Language of document : ECLI:EU:C:2010:789

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICE TRSTENJAK

apresentadas em 16 de Dezembro de 2010 (1)

Processo C‑29/10

Heiko Koelzsch

contra

Grão‑Ducado do Luxemburgo

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour d’appel (Luxemburgo)]

«Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 – Artigo 6.° – Contratos de trabalho – Normas imperativas de protecção dos direitos dos trabalhadores – País em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho – Trabalhador que realiza a sua prestação de trabalho em vários países – Jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas – País em que ou a partir do qual o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal – Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma»





Índice

I –   Introdução

II – Quadro jurídico

A –   Convenção de Roma

B –   Convenção de Bruxelas

C –   Direito da União 

1.     Regulamento Roma I

2.     Regulamento n.° 44/2001

D –   Direito nacional

III – Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

V –   Argumentos das partes

A –   Competência do Tribunal de Justiça

B –   Pedido de decisão prejudicial

VI – Apreciação da advogada‑geral

A –   Introdução

B –   Competência do Tribunal de Justiça

C –   Quanto à questão relativa ao fundamento jurídico da responsabilidade do Estado no presente processo

D –   Análise da questão prejudicial

1.     Convenção de Roma e protecção do trabalhador enquanto parte contratual mais fraca

2.     Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas

3.     Possibilidade de recorrer à jurisprudência relativa a Convenção de Bruxelas para interpretar a Convenção de Roma

a)     Interpretação literal

b)     Interpretação histórica

c)     Interpretação sistemática

d)     Interpretação teleológica

e)     Limites da interpretação paralela

4.     Critérios que têm de ser observados pelo órgão jurisdicional nacional

E –   Conclusão

VII – Conclusões

I –    Introdução

1.        O presente processo tem por objecto a interpretação da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (a seguir «Convenção de Roma») (2). Esta convenção foi celebrada com a finalidade de uniformizar as normas de conflitos dos Estados Contratantes, aumentando deste modo a segurança jurídica e eliminando as dúvidas quanto ao direito aplicável às relações contratuais. A Convenção de Roma foi substituída pelo Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (3) (Roma I) (a seguir «Regulamento Roma I») (4); este regulamento é aplicável aos contratos celebrados a partir de 17 de Dezembro de 2009 (5). Por no caso em apreço o contrato de trabalho ter sido celebrado em 1998, aplicam‑se‑lhe as disposições da Convenção de Roma.

2.        No caso em apreço, o Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir «Tribunal») é chamado a responder a um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação do artigo 6.° da Convenção de Roma relativamente à lei aplicável aos contratos individuais de trabalho. Este não é certamente o primeiro caso em que o Tribunal é chamado a interpretar a Convenção de Roma (6), mas é o primeiro em que tem de interpretar o artigo 6.° da Convenção relativamente à lei aplicável aos contratos individuais de trabalho (7). Neste contexto, o Tribunal deve sobretudo analisar se a jurisprudência relativa à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas ou, mais concretamente, à interpretação da expressão «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho», constante deste artigo, pode servir como fonte para a interpretação do referido artigo (8). Para tal deverá, por um lado, partir do pressuposto de que a terminologia utilizada nos dois instrumentos é semelhante, embora, por outro, deva tomar em consideração os limites de uma interpretação paralela entre a Convenção de Roma e a Convenção de Bruxelas.

3.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio entre H. Koelzsch, motorista de transportes internacionais, com domicílio na Alemanha, e o Grão‑Ducado do Luxemburgo, que tem por objecto um pedido de indemnização que se baseia numa alegada aplicação errada das disposições da Convenção de Roma por parte dos órgãos jurisdicionais luxemburgueses. H. Koelzsch sustenta que, neste contexto, o direito aplicável à resolução do contrato de trabalho é o direito alemão e não o direito luxemburguês, invocando em apoio da sua tese as normas imperativas de protecção dos direitos dos trabalhadores previstas no direito alemão. Na medida em que os tribunais do trabalho luxemburgueses aplicaram ao litígio as disposições do direito luxemburguês e não as do direito alemão, H. Koelzsch intentou uma acção de indemnização contra o Estado luxemburguês, baseada numa alegada actuação defeituosa dos órgãos jurisdicionais deste Estado.

II – Quadro jurídico

A –    Convenção de Roma

4.        O artigo 3.° da Convenção de Roma, que tem como título «Liberdade de escolha», tem a seguinte redacção:

«1. O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa. Mediante esta escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a uma parte do contrato.

(…)».

5.        O artigo 4.° da convenção, que tem como título «Lei aplicável na falta de escolha», dispõe:

«1. Na medida em que a lei aplicável ao contrato não tenha sido escolhida nos termos do artigo 3.°, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita. Todavia, se uma parte do contrato for separável do resto do contrato e apresentar uma conexão mais estreita com um outro país, a essa parte poderá aplicar‑se, a título excepcional, a lei desse outro país.

(…)».

6.        O artigo 6.° da Convenção de Roma, com o título «Contrato individual de trabalho», estatui:

«1. Sem prejuízo do disposto no artigo 3.°, a escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho, não pode ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, por força do n.° 2 do presente artigo.

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 4.° e na falta de escolha feita nos termos do artigo 3.°, o contrato de trabalho é regulado:

a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou

b) Se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador,

a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país».

7.        O Primeiro Protocolo relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (9) (a seguir «Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma») estabelece no seu artigo 1.°:

«O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é competente para decidir sobre a interpretação:

a) Da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980, a seguir denominada ‘Convenção de Roma’;

b) Das convenções relativas à adesão à Convenção de Roma dos Estados‑Membros que se tornaram membros das Comunidades Europeias após a data da abertura da referida convenção à assinatura;

(…)».

8.        O artigo 2.° do Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma dispõe:

«Qualquer órgão jurisdicional abaixo referido pode solicitar ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente e que incida sobre a interpretação das disposições contidas nos instrumentos referidos no artigo 1.°, sempre que esse órgão jurisdicional considere que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa:

(…)

b) Os órgãos jurisdicionais dos Estados Contratantes sempre que decidam em recurso».

B –    Convenção de Bruxelas

9.        O artigo 5.° da , Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Convenção de Bruxelas») (10) estabelece:

«O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante:

1. Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador» (11).

C –    Direito da União (12)

1.      Regulamento Roma I

10.      O sétimo considerando do Regulamento Roma I estabelece que:

«O âmbito de aplicação material e as disposições do presente regulamento deverão ser coerentes com o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas I)».

11.      O artigo 3.° do Regulamento Roma I, que tem como título «Liberdade de escolha» dispõe:

«1. O contrato rege‑se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato.

(…)».

12.      Nos termos do artigo 8.° do Regulamento Roma I, que tem como título «Contratos individuais de trabalho»:

«1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.° Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo.

2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.

3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.° 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.

