Language of document : ECLI:EU:C:2008:749

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 18 de Dezembro de 2008 1(1)

Processo C‑420/07

Meletis Apostolides

contra

David Charles Orams

e Linda Elizabeth Orams

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal, Londres)

«Regulamento (CE) n.° 44/2001– Competência judiciária e reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial – Aplicação do regulamento a uma decisão respeitante a um imóvel situado numa zona da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo»





I –    Introdução

1.        Desde a intervenção das tropas turcas no ano de 1974, a ilha de Chipre encontra‑se efectivamente dividida numa zona Sul cipriota‑grega e numa zona Norte cipriota‑turca. A República de Chipre é reconhecida pela comunidade internacional como Estado à luz do direito internacional público e, embora represente de jure Chipre no seu todo, apenas controla de facto a zona Sul da ilha. Na zona Norte foi constituída a República Turca do Norte de Chipre (RTNC), que só é reconhecida pela Turquia (2).

2.        Apesar de as negociações sobre a reunificação, apoiadas pelas Nações Unidas e a União Europeia, terem fracassado, a República de Chipre aderiu à União Europeia em 2004. Através de um protocolo específico do Acto de adesão, a aplicação do acervo comunitário foi suspensa nas zonas da ilha sobre as quais a República de Chipre não exerce um controlo efectivo.

3.        A divisão da ilha conduziu ao êxodo e à expulsão de um elevado número de pessoas das duas comunidades. Muitas pessoas expulsas reclamam a propriedade de imóveis que foram coagidas a desocupar (3): Os imóveis desocupados por cipriotas gregos na RTNC são aí considerados propriedade do Estado. As autoridades da RTNC cederam muitos destes imóveis a particulares. O tratamento a dar aos direitos de propriedade de muitas pessoas expulsas constitui uma das questões por esclarecer nas negociações sobre a reunificação.

4.        É neste contexto sensível que se insere o litígio entre M. Apostolides e o casal britânico Orams. Este último adquiriu um imóvel na zona Norte de Chipre a um particular. M. Apostolides, cuja família foi expulsa da zona Norte, reclama a propriedade desse imóvel. Numa acção por ele intentada, o tribunal distrital de Nicósia, um tribunal do território cipriota‑grego, condenou os Orams a desocuparem o imóvel e a vários pagamentos. M. Apostolides solicitou o reconhecimento e a execução desta decisão no Reino Unido.

5.        A Court of Appeal, a quem foi submetido o processo de execução, coloca agora a questão de saber se os tribunais do Reino Unido estão obrigados a executar a referida decisão ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (4). As suas dúvidas resultam, por um lado, do facto de a decisão dizer respeito a um imóvel situado numa zona de Chipre sobre a qual a República de Chipre não exerce um controlo efectivo e na qual a aplicação do direito comunitário foi, por isso, em larga medida suspensa. Por outro lado, existiram irregularidades na citação dos actos introdutórios da instância no lugar de residência do casal Oram, situado no território cipriota‑turco.

II – Quadro jurídico

A –    Protocolo n.° 10 relativo a Chipre

6.        O Protocolo n.° 10 relativo a Chipre (5), anexo ao Acto de adesão de 2003, tem a seguinte redacção:

«AS ALTAS PARTES CONTRATANTES,

REAFIRMANDO o seu empenho numa solução global para o problema de Chipre, compatível com as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como o seu total apoio aos esforços do Secretário‑Geral das Nações Unidas para esse efeito,

CONSIDERANDO que essa solução global do problema de Chipre ainda não foi alcançada,

CONSIDERANDO que é, portanto, necessário prever a suspensão da aplicação do acervo nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo,

CONSIDERANDO que, na eventualidade de uma solução para o problema de Chipre, essa suspensão será levantada,

CONSIDERANDO que a União Europeia está pronta a acolher os termos dessa solução de acordo com os princípios em que se funda a UE,

CONSIDERANDO que é necessário prever os termos em que as disposições pertinentes do direito da UE se aplicarão à linha de separação entre as referidas zonas, por um lado, e as zonas onde o Governo da República de Chipre exerce controlo efectivo e a Zona de Soberania Oriental do Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda do Norte, por outro,

DESEJANDO que a adesão de Chipre à União Europeia traga benefícios para todos os cidadãos cipriotas e promova a paz civil e a reconciliação,

CONSIDERANDO por conseguinte, que nenhuma disposição do presente protocolo impedirá que sejam tomadas medidas tendo em vista esse objectivo,

CONSIDERANDO que essas medidas não prejudicarão a aplicação do acervo nas condições estabelecidas no Tratado de Adesão em qualquer outra parte da República de Chipre,

ACORD[ARAM] NO SEGUINTE:

Artigo 1.°

1.      A aplicação do acervo ficará suspensa nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo.

2.      O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, decidirá do levantamento da suspensão a que se refere o n.° 1.

Artigo 2.°

1.      O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, definirá os termos em que o direito comunitário se aplicará à faixa de separação entre as zonas a que se refere o artigo 1.° e as zonas onde o Governo da República de Chipre exerce controlo efectivo.

2. Enquanto durar a suspensão da aplicação do acervo nos termos do artigo 1.°, a fronteira entre a Zona de Soberania Oriental e as zonas referidas no dito artigo será tratada como parte das fronteiras externas das zonas de soberania para efeitos da Parte IV do Anexo ao Protocolo relativo às zonas de soberania do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em Chipre.

Artigo 3.°

1.      Nenhuma disposição do presente Protocolo impedirá que sejam tomadas medidas no sentido de promover o desenvolvimento económico das zonas a que se refere o artigo 1.°

2. Essas medidas não prejudicarão a aplicação do acervo nas condições estabelecidas no Tratado de Adesão em qualquer outra parte da República de Chipre.

Artigo 4.°

Na eventualidade de uma solução, o Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, decidirá das adaptações a introduzir nos termos relativos à adesão de Chipre à União Europeia no que se refere à comunidade cipriota turca.»

B –    Regulamento n.° 44/2001

7.        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, o Regulamento n.° 44/2001 aplica‑se em matéria civil e comercial.

8.        O capítulo II do Regulamento estabelece as regras sobre a competência judiciária. A secção 6 deste capítulo contém regras sobre a competência exclusiva. Em particular, nos termos do artigo 22.°, «[t]êm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio:

1.      Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado‑Membro onde o imóvel se encontre situado. […]»

9.        Os artigos 33.° a 37.° do regulamento disciplinam o reconhecimento de decisões. Nesta matéria, o artigo 33.° estabelece como princípio geral que as decisões de um tribunal de outro Estado‑Membro são reconhecidas sem necessidade de recurso a qualquer processo. Os artigos 34.° e 35.° regulam os motivos pelos quais o reconhecimento pode ser excepcionalmente recusado.

10.      O artigo 34.° dispõe o seguinte (reproduz‑se um excerto):

«Uma decisão não será reconhecida:

1.      Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

2.      Se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa, a menos que o requerido não tenha interposto recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer;

[…]»

11.      O 35.° regula a importância do respeito das regras de competência para o reconhecimento.

«1.      As decisões não serão igualmente reconhecidas se tiver sido desrespeitado o disposto nas secções 3, 4 e 6 do capítulo II ou no caso previsto no artigo 72.°

[…]

3.      Sem prejuízo do disposto nos primeiros e segundo parágrafos, não pode proceder‑se ao controlo da competência dos tribunais do Estado‑Membro de origem. As regras relativas à competência não dizem respeito à ordem pública a que se refere o ponto 1 do artigo 34.°»

III – Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

12.      Segundo o direito da República de Chipre, M. Apostolides é proprietário de um terreno sito em Lapithos (Lapta), no distrito de Kyrenia (Girne), que fica na zona da República de Chipre sobre a qual o respectivo governo não exerce um controlo efectivo. O casal Orams alega ter adquirido este terreno a um terceiro em 2002. Construiu aí uma vivenda onde passa frequentemente férias.

13.      M. Apostolides intentou uma acção no tribunal distrital de Nicósia contra o casal Orams. O tribunal procedeu à citação dos demandados por carta de 26 de Outubro de 2004. As citações, nas quais era indicada a morada dos Orams no Reino Unido, foram entregues a L. E. Orams no mesmo dia, no seu imóvel sito em Lapta, por um funcionário judicial do tribunal distrital de Nicósia. O funcionário judicial não se identificou como tal, tendo dito a L. E. Orams que era um «mensageiro» e que ignorava a natureza dos documentos.

14.      As citações estavam redigidas em grego, língua que não é muito falada na zona Norte, mas que é uma das línguas oficiais da República de Chipre. Os Orams não entendem a língua grega. L. E. Orams compreendeu, contudo, que os documentos eram de natureza jurídica e oficial.

15.      De acordo com a legislação da República de Chipre, se, no prazo de 10 dias após a citação do acto que dá início à instância, o demandado não intervir por escrito no processo, o demandante pode pedir que a decisão seja proferida à revelia. Isto era indicado em língua grega na primeira página do acto de citação. A intervenção é um acto processual que não exige nenhuma precisão quanto à natureza e à forma da defesa.

