Language of document : ECLI:EU:C:2015:471

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

16 de julho de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (CE) n.° 44/2001 — Reconhecimento e execução de decisões — Motivos de recusa — Violação da ordem pública do Estado requerido — Decisão emanada de um tribunal de outro Estado‑Membro, contrária ao direito da União em matéria de marcas — Diretiva 2004/48/CE — Respeito dos direitos de propriedade intelectual — Custas judiciais»

No processo C‑681/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 20 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de dezembro de 2013, no processo

Diageo Brands BV

contra

Simiramida‑04 EOOD,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, S. Rodin, E. Levits, M. Berger (relatora) e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de dezembro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Diageo Brands BV, por F. Vermeulen, C. Gielen e A. Verschuur, advocaten,

—        em representação da Simiramida‑04 EOOD, por S. Todorova Zhelyazkova, advokat, M. Gerritsen e A. Gieske, advocaten,

—        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e I. Ņesterova, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por A.‑M. Rouchaud‑Joët e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de março de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), e do artigo 14.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Diageo Brands BV (a seguir «Diageo Brands») à Simiramida‑04 EOOD (a seguir «Simiramida»), a respeito de um pedido de indemnização apresentado por esta última pelo prejuízo que lhe foi alegadamente causado por um arresto de mercadorias de que era destinatária, efetuado a pedido da Diageo Brands.

 Quadro jurídico

 Regulamento (CE) n.° 44/2001

3        Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.° 44/2001, «[a] confiança recíproca na administração da justiça no seio da [União Europeia] justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, exceto em caso de impugnação».

4        O capítulo III do Regulamento n.° 44/2001, intitulado «Reconhecimento e Execução», está subdividido em três secções. A secção 1, por sua vez intitulada «Reconhecimento», compreende, designadamente, os artigos 33.°, 34.° e 36.° deste regulamento.

5        O artigo 33.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 tem a seguinte redação:

«As decisões proferidas num Estado‑Membro são reconhecidas nos outros Estados‑Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo.»

6        Segundo o artigo 34.° deste regulamento:

«Uma decisão não será reconhecida:

1)      Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado‑Membro requerido;

[...]»

7        O artigo 36.° do referido regulamento prevê:

«As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objeto de revisão de mérito.»

 Diretiva 89/104/CEE

8        A Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Diretiva 89/104»), foi revogada pela Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (Versão codificada) (JO L 299, p. 25). No entanto, tendo em conta a data dos factos, a Diretiva 89/104 permanece aplicável ao litígio do processo principal.

9        O artigo 5.° desta diretiva dispunha:

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

[...]

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respetiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)      Importar ou exportar produtos com esse sinal;

[...]»

10      O artigo 7.° da Diretiva 89/104, com a epígrafe «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca», enunciava, no seu n.° 1:

«O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados [no Espaço Económico Europeu] sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.»

 Diretiva 2004/48

11      O considerando 10 da Diretiva 2004/48 refere que o seu objetivo é aproximar as legislações dos Estados‑Membros «a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno».

12      O considerando 22 da mesma diretiva precisa que, entre as medidas que os Estados‑Membros devem oferecer, [é] igualmente indispensável prever medidas provisórias que permitam a cessação imediata da violação sem aguardar uma decisão relativa ao mérito[…] e acautelando as garantias necessárias para cobrir os danos e perdas causados ao requerido por uma pretensão injustificada».

13      Nos termos do seu artigo 1.°, a Diretiva 2004/48 estabelece «as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual», sendo que, segundo esta mesma disposição, a expressão «direitos de propriedade intelectual» engloba os «direitos da propriedade industrial».

14      O artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva enuncia que as medidas, procedimentos e recursos nela previstos são aplicáveis «a qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual previstos na legislação comunitária e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa».

15      Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 2, da referida diretiva, as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade que os Estados‑Membros devem estabelecer devem ser «eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos».