4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.os 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país».

2.      Regulamento n.° 44/2001

13.      O Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (13) (a seguir «Regulamento n.° 44/2001») estabelece a competência jurisdicional em matéria de contratos individuais de trabalho na sua Secção 5. No âmbito desta secção, o artigo 18.° do regulamento dispõe o seguinte:

«1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência será determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 4.° e no ponto 5 do artigo 5.°

(…)».

14.      O artigo 19.° do Regulamento n.° 44/2001 dispõe:

«Uma entidade patronal que tenha domicílio no território de um Estado‑Membro pode ser demandada:

1. Perante os tribunais do Estado‑Membro em cujo território tiver domicílio; ou

2. Noutro Estado‑Membro:

a) Perante o tribunal do lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efectuou mais recentemente o seu trabalho; ou

b) Se o trabalhador não efectua ou não efectuou habitualmente o seu trabalho no mesmo país, perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.»

D –    Direito nacional

15.      A lei alemã relativa à protecção em matéria de despedimento (Kündigungsschutzgesetz, a seguir «KSchG») dispõe o seguinte, no seu § 15, que tem como título «Ilicitude do despedimento» («Unzulässigkeit der Kündigung»):

«1. O despedimento de um membro da comissão de trabalhadores (…) é ilícito excepto se determinadas circunstâncias permitirem à entidade patronal proceder ao despedimento por razões graves sem observar um prazo de aviso prévio e se a autorização exigida nos termos do § 103.° da Lei relativa à organização das empresas (Betriebsverfassungsgesetz) tiver sido concedida ou substituída por uma decisão judicial. Uma vez expirado o mandato, o despedimento de um membro da comissão de trabalhadores (…) é ilícito durante o período de um ano (…) excepto se determinadas circunstâncias permitirem à entidade patronal proceder ao despedimento por razões graves sem observar um prazo de aviso prévio; estas disposições não se aplicam quando a cessação da qualidade de membro se baseie numa decisão judicial.

(…)».

III – Matéria de facto, processo principal e questão prejudicial

16.      H. Koelzsch, com domicílio em Osnabrück (Alemanha), foi contratado em 1998 como motorista de transportes internacionais pela sociedade Gasa Spedition Luxembourg S.A. (a seguir «Gasa Spedition»), com sede no Luxemburgo. Para esse efeito, em 16 de Outubro de 1998, H. Koelzsch e a sociedade Gasa Spedition celebraram um contrato de trabalho no qual ficou consagrada a competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais luxemburgueses. O contrato incluía igualmente uma disposição que remetia para a legislação luxemburguesa relativa aos contratos de trabalho (14).

17.      A sociedade Gasa Spedition é uma filial da sociedade de direito dinamarquês Gasa Odense Blomster A.m.b.a, cujo objecto social consiste no transporte de flores e outras plantas desde Odense, na Dinamarca, para destinos situados, na maior parte dos casos, na Alemanha, mas também noutros países europeus. O transporte é efectuado através de camiões que se encontram estacionados em três locais diferentes na Alemanha (Kassel, Neukirchen/Vluyn e Osnabrück). Os camiões encontram‑se registados no Luxemburgo e os motoristas estão inscritos na segurança social luxemburguesa.

18.      Em 9 de Novembro de 2001, a sociedade Gasa Spedition foi adquirida pela sociedade de direito dinamarquês Ove Ostergaart e passou a ter a denominação social «Ove Ostergaart Lux S.A.».

19.      Por carta de 13 de Março de 2001, o director da sociedade Gasa Spedition resolveu o contrato de trabalho de H. Koelzsch, com efeitos a partir de 15 de Maio de 2001. Porém, H. Koelzsch afirma que foi despedido verbalmente em 23 de Março de 2001, tendo esse despedimento produzido efeitos imediatos. Afirma que foi membro suplente na Alemanha da comissão de trabalhadores (Betriebsrat) da sociedade Gasa Spedition e que o despedimento foi ilegal à luz das disposições imperativas do direito alemão respeitante à protecção contra o despedimento. Alegou que beneficiam da protecção garantida pelas disposições referidas não só os membros efectivos, mas também os membros suplentes que exercem funções naquele órgão. Nesse contexto, invocou o § 15, n.° 1, da KSchG, que proíbe o despedimento dos membros das comissões de trabalhadores, bem como a jurisprudência do Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho alemão) segundo a qual os membros suplentes das comissões de trabalhadores também beneficiam da referida proibição (15).

20.      H. Koelzsch contestou o seu despedimento no Tribunal do Trabalho de Osnabrück, pedindo que fosse considerado ilegal. Este tribunal declarou‑se incompetente ratione loci. H. Koelzsch impugnou esta decisão, mas essa impugnação também não obteve provimento.

21.      Nestas circunstâncias, H. Koelzsch apresentou no Tribunal do Trabalho luxemburguês (Tribunal de travail) um pedido de indemnização por despedimento ilícito e de pagamento dos salários em dívida. Nessa sede, sustentou que o contrato de trabalho, em geral, e o seu pedido de pagamento dos salários, em especial, deviam efectivamente ser regulados pela lei luxemburguesa, mas que a questão do despedimento devia por seu lado ser regulada pela lei alemã. Em apoio da sua tese, H. Koelzsch alegou que, por ter sido membro suplente da comissão de trabalhadores, lhe era aplicável o § 15, n.° 1, da KSchG, que é uma norma imperativa de protecção dos direitos dos trabalhadores na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma e que não pode ser derrogada. Sustentou que a lei aplicável ao contrato de trabalho devia, portanto, ser determinada de acordo com o disposto no artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma.

22.      Por decisão de 4 de Março de 2004, o Tribunal de travail luxemburguês considerou que a lei luxemburguesa era aplicável a todo o litígio e, por conseguinte, declarou parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente o pedido apresentado por H. Koelzsch. Esta decisão foi confirmada pela Cour d’appel por acórdão de 26 de Maio de 2005; finalmente, por acórdão de 15 de Junho de 2006, a Cour de cassation negou provimento ao recurso interposto desta última decisão.

23.      H. Koelzsch intentou assim no Tribunal d’arrondissement uma acção contra o Grão‑Ducado do Luxemburgo na qual pediu a condenação deste último no pagamento de uma indemnização no montante de 168 301,77 euros, acrescido dos juros legais, por funcionamento defeituoso dos serviços judiciais, tendo baseado o seu pedido na Lei luxemburguesa de 1 de Setembro de 1988 relativa à responsabilidade civil do Estado e das pessoas colectivas de direito público (Loi du 1er septembre 1988 relative à la responsabilité civile de l’Etat e des collectivités publiques (16)). H. Koelzsch alega que as decisões dos tribunais luxemburgueses o prejudicaram, uma vez que estas violaram o disposto no artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Convenção de Roma, na medida em que não aplicaram as disposições imperativas do direito alemão relativas à protecção dos membros das comissões de trabalhadores. Além disso, segundo H. Koelzsch, o direito da União foi violado por o seu pedido de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão a título prejudicial ter sido indeferido. Por acórdão de 9 de Novembro de 2007, o Tribunal d’arrondissement negou provimento ao recurso julgando‑o improcedente.