16.      Conforme ela própria alega, L. E. Orams iniciou em 29 de Outubro de 2004, uma sexta‑feira, a sua procura de um advogado que a pudesse representar. Só em 2 de Novembro 2004 conseguiu obter uma consulta com um advogado, o Dr. Liatsos. Nesta data, o Dr. Liatsos traduziu‑lhe, em traços largos, a petição inicial, mas disse‑lhe que não poderia patrocinar a sua causa porque não estava autorizado a exercer a advocacia perante os órgãos jurisdicionais da República de Chipre. Aconselhou a L. E. Orams o Dr. Osman, que era o advogado que interviera na alegada venda do imóvel, mas este já se tinha reformado. Em 3 de Novembro de 2004, L. E. Orams conseguiu ser recebida pela filha dele, que ficara com o seu escritório. Esta informou L. E. Orams de que não estava habilitada a exercer a advocacia perante os órgãos jurisdicionais da República de Chipre. L. E. Orams foi então aconselhada a consultar o Dr. Gunes Mentes, advogado.

17.      Só no dia 5 de Novembro de 2004, uma sexta‑feira, pelas 17 horas, é que L. E. Orams conseguiu ser recebida pelo Dr. Mentes, que, conforme ela própria alega, é um dos poucos advogados na zona Norte habilitado a exercer a advocacia perante os órgãos jurisdicionais da República de Chipre e que tinha algum conhecimento da língua grega. L. E. Orams mandatou o Dr. Mendes para a representar a si e ao seu marido neste caso. O Dr. Mentes disse a L. E. Orams que, na segunda‑feira seguinte, o dia 8 de Novembro de 2004, se deslocaria ao tribunal distrital de Nicósia para intervir no processo.

18.      Não tendo essa intervenção sido realizada até ao dia 9 de Novembro de 2004, o tribunal condenou os demandados, por sentença proferida à revelia, a

1.      demolir a vivenda, a piscina e a vedação que tinham construído no terreno,

2.      entregar a M. Apostolides, de imediato, a posse livre do terreno,

3.      pagar a M. Apostolides várias quantias a título de indemnização por danos e lucros cessantes mensais (isto é, rendas) até à integral execução da decisão, acrescidas de juros,

4.      absterem‑se de prosseguir com a intervenção ilegal no terreno, quer pessoalmente quer através dos seus mandatários, e

5.      pagar várias quantias a título de custas e despesas do processo (acrescidas de juros).

19.      Em 15 de Novembro de 2004, foram apresentados, em nome do casal Orams, uma declaração de intervenção no processo e pedidos de anulação da sentença proferida à revelia.

20.      Para obter a anulação de uma decisão proferida à revelia, o demandado deve, nos termos da legislação da República de Chipre, apresentar uma defesa plausível («arguable defence») relativamente ao pedido deduzido contra ele. Em 19 de Abril de 2005, o tribunal distrital de Nicósia decidiu, após a instrução e o julgamento da causa, que não tinha sido apresentada uma defesa plausível relativamente ao pedido. O recurso interposto pelos Orams desta decisão foi julgado improcedente pelo Supremo Tribunal da República de Chipre em 21 de Dezembro de 2006.

21.      Em 18 de Outubro de 2005, M. Apostolides requereu, ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, a execução da decisão proferida à revelia de 9 de Novembro de 2004 e da decisão do tribunal distrital de Nicósia de 19 de Abril de 2005. Em 21 de Outubro de 2005, um Master da Queens Bench Division da High Court of England und Wales concedeu‑lhes o exequatur em Inglaterra.

22.      Os Orams interpuseram um recurso dessa decisão na High Court, nos termos do artigo 43.° do Regulamento n.° 44/2001, recurso ao qual foi concedido provimento (juiz Jack). M. Apostolides interpôs então recurso desta decisão da High Court para a Court of Appeal, nos termos do artigo 44.° do Regulamento n.° 44/2001, que submeteu ao Tribunal de Justiça, por despacho de 19 de Junho de 2007 (que deu entrada neste tribunal em 14 de Setembro de 2007), as seguintes questões para decisão a título prejudicial:

1.      […]

A suspensão da aplicação do acervo comunitário na zona Norte determinada pelo artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 10 do Acto de Adesão de Chipre à UE, de 2003, impede um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro de reconhecer e executar uma decisão, proferida por um órgão jurisdicional da República de Chipre situado na zona controlada pelo governo, respeitante a terrenos situados na zona Norte, se esse reconhecimento e essa execução forem pedidos ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial […], que faz parte do acervo comunitário?

2.      O artigo 35.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 autoriza ou obriga um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro a recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida pelos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro respeitante a um terreno situado numa zona deste último Estado‑Membro [onde] o governo desse Estado‑Membro não exerce um controlo efectivo? Em especial, tal decisão é incompatível com o artigo 22.° do Regulamento n.° 44/2001?

3.      Pode recusar‑se o reconhecimento ou a execução, nos termos do artigo 34.°, [ponto 1], do Regulamento n.° 44/2001, de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, situado numa zona desse Estado [onde] o respectivo governo exerce um controlo efectivo, relativamente a um terreno situado nesse Estado numa zona [onde] o governo desse Estado não exerce um controlo efectivo, pelo facto de, por questões práticas, a decisão não poder ser executada no local onde se situa o terreno, apesar de ser exequível na zona controlada pelo governo daquele Estado‑Membro?

4.      No caso de:

–      ter sido proferida uma decisão à revelia contra o demandado;

–      o demandado ter, em seguida, interposto recurso da decisão proferida à revelia no órgão jurisdicional de origem; mas

–      a sua pretensão não ter obtido provimento, após uma audiência completa e justa, com fundamento no facto de não ter conseguido apresentar uma contestação plausível (o que é necessário, nos termos da lei nacional, para que tal decisão possa ser anulada);

pode o demandado opor‑se à execução da decisão inicial proferida à revelia ou da decisão do recurso de anulação, nos termos do artigo 34.°, [ponto 2], do Regulamento n.° 44/2001, com fundamento no facto de o acto que iniciou a instância não lhe ter sido notificado em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa antes de a primeira decisão ter sido proferida à revelia? É relevante o facto de a audiência se ter limitado a considerar a defesa do demandado em relação ao pedido?

5.      Que factores são relevantes para a aplicação do critério do artigo 34.°, [ponto 2], do Regulamento n.° 44/2001, que consiste em saber «se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, [foi] comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa». Em especial:

a)      Quando a notificação tiver, de facto, permitido ao requerido tomar conhecimento do acto, é relevante considerar as acções (ou omissões) do requerido ou dos seus advogados após a notificação?

b)      Tem alguma relevância a conduta do requerido ou dos seus advogados ou as dificuldades por eles sentidas?

c)      É relevante o facto de o advogado do requerido ter podido intervir no processo antes de proferida a decisão à revelia?

23.      No processo no Tribunal de Justiça apresentaram observações M. Apostolides, o casal Orams, os Governos grego, polaco e cipriota, e a Comissão das Comunidades Europeias.

IV – Apreciação jurídica

A –    Primeira questão prejudicial

24.      Com a primeira questão prejudicial, a Court of Appeal pretende saber se a suspensão da aplicação do acervo comunitário na zona Norte de Chipre, determinada pelo artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 10, impede o reconhecimento e a execução, ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, de uma decisão respeitante a direitos decorrentes da propriedade de um imóvel situado nessa zona.

25.      Para responder a esta questão, há que distinguir, em primeiro lugar, entre o âmbito de aplicação territorial do Regulamento n.° 44/2001 e o território de referência dos processos e das decisões que são regidos pelo regulamento.

26.      O âmbito de aplicação territorial do direito comunitário corresponde, nos termos do artigo 299.° CE, ao território dos Estados‑Membros, com excepção de determinados territórios especificados nesta disposição. As disposições do título IV da Parte III do Tratado CE, relativas ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça, só são, porém aplicáveis nos termos das disposições conjugadas do artigo 69.° CE e dos protocolos, referidos neste artigo, relativos à posição do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca. Com base no artigo 69.° CE, o Reino Unido e a Irlanda optaram pela aplicação do Regulamento n.° 44/2001, tendo a Dinamarca optado contra esta aplicação (6). Por conseguinte, o regulamento é aplicável no Reino Unido e – sob reserva do Protocolo n.° 10 – na República de Chipre.

27.      O Regulamento n.° 44/2001 regula, por um lado, a competência dos tribunais no seu âmbito de aplicação territorial e, por outro, o reconhecimento e a execução de decisões destes tribunais num Estado‑Membro diferente daquele em que a decisão foi proferida. Ao invés, o regulamento não contém nenhuma disposição sobre o reconhecimento e a execução de decisões judiciais de Estados terceiros na Comunidade ou de decisões de tribunais dos Estados‑Membros em Estados terceiros.

28.      Há que distinguir do âmbito de aplicação territorial do Regulamento n.° 44/2001 o seu território de referência, isto é, o território ao qual podem dizer respeito as decisões de um tribunal de um Estado‑Membro que são reconhecidas e executadas nos termos do regulamento. O território de referência é mais amplo do que o âmbito de aplicação e também abrange Estados terceiros. Por conseguinte, o regulamento é igualmente aplicável a litígios com conexão com países terceiros.

29.      Isto foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Owusu (7) e no parecer relativo à Convenção de Lugano (8), segundo os quais um elemento de extraneidade relevante para a aplicação do regulamento também pode consistir na ocorrência dos factos controvertidos num Estado terceiro (9). Com efeito, o regulamento visa eliminar os obstáculos ao funcionamento do mercado interno que podem decorrer das disparidades entre as legislações nacionais relativas à competência internacional e ao reconhecimento e à execução de decisões judiciais estrangeiras. Na opinião do Tribunal de Justiça, estas disparidades também têm repercussões negativas sobre o mercado interno quando digam respeito a decisões que apenas apresentam conexão com um Estado terceiro (10).

30.      Assim, cumpre esclarecer que efeitos o Protocolo n.° 10 tem sobre o âmbito de aplicação e o território de referência do Regulamento n.° 44/2001.