16      Nesta perspetiva, o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva 2004/48 impõe aos Estados‑Membros que garantam que as autoridades judiciais competentes possam, em determinadas condições, «ordenar medidas provisórias prontas e eficazes para preservar provas relevantes da alegada violação». A mesma disposição precisa que essas medidas podem incluir «a apreensão efetiva dos bens litigiosos». Segundo o artigo 9.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva, os Estados‑Membros devem garantir que as autoridades judiciais possam, a pedido do requerente, «[o]rdenar a apreensão ou a entrega dos bens que se suspeite violarem direitos de propriedade intelectual». Os artigos 7.°, n.° 4, e 9.°, n.° 7, da referida diretiva preveem que, «nos casos em que se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual», as autoridades judiciais deverão ter competência para «ordenar ao requerente, a pedido do requerido, que pague a este último uma indemnização adequada para reparar qualquer dano causado por essas medidas».

17      Relativamente às custas judiciais, o artigo 14.° da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as custas judiciais e outras despesas, razoáveis e proporcionadas, da parte vencedora no processo, sejam geralmente custeados pela parte vencida, exceto se, por uma questão de equidade, tal não for possível.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      A Diageo Brands, com sede em Amesterdão (Países Baixos), é titular da marca Johnny Walker. Comercializa whisky desta marca na Bulgária por intermédio de um importador local exclusivo.

19      A Simiramida, sedeada em Varna (Bulgária), comercializa bebidas alcoólicas.

20      Em 31 de dezembro de 2007, chegou ao porto de Varna, proveniente da Geórgia, um contentor com 12 096 garrafas de whisky da marca Johnny Walker, destinado à Simiramida.

21      Por considerar que a importação para a Bulgária deste lote de garrafas sem a sua autorização constituía uma violação da marca de que é titular, a Diageo Brands requereu e obteve, por despacho de 12 de março de 2008, a autorização do Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) para o arresto do referido lote.

22      Em sede de recurso interposto pela Simiramida, o Sofiyski apelativen sad (Tribunal de recurso de Sófia) anulou esse despacho em 9 de maio de 2008.

23      Por decisões de 30 de dezembro de 2008 e de 24 de março de 2009, o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) negou provimento ao recurso da Diageo Brands, por razões processuais.

24      O arresto do lote de whisky efetuado a pedido da Diageo Brands foi levantado em 9 de abril de 2009.

25      Na ação principal intentada pela Diageo Brands contra a Simiramida por violação da marca de que é titular, o Sofiyski gradski sad, por decisão de 11 de janeiro de 2010, julgou improcedentes os pedidos da Diageo Brands. Esse tribunal declarou que resultava de uma decisão interpretativa, proferida pelo Varhoven kasatsionen sad em 15 de junho de 2009, que a importação para a Bulgária de produtos introduzidos no mercado fora do Espaço Económico Europeu (EEE) com o consentimento do titular da marca em causa não constituía uma violação dos direitos conferidos pela marca. O Sofiyski gradski sad considerou que, por força do direito processual búlgaro, estava vinculado por essa decisão interpretativa.

26      A Diageo Brands não exerceu nenhuma via de recurso contra a decisão do Sofiyski gradski sad de 11 de janeiro de 2010, a qual transitou em julgado.

27      No processo principal, a Simiramida pede aos tribunais neerlandeses a condenação da Diageo Brands a pagar‑lhe, a título de reparação do prejuízo que considera ter sofrido como consequência do arresto efetuado a pedido desta última sociedade, uma quantia que avalia em mais de dez milhões de euros. A Simiramida baseia o seu pedido na decisão proferida em 11 de janeiro de 2010 pelo Sofiyski gradski sad, na parte em que declara a ilegalidade deste arresto. Na sua contestação, a Diageo Brands alega que essa decisão não pode ser reconhecida nos Países Baixos, com o fundamento de que é manifestamente contrária à ordem pública neerlandesa, na aceção do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001. Sustenta que, nessa decisão, o Sofiyski gradski sad fez uma aplicação manifestamente errada do direito da União Europeia ao basear‑se numa decisão interpretativa do Varhoven kasatsionen sad de 15 de junho de 2009, a qual enfermava de um erro substancial e tinha, além disso, sido adotada em violação da obrigação que incumbia a esse tribunal de submeter uma questão prejudicial, nos termos do artigo 267.° TFUE.

28      Por decisão de 2 de março de 2011, o rechtbank Amsterdam (Tribunal de Amesterdão) acolheu a argumentação da Diageo Brands e julgou improcedente o pedido da Simiramida.