24.      H. Koelzsch interpôs recurso desta decisão na Cour d’appel (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»).

25.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o tribunal de primeira instância devia ter julgado inadmissível a acção de indemnização intentada por H. Koelzsch, uma vez que já havia transitado em julgado a decisão proferida no primeiro processo, no âmbito do qual o recorrente alegou a ilicitude do despedimento. O órgão jurisdicional de reenvio considera que no âmbito da acção de indemnização que intentou, H. Koelzsch contesta na realidade uma decisão que já transitou em julgado no processo que correu os seus termos no tribunal do trabalho. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que não pode declarar que a acção de indemnização é inadmissível uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não suscitou a questão da inadmissibilidade da acção no âmbito do processo de recurso e por a inadmissibilidade não poder ser declarada oficiosamente. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio, enquanto tribunal de recurso, está vinculado pela constatação do tribunal de primeira instância e tem de se pronunciar sobre o pedido do recorrente. Decidiu por este motivo submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

26.      Nestas circunstâncias, por decisão de 15 de Janeiro de 2010, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma, a seguinte questão prejudicial:

«A norma de conflitos definida na Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, uma vez que o seu artigo 6.°, n.° 2, alínea a), dispõe que o contrato de trabalho é regulado pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, deve ser interpretada no sentido de que, no caso de o trabalhador realizar a sua prestação de trabalho em vários países, mas regressar sistematicamente a um deles, este país deve ser considerado aquele em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

27.      O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 18 de Janeiro de 2010. Na fase escrita do processo apresentaram observações H. Koelzsch, o Governo luxemburguês, o Governo helénico e a Comissão. Na audiência de 26 de Outubro de 2010 foram ouvidos H. Koelzsch, o Governo luxemburguês e a Comissão, que apresentaram as suas alegações orais e responderam às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça.

V –    Argumentos das partes

A –    Competência do Tribunal de Justiça

28.      A Comissão foi a única a suscitar, nas suas observações escritas, a questão da competência do Tribunal de Justiça para responder à questão prejudicial. Sustenta que o Tribunal de Justiça é competente uma vez que, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio decide um recurso, conforme previsto no artigo 2.°, alínea b), do Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma.

B –    Pedido de decisão prejudicial

29.      H. Koelzsch afirma que, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, a lei aplicável ao contrato de trabalho, na falta de escolha pelas partes, é a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho. Considerando que o conceito de país/lugar em que o trabalhador «presta habitualmente o seu trabalho» é equivalente na Convenção de Roma e na Convenção de Bruxelas, é necessário, na opinião de H. Koelzsch, que a interpretação desse conceito corresponda à interpretação do Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas. H. Koelzsch sustenta que dessa jurisprudência decorre que, na hipótese de o trabalhador efectuar o seu trabalho em mais de um Estado Contratante, a Convenção de Bruxelas não pode ser interpretada no sentido de que são competentes os órgãos jurisdicionais de todos os Estados Contratantes nos quais o trabalhador presta o seu trabalho (17). Esta Convenção deve pelo contrário ser interpretada no sentido de que o órgão jurisdicional competente é o do lugar no qual ou a partir do qual o trabalhador presta a maior parte das suas obrigações para com a entidade patronal, ou o do lugar em que o trabalhador estabeleceu o centro efectivo das suas actividades profissionais. H. Koelzsch sustenta que, no caso dos transportes internacionais, em que o motorista passa a maior parte do seu tempo num dos Estados Contratantes, a partir do qual organiza as suas actividades profissionais e ao qual regressa sistematicamente, é nesse Estado que se situa o centro efectivo das suas actividades profissionais. Alega que, de acordo com esses critérios, é na Alemanha que se situa o centro efectivo das suas actividades profissionais.

30.      O Governo luxemburguês considera que o artigo 6.° da Convenção de Roma deve ser interpretado no sentido de que a escolha das partes não pode privar o trabalhador da protecção que lhe é garantida pelas disposições imperativas da lei objectivamente aplicável. Nos termos do artigo 6.° da Convenção de Roma, essa lei pode ser a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho [artigo 6.°, n.° 2, alínea a)], ou a lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador [artigo 6.°, n.° 2, alínea b)]. O Governo luxemburguês considera que, na medida em que H. Koelzsch não prestou habitualmente o seu trabalho num único Estado, a lei aplicável deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma. Assim, na opinião do Governo luxemburguês, no presente processo a lei aplicável ao contrato de trabalho é a lei luxemburguesa.

31.      O Governo helénico observa, por um lado, que para interpretar a Convenção de Roma são tomadas em consideração as disposições do Regulamento Roma I e, por outro, que para interpretar o artigo 6.° da Convenção de Roma também se deve tomar em consideração a jurisprudência relativa à Convenção de Bruxelas. Partindo desta afirmação, o referido Governo alega que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, deve ser interpretado no sentido de que na hipótese de o trabalhador prestar a sua actividade laboral em vários países mas regressar sistematicamente a um deles, este último país pode ser considerado o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, na condição de que este seja também o país em que o trabalhador estabeleceu o centro efectivo das suas actividades profissionais. Na opinião do Governo helénico, essa apreciação deve ser realizada pelo órgão jurisdicional nacional. Além disso, afirma que na hipótese de não ser possível determinar o lugar em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho e quando o país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador (artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma) não tiver nenhuma conexão com o contrato de trabalho, o órgão jurisdicional nacional poderá então aplicar o artigo 6.°, n.° 2, último parágrafo, da Convenção de Roma, nos termos do qual a lei aplicável é a lei do país com o qual o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita.

32.      Segundo a Comissão, para garantir uma interpretação uniforme dos conceitos da Convenção de Roma, estes devem ser objecto de uma interpretação autónoma, ou seja, devem ser interpretados independentemente dos conceitos existentes nos ordenamentos jurídicos dos diferentes Estados Contratantes. Por outro lado, a Comissão afirma que, à luz da estreita ligação entre a Convenção de Roma, por um lado, e a Convenção de Bruxelas e o Regulamento n.° 44/2001, por outro, e dada a frequente utilização de conceitos idênticos nesses instrumentos, há que assegurar ao mais alto nível a coerência e uma interpretação uniforme. A Comissão sustenta que a alteração do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, em cuja base foi inserida uma disposição específica relativa à competência em matéria de contratos de trabalho, teve origem na jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante à interpretação do referido artigo, jurisprudência essa que também se inspirou, entre outros, nas disposições de protecção dos trabalhadores constantes do artigo 6.° da Convenção de Roma.