31.      É pacífico entre as partes que a suspensão da aplicação do acervo comunitário nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo, prevista no artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo, restringe o âmbito de aplicação territorial do Regulamento n.° 44/2001. Assim, o reconhecimento e a execução de uma decisão de um tribunal de um Estado‑Membro na zona Norte de Chipre não podem ser baseados no regulamento. Também não parece ser possível reconhecer e executar noutro Estado‑Membro, nos termos do regulamento, uma decisão de um tribunal situado nesta zona de Chipre.

32.      A Court of Appeal não tem, porém, de se pronunciar sobre nenhuma destas situações, mas sim sobre um pedido de execução no Reino Unido de uma sentença de um tribunal situado na zona controlada pelo Governo da República de Chipre. Por conseguinte, a limitação do âmbito de aplicação territorial do Regulamento n.° 44/2001 pelo Protocolo n.° 10 não afecta a situação em apreço.

33.      Só o casal Orams defende a opinião de que o protocolo também se opõe à aplicação do regulamento a decisões que tenham sido proferidas no seu âmbito de aplicação territorial e que aí também devam ser reconhecidas e executadas, mas que digam respeito a uma relação jurídica com conexão com zonas do território não controladas pelo Governo da República de Chipre.

34.      Como os outros intervenientes salientam, a própria redacção do artigo 1.°, n.° 1, do protocolo opõe‑se liminarmente a esse entendimento. Com efeito, esta disposição prevê a suspensão da aplicação do acervo comunitário nas referidas zonas e não relativamente às mesmas.

35.      Acresce que, segundo jurisprudência assente, as disposições de um acto de adesão que permitam excepções ou derrogações às regras do Tratado devem ser objecto de uma interpretação estrita à luz das disposições em causa do Tratado e limitadas ao absolutamente necessário (11).

36.      Embora, no presente caso, a suspensão do acervo comunitário não diga directamente respeito ao direito comunitário primário, mas ao Regulamento n.° 44/2001, essa jurisprudência pode ser transposta para o caso em apreço. É verdade que os actos de adesão (inclusive os protocolos) prevalecem, na hierarquia de normas, sobre o direito secundário. No entanto, o regulamento visa, em última instância, alcançar os objectivos do próprio Tratado CE (12).

37.      Assim, o artigo 65.° CE, no qual se baseia o Regulamento n.° 44/2001, autoriza expressamente a adopção de medidas destinadas a melhorar e simplificar o reconhecimento e a execução de decisões judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno. A delimitação clara das competências dos tribunais na Comunidade e o reconhecimento e a execução de decisões favorecem efectivamente o exercício das liberdades fundamentais. Com efeito, essa delimitação facilita a cobrança dos créditos relacionados com entregas de bens, prestações de serviços ou transferências de capitais transfronteiriças, assim como o exercício da liberdade de circulação de pessoas.

38.      Por conseguinte, o Protocolo n.° 10 deve ser interpretado no sentido de que a suspensão da aplicação do Regulamento n.° 44/2001 deve ser limitada ao absolutamente necessário. Neste âmbito, há que ter especialmente em conta o espírito e a finalidade do protocolo.

39.      De acordo com a opinião unânime dos intervenientes, a suspensão da aplicação do acervo comunitário visava permitir a adesão da República de Chipre à UE, apesar de as negociações sobre a reunificação não terem podido ser anteriormente concluídas com êxito. Pretendia‑se evitar que, enquanto Estado‑Membro, a República de Chipre violasse o direito comunitário, uma vez que, na prática, não tem condições para aplicar as normas do acervo comunitário na totalidade do seu território.

40.      Como salienta, em especial, a Comissão, não se pretendia, porém, excluir todas e qualquer normas do direito comunitário relacionadas com zonas sob o controlo da comunidade cipriota‑turca. Assim, a suspensão da aplicação do acervo comunitário não se opõe a medidas destinadas a promover o desenvolvimento económico das referidas zonas, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, do protocolo (13). Além disso, com base no artigo 2.° do protocolo, foram adoptadas, através do Regulamento (CE) n.° 866/2004 (14) do Conselho, regras sobre a circulação de mercadorias e pessoas entre os diversos territórios.

41.      Essas regras não são contrárias ao objectivo do protocolo de possibilitar a adesão da República de Chipre à União Europeia apesar do limitado controlo de facto que exerce sobre o seu território, antes promovendo a reunificação de ambas as partes do país.

42.      O referido objectivo do protocolo também não exige a suspensão da aplicação do Regulamento n.° 44/2001 na presente situação. Em especial, o reconhecimento e a execução no Reino Unido das decisões do tribunal distrital de Nicósia também não geram para a República de Chipre obrigações impossíveis de cumprir relativamente à zona Norte de Chipre, que a coloquem em conflito com o direito comunitário. São, pelo contrário, exclusivamente os tribunais do Reino Unido que têm de agir.

43.      O casal Orams invoca, porém, o outro objectivo do protocolo, que consiste em obter uma solução global para o problema de Chipre que seja compatível com as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (15), objectivo que resulta especialmente do seu primeiro considerando. A sentença controvertida do tribunal distrital de Nicósia antecipa‑se a uma solução global das questões relativas à propriedade. No entender do casal Orams, o reconhecimento e a execução desta sentença são, portanto, contrários aos objectivos do protocolo e às resoluções pertinentes das Nações Unidas.

44.      Esta objecção não pode, contudo, conduzir a que o Regulamento n.° 44/2001 não seja, em princípio, aplicado nos Estados‑Membros quando as decisões de um tribunal de um Estado‑Membro tenham conexão com a zona Norte de Chipre.

45.      É certo que o Conselho de Segurança apelou várias vezes à manutenção da paz em Chipre e da integridade territorial do país. Neste contexto, também exortou a Comunidade dos Estados a abster‑se de todas as acções que possam agravar o conflito (16). No entanto, não é possível inferir destes apelos gerais nenhum dever de não reconhecer decisões de tribunais cipriotas‑gregos respeitantes a direitos de propriedade sobre imóveis situados no território cipriota‑turco.

46.      Além disso, não é, de forma alguma, certo que a aplicação do regulamento agrave globalmente o conflito de Chipre. Esta aplicação pode perfeitamente ter o efeito contrário e favorecer a normalização das relações económicas. Tendo justamente em conta a abertura da faixa de separação entre as duas partes de Chipre à circulação de mercadorias e pessoas (17), são concebíveis múltiplas relações jurídicas no âmbito das quais o reconhecimento e a execução de decisões dos tribunais da República de Chipre noutros Estados‑Membros, bem como a aplicação das regras de competência do regulamento, também revestem interesse para as partes domiciliadas na zona Norte.

47.      Também é, por isso, controvertida entre as partes a questão de saber se o reconhecimento e a execução da decisão aqui em apreço são prejudiciais ou úteis à resolução definitiva dos problemas relativos à propriedade. Assim, M. Apostolides afirma que a venda de imóveis expropriados, situados na RTNC, a nacionais de outros Estados‑Membros dificulta a sua devolução no âmbito de uma posterior resolução amigável. O facto de pessoas na sua situação poderem fazer valer os seus direitos de propriedade sobre esses imóveis noutros Estados‑Membros dissuadiria potenciais compradores.

48.      Não é necessário decidir aqui definitivamente que repercussões a suspensão da aplicação do regulamento a casos com conexão com a zona Norte de Chipre tem sobre o processo político de resolução do conflito. Com efeito, a aplicação do regulamento não pode ser subordinada a tais apreciações políticas complexas. Isto seria contrário ao princípio da segurança jurídica, cuja observância faz parte dos objectivos do regulamento (18). Assim, as regras de competência do regulamento devem permitir determinar com um elevado grau de certeza o foro competente (19). Além disso, o requerente num processo instaurado num tribunal de um Estado‑Membro deve poder prever com suficiente certeza se uma decisão que ponha termo ao processo pode ser executada noutro Estado‑Membro com base no regulamento, se não se verificar nenhum dos motivos de recusa previstos no regulamento.

49.      M. Apostolides vai ainda mais longe. Em sua opinião, a aplicação do Regulamento n.° 44/2001 é necessária para satisfazer as exigências enunciadas no acórdão Loizidou do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) (20).

50.      Nessa e noutras decisões, o TEDH declarou que as expropriações realizadas na sequência da ocupação da zona Norte de Chipre são inválidas e não põem em causa os direitos de propriedade das pessoas expulsas (21). A recusa de acesso e de utilização das propriedades viola, portanto, o artigo 1.° do Primeiro Protocolo adicional à CEDH e o direito à inviolabilidade do domicílio (artigo 8.°, n.° 1, da CEDH), na medida em que os interessados disponham de uma casa no terreno (22). No entanto, o TEDH também reconheceu recentemente que a comissão competente em matéria de propriedade imobiliária, entretanto criada pela RTNC, satisfazia, em princípio, as exigências da CEDH; não obstante, reconheceu à demandante nesse processo uma indemnização pela violação dos seus direitos decorrentes da CEDH (23).

51.      A este respeito, há que observar em primeiro lugar que nenhuma das decisões referidas diz respeito ao caso de M. Apostolides. Por conseguinte, não existe nenhuma decisão do TEDH a respeito dos seus direitos de propriedade em concreto que tenha de ser directamente tida em conta.