29      Em sede de recurso interposto pela Simiramida, o Gerechtshof te Amsterdam (Tribunal de recurso de Amesterdão), por decisão de 5 de junho de 2012, alterou a decisão do rechtbank Amsterdam e declarou que a decisão do Sofiyski gradski sad de 11 de janeiro de 2010 devia ser reconhecida nos Países Baixos, sem, todavia, se pronunciar sobre o pedido de indemnização.

30      Foi nestas condições que o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), no qual a Diageo Brands interpôs recurso de cassação contra a decisão do Gerechtshof te Amsterdam, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 34.°, [ponto 1], do Regulamento […] n.° 44/2001 ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de reconhecimento nele previsto abrange também uma situação em que a decisão do tribunal do Estado‑Membro de origem viola claramente o direito da União e isso é reconhecido por esse tribunal?

2 a)      Deve o artigo 34.°, [ponto 1], do Regulamento […] n.° 44/2001 ser interpretado no sentido de que a invocação do motivo de recusa nele previsto não pode proceder se a parte que o invocar não tiver esgotado as vias de recurso disponíveis no Estado‑Membro de origem da decisão?

2 b)      Em caso de resposta afirmativa à questão 2. a), a situação seria diferente se o esgotamento das vias de recurso no Estado‑Membro de origem da decisão fosse supérflua, por ser de presumir que a sua utilização não teria conduzido a uma decisão diferente?

3)      Deve o artigo 14.° da Diretiva [2004/48] ser interpretado no sentido de que esta disposição também abrange as despesas efetuadas pelas partes no âmbito de uma ação de indemnização num Estado‑Membro, se o pedido e a defesa estiverem relacionados com a alegada responsabilidade da ré em virtude do arresto que requereu e das advertências que fez para imposição do seu direito à marca noutro Estado‑Membro e se estiver em causa o reconhecimento no primeiro Estado‑Membro de uma decisão de um tribunal do segundo?

 Quanto ao pedido destinado à reabertura da fase oral do processo

31      Tendo a fase oral do processo sido encerrada em 3 de março de 2015 na sequência da apresentação das conclusões do advogado‑geral, a Diageo Brands pediu a reabertura desta fase oral por carta de 6 de março de 2015, entrada na secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de março seguinte.

32      Em apoio do seu pedido, a Diageo Brands alega, em primeiro lugar, que, nos n.os 27 e seguintes das suas conclusões, o advogado‑geral pôs em dúvida a exatidão das premissas em que o Hoge Raad der Nederlanden baseou a sua decisão, a saber, por um lado, que da decisão interpretativa do Varhoven kasatsionen sad de 15 de junho de 2009, confirmada por uma segunda decisão de 26 de abril de 2012, bem como da decisão do Sofiyski gradski sad resulta uma violação manifesta e consciente de um princípio fundamental do direto da União e, por outro lado, que o exercício de uma via de recurso no Varhoven kasatsionen sad pela Diageo Brands seria desprovida de sentido. Segundo esta última, na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar que a exatidão dessas premissas ainda pode ser objeto de debate entre as partes, este devia responder às exigências do princípio fundamental do contraditório, consagrado na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

33      Em segundo lugar, a Diageo Brands alega que não teve oportunidade de apresentar observações sobre alguns documentos apresentados pela Comissão Europeia durante a audiência.

34      A este propósito, importa recordar que, nos termos do artigo 83.° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (v. acórdão Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.° 27 e jurisprudência referida).

35      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que está suficientemente esclarecido para decidir e que o presente processo não necessita de ser resolvido com base em argumentos que não foram debatidos entre as partes. Com efeito, as premissas do raciocínio do órgão jurisdicional de reenvio a que se refere a Diageo Brands foram evocadas e foram objeto de um debate contraditório durante a audiência.

36      Quanto aos documentos apresentados pela Comissão na audiência, há que declarara que não foram registados e que não fazem parte dos autos.

37      Por outro lado, importa recordar que, por força do artigo 252.°, segundo parágrafo, TFUE, ao advogado‑geral cabe apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça, requeiram a sua intervenção. Todavia, o Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (v. acórdão Comissão/Parker Hannifin Manufacturing e Parker‑Hannifin, C‑434/13 P, EU:C:2014:2456, n.° 29 e jurisprudência referida).