33.      Em relação ao conceito de «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho», a Comissão observa que, no âmbito do processo Mulox (18) e em dois outros processos posteriores (Rutten (19) e Weber (20)), respeitantes à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça decidiu que, nos casos em que o trabalhador efectua o seu trabalho no território de vários Estados Contratantes, a obrigação contratual é cumprida onde, ou a partir do qual, o trabalhador cumpre principalmente as suas obrigações para com a entidade patronal. Por conseguinte, a Comissão considera que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser interpretado no sentido de que nos casos em que um trabalhador preste o seu trabalho em vários Estados Contratantes, o lugar em que presta habitualmente o seu trabalho na acepção dessa disposição é o lugar em que estabeleceu o centro efectivo das suas actividades. A Comissão sustenta que, para determinar qual é esse lugar, é necessário, antes de mais, tomar em consideração que o trabalhador cumpre a maior parte do seu horário de trabalho num Estado, no qual estão estacionados os veículos utilizados para o exercício da actividade profissional, a partir do qual são organizadas as rotações de motoristas e ao qual regressa depois de cada viagem profissional ao estrangeiro.

VI – Apreciação da advogada‑geral

A –    Introdução

34.      A título de introdução, observo que do preâmbulo da Convenção de Roma decorre que esta foi celebrada com o objectivo de prosseguir, no âmbito do direito internacional privado, a obra de unificação jurídica iniciada com a adopção da Convenção de Bruxelas (21). Do referido preâmbulo da Convenção de Roma decorre igualmente que esta tem por objectivo uniformizar as regras relativas à lei aplicável às obrigações contratuais, independentemente do local onde a decisão for proferida (22). De facto, como resulta do Relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma (23), a Convenção nasceu da preocupação de suprimir os inconvenientes que resultam da diversidade das normas de conflito e de elevar o nível da segurança jurídica e a protecção dos direitos adquiridos em todo o direito privado (24).

35.      No processo em análise coloca‑se, pela primeira vez na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a questão da interpretação do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma. Este artigo define a lei que regula os contratos de trabalho na falta de escolha pelas partes; porém, o artigo pode também ser aplicável se – como no presente processo – a escolha efectuada pelas partes da lei aplicável ao contrato de trabalho tiver como consequência privar o trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha (artigo 6.°, n.° 1). No âmbito do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, a regra fundamental é a da aplicação da lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho [alínea a)], aplicando‑se a título subsidiário a lei do país em que esteja situada a entidade patronal se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país [alínea b)]. A título excepcional, pode também aplicar‑se a lei do país com o qual o contrato apresenta uma conexão mais estreita (artigo 6.°, n.° 2, último parágrafo).

36.      Por outro lado, há que referir – como a Comissão observou correctamente – que os conceitos da Convenção de Roma devem ser interpretados de forma autónoma, independentemente das respectivas definições existentes nos ordenamentos jurídicos dos Estados Contratantes; nesse contexto, há que tomar em consideração a sistematização e os objectivos da própria Convenção, a fim de garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados Contratantes. O princípio da interpretação autónoma foi várias vezes confirmado no âmbito da interpretação da Convenção de Bruxelas (25) e da interpretação do Regulamento n.° 44/2001 (26): em minha opinião, este princípio também é válido para a Convenção de Roma.

B –    Competência do Tribunal de Justiça

37.      No âmbito da análise da competência do Tribunal de Justiça para responder à questão prejudicial, concordo com a Comissão quando sustenta que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o mérito desta questão. Nos termos do artigo 2.°, alínea b), do Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma, em vigor desde 1 de Agosto de 2004, os órgãos jurisdicionais dos Estados Contratantes sempre que decidam em recurso podem solicitar ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial sobre uma questão suscitada em processo pendente que incida sobre a interpretação da Convenção de Roma. Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio neste processo decide em recurso, o Tribunal de Justiça é competente para responder à questão prejudicial.

C –    Quanto à questão relativa ao fundamento jurídico da responsabilidade do Estado no presente processo

38.      Importa ter presente que as partes no processo principal são H. Koelzsch e o Grão‑Ducado do Luxemburgo. Trata‑se, portanto, de um recurso interposto por um particular contra um Estado, por meio do qual o primeiro pede uma indemnização por funcionamento defeituoso dos órgãos jurisdicionais nacionais. Embora o órgão jurisdicional de reenvio não se refira na questão prejudicial ao fundamento jurídico dessa responsabilidade, entendo no entanto que se deve proceder a alguns esclarecimentos sucintos, para evitar um eventual erro de compreensão desta problemática.

39.      No que respeita à base jurídica da responsabilidade dos órgãos jurisdicionais nacionais devido a uma eventual aplicação errada das disposições da Convenção de Roma, o órgão jurisdicional nacional de primeira instância referiu‑se ao acórdão do Tribunal de Justiça no processo Köbler (27), no qual o Tribunal declarou que o princípio segundo o qual os Estados‑Membros são obrigados a ressarcir os danos causados aos particulares pelas violações do direito comunitário (agora direito da União) que lhes são imputáveis é igualmente aplicável quando a violação em causa resulte de uma decisão de um órgão jurisdicional decidindo em última instância, desde que a norma de direito comunitário violada se destine a conferir direitos aos particulares, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade directo entre a violação e o dano sofrido pelas pessoas lesadas (28). No entanto, ao contrário do que o órgão jurisdicional de primeira instância sustenta, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça no processo Köbler não é transponível para o presente processo.

40.      Há que referir que no presente processo não é possível invocar o processo Köbler por duas ordens de razões.

41.      Em primeiro lugar, a Convenção de Roma não faz parte do direito da União, sendo um tratado internacional celebrado pelos Estados Contratantes (29). Portanto, em minha opinião, não é possível transpor para o presente processo os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no processo Köbler, uma vez que estes foram estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no âmbito do direito da União.

42.      Em segundo lugar, a competência do Tribunal de Justiça para interpretar as disposições da Convenção de Roma não assenta no sistema de reenvio prejudicial regulado pelo artigo 267.° TFUE. Com efeito, as Partes Contratantes chegaram a um acordo nesse sentido, de forma independente e através de um protocolo específico anexado à Convenção de Roma (30). A este propósito, convém salientar que, com base no Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma, os órgãos jurisdicionais nacionais têm apenas a possibilidade, mas não a obrigação, de apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. Com efeito, o artigo 2.° deste Protocolo dispõe que os órgãos jurisdicionais indicados nesse artigo «pode[m]» solicitar ao Tribunal de Justiça que decida a título prejudicial (31). O sistema de reenvio prejudicial no âmbito da Convenção de Roma distingue‑se por isso significativamente do sistema vigente no âmbito do direito da União nos termos do artigo 267.° TFUE.

