das presentes conclusões.


126 — A proximidade entre o artigo 17.° da Carta, por um lado, e o artigo 1.° do Primeiro Protocolo Adicional à CEDH, por outro lado, encontra clara expressão no preâmbulo à Carta [JO 2007, C 303, p. 17 (p. 23)]. Também a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na qual se reconhece o direito de propriedade como um princípio geral de direito, assenta, decisivamente, no mencionado protocolo [v., a este propósito, por exemplo, acórdão Kadi (já referido na nota 122, n.° 356)].


127 — Acórdãos de 8 de julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão (C‑51/92 P, Colet., p. I‑4235, n.° 113), e de 11 de setembro de 2007, Lindorfer/Conselho (C‑227/04 P, Colet., p. I‑6767, n.° 83).


128 — N.° 192 do acórdão impugnado.


129 — TEDH, acórdão Mamidakis c. Grécia de 11 de janeiro de 2007, (petição n.° 35533/04, § 44); no mesmo sentido, relativamente a impostos, TEDH, acórdão Buffalo c. Itália de 3 de julho de 2003, (petição n.° 38746/97, § 32).


130 — V., mais recentemente, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Deutsches Weintor (C‑544/10, n.° 54), de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, n.° 113), e de 31 de janeiro de 2013, McDonagh (C‑12/11, n.° 60).


131 — V., também aqui, acórdão McDonagh (já referido na nota 130, n.° 61).


132 — O Tribunal de Justiça, no acórdão de 9 de novembro de 2010, Schecke e Eifert (C‑92/09 e C‑93/09, Colet., p. I‑11063, n.° 66), reconheceu que um regulamento constitui base jurídica.


133 — Quanto à consagração deste objetivo no direito primário, à data da adoção da decisão controvertida, v. artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE. O mesmo pode inferir‑se hoje do Protocolo n.° 27 relativo ao mercado interno e à concorrência, anexo aos Tratados (JO C 115, p. 309; JO C 83, p. 309), como o Tribunal de Justiça confirmou no contexto do artigo 102.° TFUE [acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, Colet., p. I‑527, n.os 20 a 22)]. V., além disso, o artigo 119.°, n.° 1, TFUE (antes artigo 4.° CE), segundo o qual os Estados‑Membros e a União devem respeitar o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.


134 — V., a este propósito, as conclusões apresentadas por mim no processo Schenker e o. (já referidas na nota 65, n.° 114).


135 — TEDH, acórdão Mamidakis c. Grécia (já referido na nota 129, § 48).


136 — TEDH, acórdão Mamidakis c. Grécia (já referido na nota 129, §§ 44, parte final, 45 e 47); v., também, acórdão Phillips c. Reino Unido de 5 de julho de 2001 (petição n.° 41087/98, Recueil des arrêts et décisions 2001‑VII, § 51), e despacho Orion Břeclav c. República Checa de 13 de janeiro de 2004 (petição n.° 43783/98).


137 — TEDH, acórdãos Mamidakis c. Grécia (já referido na nota 129, §§ 47 e 48), e Buffalo c. Itália (já referido na nota 129, § 32), bem como despacho Orion Břeclav c. República Checa (já referido na nota 136).


138 — V., em particular, n.os 190 e 191 do acórdão impugnado.


139 — TEDH, acórdão Mamidakis c. Grécia (já referido na nota 129, §§ 47 e 48).


140 — Só não será assim caso se tenham verificado circunstâncias extraordinárias que tenham afetado fortemente a capacidade financeira da empresa, tal como ela existia à data em que a coima lhe foi aplicada. Contudo, não existem indícios, no presente caso, que isso tenha sucedido, nem a Schindler invocou a ocorrência de tais circunstâncias extraordinárias.


141 — V., a este propósito, a minha exposição a propósito do sexto e do sétimo fundamentos de recurso (v., supra, n.os 60 a 133 das presentes conclusões).


142 — N.° 194 do acórdão impugnado.


143 — V. as conclusões apresentadas por mim no processo Akzo Nobel e o./Comissão (já referido na nota 37, n.° 99).


144 — N.os 185 a 196 do acórdão impugnado.


145 — Neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão (já referido na nota 75, n.° 319) e de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., p. I‑123, n.° 365).


146 — Neste sentido, acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão (já referido na nota 145, n.° 365), Dansk Rørindustri e o./Comissão (já referido na nota 75, n.os 244 e 303) e Baustahlgewebe/Comissão (já referido na nota 14, n.° 128).


147 — Acórdão E.ON Energie/Comissão (já referido na nota 40, n.os 125 e 126).


148 — V., a este propósito, n.os 367 a 370 do acórdão impugnado.


149 — V. supra, n.os 199 a 201, 218 e 219 das presentes conclusões.


150 — A Schindler cita TEDH, acórdão Mamidakis c. Grécia (já referido na nota 129, § 44).


151 — V., supra, em especial n.os 214 a 219 das presentes conclusões.


152 — Em conformidade com o princípio geral nos termos do qual as novas regras processuais se aplicam a todos os litígios pendentes à data da sua entrada em vigor [jurisprudência constante, v., a título de mero exemplo, acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o. (212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 9)], a decisão sobre as despesas no presente processo rege‑se pelo Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 25 de setembro de 2012, que entrou em vigor em 1 de novembro de 2012 [no mesmo sentido acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens (C‑441/11 P, n.os 83 a 85)]. No que respeita ao conteúdo, não se verifica, no entanto, qualquer diferença em relação ao artigo 69.°, n.° 2, em conjugação com os artigos 118.° e 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça de 19 de junho de 1991.


153 — Acórdão de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (C‑550/07 P, Colet., p. I‑8301, n.° 123); no mesmo sentido, acórdão de 31 de maio de 2001, D e Suécia/Conselho (C‑122/99 P e C‑125/99 P, Colet., p. I‑4319, n.° 65), sendo que aqui D e o Reino da Suécia até apresentaram dois recursos autónomos e, não obstante, foram condenados solidariamente no pagamento das despesas.


154 — É o que sucedeu no acórdão Evonik Degussa/Comissão (já referido na nota 75, ponto 3 da parte decisória).


155 — É nesta parte que o presente caso se distingue decisivamente do processo Evonik Degussa/Comissão (já referido na nota 75), em que ainda era possível enquadrar a questão em torno da validade do Regulamento n.° 17 como uma nova questão jurídica, com caráter essencial. Também no processo Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P) suscita‑se ainda uma questão jurídica não resolvida, de essencial importância, razão pela qual propus ao Tribunal de Justiça que, nesse caso, se socorra do artigo 184.°, n.° 4, segundo período, do Regulamento de Processo e condene a Comissão, enquanto interveniente em primeira instância, a suportar as suas próprias despesas (v., a este propósito, os n.os 151 e 152 das conclusões apresentadas por mim em 17 de janeiro de 2013, no referido processo).


156 — Neste sentido, por exemplo acórdão de 12 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, n.° 112); neste caso o Conselho, enquanto recorrente vencido, foi condenado a suportar, nomeadamente, as despesas da Audace, esta enquanto interveniente em primeira instância ao lado da parte contrária, cujos pedidos formulados no processo de recurso obtiveram vencimento.