38      Consequentemente, o pedido de reabertura da fase oral do processo deve ser indeferido.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

39      Com estas questões, que importa examina em conjunto, o órgão jurisdicional reenvio pergunta, em substância, se o facto de uma decisão de um tribunal de um Estado‑Membro ser manifestamente contrária ao direito da União e ter sido proferida em violação de garantias de ordem processual constitui um motivo de recusa de reconhecimento nos termos do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001. Esse órgão jurisdicional pretende ainda saber se, nesse contexto, o juiz do Estado‑Membro requerido deve ter em conta o facto de que a pessoa que se opõe a esse reconhecimento não exerceu as vias de recurso que estavam à sua disposição no Estado de origem.

 Observações preliminares

40      A título preliminar, importa recordar que o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros, que tem, no direito da União, uma importância fundamental, impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um desses Estados considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os outros Estados‑Membros respeitam o direito da União e, muito em especial, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (v., neste sentido, parecer 2/13, EU:C:2014:2454, n.° 191 e jurisprudência referida). Como decorre do considerando 16 do Regulamento n.° 44/2001, o regime de reconhecimento e de execução nele previsto baseia‑se na confiança recíproca na justiça dentro da União. Esta confiança implica que as decisões judiciais proferidas num Estado‑Membro sejam reconhecidas de pleno direito noutro Estado‑Membro (v. acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 45).

41      Neste sistema, o artigo 34.° do Regulamento n.° 44/2001, que enuncia os motivos que podem ser opostos ao reconhecimento de uma decisão, deve ser objeto de interpretação estrita na medida em que constitua um obstáculo à realização de um dos objetivos fundamentais do referido regulamento. No que se refere, mais concretamente, à cláusula de ordem pública constante do artigo 34.°, ponto 1, do mesmo regulamento, só deve ser usada em casos excecionais (v. acórdão Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.° 55 e jurisprudência referida).

42      Em conformidade com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, embora os Estados‑Membros permaneçam, em princípio, livres de determinar, ao abrigo da reserva constante do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, em conformidade com as suas conceções nacionais, as exigências da sua ordem pública, os limites deste conceito decorrem da interpretação desse regulamento. Assim, embora não caiba ao Tribunal de Justiça definir o conteúdo do conceito de ordem pública de um Estado‑Membro, incumbe‑lhe contudo controlar os limites no quadro dos quais o juiz de um Estado‑Membro pode recorrer a este conceito para não reconhecer uma decisão de outro Estado‑Membro (v. acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 47 e jurisprudência referida).

43      A este respeito, importa recordar que, ao proibir a revisão de mérito da decisão proferida noutro Estado‑Membro, o artigo 36.° do Regulamento n.° 44/2001 veda ao juiz do Estado requerido a possibilidade de recusar o reconhecimento dessa decisão com base apenas no facto de haver uma divergência entre a regra jurídica aplicada pelo juiz do Estado de origem e a que seria aplicada pelo juiz do Estado requerido se fosse ele a decidir o litígio. Do mesmo modo, o juiz do Estado requerido não pode controlar a exatidão das apreciações jurídicas ou da matéria de facto levadas a cabo pelo juiz do Estado de origem (v. acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 48 e jurisprudência referida).

44      Um recurso à cláusula de ordem pública, constante do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001, só é concebível quando o reconhecimento da decisão proferida noutro Estado‑Membro viole de forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por infringir um princípio fundamental. A fim de respeitar a proibição de revisão de mérito da decisão proferida noutro Estado‑Membro, a infração deve constituir uma violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica (v. acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.° 49 e jurisprudência referida).

45      É à luz destas considerações que há que examinar se os elementos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio são suscetíveis de demonstrar que o reconhecimento da decisão Sofiyski gradski sad, de 11 de janeiro de 2010, constitui uma violação manifesta da ordem pública neerlandesa, na aceção do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001.

46      Esses elementos respeitam à violação, nessa decisão, de uma regra jurídica substantiva e à violação, no quadro do processo que conduziu à referida decisão, de garantias de ordem processual.

 Quanto à violação da regra jurídica substantiva constante do artigo 5.° da Diretiva 89/104

47      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio parte da premissa de que, ao declarar, na sua decisão de 11 de janeiro de 2010, que a importação para a Bulgária de produtos introduzidos no mercado fora do EEE com o consentimento do titular da marca em causa não constituía uma violação dos direitos conferidos por essa marca, o Sofiyski gradski sad aplicou erradamente o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104.