43.      Por conseguinte, penso que o direito da União não obriga os Estados Contratantes da Convenção de Roma a indemnizarem os danos suportados em consequência da violação desta Convenção. No entanto, como é natural, a Convenção não impede que os Estados Contratantes regulamentem na sua legislação nacional a responsabilidade dos órgãos jurisdicionais, como por exemplo o Luxemburgo fez com a Lei de 1 de Setembro de 1988 relativa à responsabilidade civil do Estado e das pessoas colectivas de direito público (32).

D –    Análise da questão prejudicial

44.      No âmbito da questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o trabalhador realizar a sua prestação de trabalho em vários países, mas regressar sistematicamente a um deles, este país pode ser considerado como aquele em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho.

45.      Como a Comissão observou com razão nas suas observações escritas (33), a questão deve ser entendida no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende em substância esclarecer se, para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, é possível recorrer à interpretação feita pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas (34). Nessa jurisprudência, o Tribunal de Justiça tomou efectivamente em consideração não só lugar onde o trabalhador efectua o seu trabalho mas também aquele a partir do qual o trabalhador efectua o seu trabalho. Por isso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se também no âmbito da Convenção de Roma, para determinar a lei aplicável aos contratos de trabalho, pode ser pertinente a circunstância de o trabalhador regressar sistematicamente a um determinado Estado. Na análise desenvolvida nas presentes conclusões, defendo a tese de que é possível recorrer à referida jurisprudência para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, embora com um esclarecimento parcial no que diz respeito à interpretação proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio.

46.      Ao interpretar o conceito de «país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho» constante do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, procederei, nas presentes conclusões, a uma análise por fases. Em primeiro lugar, exporei sucintamente o sistema que a Convenção de Roma institui para protecção dos trabalhadores enquanto parte contratual mais fraca. Em seguida, evocarei a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas e, com base nos diferentes métodos de interpretação, procurarei demonstrar que essa jurisprudência pode ser utilizada para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma. Por último, abordarei os critérios que o órgão jurisdicional de reenvio deve tomar em consideração para determinar o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho.

1.      Convenção de Roma e protecção do trabalhador enquanto parte contratual mais fraca

47.      A regra fundamental constante da Convenção de Roma para determinar a lei aplicável às obrigações contratuais é a da autonomia da vontade das partes na escolha da lei aplicável à relação contratual; é essa a regra constante do artigo 3.° da Convenção de Roma (35). Quando a lei não tenha sido escolhida pelas partes, a lei aplicável é a lei que venha a ser determinada nos termos do artigo 4.° da mesma Convenção, que prevê como critério fundamental a aplicação da lei do país com o qual o contrato apresente uma conexão mais estreita.

48.      O artigo 6.° da Convenção de Roma, que regula a lei aplicável aos contratos de trabalho, constitui uma lex specialis em relação aos artigos 3.° e 4.° da própria Convenção. Por um lado, as partes não podem, através do acordo relativo ao contrato de trabalho, privar o trabalhador da protecção que lhe é garantida pelas disposições imperativas da lei que, na falta de escolha, seria aplicável (artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma) (36). Por outro, o artigo 6.°, n.° 2, da Convenção em causa estabelece regras especiais que se aplicam quando as partes não tenham efectuado uma escolha da lei aplicável: nesse caso, aplica‑se a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, ou – se não for possível determinar o país em que o trabalho é habitualmente prestado – a lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador. O artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma contém, além disso, no último parágrafo, uma cláusula especial segundo a qual se o contrato de trabalho apresentar uma conexão mais estreita com outro país, não se aplica nenhuma das referidas disposições, aplicando nesse caso ao contrato a lei desse outro país (37).

49.      Por outro lado, há que sublinhar que na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça afirmou, referindo‑se à Convenção de Bruxelas, que os contratos de trabalho apresentam, em relação aos outros contratos, mesmo quando estes últimos se referem a prestação de serviços, certas particularidades na medida em que criam um laço duradouro que insere em certa medida o trabalhador no quadro de uma determinada organização dos negócios da empresa; o trabalhador fica vinculado ao lugar do exercício das actividades (38). O Tribunal declarou ainda que, na interpretação das normas relevantes da Convenção de Bruxelas, há que tomar em consideração a necessidade de assegurar uma protecção adequada ao trabalhador, enquanto parte contratual mais fraca (39). Em minha opinião, estas constatações gerais relativamente aos contratos de trabalho também são pertinentes para a interpretação das disposições da Convenção de Roma.

50.      Por conseguinte, o artigo 6.° da Convenção de Roma tem por objectivo proteger o trabalhador, enquanto parte contratual social e economicamente mais fraca (40). Esta protecção é assegurada através da aplicação, ao contrato, da lei do país com o qual o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita. Na doutrina afirma‑se que o trabalhador, ao desenvolver a sua actividade num determinado país, é influenciado pelas circunstâncias políticas e profissionais que caracterizam esse país, pelo que há que garantir aos trabalhadores essa protecção que o legislador do país em causa adoptou à luz dessas circunstâncias (41). À luz deste entendimento, a Convenção de Roma adopta assim claramente o princípio do favor laboratoris. Por conseguinte, é razoável que se interprete de forma extensiva a alínea a) do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma, para que se consiga atingir mais facilmente o objectivo de protecção do trabalhador enquanto parte contratual mais fraca.

2.      Jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas

51.      Na sua jurisprudência relativa à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça já se pronunciou várias vezes sobre o caso de um trabalhador que prestava o seu trabalho em mais de um Estado Contratante. O desenvolvimento dessa jurisprudência e, através desta, o desenvolvimento dos critérios de determinação do lugar em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, foi gradual; abordarei em seguida a jurisprudência relativa à interpretação deste artigo (42).

52.      No que respeita à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, importa antes de mais sublinhar que, ao interpretar esse artigo em relação aos contratos de trabalho, o Tribunal de Justiça se afastou da sua jurisprudência anterior constante dos processos De Bloos e Tessili, que tinham por objecto à determinação na generalidade da competência em matéria contratual (43). O Tribunal de Justiça efectuou uma distinção entre os contratos de trabalho e os outros contratos e, com a intenção de aumentar a protecção dos trabalhadores, declarou no processo Inevel que, para determinar a competência no âmbito do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, há que tomar em consideração a obrigação que caracteriza o contrato (44), ou seja, a obrigação da prestação de trabalho.

53.      Relativamente ao caso de um trabalhador activo em mais de um Estado Contratante, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se pela primeira vez em 1993, no processo Mulox (45). Nesse processo, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de um contrato de trabalho, em cumprimento do qual o trabalhador exerce as suas actividades em mais de um Estado Contratante, o lugar de execução da obrigação que caracteriza o contrato é aquele onde ou a partir do qual o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal (46).

