Language of document : ECLI:EU:C:2012:487

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

19 de julho de 2012 (*)

«Transporte — Transporte aéreo — Regras comuns de exploração dos serviços aéreos na União — Regulamento (CE) n.° 1008/2008 — Obrigação do vendedor da viagem aérea de garantir que a aceitação dos suplementos de preço opcionais pelo cliente resulta de uma opção deliberada — Conceito de ‘suplementos de preço opcionais’ — Preço de um seguro de cancelamento de voo prestado por uma companhia de seguros independente, como parte integrante do preço total»

No processo C‑112/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Oberlandesgericht Köln (Alemanha), por decisão de 2 de março de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de março de 2011, no processo

ebookers.com Deutschland GmbH

contra

Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände – Verbraucherzentrale Bundesverband eV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász, G. Arestis (relator) e D. Šváby, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de janeiro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da ebookers.com Deutschland GmbH, por P. Plog e S. Zimprich, Rechtsanwälte,

¾        em representação da Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände – Verbraucherzentrale Bundesverband eV, por J. Hennig, Rechtsanwalt,

¾        em representação do Governo espanhol, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli, avvocato dello Stato,

¾        em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo finlandês, por H. Leppo, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por K. Simonsson e K.‑P. Wojcik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO L 293, p. 3).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a ebookers.com Deutschland GmbH (a seguir «ebookers.com»), que comercializa viagens aéreas através de um portal Internet que ela própria opera, à Bundesverband der Verbraucherzentralen und Verbraucherverbände – Verbraucherzentrale Bundesverband eV (União federal das centrais e associações de consumidores, a seguir «BVV»), a respeito da legalidade do modo de comercialização dessas viagens.

 Quadro jurídico

3        Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.° 1008/2008:

«Os clientes deverão poder comparar de forma efetiva os preços dos serviços aéreos das diferentes companhias aéreas. Por conseguinte, o preço final a pagar pelo cliente pelos serviços aéreos prestados com partida na Comunidade deverão ser sempre indicados, incluindo todos os impostos, encargos e taxas. [...]»

4        O artigo 2.°, n.° 18, deste regulamento define «[t]arifa aérea de passageiros», para efeitos do mesmo, como sendo:

«[…] o preço, expresso em euros ou na moeda local, a pagar às transportadoras aéreas, aos seus agentes ou a outros vendedores de bilhetes pelo transporte de passageiros por meio de serviços aéreos, bem como todas as condições de aplicação desses preços, incluindo a remuneração e as condições oferecidas às agências e outros serviços auxiliares».

5        De igual modo, o artigo 2.°, n.° 19, do referido regulamento define «[t]arifa aérea de carga», para efeitos do mesmo, como sendo:

«[…] o preço, expresso em euros ou na moeda local, a pagar pelo transporte de carga, bem como as condições de aplicação dos referidos preços, incluindo a remuneração e as condições oferecidas às agências e outros serviços auxiliares».

6        Sob a epígrafe «Informação e não discriminação», o artigo 23.° do Regulamento n.° 1008/2008 dispõe no seu n.° 1:

«As tarifas aéreas de passageiros e de carga ao dispor do público devem incluir as condições aplicáveis oferecidas ou publicadas sob qualquer forma, inclusive na internet, para serviços aéreos a partir de um aeroporto situado no território de um Estado‑Membro ao qual o Tratado seja aplicável. O preço final a pagar deve ser sempre indicado e deve incluir a tarifa aérea de passageiros ou de carga aplicável, bem como todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas aplicáveis que sejam impreteríveis e previsíveis no momento da publicação. Para além da indicação do preço final, devem especificar‑se pelo menos os seguintes elementos:

a)      Tarifa aérea de passageiros ou de carga;

b)      Impostos;

c)      Taxas de aeroporto; e

d)      Outros encargos, sobretaxas e taxas, tais como as relacionadas com a segurança ou o combustível;

sempre que os elementos enumerados nas alíneas b), c) e d) tenham sido acrescentados à tarifa aérea de passageiros ou de carga. Os suplementos de preço opcionais devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer processo de reserva, e a sua aceitação pelo passageiro deve resultar de uma opção deliberada deste último.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        A ebookers.com comercializa viagens aéreas através de um portal Internet que ela própria opera. Quando o cliente seleciona um determinado voo no âmbito do processo de reserva disponível através desse portal, aparece a listagem dos custos referentes a essa reserva na parte superior direita da página do sítio Internet da ebookers.com, com a legenda «custos efetivos da viagem» («Ihre aktuellen Reisekosten»). Para além dos custos do voo propriamente dito, esta listagem inclui também uma quantia referente a «taxas e impostos» («Steuern und Gebühren»), bem como os custos relativos a um «seguro de cancelamento da viagem» («Versicherung Rücktrittskostenschutz»), contabilizados por defeito. A soma destes custos representa o «preço total da viagem» («Gesamtreisepreis»).