48      A este respeito, deve salientar‑se, antes de mais, que a circunstância de este eventual erro manifesto cometido pelo juiz do Estado de origem dizer respeito, como no caso do processo principal, a uma regra jurídica da União, e não a uma regra jurídica interna, não altera as condições de recurso à cláusula da ordem pública na aceção do artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001. Com efeito, cabe ao juiz nacional garantir, com a mesma eficácia, a proteção dos direitos estabelecidos pela ordem jurídica nacional e dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, acórdão Renault, C‑38/98, EU:C:2000:225, n.° 32).

49      Em seguida, há que recordar que o juiz do Estado requerido não pode, sob pena de pôr em causa a finalidade do Regulamento n.° 44/2001, recusar o reconhecimento de uma decisão emanada de outro Estado‑Membro, apenas por considerar que o direito nacional ou o direito da União foi mal aplicado nessa decisão. Pelo contrário, há que considerar que, nesses casos, o sistema das vias de recurso existente em cada Estado‑Membro, completado pelo mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE, fornece aos particulares uma garantia suficiente (v., neste sentido, acórdão Apostolides, C‑420/07, EU:C:2009:271, n.° 60 e jurisprudência referida).

50      Assim, a cláusula da ordem pública só se aplica na medida em que o referido erro de direito implique que o reconhecimento da decisão em causa no Estado requerido acarrete a violação manifesta de uma regra jurídica essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, do referido Estado‑Membro.

51      Ora, como o advogado‑geral salientou no n.° 52 das suas conclusões, a disposição de direito substantivo em causa no processo principal, a saber, o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104, insere‑se numa diretiva de harmonização mínima, cujo objeto é aproximar parcialmente as legislações díspares dos Estados‑Membros em matéria de marcas. Embora seja verdade que o respeito dos direitos conferidos pelo artigo 5.° desta diretiva ao titular de uma marca bem como a aplicação correta das regras relativas ao esgotamento desses direitos, previstas no artigo 7.° da referida diretiva, tenham uma incidência direta no funcionamento do mercado interno, não se pode deduzir daqui que um erro na aplicação dessas disposições violaria de maneira inaceitável a ordem jurídica da União na medida em que infringiria um princípio fundamental desta.

52      Pelo contrário, há que considerar que a mera circunstância de a decisão proferida em 11 de janeiro de 2010 pelo Sofiyski gradski sad enfermar, segundo o juiz do Estado requerido, de um erro quanto à aplicação às circunstâncias do processo principal das disposições que regem os direitos do titular de uma marca, conforme previstas na Diretiva 89/104, não pode justificar que essa decisão não seja reconhecida no Estado requerido, quando esse erro não constitua uma violação de uma regra jurídica essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, na do Estado requerido.

 Quanto à violação de garantias de ordem processual

53      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o erro cometido, segundo esse órgão jurisdicional, pelo Sofiyski gradski sad tem origem na decisão interpretativa proferida em 15 de junho de 2009 pelo Varhoven kasatsionen sad, na qual este último tribunal fez uma interpretação manifestamente errada, mas vinculativa para os tribunais inferiores, do artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104. O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, com toda a probabilidade, o Varhoven kasatsionen sad não podia ignorar o caráter manifestamente errado dessa interpretação, uma vez que vários membros desse tribunal expressaram, através de voto vencido, o seu desacordo a respeito da referida interpretação.

54      A este propósito, importa observar que o simples facto de, em conformidade com as regras processuais em vigor na Bulgária, vários membros do Varhoven kasatsionen sad terem emitido, na decisão interpretativa em causa, um voto vencido relativamente ao da maioria não pode ser considerado prova de uma vontade deliberada dessa maioria de violar o direito da União, mas deve ser considerado reflexo do debate a que o exame de uma questão de direito complexa pôde legitimamente dar origem.

55      Por outro lado, há que salientar que, nas observações escritas que apresentou ao Tribunal de Justiça, a Comissão informou ter examinado, no âmbito de um processo por incumprimento a que tinha dado início contra a República da Bulgária, a conformidade com o direito da União das decisões interpretativas proferidas pelo Varhoven kasatsionen sad em 15 de junho de 2009 e 26 de abril de 2012. A Comissão acrescentou que, no termo desse exame, chegou à conclusão de que essas duas decisões são conformes com o direito da União e encerrou o processo por incumprimento.