54.      No processo Rutten, decidido em 1997, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, se refere ao lugar em que o trabalhador estabeleceu o centro efectivo das suas actividades profissionais (47). Na sua fundamentação, acrescentou ainda que se trata do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador cumpre na realidade o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal (48).

55.      No acórdão Weber, proferido em 2002, o Tribunal de Justiça declarou no entanto que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas deve ser interpretado no sentido de que o lugar onde o trabalhador cumpre habitualmente o seu trabalho, na acepção desta disposição, é o lugar onde, ou a partir do qual, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, cumpre de facto o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal. (49). O Tribunal acrescentou que, no caso de um trabalhador que presta o seu trabalho em vários Estados Contratantes, em princípio, há que ter em conta a duração total da relação de trabalho, a fim de determinar o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho na acepção da referida disposição e que, na falta de outros critérios, esse lugar é aquele onde prestou a maior parte do seu tempo de trabalho (50).

56.      Importa ainda referir o processo Pugliese, que também tem por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, mas que se distingue dos processos Mulox, Rutten e Weber pelo facto de o trabalhador prestar o seu trabalho num único Estado Contratante, em que lhe era permitido transferir‑se para outra entidade patronal, sendo que este, no entanto, não era o lugar estabelecido no contrato de trabalho celebrado com a primeira entidade patronal (51). No litígio entre o trabalhador e a primeira entidade patronal, o Tribunal de Justiça declarou que o lugar onde o trabalhador cumpre as suas obrigações em relação a uma segunda entidade patronal pode ser considerado o lugar onde efectua habitualmente o seu trabalho, quando a primeira entidade patronal tenha ela própria, no momento da celebração do segundo contrato, interesse na execução da prestação por parte do trabalhador a favor da segunda entidade patronal num local determinado por esta última (52).

57.      Embora na jurisprudência referida se utilize em parte uma terminologia diferente e em parte se apliquem critérios diferentes para determinar o lugar ondee o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, é no entanto possível, em minha opinião, afirmar que o critério determinante é o do lugar onde ou a partir do qual, o trabalhador cumpre efectivamente o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal, lugar esse que deve ser identificado tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto.

3.      Possibilidade de recorrer à jurisprudência relativa a Convenção de Bruxelas para interpretar a Convenção de Roma

58.      O presente processo coloca a questão de saber se para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, é possível recorrer, per analogiam, à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, feita pelo Tribunal de Justiça nos processos Mulox, Rutten, Weber e Pugliese. Em minha opinião, a resposta a esta questão deve ser afirmativa e a doutrina também se manifesta a favor da utilização da referida jurisprudência (53). Analisarei em seguida a possibilidade de aplicar a referida jurisprudência à Convenção de Roma à luz de diferentes métodos de interpretação: literal, histórico, sistemático e teleológico. Por último, chamarei a atenção para os limites da interpretação paralela entre a Convenção de Bruxelas e a Convenção de Roma.

a)      Interpretação literal

59.      O artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma estabelece que quando as partes não tenham escolhido qual a lei aplicável, o contrato de trabalho é regulado «pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho» (54).

60.      É certo que não é possível concluir, à luz do mero teor literal da disposição em análise, que utiliza a locução «em que», que também pode ser relevante a lei do país «a partir do qual» o trabalhador presta o seu trabalho. Considero, porém, que três argumentos militam a favor da interpretação segundo a qual também é possível ter em conta o país «a partir do qual» o trabalhador presta o seu trabalho.

61.      O primeiro argumento resulta da equivalência, nas Convenções de Bruxelas e de Roma, do conceito que é objecto de interpretação. Com efeito, a Convenção de Bruxelas, no seu artigo 5.°, n.° 1, e a Convenção de Roma, no seu artigo 6.°, n.° 2, alínea a), referem‑se ao lugar ou ao país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, sem todavia definirem este conceito (55). Portanto, no que se refere à Convenção de Bruxelas – independentemente do teor literal, que refere o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho – o Tribunal de Justiça admitiu assim a possibilidade de tomar em consideração também o lugar a partir do qual o trabalhador efectua o seu trabalho.

62.      Em segundo lugar, há que tomar também em consideração que o mero teor literal do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, ou o facto de o mencionado artigo remeter para a lei do país «em que» o trabalhador presta o seu trabalho não contraria a interpretação segundo a qual é também é relevante o país «a partir do qual» o trabalhador presta o seu trabalho. De facto, o trabalhador pode prestar habitualmente o seu trabalho no país a partir do qual efectua esse trabalho. Neste aspecto, a redacção do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, admite várias interpretações.

63.      Em terceiro lugar, importa observar que o simples facto de o trabalhador prestar o seu trabalho a partir de um determinado Estado Contratante não basta para que à questão seja aplicável a lei desse Estado. Se se recorrer, por analogia, à jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, é possível verificar que na referida jurisprudência o Tribunal de Justiça impôs que o trabalhador tem efectivamente de cumprir o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal num determinado Estado Contratante ou a partir de um determinado Estado Contratante (56). O critério fundamental relevante no âmbito da mencionada jurisprudência é portanto o do centro efectivo do exercício das actividades profissionais do trabalhador. Se, por exemplo, o trabalhador se limita a regressar sistematicamente a um determinado Estado Contratante, mas cumpre o essencial das suas obrigações noutro Estado, o primeiro Estado não pode, em minha opinião, ser considerado o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho.

64.      Portanto, a meu ver, a interpretação literal do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma não obsta a que, para determinar a lei aplicável ao contrato de trabalho, se tome em consideração o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho.

b)      Interpretação histórica

65.      No âmbito da interpretação histórica, há que analisar o Relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma (57), designadamente a parte respeitante à relação entre as alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 6.° desta Convenção. Nesse relatório, afirma‑se que a alínea a) do artigo em análise é aplicável se o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho num mesmo país, ainda que seja destacado temporariamente para outro país, ao passo que a alínea b) é aplicável se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho num mesmo país (58).

66.      Em minha opinião, com base neste Relatório, não é possível concluir que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser interpretado no sentido de que permite que o trabalhador preste habitualmente o seu trabalho também a partir de um determinado Estado Contratante, embora, ao mesmo tempo não me pareça que o referido relatório exclua essa interpretação. De facto, o relatório em causa não é vinculativo, revestindo antes carácter académico e analítico, e foi redigido por um grupo de especialistas, pelo que não representa o desígnio legislativo definitivo dos Estados signatários da Convenção (59).

67.      Além disso, é de assinalar que, do Relatório Cruz/Real/Jenard sobre a Convenção de San Sebastián (60), cuja redacção teve por base a Convenção de Bruxelas na versão alterada pela Convenção de San Sebastián (61), não decorre a possibilidade de o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas poder ser interpretado no sentido de que o lugar a partir do qual o trabalhador presta o seu trabalho também pode ser relevante para determinar a competência em matéria de contratos de trabalho (62). Contudo, isto não impediu que, no acórdão Mulox – proferido poucos anos depois de o referido relatório ser publicado – o Tribunal de Justiça admitisse a possibilidade de também tomar em consideração o lugar a partir do qual o trabalhador presta o seu trabalho (63).