52.      Haveria, quando muito, que considerar se o direito a um processo equitativo e a protecção jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, exige igualmente que a decisão do tribunal distrital de Nicósia que diz directamente respeito aos direitos de M. Apostolides seja executada (24). No entanto, ao que parece, até ao momento o TEDH só reconheceu um direito correspondente no que diz respeito à execução no próprio Estado em que a decisão foi proferida (25). Não é necessário responder aqui à questão de saber se o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH também obriga ao reconhecimento e à execução de decisões estrangeiras, uma vez que, pelas razões acima expostas, o Regulamento n.° 44/2001 é, de qualquer forma, aplicável e confere um direito dessa natureza. Em todo o caso, o artigo 6.°, n.° 1, da CEDH também não conduziria a uma solução distinta da de uma aplicação objectiva do regulamento em conformidade com os direitos do Homem.

53.      Face ao exposto, deve responder‑se à primeira questão prejudicial que:

A suspensão da aplicação do acervo comunitário nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo, prevista no artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 10 do Acto de adesão de 2003, não obsta a que um tribunal de outro Estado‑Membro reconheça ou execute, ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, uma decisão de um tribunal da República de Chipre respeitante à zona não controlada pelo Governo desta última.

B –    Quanto às segunda a quinta questões prejudiciais

54.      Com as suas segunda a quinta questões prejudiciais, a Court of Appeal pede ao Tribunal de Justiça que interprete os artigos 35.°, n.° 1, e 34.°, pontos 1 e 2, do Regulamento n.° 44/2001 no que se refere a eventuais impedimentos ao reconhecimento e à execução na acepção destas disposições. Antes de responder a estas questões, há que esclarecer se o regulamento é aplicável. Com efeito, a Comissão manifestou dúvidas sobre se se está perante uma matéria civil ou comercial na acepção do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento.

1.      Observação preliminar a respeito do âmbito de aplicação do regulamento

55.      Embora a Comissão reconheça que o litígio entre M. Apostolides e o casal Orams é um litígio entre particulares, em seu entender importa vê‑lo num contexto mais amplo e ter em conta que os conflitos acerca dos bens imóveis de cipriotas‑gregos expulsos foram gerados pela ocupação militar da zona Norte de Chipre.

56.      Corresponde à prática seguida a nível internacional atribuir a organismos especiais a resolução de litígios individuais em matéria de propriedade subsequentes a conflitos armados, conforme estava previsto no plano Annan para a reunificação de Chipre. Após o fracasso deste plano, a RTNC adoptou legislação, que satisfazia as exigências impostas pelo TEDH (26), para precisar os direitos de indemnização e criou uma comissão para a propriedade imobiliária. Os direitos à restituição da propriedade e a indemnização pela recusa do uso da mesma previstos nessa legislação são de natureza pública.

57.      Ainda segundo a Comissão, na aplicação do Regulamento n.° 44/2001, há que ter em conta que existem vias legais alternativas conformes à CEDH. O artigo 71.°, n.° 1, do regulamento não prejudica as convenções que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões. O regime indemnizatório instituído sob a supervisão do TEDH pode ser considerado uma convenção dessa natureza.

58.      A este respeito, importa começar por recordar a jurisprudência assente segundo a qual o conceito de «matéria civil e comercial» é um conceito autónomo do direito comunitário, que deve ser interpretado tendo em conta os objectivos e a economia do Regulamento n.° 44/2001 ou da Convenção de Bruxelas, por um lado, e os princípios gerais resultantes do conjunto dos sistemas jurídicos nacionais, por outro (27).

59.      Apenas estão excluídos do âmbito de aplicação do regulamento os litígios que opõem uma autoridade pública a um particular, desde que a autoridade pública actue no exercício do seu poder público (28). Assim, no processo Lechouritou (29), que é referido pela Comissão, estava em causa uma acção intentada por um particular contra a República Federal da Alemanha devido a danos sofridos em resultado de crimes de guerra das suas Forças Armadas.

60.      No presente caso, M. Apostolides não invoca, porém, um direito à restituição da sua propriedade ou a indemnização contra um organismo público, mas um direito de natureza cível à entrega de um imóvel e outros direitos decorrentes da privação do uso deste imóvel contra o casal Orams.

61.      A natureza destes direitos não é alterada pelo facto de possivelmente assistirem a M. Apostolides direitos alternativos ou complementares de natureza pública contra organismos da RTNC. Assim sendo, não é necessário decidir aqui se estes direitos alternativos ou complementares já existiam efectivamente quando M. Apostolides obteve do tribunal distrital de Nicósia a decisão a executar (30).

62.      É certo que o Tribunal de Justiça já declarou que o facto de o demandante actuar com base numa pretensão que tem origem num acto de autoridade pública é suficiente para que a sua acção, independentemente da natureza do meio processual que o direito nacional põe ao seu dispor para esse efeito, seja considerada excluída do âmbito de aplicação da Convenção de Bruxelas (31). Seria possível considerar que a violação da propriedade resulta das medidas das Forças Armadas turcas ou das autoridades públicas da RTNC. No entanto, a afirmação citada do Tribunal de Justiça só é válida se estiver em causa um litígio entre um organismo público e um particular (32).

63.      Se existir uma multiplicidade de relações – em parte entre um organismo público e um particular, em parte apenas entre particulares –, haverá que ter em conta a relação jurídica entre as partes em litígio, bem como o fundamento e as regras para a propositura da acção intentada (33). No processo principal, um demandante que é um particular faz valer direitos de natureza cível contra outros particulares perante um tribunal cível, pelo que, atentas todas as circunstâncias relevantes, se está manifestamente em presença de um litígio de natureza cível.

64.      Seria provavelmente possível excluir esses direitos de natureza cível por meio de uma regulamentação nacional ou internacional e remeter os interessados exclusivamente para um direito à restituição ou a indemnização contra o Estado. Isto poderia ter como consequência que os meios de tutela jurisdicional cíveis deixariam de estar disponíveis.

65.      No entanto, a República de Chipre não fez uso desta possibilidade. Também não existe até ao presente uma convenção internacional nesse sentido. Em todo o caso, o tribunal de Nicósia e as instâncias subsequentes não tiveram em conta nas suas sentenças uma tal exclusão dos direitos de natureza cível ou dos meios de tutela jurisdicional cíveis. Mesmo que isto fosse errado, a Court of Appeal não poderia, em princípio, fiscalizar no âmbito do processo de execução nem a competência do tribunal distrital de Nicósia (artigo 34.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001) nem o mérito da decisão a reconhecer (artigos 36.° e 45.°, n.° 2, do regulamento).

66.      A Comissão parece, porém, defender que os direitos de natureza cível foram de certo modo afastados pelo direito internacional, na medida em que a RTNC adoptou um regime indemnizatório aprovado pelo TEDH.

67.      Não posso aderir a essa construção.

68.      Não é possível inferir do acórdão Xenides‑Arestis III (34), no qual o TEDH se pronunciou a favor da compatibilidade do regime indemnizatório com a CEDH, que este regime exclua validamente acções cíveis nos termos da legislação da República de Chipre. Pelo contrário: o TEDH negou expressamente que a recorrente tivesse o dever de recorrer à Comissão para a propriedade imobiliária por causa da questão da indemnização e, em vez disso, concedeu‑lhe ele próprio uma indemnização (35).

69.      Também é duvidoso que seja defensável outro entendimento. Com efeito, o próprio TEDH nega, em princípio, quaisquer efeitos jurídicos às expropriações realizadas pela RTNC, pelo facto de esta não ser reconhecida internacionalmente (36). O TEDH limita‑se a reconhecer que determinadas regulamentações de estruturas estaduais não reconhecidas internacionalmente devem poder ser consideradas válidas com vista a evitar consequências desfavoráveis para a respectiva população (37). A exclusão efectiva, através do regime indemnizatório, de acções cíveis, em detrimento dos interessados e sem o acordo da República de Chipre, iria muito para além do que é reconhecido pelo TEDH (38).

70.      A tese da Comissão segundo a qual, de acordo com o seu artigo 71.°, n.° 1, o Regulamento n.° 44/2001 é afastado pelo regime indemnizatório aprovado pelo TEDH também não é defensável.

71.      Essa disposição prevê que o regulamento não prejudica «as convenções em que os Estados‑Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões».

72.      O regime indemnizatório da RTNC, os acórdãos do TEDH a seu respeito ou até a própria CEDH não são manifestamente abrangidos por essa definição. É verdade que a CEDH é uma convenção, mas não estabelece regras especiais a respeito da competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões em matérias especiais, que sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento. As regulamentações unilaterais da RTNC não são convenções. E os acórdãos do TEDH a respeito destas regulamentações não se pronunciam acerca do reconhecimento e a execução de decisões em matéria cível.

73.      Assim, há que concluir que a decisão a reconhecer no processo principal constitui uma decisão em matéria cível na acepção do artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, que é, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento.

2.      Quanto à segunda questão prejudicial

74.      A segunda questão visa esclarecer se as disposições conjugadas do artigo 35.°, n.° 1, e do artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 autorizam ou obrigam um tribunal de um Estado‑Membro a recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro, quando esta decisão diga respeito a um imóvel situado numa zona deste outro Estado‑Membro onde o governo deste Estado não exerce um controlo efectivo.

75.      Antes de responder a esta questão, deve assinalar‑se que, de acordo com o seus segundo, sexto, décimo sexto e décimo sétimo considerandos, o regulamento visa assegurar a livre circulação das decisões proferidas nos Estados‑Membros em matéria civil e comercial, simplificando as formalidades para que o respectivo reconhecimento e execução sejam rápidos e simples (39).