56      Estas divergências de apreciação, sobre as quais não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se no contexto do presente processo, demonstram, pelo menos, que não se pode acusar o Varhoven kasatsionen sad de ter cometido, e imposto aos tribunais inferiores, uma violação manifesta de uma disposição do direito da União.

57      Como refere o órgão jurisdicional de reenvio, a Diageo Brands alega ainda que os tribunais búlgaros violaram o princípio da cooperação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça, princípio que, na sua opinião, se traduz na obrigação de recorrer ao mecanismo do reenvio prejudicial e que é uma expressão particular do princípio da cooperação leal entre os Estados‑Membros, consagrado no artigo 4.°, n.° 3, TUE.

58      A este respeito, importa salientar, antes de mais, que o Sofiyski gradski sad, que proferiu a decisão cujo reconhecimento é pedido, é um tribunal de primeira instância, cujas decisões são suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno. Por conseguinte, de acordo com o artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, esse tribunal dispõe da faculdade, mas não da obrigação, de pedir ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre uma questão prejudicial.

59      Em seguida, recorde‑se que o sistema instaurado pelo artigo 267.° TFUE a fim de assegurar a uniformidade da interpretação do direito da União nos Estados‑Membros institui uma cooperação direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes. O reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdão Kelly, C‑104/10, EU:C:2011:506, n.os 62, 63 e jurisprudência referida).

60      Daqui se conclui que, mesmo admitindo que a questão da interpretação do artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104 tenha sido suscitada perante o Sofiyski gradski sad, esse tribunal não é obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça uma questão a esse respeito.

61      Neste contexto, há que observar que, segundo as informações fornecidas ao Tribunal de Justiça, a decisão do Sofiyski gradski sad de 11 de janeiro de 2010 é suscetível de recurso, o qual pode ser seguido, se for caso disso, de um recurso de cassação para o Varhoven kasatsionen sad.

62      Ora, resulta da decisão de reenvio que a Diageo Brands não exerceu, contra a referida decisão, as vias de recurso disponibilizadas pelo direito nacional. A Diageo Brands justifica a sua abstenção pelo facto de esse exercício ser desprovido de sentido, porquanto não teria levado a uma decisão diferente por parte dos tribunais superiores, uma alegação que o órgão jurisdicional de reenvio considera não ser destituída de fundamento.

63      Sobre este ponto, importa salientar que, como recordado no n.° 40 do presente acórdão, o regime de reconhecimento e de execução previsto no Regulamento n.° 44/2001 baseia‑se na confiança recíproca na justiça dentro da União. É esta confiança que os Estados‑Membros conferem mutuamente aos seus sistemas jurídicos e às suas instituições judiciais que permite considerar que, em caso de aplicação errada do direito nacional ou do direito da União, o sistema das vias de recurso implementado em cada Estado‑Membro, completado pelo mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE, fornece aos particulares uma garantia suficiente (v. n.° 49 do presente acórdão).

64      Daqui decorre que o Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que assenta na ideia fundamental de que os particulares estão, em princípio, obrigados a utilizar todas as vias de recurso disponibilizadas pelo direito do Estado‑Membro de origem. Como salientou o advogado‑geral no n.° 64 das suas conclusões, salvo no caso de existirem circunstâncias particulares que tornem demasiado difícil ou impossível o exercício das vias de recurso no Estado‑Membro de origem, os particulares devem utilizar neste Estado‑Membro todas as vias de recurso disponíveis para evitar, a montante, uma violação da ordem pública. Esta regra justifica‑se ainda mais quando a alegada violação da ordem pública resulta, como no litígio principal, de uma pretensa violação do direito da União.

65      Relativamente às circunstâncias invocadas pela Diageo Brands no processo para justificar o facto de não ter exercido as vias de recurso que estavam à sua disposição, importa salientar, em primeiro lugar, que resulta dos autos que não se pode excluir que, na sua decisão de 11 de janeiro de 2010, o Sofiyski gradski sad tenha aplicado erradamente a decisão interpretativa adotada em 15 de junho de 2009 pelo Varhoven kasatsionen sad. Ora, se a Diageo Brands tivesse interposto recurso desta decisão, o tribunal de recurso teria podido corrigir esse erro, admitindo que o mesmo tenha sido cometido. Em todo o caso, esse tribunal teria, em caso de dúvida quanto à procedência da apreciação de direito feita pelo Varhoven kasatsionen sad, a faculdade de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão de interpretação do direito da União em causa nessa apreciação (v., neste sentido, acórdão Elchinov, C‑173/09, EU:C:2010:581, n.° 27).