8        No caso de a reserva se tornar definitiva, o cliente deve pagar à ebookers.com uma quantia única correspondente ao preço total da viagem. A ebookers.com paga o preço do bilhete à respetiva transportadora aérea e o preço do seguro de cancelamento da viagem a uma companhia de seguros, que é jurídica e economicamente independente da transportadora aérea. De igual modo, a ebookers.com entrega as taxas e impostos aos respetivos beneficiários. Se o cliente não pretender subscrever o seguro de cancelamento de viagem, é informado, no final da página do sítio Internet da ebookers.com, sobre o procedimento a seguir, que consiste numa opção deliberada de recusa («opt‑out»).

9        A BVV considera que este processo de comercialização de viagens aéreas é contrário ao artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1008/2008, e exige que a ebookers.com cesse de prever, no âmbito do processo de reserva de voos disponibilizado no seu portal Internet, a subscrição, por defeito, de um seguro de cancelamento de viagem. Em 28 de dezembro de 2009, a BVV intentou uma ação neste sentido no Landgericht Bonn, que, por decisão de 19 de julho de 2009, foi julgada integralmente procedente.

10      No âmbito do recurso interposto desta decisão em 23 de agosto de 2010 pela ebookers.com, o Oberlandesgericht Köln tem dúvidas sobre se a oferta da ebookers.com em causa no processo principal entra no âmbito de aplicação do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1008/2008. Considerando que a resolução do litígio no processo principal depende da interpretação desta disposição, mas entendendo que nem a sua redação nem a sua génese indicam de forma inequívoca se a mesma é aplicável a este litígio, o referido órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1008/2008] – nos termos do qual os suplementos de preço opcionais devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer processo de reserva e a sua aceitação pelo passageiro deve resultar da sua opção deliberada (‘opt‑in’) – abrange igualmente os custos de prestações de terceiros (in casu: a proposta de um contrato de seguro de cancelamento de viagem) conexas com a viagem aérea que são incluídos pelo intermediário da viagem aérea no preço global da passagem a pagar pelo passageiro?»

 Quanto à questão prejudicial

11      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o conceito de «suplementos de preço opcionais», referido no artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008, deve ser interpretado no sentido de que abrange os preços dos serviços relacionados com a viagem aérea, como o seguro de cancelamento de voo em causa no processo principal, prestados por uma entidade diferente da transportadora aérea e faturados ao cliente pelo vendedor dessa viagem juntamente com a tarifa do voo, sob a forma de um preço global.

12      A este respeito, importa recordar a jurisprudência assente segundo a qual, para interpretar uma disposição do direito da União, se deve ter em conta não só os termos desta mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (v., designadamente, acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12; de 1 de março de 2007, Schouten, C‑34/05, Colet., p. I‑1687, n.° 25; e de 3 de dezembro de 2009, Yaesu Europe, C‑433/08, Colet., p. I‑11487, n.° 24).

13      Como resulta claramente quer da epígrafe quer dos termos do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1008/2008, esta disposição visa garantir a informação e a transparência dos preços dos serviços aéreos e, nessa medida, contribui para assegurar a proteção do cliente que recorre a esses serviços.

14      Em particular, o artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008 visa os «suplementos de preço opcionais», que não sejam impreteríveis, contrariamente à tarifa aérea de passageiros ou de carga e outros elementos constitutivos do preço final do voo mencionados no artigo 23.°, n.° 1, segundo período, deste regulamento. Estes suplementos de preço opcionais dizem, por conseguinte, respeito a serviços que, sendo complementares ao serviço aéreo propriamente dito, não são obrigatórios nem indispensáveis para o transporte de passageiros ou de carga, de modo que o cliente pode optar por os aceitar ou recusar. É precisamente porque o cliente pode fazer esta escolha que tais suplementos de preço devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início do processo de reserva, e que devem ser objeto de uma opção deliberada de aceitação pelo cliente, como previsto pelo artigo 23.°, n.° 1, último período, do referido regulamento.