76.      Em conformidade com esse objectivo, o artigo 33.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 prevê que as decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo. O reconhecimento só pode ser recusado nos casos previstos nos artigos 34.° e 35.°

77.      Nos termos do artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, as decisões proferidas num Estado‑Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado‑Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada. O artigo 45.°, n.° 1, do regulamento também só habilita o tribunal de recurso a recusar a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.°

78.      Nesse âmbito, o artigo 35.°, n.° 3, do regulamento estabelece o princípio de que a competência dos tribunais do Estado de origem não pode ser fiscalizada. Uma única excepção está prevista no artigo 35.°, n.° 1, para os casos de violação de determinadas competências exclusivas, entre as quais a competência, prevista no artigo 22.°, ponto 1, do regulamento, do tribunal da situação do imóvel.

79.      Nos termos do artigo 22.°, ponto 1, têm competência exclusiva em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, qualquer que seja o domicílio, os tribunais do Estado‑Membro onde o imóvel se encontre situado. Esta disposição teria sido desrespeitada, na acepção do artigo 35.°, n.° 1, se a decisão dissesse respeito a direitos reais sobre um imóvel que não estivesse situado no Estado em que a decisão foi proferida, a República de Chipre, mas noutro Estado‑Membro.

80.      Como observam com razão M. Apostolides, os Governos grego e cipriota e a Comissão, a República de Chipre constitui, do ponto de vista do direito internacional público, o único Estado reconhecido na ilha de Chipre (40). O território deste Estado também abrange a zona Norte da ilha, na qual está situado o imóvel em causa no presente processo (41). A RTNC, que controla efectivamente esta zona, não foi reconhecida por nenhum outro Estado para além da Turquia (42). Resulta do Protocolo n.° 10 que também os Estados signatários do Acto de Adesão consideraram que a zona Norte de Chipre era parte do território da República de Chipre e, portanto, parte do território aderente. Caso contrário, teria sido supérfluo suspender a aplicação do acervo comunitário nesta zona da ilha.

81.      A decisão que o tribunal de reenvio tem de declarar executória diz respeito, pelo menos também (43), a direitos reais, concretamente ao direito de propriedade sobre um imóvel situado na República de Chipre. Caso seja feita uma interpretação literal do artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, também não existe qualquer dúvida sobre a competência exclusiva dos tribunais deste Estado‑Membro.

82.      O casal Orams defende, porém, que o espírito e a finalidade da disposição se opõem a essa conclusão.

83.      Segundo jurisprudência assente, a razão essencial da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado onde o imóvel está situado é a circunstância de o tribunal do local da situação ser o melhor colocado para julgar os litígios em matéria de direitos reais sobre imóveis (44). Com efeito, esses litígios devem, em geral, ser julgados à luz das normas do Estado em que o imóvel estiver situado. Além disso, exigem uma investigação dos factos no local. Por conseguinte, corresponde ao interesse da boa administração da justiça atribuir uma competência exclusiva ao tribunal da situação do imóvel, devido à sua proximidade em relação ao mesmo (45)

84.      O casal Orams conclui com base nessa jurisprudência que o artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado em sentido estrito e não confere aos tribunais da República de Chipre competência para acções em matéria de direitos sobre imóveis situados na zona Norte. Com efeito, devido à falta de controlo efectivo sobre este território, os tribunais da República de Chipre não gozam da vantagem da especial proximidade.

85.      Não é necessário responder à questão de saber se este entendimento, que não encontra qualquer apoio na redacção da disposição, é correcto. Com efeito, o artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 só seria violado se, em vez dos tribunais da República de Chipre, fossem os tribunais de outro Estado‑Membro os competentes em razão da situação do bem. Não se vê que outro Estado‑Membro deva ser competente. Independentemente da sua situação à luz do direito internacional público, a RTNC poderia, na melhor das hipóteses, ser equiparada a um Estado terceiro. Todavia, uma vez que o artigo 22.°, ponto 1, não estabelece directamente qualquer competência exclusiva dos tribunais de um Estado terceiro, esta disposição não pode ser violada mesmo com base nessa premissa.

86.      É certo que é controvertido na doutrina se o artigo 22.°, ponto 1, produz um efeito reflexo a favor de Estados terceiros (46). O Tribunal de Justiça parece, porém, recusar esse efeito. Assim, afirmou no parecer por ele emitido a respeito da Convenção de Lugano que a competência exclusiva dos tribunais de um Estado terceiro no qual está situado o bem imóvel só afasta a competência dos tribunais do Estado‑Membro em que o demandado tem o seu domicílio, prevista no artigo 2.° do regulamento, porque a Convenção de Lugano contém uma disposição idêntica à do artigo 22.° do regulamento; apenas com base no regulamento, o foro competente seria o do domicílio na Comunidade (47).

87.      Em qualquer caso, seria errado permitir que esse efeito reflexo também se impusesse sobre o artigo 35.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. Com efeito, resulta da conjugação do n.° 1 e do n.° 3 do artigo 35.° que só em casos excepcionais é admissível recusar o reconhecimento e a execução com fundamento na violação de regras de competência. Por conseguinte, o âmbito de aplicação do artigo 35.°, n.° 1, não pode ser ampliado no sentido de que também a violação das competências de tribunais de Estados terceiros que não sejam partes da Convenção de Lugano deve constituir um obstáculo ao reconhecimento.

88.      Apenas para fazer uma análise o mais exaustiva possível, cumpre referir que consequências resultariam do facto de a RTNC – ao contrário do entendimento aqui defendido – dever ser tratada de forma análoga a um Estado terceiro. Nesse caso, os litígios relacionados com um imóvel nela situado não seriam da competência exclusiva dos tribunais da República de Chipre, nos termos do artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001. Por conseguinte, aplicar‑se‑iam as regras gerais de competência. A questão de saber se, de acordo com essas regras, o tribunal de Nicósia era efectivamente competente ou não (48) seria, por força do artigo 35.°, n.° 3, do regulamento, irrelevante para o reconhecimento e a execução da sua decisão.

89.      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que as disposições conjugadas do artigo 35.°, n.° 1, e do artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 não autorizam um tribunal de um Estado‑Membro a recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro se esta decisão disser respeito a um imóvel situado num território deste outro Estado‑Membro sobre o qual o respectivo governo não exerça um controlo efectivo.

3.      Quanto à terceira questão prejudicial

90.      A terceira questão prejudicial tem por objecto a interpretação da reserva de ordem pública estabelecida no artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001. O tribunal de reenvio pergunta se o reconhecimento e a execução de uma decisão devem ser recusados com base nesta reserva quando, na prática, a decisão não possa ser executada no próprio Estado em que a decisão foi proferida, por dizer respeito a um imóvel situado numa zona deste Estado sobre a qual o respectivo governo não exerce um controlo efectivo.

91.      O artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 determina que uma decisão não será reconhecida se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido.

92.      No acórdão doutrinário Krombach (49), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 27.° da Convenção de Bruxelas – disposição que antecedeu o artigo 34.° do Regulamento n.° 44/2001 – deve ser interpretado em sentido estrito. Com efeito, essa disposição constitui um obstáculo à realização de um dos objectivos fundamentais da convenção, que consiste em criar um sistema autónomo e completo que garanta a livre circulação das decisões na Comunidade. Por esta razão, em especial a cláusula de ordem pública estabelecida no artigo 27.°, ponto 1, da Convenção de Bruxelas só deve intervir em casos excepcionais (50).

93.      Daí o Tribunal de Justiça extraiu a seguinte consequência (51):

«O recurso à cláusula de ordem pública, constante do artigo 27.°, ponto 1, da convenção, só é concebível quando o reconhecimento ou a execução da decisão proferida noutro Estado contratante viole de uma forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por atentar contra um princípio fundamental. A fim de respeitar a proibição de revisão de mérito da decisão estrangeira, esse atentado dev[e] constituir uma violação manifesta de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica.»

94.      Por último, o Tribunal de Justiça declarou ainda que, embora os Estados contratantes permaneçam, em princípio, livres para, ao abrigo da reserva constante do artigo 27.°, ponto 1, da convenção e em conformidade com as suas concepções nacionais, determinar as exigências da sua ordem pública, os limites desse conceito fazem parte da interpretação da convenção (52). Assim, embora não caiba ao Tribunal de Justiça definir o conteúdo da ordem pública de um Estado contratante, incumbe‑lhe contudo controlar os limites no quadro dos quais o órgão jurisdicional de um Estado contratante pode recorrer a esse conceito para não reconhecer uma decisão de um órgão jurisdicional de outro Estado contratante (53).

95.      Há que examinar, à luz destas conclusões, se o facto de uma decisão não ser, de facto, exequível no Estado que a decisão foi proferida pode ser considerado uma violação manifesta da ordem pública, na acepção do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, que obsta ao reconhecimento e à execução noutro Estado‑Membro.

96.      Como o Governo grego e a Comissão salientam com razão, a exequibilidade de uma decisão no Estado em que a mesma foi proferida já constitui, de acordo com o artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001, um pressuposto para que um tribunal de outro Estado‑Membro declare a sua executoriedade. Um título não pode, portanto, produzir mais efeitos no Estado requerido do que no Estado de origem (54).

97.      No acórdão Coursier (55), o Tribunal de Justiça interpretou o excerto correspondente do artigo 31.° da Convenção de Bruxelas no sentido de que o termo «executórias» visa apenas a exequibilidade, do ponto de vista formal, das decisões estrangeiras e não as condições em que as mesmas podem ser executadas no Estado em que a decisão foi proferida. A decisão não é formalmente exequível quando dela tenha sido interposto recurso, ou ainda possa vir a sê‑lo, e não tenha sido declarada provisoriamente executória.