68.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça nos processos Mulox, Rutten e nos outros processos que versaram sobre a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas demonstra pois claramente que, em relação à interpretação do artigo em análise, o Tribunal de Justiça adoptou uma posição diferente da perfilhada pelos especialistas nos referidos relatórios. Portanto, em minha opinião, é possível chegar a um resultado análogo também no que respeita à interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma.

69.      Logo, da interpretação histórica não decorre a possibilidade de recorrer à jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma. Contudo, a meu ver, também não se pode dizer que a interpretação histórica exclui o recurso à jurisprudência em causa.

c)      Interpretação sistemática

70.      A interpretação sistemática milita a favor de uma interpretação paralela dos artigos 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma e 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas. Essa interpretação tem dois aspectos. Por um lado, há que tomar em consideração que no passado a formulação do artigo 6.° da Convenção de Roma influenciou a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, havendo, por outro, que tomar também em consideração a formulação do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento Roma I, adoptado posteriormente.

71.      Ao contrário do que sucede com a Convenção de Roma, a Convenção de Bruxelas, no momento em que foi adoptada e também na sequência das alterações de 1978 (64) e de 1982 (65), não continha ainda nenhuma disposição especial relativa à competência em matéria de contratos de trabalho, limitando‑se a dispor que em matéria contratual era possível intentar a acção no órgão jurisdicional do lugar do cumprimento da obrigação contratual.

72.      Nessa época, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se no processo Ivenel (66), no qual tinha que decidir qual era a obrigação que devia ser tomada em consideração para efeitos de aplicação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, numa questão respeitante a contratos de trabalho. Ao interpretar o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas no âmbito do processo Ivenel, o Tribunal de Justiça remeteu para o artigo 6.° da Convenção de Roma, declarando que, nos termos desse artigo da Convenção de Roma, o contrato de trabalho é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com outro país (67). À luz deste entendimento, o Tribunal de Justiça declarou que a obrigação a tomar em consideração para efeitos da aplicação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas é a que caracteriza o contrato (68), distanciando‑se assim, no que respeita aos contratos de trabalho, da anterior jurisprudência relativa à competência nos litígios de origem contratual (69).

73.      Essa jurisprudência e, de forma indirecta, como é natural, também a formulação do artigo 6.° da Convenção de Roma contribuíram para que posteriormente, em 1989, através da Convenção de San Sebastián (70), o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas fosse alterado, passando a prever uma competência especial em matéria de contratos de trabalho. Assim, inseriu‑se também na Convenção de Bruxelas uma regulamentação especial relativamente à questão da competência para os contratos de trabalho (71).

74.      No âmbito da interpretação sistemática há ainda que mencionar outra razão que milita a favor da utilização da jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, para efeitos da interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, a saber, o facto de o legislador da União ter tomado em consideração a jurisprudência em causa no processo que conduziu à adopção do Regulamento Roma I, que substituiu a Convenção de Roma. Com efeito, o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento Roma I dispõe que se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que ou a partir do qual o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho (72).

75.      Em minha opinião, esta alteração legislativa é importante, em dois aspectos.

76.      Por um lado, esta alteração legislativa é importante porque demonstra claramente que o legislador pretendeu conferir à mencionada disposição desse instrumento de direito internacional privado o mesmo significado atribuído, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, ao conceito «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho» constante do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas (73). É certo que a formulação do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento Roma I é diferente da do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma e também da do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas mas, na realidade, mais não é do que uma formulação mais clara, ou uma codificação, da jurisprudência existente relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas (74).

77.      Por outro lado, a alteração legislativa é também importante porque demonstra a vontade que o legislador teve de conferir ao artigo 8.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento Roma I uma interpretação extensiva e de estabelecer que, na medida do possível, a lei aplicável ao contrato de trabalho deve ser determinada com base nesse artigo (75). Segundo o legislador da União, a alínea b) do mencionado artigo será de aplicação menos frequente (76). Deste modo, é essencial que se tome em consideração o centro das actividades profissionais do trabalhador, mesmo que o trabalhador se limite a organizar a sua actividade profissional a partir desse lugar (77).

78.      A codificação das normas de conflito no Regulamento Roma I teve por objectivo substituir a Convenção de Roma (78) garantindo, ao mesmo tempo, no essencial, uma continuidade relativamente a essa Convenção (79). Por conseguinte, é razoável que as disposições da Convenção de Roma sejam interpretadas de forma a garantir essa continuidade e de forma a poder começar a aplicar o Regulamento Roma I sem alterações significativas a nível interpretativo.

79.      Portanto, a meu ver, a interpretação sistemática aponta no sentido de aplicar a jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas à interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma.

d)      Interpretação teleológica

80.      A razão que, de um ponto de vista teleológico, milita a favor da utilização da jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, para efeitos da interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, consiste na procura de uma equivalência entre forum e ius, de modo a que o órgão jurisdicional competente para se pronunciar sobre o litígio aplique a lei do seu país (80). Em circunstâncias ideais, as regras relativas à competência deveriam atribuir competência ao órgão jurisdicional do país cuja lei será aplicada, de acordo com as normas de direito internacional privado. Desse modo, o órgão jurisdicional aplicará a lei que conhece melhor, reduzindo assim o risco de uma aplicação errada do direito (estrangeiro) e evitando simultaneamente a determinação do direito estrangeiro, que é trabalhosa do ponto de vista temporal bem como, muitas vezes, do ponto de vista financeiro.

81.      Uma interpretação uniforme dos conceitos de país ou de lugar em que o trabalhador «presta habitualmente o seu trabalho» no artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma e na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, pode assim contribuir para uma equivalência entre forum e ius, porquanto, partindo de semelhante interpretação uniforme, será competente em litígios relativos a contratos de trabalho o órgão jurisdicional do lugar em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho e, simultaneamente, esse órgão jurisdicional aplicará a sua própria lei (lex loci laboris (81)). Considero portanto que conceitos das Convenções de Bruxelas e de Roma devem ser interpretados de modo uniforme.

e)      Limites da interpretação paralela

82.      No entanto, pretendo salientar que há que ter uma certa prudência na interpretação paralela de conceitos semelhantes ou análogos que figurem nas normas de conflito e nas normas de determinação da competência jurisdicional, uma vez que os dois sistemas de normas prosseguem objectivos diferentes (82). Enquanto que as normas de conflito têm por objectivo identificar a lei aplicável a uma obrigação contratual (no caso em apreço, a um contrato de trabalho), as normas de determinação da competência jurisdicional têm por objectivo determinar qual o órgão jurisdicional competente. As normas de conflito (a saber, a Convenção de Roma) conduzem assim, regra geral, à determinação da lei de um único Estado, ao passo que, com base na aplicação das normas de determinação do órgão jurisdicionalmente competente, o recorrente também pode ter a possibilidade – pelo menos nalguns casos – de escolher o foro para interposição do recurso (83).