66      Em segundo lugar, se, em seguida, tivesse sido interposto recurso de cassação no Varhoven kasatsionen sad, este, na qualidade de tribunal nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno na aceção do artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, estaria, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça em caso de dúvida quanto à interpretação da Diretiva 89/104 (v., neste sentido, acórdão Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.° 35). Uma omissão injustificada desse tribunal de satisfazer esta obrigação acarretaria a responsabilidade da República da Bulgária, de acordo com as regras definidas a este respeito pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 50 e 59).

67      Nestas condições, não se afigura que os tribunais búlgaros tenham manifestamente violado o princípio da cooperação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça nem que a Diageo Brands tenha sido privada da proteção garantida pelo sistema das vias de recurso existente nesse Estado‑Membro, conforme completado pelo mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° TFUE.

68      Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma decisão proferida num Estado‑Membro ser contrária ao direito da União não justifica que essa decisão não seja reconhecida noutro Estado‑Membro com o fundamento de que viola a ordem pública deste Estado, quando o erro de direito invocado não constitua uma violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, na do Estado‑Membro requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nestas ordens jurídicas. Tal não é o caso de um erro que afete a aplicação de uma disposição como o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104.

O juiz do Estado requerido, ao verificar a eventual existência de uma violação manifesta da ordem pública desse Estado, deve ter em conta o facto de que, salvo no caso de existirem circunstâncias especiais que tornem demasiado difícil ou impossível o exercício das vias de recurso no Estado‑Membro de origem, os particulares devem utilizar neste Estado‑Membro todas as vias de recurso disponíveis para evitar, a montante, tal violação.

 Quanto à terceira questão

69      Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 14.° da Diretiva 2004/48, segundo o qual a parte vencida deve, regra geral, suportar as despesas da parte vencedora, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às custas judiciais efetuadas pelas partes no âmbito de uma ação de indemnização, intentada num Estado‑Membro, destinada a reparar o prejuízo causado por um arresto efetuado noutro Estado‑Membro, cujo objetivo era prevenir a violação de um direito de propriedade intelectual, quando, no quadro dessa ação de indemnização, se coloque a questão do reconhecimento de uma decisão proferida nesse outro Estado‑Membro que declarou o caráter injustificado do referido arresto.

70      Para se responder utilmente a esta questão, há que determinar se o processo principal entra no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/48.

71      Como enuncia o seu considerando 10, o objetivo da Diretiva 2004/48 é aproximar as legislações dos Estados‑Membros no que se refere aos meios para assegurar o respeito dos direitos de propriedade intelectual, a fim de assegurar um nível elevado de proteção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno.

72      Para o efeito, e nos termos do seu artigo 1.°, a Diretiva 2004/48 abrange todas as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. O artigo 2.°, n.° 1, desta diretiva precisa que essas medidas, procedimentos e recursos são aplicáveis a qualquer violação desses direitos, prevista na legislação da União e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.

73      O Tribunal de Justiça declarou que as disposições da Diretiva 2004/48 não pretendem reger todos os aspetos ligados aos direitos de propriedade intelectual, mas apenas os que são inerentes, por um lado, ao respeito desses direitos e, por outro, às infrações a estes últimos, impondo a existência de meios jurídicos eficazes destinados a impedir, cessar ou obviar a qualquer infração ao direito de propriedade intelectual existente (v. acórdão ACI Adam BV e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.° 61 e jurisprudência referida).

74      Resulta das medidas, procedimentos e recursos previstos na Diretiva 2004/48 que as vias de recurso destinadas a assegurar a proteção dos direitos de propriedade intelectual são completadas pelas ações de reparação que lhes estão estreitamente associadas. Assim, enquanto os artigos 7.°, n.° 1, e 9.°, n.° 1, desta diretiva preveem medidas provisórias e cautelares destinadas, em especial, a prevenir qualquer violação iminente de um direito de propriedade intelectual, que incluem designadamente o arresto de bens que se suspeite violarem esse direito, os artigos 7.°, n.° 4, e 9.°, n.° 7, da referida diretiva preveem, por sua vez, medidas que permitem ao requerido pedir uma indemnização nos casos em que se venha a verificar posteriormente não ter havido violação ou ameaça de violação de um direito de propriedade intelectual. Como resulta do considerando 22 desta mesma diretiva, estas medidas de indemnização constituem garantias que o legislador considerou necessárias como contrapartida das medidas provisórias rápidas cuja existência previu.