98.      Seria contrário ao objectivo do Regulamento n.° 44/2001, que consiste em garantir a livre circulação de decisões através da simplificação do seu reconhecimento e da sua execução (56), fazer depender a declaração de executoriedade dos pressupostos factuais de execução da decisão no Estado em que foi proferida. Diferentemente da exequibilidade em sentido formal, em especial uma certidão nos termos do artigo 54.° do regulamento não permite automaticamente confirmar se e em que condições uma decisão é concretamente exequível no Estado em que foi proferida. Além disso, a eficácia jurídica da decisão em nada é prejudicada por obstáculos efectivos à execução.

99.      O caso em apreço ilustra mesmo os possíveis imprevistos que resultariam do exame da exequibilidade efectiva. É verdade que alguns dos direitos reconhecidos no título não podem ser actualmente executados em Chipre, dado que a República de Chipre não pode exercer a sua soberania no território em que o imóvel em causa está situado. Os créditos pecuniários poderiam, porém, perfeitamente ser objecto de uma execução na zona da ilha controlada pela República de Chipre, na medida em o casal Orams aí disponha de bens, designadamente de contas bancárias ou de outros créditos.

100. Uma vez que a exequibilidade da decisão estrangeira no Estado de origem, enquanto pressuposto para a declaração de executoriedade pelos tribunais de outro Estado‑Membro, é regulada de forma exaustiva no artigo 38.°, n.° 1, do regulamento, a mesma não pode ser entendida de modo diferente no quadro da reserva de ordem pública. Com base em considerações análogas, o artigo 35.°, n.° 3, segundo período, do Regulamento n.° 44/2001 exclui expressamente que problemas de competência que não possam ser examinados nos termos do artigo 35.° sejam, ainda assim, susceptíveis de violar a ordem pública a que se refere o artigo 34.°, ponto 1.

101. A Comissão e, na sua senda, o casal Orams suscitam adicionalmente a questão de saber se não é possível invocar outra razão de ordem pública contra a execução. Em sua opinião, o reconhecimento e a execução da decisão do tribunal distrital de Nicósia podem ser contrários à «ordem pública internacional», na medida em que minam os esforços envidados pela comunidade internacional para resolver o problema de Chipre.

102. A este propósito, é de referir em primeiro lugar que o próprio tribunal de reenvio não considerou essa razão de recusa do reconhecimento e da execução no Reino Unido. Em princípio, o Tribunal de Justiça está, porém, vinculado pelo objecto do pedido de decisão prejudicial, que foi definido pelo tribunal de reenvio no seu despacho de reenvio. Por regra, as partes não estão autorizadas a submeter ao Tribunal de Justiça questões adicionais (57).

103. Isto é especialmente válido para a interpretação do conceito de ordem pública previsto no artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, visto que é da competência dos Estados‑Membros determinar as exigências da sua ordem pública em conformidade com as suas concepções nacionais (58). A isto acresce que o Governo do Reino Unido não interveio no presente processo. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não dispõe de informações fidedignas sobre se as razões invocadas pela Comissão devem ser consideradas parte da ordem pública desse Estado‑Membro.

104. Todavia, a Comissão baseia‑se expressamente na ordem pública internacional. Embora reconheça que o artigo 34.°, ponto 1, só se refere à ordem pública do Estado‑Membro em que a decisão deve ser reconhecida, em sua opinião nada impede que razões de ordem pública internacional sejam simultaneamente consideradas parte da ordem pública nacional.

105. Para o caso de o Tribunal de Justiça considerar conveniente discutir este ponto de vista, apesar de o mesmo não ser objecto do pedido de decisão prejudicial, tomo a seguinte posição sobre o mesmo:

106. No acórdão Krombach, o Tribunal de Justiça considerou que lhe cabe controlar os limites no quadro dos quais um órgão jurisdicional de um Estado contratante da Convenção de Bruxelas pode recorrer ao conceito de ordem pública para não reconhecer uma decisão de um órgão jurisdicional de outro Estado contratante (59). Dado que os direitos fundamentais, tal como estão consagrados na CEDH, são parte integrante dos princípios gerais do direito, o Tribunal de Justiça concluiu que um tribunal de um Estado‑Membro tem o direito de recusar o reconhecimento de uma sentença estrangeira resultante de uma violação manifesta dos direitos fundamentais (60).

107. Por conseguinte, nessa medida o Tribunal de Justiça também estabeleceu efectivamente uma relação entre os direitos fundamentais protegidos pela CEDH a nível internacional e a ordem pública nacional. Assim, a recusa de reconhecimento de uma sentença estrangeira está, em qualquer caso, em consonância com o artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 quando as exigências da ordem pública nacional remediarem uma violação manifesta dos direitos fundamentais consagrados na CEDH.

108. Ainda não foi esclarecido definitivamente se os tribunais têm não só o direito mas inclusivamente o dever de recusar a execução de uma sentença estrangeira que viole manifestamente os direitos fundamentais comunitários. A favor desta tese é possível invocar que, segundo jurisprudência assente, os tribunais nacionais estão vinculados pelos direitos fundamentais quando têm de se pronunciar sobre uma situação abrangida pelo âmbito de aplicação do direito comunitário (61).

109. Porém, a Comissão não alega no presente caso que a decisão a executar viola direitos fundamentais. Está, pelo contrário, preocupada com as exigências da política internacional quanto à questão de Chipre. Estas exigências adquiriram em certa medida carácter vinculativo, na medida em que encontraram expressão nas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (62). Isto é válido, designadamente, para a obrigação de os Estados se absterem de tomar medidas que agravem o conflito de Chipre.

110. A preservação da paz e a restauração da integridade territorial de Chipre são seguramente bens de elevado valor. É, porém, altamente duvidoso se estes objectivos podem ser considerados uma «regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou […] um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica», na acepção do acórdão Krombach (63).

111. Como já foi referido, as exigências e os apelos feitos nas resoluções das Nações Unidas respeitantes a Chipre são, em qualquer caso, demasiado gerais para que delas possa ser inferida uma obrigação concreta de não reconhecer nenhuma decisão de um tribunal da República de Chipre respeitante a direitos de propriedade sobre um imóvel situado na zona Norte de Chipre. Independentemente disto, também não é claro se o reconhecimento da decisão no presente contexto contribui para ou prejudica a resolução do problema de Chipre e se esse reconhecimento não é mesmo necessário para proteger os direitos fundamentais de M. Apostolides (64).

112. Por conseguinte, há que responder à terceira questão prejudicial que um tribunal de um Estado‑Membro não pode recusar, invocando a reserva de ordem pública estabelecida no artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, o reconhecimento e a execução de uma decisão com o fundamento de que, embora a decisão seja formalmente exequível no Estado em que foi proferida, não pode ser executada neste Estado por razões factuais.

4.      Quanto à quarta questão prejudicial

113. A quarta questão visa esclarecer se o reconhecimento de uma decisão proferida à revelia pode ser recusado, com base no artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001, devido a irregularidades na citação do acto que dá início à instância, quando a decisão tenha sido examinada no âmbito de um recurso interposto pelo demandado.

114. Nos termos do artigo 34.°, ponto 2, uma decisão não será reconhecida se o acto que iniciou a instância não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir‑lhe a defesa. De acordo com a mesma disposição, tais vícios da citação não podem, porém, ser invocados se o requerido não tiver interposto recurso da decisão proferida à revelia, embora tenha tido a possibilidade de o fazer.

115. No caso em apreço, o casal Orams interpôs efectivamente no tribunal distrital de Nicósia um recurso da decisão proferida à revelia. Foi negado provimento ao seu recurso após a realização de um julgamento completo e justo, com o fundamento de que o casal não tinha apresentado uma defesa plausível (arguable defence) contra o pedido. Contudo, o casal Orams invoca uma série de circunstâncias respeitantes à citação da petição que alegadamente dificultaram o exercício do seu direito de defesa em tempo útil, e remetem a este respeito para a jurisprudência relativa ao artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas (65).

116. No acórdão ASML (66), o Tribunal de Justiça referiu, porém, as diferenças existentes entre o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 e o artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas. Com efeito, de acordo com o artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas, uma decisão não é reconhecida «se o acto que determinou o início da instância […] não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, regularmente e em tempo útil, por forma a permitir‑lhe a defesa».

117. Ao invés, segundo o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001, a regularidade da citação do acto que dá início à instância não é necessariamente decisiva (67), mas sim a efectiva observância dos direitos de defesa. Se o demandado revel não interpuser recurso da decisão, embora tenha tido oportunidade de o fazer, o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 pressupõe actualmente que os direitos de defesa foram respeitados apesar dos vícios da citação.

118. Consequentemente, a jurisprudência referida a respeito do artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas não pode ser transposta para o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 (68).

119. A nova redacção da norma tem mais em linha de conta o objectivo de facilitar o reconhecimento e a execução de decisões, sem, porém, prejudicar o direito a ser ouvido, que, segundo jurisprudência assente, faz parte dos direitos fundamentais cujo respeito deve ser assegurado pelo Tribunal de Justiça (69).

120. No presente caso, havia a possibilidade de interpor recurso da decisão proferida à revelia pelo tribunal distrital de Nicósia e o casal Orams fez uso dessa possibilidade. Num caso como o presente, decorre do artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 que o reconhecimento e a execução não podem justamente ser recusados com fundamento em irregularidades na citação da petição.