15      Este requisito específico dos suplementos de preço opcionais, na aceção do artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008, visa impedir que o cliente de serviços aéreos seja incentivado, no âmbito do processo de reserva de um voo, a adquirir serviços complementares ao voo propriamente dito que não são impreteríveis nem indispensáveis para efeitos desse voo, a menos que opte expressamente por adquirir esses serviços complementares e pagar o correspondente suplemento de preço.

16      Por outro lado, o referido requisito corresponde ao previsto, de uma maneira geral, no que diz respeito aos direitos dos consumidores, em matéria de pagamentos suplementares, pelo artigo 22.° da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64). Com efeito, em conformidade com esta disposição, antes de o consumidor ficar vinculado por uma oferta, o profissional está obrigado a obter o consentimento expresso do consumidor em relação a qualquer pagamento suplementar à remuneração acordada relativamente à obrigação contratual principal do profissional, não podendo este consentimento ser deduzido pelo profissional a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor deva recusar para evitar esse pagamento suplementar.

17      A este respeito, como referiu o advogado‑geral no n.° 39 das suas conclusões, seria contrário ao objetivo de proteção do cliente que recorre aos serviços aéreos, prosseguido pelo artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008, fazer depender essa proteção da questão de saber se o serviço complementar opcional relacionado com o voo propriamente dito e o suplemento de preço relativo a esse serviço, propostos no âmbito do processo de reserva do referido voo, têm origem na transportadora aérea ou numa entidade diferente dessa transportadora, jurídica e economicamente independente desta última. Com efeito, se fosse lícito fazer depender essa proteção da qualidade do prestador do serviço complementar, de forma que só fosse concedida se este serviço fosse prestado por uma transportadora aérea, a referida proteção seria facilmente contornada e, consequentemente, o dito objetivo ficaria seguramente comprometido. Em qualquer caso, tal procedimento seria incompatível com o artigo 22.° da Diretiva 2011/83.

18      Daqui resulta que, contrariamente ao que sustenta a ebookers.com, para efeitos de concessão da proteção a que se refere o artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008, o que importa não é o facto de o serviço complementar opcional e o respetivo suplemento de preço serem propostos pela transportadora aérea em causa ou por um prestador com ela relacionado, mas antes o facto de esse serviço e o seu preço serem propostos em conexão com o próprio voo no âmbito do processo de reserva deste último.

19      Por outro lado, cumpre sublinhar que, contrariamente ao que alega a ebookers.com, esta interpretação não é incompatível com o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1008/2008. Com efeito, embora, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, deste regulamento, o objeto deste último seja definido com referência às transportadoras aéreas, uma vez que esta disposição prevê que o referido regulamento regula as licenças das transportadoras aéreas comunitárias e o seu direito de explorarem serviços aéreos intracomunitários, não deixa de ser verdade que este objeto compreende igualmente, nos termos da mesma disposição, a «tarifação dos serviços aéreos intracomunitários». De igual modo, decorre da redação do artigo 23.°, n.° 1, último período, do referido regulamento, redigido em termos gerais, bem como do objetivo de proteção que prossegue, que, conforme foi referido no n.° 17 do presente acórdão, o requisito de proteção previsto por esta disposição não pode depender da qualidade do prestador do serviço complementar opcional relacionado com o voo propriamente dito.

20      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o conceito de «suplementos de preço opcionais», referido no artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento n.° 1008/2008, deve ser interpretado no sentido de que abrange os preços dos serviços relacionados com a viagem aérea, como o seguro de cancelamento de voo em causa no processo principal, prestados por uma entidade diferente da transportadora aérea e faturados ao cliente pelo vendedor dessa viagem juntamente com a tarifa do voo, sob a forma de um preço global.

 Quanto às despesas

21      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O conceito de «suplementos de preço opcionais», referido no artigo 23.°, n.° 1, último período, do Regulamento (CE) n.° 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade, deve ser interpretado no sentido de que abrange os preços dos serviços relacionados com a viagem aérea, como o seguro de cancelamento de voo em causa no processo principal, prestados por uma entidade diferente da transportadora aérea e faturados ao cliente pelo vendedor dessa viagem juntamente com a tarifa do voo, sob a forma de um preço global.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.