75      No caso em apreço, o processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo causado por um arresto, inicialmente ordenado pelas autoridades judiciais de um Estados‑Membros para prevenir uma violação iminente a um direito de propriedade intelectual e depois anulado por essas mesmas autoridades com o fundamento de que não estava demonstrada a existência de uma violação, constitui o corolário da ação intentada pelo titular do direito de propriedade intelectual para obter o deferimento de uma medida de efeito imediato que lhe permita, sem aguardar a decisão relativa ao mérito, prevenir qualquer eventual violação do seu direito. Tal ação de reparação corresponde às garantias previstas pela Diretiva 2004/48 em benefício do requerido, como contrapartida da adoção de uma medida provisória que afetou os seus interesses.

76      Daqui decorre que se deve considerar que um processo como o que está em causa na ação principal entra no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/48.

77      Quanto ao artigo 14.° da Diretiva 2004/48, o Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição visa reforçar o nível de proteção da propriedade intelectual, evitando que uma parte lesada seja dissuadida de intentar um processo judicial para salvaguarda dos seus direitos (v. acórdão Realchemie Nederland, C‑406/09, EU:C:2011:668, n.° 48).

78      Tendo em conta este objetivo e a formulação ampla e geral do artigo 14.° da Diretiva 2004/48, que se refere à «parte vencedora no processo» e à «parte vencida», sem acrescentar qualquer esclarecimento nem limitação quanto à natureza do processo a que a regra que enuncia se aplica, importa considerar que esta disposição é aplicável às custas judiciais efetuadas no âmbito de qualquer processo que entre no âmbito de aplicação desta diretiva.

79      A este respeito, a circunstância de, no processo principal, a apreciação do caráter justificado ou injustificado do arresto em causa suscitar a questão do reconhecimento ou da recusa de reconhecimento de uma decisão proferida noutro Estado‑Membro não é pertinente. Com efeito, tal questão tem um caráter acessório e não altera o objeto do litígio.

80      Atendendo a todas as considerações que precedem, importa responder à terceira questão que o artigo 14.° da Diretiva 2004/48 deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às custas judiciais efetuadas pelas partes no âmbito de uma ação de indemnização, intentada num Estado‑Membro, destinada a reparar o prejuízo causado por um arresto efetuado noutro Estado‑Membro, cujo objetivo era prevenir a violação de um direito de propriedade intelectual, quando, no quadro dessa ação de indemnização, se coloque a questão do reconhecimento de uma decisão proferida nesse outro Estado‑Membro que declarou o caráter injustificado desse arresto.

 Quanto às despesas

81      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma decisão proferida num Estado‑Membro ser contrária ao direito da União não justifica que essa decisão não seja reconhecida noutro Estado‑Membro com o fundamento de que viola a ordem pública deste Estado, quando o erro de direito invocado não constitua uma violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, na do Estado‑Membro requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nestas ordens jurídicas. Tal não é o caso de um erro que afete a aplicação de uma disposição como o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992.

O juiz do Estado requerido, ao verificar a eventual existência de uma violação manifesta da ordem pública desse Estado, deve ter em conta o facto de que, salvo no caso de existirem circunstâncias especiais que tornem demasiado difícil ou impossível o exercício das vias de recurso no Estado‑Membro de origem, os particulares devem utilizar neste Estado‑Membro todas as vias de recurso disponíveis para evitar, a montante, tal violação.

2)      O artigo 14.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às custas judiciais efetuadas pelas partes no âmbito de uma ação de indemnização, intentada num Estado‑Membro, destinada a reparar o prejuízo causado por um arresto efetuado noutro Estado‑Membro, cujo objetivo era prevenir a violação de um direito de propriedade intelectual, quando, no quadro dessa ação de indemnização, se coloque a questão do reconhecimento de uma decisão proferida nesse outro Estado‑Membro que declarou o caráter injustificado desse arresto.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.