121. Isto é válido, em todo o caso, quando o direito a ser ouvido não é todavia prejudicado por nenhuma circunstância especial, designadamente a configuração do processo de recurso. No caso em apreço, não existem, porém, indícios nesse sentido. De acordo com as conclusões do tribunal de reenvio, o casal Orams teve a possibilidade de dar a conhecer a sua posição quanto à matéria de direito no âmbito de um processo judicial completo e justo. Havia ainda a possibilidade de recorrer da decisão proferida em sede de recurso para o Supremo Tribunal, possibilidade da qual o casal Orams fez uso, embora sem êxito.

122. Ao que parece, a circunstância de o direito cipriota impor ao demandado que apresente uma defesa plausível para conseguir obter a anulação de uma decisão proferida à revelia também não prejudicou de forma significativa os direitos de defesa do casal Orams. O facto de não terem conseguido convencer os tribunais cipriotas da sua posição quanto à matéria de direito não pode ser tida em conta no processo de reconhecimento e de execução, em conformidade com os artigos 36.° e 45.°, n.° 2, do regulamento.

123. Assim sendo, há que responder há quarta questão que o artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida à revelia não podem ser recusados com fundamento em irregularidades na citação do acto que dá início à instância, quando o demandado revel tenha tido a possibilidade de recorrer da decisão proferida à revelia, os tribunais do Estado de origem tenham subsequentemente examinado a decisão num processo completo e justo e não existam indícios de que o direito do demandado a ser ouvido não foi respeitado nesse processo.

5.      Quanto à quinta questão prejudicial

124. Atenta a resposta dada à quarta questão, não é necessário responder à quinta questão.

V –    Conclusão

125. Tendo em conta as considerações que precedem, proponho que se responda às questões colocadas pela Court of Appeal nos seguintes termos:

1.      A suspensão da aplicação do acervo comunitário nas zonas da República de Chipre onde o Governo da República de Chipre não exerce um controlo efectivo, prevista no artigo 1.°, n.° 1, do Protocolo n.° 10 do Acto de adesão de 2003, não obsta a que um tribunal de outro Estado‑Membro reconheça ou execute, ao abrigo do Regulamento n.° 44/2001, uma decisão de um tribunal da República de Chipre respeitante à zona não controlada pelo Governo desta última.

2.      As disposições conjugadas do artigo 35.°, n.° 1, e do artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 não autorizam um tribunal de um Estado‑Membro a recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida por um tribunal de outro Estado‑Membro se esta decisão disser respeito a um imóvel situado num território deste outro Estado‑Membro sobre o qual o respectivo governo não exerça um controlo efectivo.

3.      Um tribunal de um Estado‑Membro não pode recusar, invocando a reserva de ordem pública estabelecida no artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, o reconhecimento e a execução de uma decisão com o fundamento de que, embora a decisão seja formalmente exequível no Estado em que foi proferida, não pode ser executada neste Estado por razões factuais.

4.      O artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida à revelia não podem ser recusados com fundamento em irregularidades na citação do acto que dá início à instância, quando o demandado revel tenha tido a possibilidade de recorrer da decisão proferida à revelia, os tribunais do Estado de origem tenham subsequentemente examinado a decisão num processo completo e justo e não existam indícios de que o direito do demandado a ser ouvido não foi respeitado nesse processo.


1 – Língua original: alemão.


2 – V., a respeito da evolução histórica, também as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral C. Gulmann, em 20 de Abril de 1994, no processo Anastasiou (C‑432/92, Slg. 1994, I‑3087, n.os 9 a 13).


3 – No ano de 2005, encontravam‑se pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 1 400 queixas contra a Turquia com fundamento na violação do direito de propriedade, a maioria delas apresentada por cipriotas gregos (v. TEDH, acórdão Xenides‑Arestis c. Turquia de 22 de Dezembro de 2005, n.° 46347/99, § 38 – acórdão Xenides‑Arestis II).


4 – JO 2001, L 12, p. 1.


5 – Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia – Protocolo n.° 10 relativo a Chipre, JO 2003, L 236, p. 955.


6 – V. o artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 e os vigésimo e vigésimo primeiro considerandos deste regulamento.


7 – Acórdão de 1 de Março de 2005, Owusu (C‑281/02, Colect., p. I‑1383, n.° 29).


8 – Parecer 1/03 de 7 de Fevereiro de 2006 (Colect., p. I‑1145, n.° 143).


9 – Acórdão Owusu (já referido na nota 7, n.° 26) e parecer 1/03 (já referido na nota. 8, n.° 145).


10 – Acórdão Owusu (já referido na nota 7, n.° 34).


11 – V. acórdãos de 29 de Março de 1979, Comissão/Reino Unido (231/78, Recueil, p. 1447, n.° 13); de 25 de Fevereiro de 1988, Comissão/Grécia (194/85 e 241/85, Colect., p. 1037, n.os 19 a 21); de 14 de Dezembro de 1989, Agegate (C‑3/87, Colect., p. 4459, n.° 39), e de 3 de Dezembro de 1998, KappAhl (C‑233/97, Colect., p. I‑8069, n.° 18).


12 – V. o segundo considerando do Regulamento n.° 44/2001, que alude à relação existente com o estabelecimento do mercado interno.


13 – Este objectivo é prosseguido pelo Regulamento (CE) n.° 389/2006 do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2006, que estabelece um instrumento de apoio financeiro para a promoção do desenvolvimento económico da comunidade cipriota turca e que altera o Regulamento (CE) n.° 2667/2000, relativo à Agência Europeia de Reconstrução (JO L 65, p. 5).


14 – Regulamento (CE) n.° 866/2004 do Conselho, de 29 de Abril 2004, relativo a um regime de acordo com o artigo 2.° do Protocolo n.° 10 ao Acto de Adesão (JO L 161, p. 128, rectificado no JO 2004, L 206, p. 51).


15 – As resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativas a Chipre encontram‑se listadas na página da Internet da Força de Paz das Nações Unidas em Chipre (UNFICYP): www.unficyp.org/nqcontent.cfm?a_id=1636.


16 – V. as resoluções n.° 353 (1974) de 20 de Julho de 1974, n.° 541 (1983) de 18 de Novembro de 1983 e n.° 1251 (1999) de 29 de Junho de 1999.


17 – V., a respeito da evolução da circulação de pessoas e de mercadorias, a Comunicação da Comissão de 27 de Agosto de 2008 – Relatório anual sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.° 866/2004 do Conselho, de 29 de Abril de 2004, e a situação resultante dessa aplicação, COM(2008) 529 final.


18 – Nestes termos, a respeito da Convenção de Bruxelas: acórdãos de 28 de Setembro de 1999, GIE Groupe Concorde e o. (C‑440/97, Colect., p. I‑6307, n.° 23); de 19 de Fevereiro de 2002, Besix (C‑256/00, Colect., p. I‑1699, n.° 24), e Owusu (já referido na nota 7, n.° 38); a respeito do Regulamento n.° 44/2001: acórdão de 22 de Maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33).


19 – V., neste sentido, o décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 44/2001 e o acórdão Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (já referido na nota 18, n.° 33), bem como, a respeito da Convenção de Bruxelas, o acórdão Owusu (já referido na nota 7, n.os 39 e 40).


20 – TEDH, acórdão Loizidou c. Turquia de 18 de Dezembro de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões 1996‑VI.


21 – TEDH, acórdão Loizidou (já referido na nota 20, § 46). V. igualmente TEDH, acórdão Chipre c. Turquia de 10 de Maio de 2001, n.° 25781/94, Colectânea dos acórdãos e decisões 2001‑IV.


22 – TEDH, acórdãos Loizidou (já referido na nota 20, § 64) e Xenides‑Arestis II (já referido na nota 3), respeitantes à violação do artigo 1.° do Primeiro Protocolo adicional e à violação do artigo 8.°, n.° 1, da CEDH (direito à inviolabilidade do domicílio), com outras referências.


23 – TEDH, acórdão Xenides‑Arestis c. Turquia de 7 de Dezembro de 2006, n.° 46347/99, §§ 37 e 42 (acórdão Xenides‑Arestis III). O TEDH condenara a demandada a adoptar um regime geral de indemnização que fosse conforme às regras da Convenção (acórdão Xenides‑Arestis II, já referido na nota 3, § 40); v. igualmente despacho Xenides‑Arestis c. Turquia de 14 de Março de 2005, relativo à admissibilidade.


24 – V., a este respeito, F. Matscher, «Grundfragen der Anerkennung und Vollstreckung ausländischer Entscheidungen in Zivilsachen», em: Zeitschrift für Zivilprozess (ZZP) 1990, p. 294, em especial p. 318; do mesmo autor, «Die indirekte Wirkung des Art. 6 EMRK bei der Anerkennung und Vollstreckung ausländischer Entscheidungen», em: Festschrift für Helmut Kollhosser, 2004, p. 427, em especial pp. 444 e segs.; R. Geimer, «Menschenrechte im internationalen Zivilverfahrensrecht», em: Aktuelle Probleme des Menschenrechtsschutzes, Berichte der deutschen Gesellschaft für Völkerrecht, tomo 33, Heidelberga, 1994, pp. 219 e segs.


25 – V. TEDH, acórdãos Hornsby c. Grécia de 19 de Março de 1997, n.° 18357/91, Colectânea dos acórdãos e decisões 1997‑II, § 40, e Burdov c. Rússia de 7 de Maio de 2002, n.° 59498/00, Colectânea dos acórdãos e decisões 2002‑III, § 34.


26 – V., a este respeito, as referências constantes da nota 23.


27 – Acórdãos de 14 de Outubro de 1976, LTU (29/76, Colect., p. 629); de 16 de Dezembro de 1980, Rüffer (814/79, Recueil, p. 3807, n.° 7); de 14 de Novembro de 2002, Baten (C‑271/00, Colect., p. I‑10489, n.° 28); de 15 de Maio de 2003, Préservatrice foncière TIARD (C‑266/01, Colect., p. I‑4867, n.° 20); de 18 de Maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, Colect., p. I‑4557, n.° 22), e de 15 de Fevereiro de 2007, Lechouritou e o. (C‑292/05, Colect., p. I‑1519, n.° 29).


28 – V., a respeito da Convenção de Bruxelas, acórdão de 1 de Outubro de 2002, Henkel (C‑167/00, Colect., p. I‑8111, n.° 26).


29 – Já referido na nota 27.


30 – As regulamentações aplicáveis, que, na opinião do TEDH, respeitam, em princípio, as regras da CEDH, só entraram em vigor em 22 de Dezembro de 2005 e em 30 de Março de 2006 (v. acórdão Xenides‑Arestis III, já referido na nota 23, § 11).


31 – Acórdãos Rüffer (já referido na nota 27, n.° 15) e Lechouritou (já referido na nota 27, n.° 41).


32 – V. acórdão Rüffer (já referido na nota 27, n.° 8).


33 – V. acórdãos Baten (já referido na nota 27, n.° 31), Préservatrice foncière TIARD (já referido na nota 27, n.° 23) e de 5 de Fevereiro de 2004, Frahuil (C‑265/02, Colect., p. I‑1543, n.° 20).


34 – Já referido na nota 23.


35 – Acórdão Xenides‑Arestis III (já referido na nota 23, § 37).


36 – V. as referências constantes da nota 21.


37 – V. acórdão Loizidou (já referido na nota 20, § 45) e despacho Xenides‑Arestis I (já referido na nota 23).


38 – É evidente que isto não significa necessariamente que um lesado possa exigir simultaneamente a devolução do seu terreno através da via cível e o pagamento de uma indemnização por expropriação. Na medida em que sejam possíveis processos paralelos, as prestações obtidas no outro processo podem ser tidas em conta para evitar enriquecimentos sem causa.


39 – Acórdão de 14 de Dezembro de 2006, ASML (C‑283/05, Colect., p. I‑12041, n.° 23).


40 – V. acórdão Anastasiou e o. (processo já referido na nota 2, n.° 40).


41 – V., entre outros, C. Tomuschat, «The Accession of Cyprus to the European Union», em: P. Häberle/M. Morlock/V. Skouris (edição), Festschrift für D. Tsatsos, Baden‑Baden, 2003, p. 672, em especial p. 676.


42 – V. as conclusões do advogado‑geral C. Gulmann no processo Anastasiou (já referidas na nota 2, n.° 12). O Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou expressamente a proclamação da República e exortou ao não reconhecimento da RTNC [v. Resoluções n.° 541 (1983) de 18 de Novembro de 1983 e n.° 550 (1984) de 11 de Maio de 1984, disponíveis em: www.unficyp.org/nqcontent.cfm?a_id=1636]. Por declarações de 16 de Novembro de 1983 (Bulletin des Communautés européennes n.° 11/1983, ponto 2.4.1) e de 27 de Março de 1984 (Bulletin des Communautés européennes n.° 3/1984, ponto 2.4.3), os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados‑Membros também condenaram, no quadro da cooperação política europeia, a proclamação da independência. A respeito da questão do reconhecimento, v. também S. Talmon, Kollektive Nichtanerkennung illegaler Staaten, Tûbingen, 2006, pp. 41 e segs.


43 – Na medida em que é concedida uma indemnização pela privação do uso do imóvel, o artigo 22.°, ponto 1, pode não ser aplicável [v. acórdão de 9 de Junho de 1994, Lieber (C‑292/93, Colect., p. I‑2535, n.° 15)].


44 – V., a respeito da Convenção de Bruxelas, acórdãos de 14 de Dezembro de 1977, Sanders (73/77, Colect., p. 865, n.os 10 e 11); de 10 de Janeiro de 1990, Reichert e Kockler (C‑115/88, Colect., p. I‑27, n.° 10); de 13 de Outubro de 2005, Klein (C‑73/04, Colect., p. I‑8667, n.° 16), e de 18 de Maio de 2006, ČEZ (C‑343/04, Colect., p. I‑4557, n.° 28). Neste sentido, também o relatório Jenard, relativo à Convenção de Bruxelas (JO 1990, C 189, p. 122).


45 – V., em especial, acórdão ČEZ (já referido na nota 44, n.° 29).


46 – V., a respeito do estado da controvérsia, Rauscher/Mankowski, Europäisches Zivilprozessrecht, 2.a edição, Munique, 2006, artigo 22.° do Regulamento n.° 44/2001, n.° 26; Layton/Mercer, European Civil Practice, 2.a edição, Londres, 2004, n.° 19.010.


47 – Parecer 1/03 (já referido na nota 8, n.° 153).


48 – Seria, porém, possível, uma competência dos tribunais do domicílio dos demandados, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001. A questão de saber se a casa de férias situada em Lapta pode ser considerada um segundo domicílio para além do domicílio no Reino Unido é, de acordo com o artigo 59.°, n.° 1, do regulamento, regulada pela lex fori. Contudo, uma vez que o domicílio se situa na zona Norte de Chipre, coloca‑se aqui um problema semelhante àquele que resulta da aplicação do artigo 22.°, ponto 1.


49 – Acórdão de 28 de Março de 2000, Krombach (C‑7/98, Colect., p. I‑1935, n.os 19 a 21). V. também acórdão de 11 de Maio de 2000, Renault (C‑38/98, Colect., p. I‑2973, n.° 26).


50 – Acórdãos Krombach (já referido na nota 49, n.° 21) e Renault (já referido na nota 49, n.° 26), que remetem para os acórdãos de 4 de Fevereiro de 1988, Hoffmann (145/86, Colect., p. 645, n.° 21), e de 10 de Outubro de 1996, Hendrikman e Feyen (C‑78/95, Colect., p. I‑4943, n.° 23).


51 – Acórdãos Krombach (já referido na nota 49, n.° 37) e Renault (já referido na nota 49, n.° 30)


52 – Acórdãos Krombach (já referido na nota 49, n.° 22) e Renault (já referido na nota 49, n.° 27).


53 – Acórdãos Krombach (já referido na nota 49, n.° 23) e Renault (já referido na nota, n.° 28).


54 – V. as explicações constantes do relatório Jenard (já referido na nota 44, pp. 47 e segs.).


55 – Acórdão de 29 de Abril de 1999 (C‑267/97, Colect., p. I‑2543, n.° 29)


56 – V., supra, o n.° 75 destas conclusões.


57 – Acórdãos de 9 de Dezembro de 1965, Singer (44/65, Colect., p. 251, em especial p. 254); de 17 de Setembro de 1998, Kainuun Liikenne e Pohjolan Liikenne (C‑412/96, Colect., p. I‑5141, n.° 23); de 12 de Agosto de 2008, Santesteban Goicoechea (C‑296/08 PPU, ainda não publicado na Colectânea, n.° 46), e de 9 de Outubro de 2008, Katz (C‑404/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37).


58 – V., supra, o n.° 94 destas conclusões e as referências constantes da nota 52.


59 – Acórdão Krombach (já referido 49; n.° 23).


60 – Acórdão Krombach (já referido na nota 49, n.os 25 a 27 e 38 a 40).


61 – V. acórdãos de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o. (201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n.os 8 a 10); de 13 de Julho de 1989, Wachauf (5/88, Colect., p. 2609, n.° 19); de 18 de Junho de 1991, ERT (C‑260/89, Colect., p. I‑2925, n.os 42 e segs.); de 12 de Junho de 2003, Schmidberger (C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 75), e de 11 de Julho de 2006, Chacón Navas (C‑13/05, Colect., p. I‑6467, n.° 56). Neste sentido, v., entre outros, E. Jayme/C. Kohler, «Europäisches Kollisionsrecht 2000: Interlokales Privatrecht oder universelles Gemeinschaftsrecht?», Praxis des Internationalen Privat‑ und Verfahrensrechts – IPRax, 2000, p. 454, em especial p. 460.


62 – V., supra, n.° 45 destas conclusões e as referências constantes da nota 16, bem como as conclusões por mim hoje apresentadas no processo Gambazzi (C‑394/07, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 43).


63 – Acórdãos Krombach (já referido na nota 49, n.° 37) e Renault (já referido na nota 49, n.° 30).


64 – V., supra, n.os 45 e 49 a 52 destas conclusões.


65 – Acórdãos de 3 de Julho de 1990, Lancray (C‑305/88, Colect., p. I‑2725, n.° 23); de 12 de Novembro de 1992, Minalmet (C‑123/91, Colect., p. I‑5661, n.° 21); de 10 de Outubro de 1996, Hendrikman e Feyen (já referido na nota 50, n.° 18), e de 16 de Fevereiro de 2006, Verdoliva (C‑3/05, Colect., p. I‑1579, n.° 29).


66 – Já referido na nota 39, n.os 19 e segs.


67 – Acórdão ASML (já referido na nota 39, n.° 20).


68 – Na opinião do advogado‑geral P. Léger, resulta dos trabalhos preparatórios do Regulamento n.° 44/2001 que a nova versão visava precisamente suprimir as consequências que resultavam da jurisprudência referida a respeito do artigo 27.°, ponto 2, da Convenção de Bruxelas [v. conclusões de 28 de Setembro de 2006 no processo ASML (já referido na nota 39, n.os 51 e segs.)].


69 – V. acórdão ASML (já referido na nota 39, n.os 23 e segs.).