83.      Fica assim esclarecido que, no presente caso, não tenciono pronunciar‑me a favor de uma uniformidade interpretativa com carácter geral de todos os conceitos semelhantes ou análogos constantes das Convenções de Roma e de Bruxelas. Em minha opinião, importa sobretudo salientar que não se pode partir de uma presunção geral de que há que interpretar de forma uniforme todos os conceitos idênticos ou semelhantes, mas que, pelo contrário, a questão da uniformidade de interpretação se deve colocar sempre em relação a cada caso concreto (84). Saliente‑se além disso que, por vezes, nem mesmo os conceitos totalmente reconduzíveis a um determinado contexto podem ser interpretados de modo uniforme. Assim, por exemplo, no processo C (85), o Tribunal de Justiça, relativamente à interpretação do Regulamento n.° 2201/2003 (86), declarou que o conceito de «matéria civil» na acepção desse regulamento deve ser considerado um conceito autónomo: assim, o Tribunal de Justiça não se baseou na definição desse conceito constante da Convenção de Bruxelas ou do Regulamento n.° 44/2001. No entanto, é verdade que em sectores nos quais as normas dos instrumentos dos dois domínios tenham o mesmo objectivo de protecção (por exemplo, a protecção dos trabalhadores ou dos consumidores), é mais provável que haja uma interpretação uniforme dos mesmos conceitos (87).

4.      Critérios que têm de ser observados pelo órgão jurisdicional nacional

84.      O critério do país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho depende portanto das circunstâncias de cada caso concreto.

85.      No processo em análise, o órgão jurisdicional nacional tem que determinar em que Estado ou a partir de que Estado Contratante o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho. No âmbito de um processo prejudicial, que se baseia numa nítida separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, toda e qualquer apreciação dos factos da causa é da competência do órgão jurisdicional nacional (88). O Tribunal de Justiça também salientou na jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, que compete ao órgão jurisdicional nacional determinar o lugar ou o país em que o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho (89). No entanto, o Tribunal de Justiça tem de indicar ao órgão jurisdicional nacional os critérios precisos com base nos quais este se poderá pronunciar.

86.      Pode ver‑se que, na jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça aplicou vários critérios para determinar se o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho num determinado Estado Contratante, e fê‑lo, naturalmente, em função das circunstâncias factuais específicas dos processos.

87.      Assim, no processo Mulox, o trabalhador exercia a actividade de director de marketing internacional. Tinha estabelecido o seu escritório em França (Aix‑les‑Bains) e dedicava‑se à venda de produtos na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos e nos países escandinavos, tendo posteriormente passado a exercer as suas actividades somente em França (90). Nesse processo, para determinar o lugar onde o trabalhador efectuava habitualmente o seu trabalho na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça tomou em consideração que o trabalhador tinha um escritório num Estado Contratante no qual havia fixado residência, a partir do qual exercia as suas actividades e ao qual regressava após cada deslocação profissional e também que, no momento da ocorrência do litígio, efectuava o seu trabalho exclusivamente no território do referido Estado (91).

88.      No processo Rutten, o trabalhador vivia nos Países Baixos e tinha sido contratado pela filial neerlandesa de uma sociedade de direito inglês (92). Exercia cerca de dois terços da sua actividade profissional nos Países Baixos, onde tinha igualmente o seu escritório, exercendo o restante terço da sua actividade profissional no Reino Unido, na Bélgica, na Alemanha e nos Estados Unidos da América (93). Nesse processo, o Tribunal de Justiça tomou em consideração que o trabalhador efectuava dois terços do seu trabalho num Estado, no qual dispunha de um escritório a partir do qual organizava o seu trabalho por conta da entidade patronal e ao qual voltava após cada deslocação profissional ao estrangeiro (94).

89.      Por sua vez, o processo Weber dizia respeito a um trabalhador que durante muitos anos foi empregado como cozinheiro a bordo de navios ou em determinadas instalações sobre a plataforma continental adjacente aos Países Baixos, tendo no entanto durante alguns meses trabalhado também a bordo de uma grua flutuante situada nas águas territoriais dinamarquesas (95). Nesse processo, ao contrário do que sucedeu nos processos Mulox e Rutten, o Tribunal de Justiça declarou que o trabalhador não dispunha num dos Estados Contratantes de um escritório que constituísse o centro efectivo das suas actividades profissionais e a partir do qual cumprisse o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal (96). O Tribunal de Justiça considerou então que era decisivo o critério temporal: tomou assim em consideração o país em que o trabalhador tinha cumprido a maior parte do seu tempo de trabalho (97).

90.      O processo Pugliese dizia respeito a uma cidadã italiana, contratada por uma sociedade de direito italiano, que no entanto tinha sido autorizada a transferir‑se para outro posto de trabalho numa sociedade que tinha sede na Alemanha, com a qual celebrara um contrato de trabalho (98). O Tribunal de Justiça foi assim chamado a pronunciar‑se sobre o caso de uma trabalhadora que celebrou dois contratos de trabalho sucessivos com duas entidades patronais diferentes, tendo a primeira entidade patronal sido plenamente informada da celebração do segundo contrato e consentido na suspensão do primeiro contrato (99). Para determinar qual era o órgão jurisdicional competente para se pronunciar sobre o litígio entre a trabalhadora e a primeira entidade patronal, colocava‑se a questão de saber em que país a trabalhadora efectuava habitualmente o seu trabalho. O Tribunal de Justiça declarou que o local onde o trabalhador cumpre as suas obrigações em relação a uma segunda entidade patronal pode ser considerado o local em que exerce habitualmente o seu trabalho, quando a primeira entidade patronal, em relação à qual estão suspensas as obrigações do trabalhador, tenha ela própria, no momento da celebração do segundo contrato, interesse na execução da prestação por parte do trabalhador a favor da segunda entidade patronal num local determinado por esta última (100).

91.      Também na doutrina se encontram diferentes critérios para determinar o país ou o lugar em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho. Com efeito, a doutrina refere, por exemplo, como critério para distinguir a prestação habitual da prestação temporária de trabalho, o tempo que o trabalhador despende para efectuar o trabalho num determinado país e a importância desse mesmo trabalho (101). Embora o critério temporal possa ser pertinente, não é decisivo: o essencial é que o trabalhador tenha estabelecido o centro efectivo das suas actividades profissionais num determinado país (102). A doutrina considera que o objectivo das partes Contratantes também constitui um critério relevante (103). Saliente‑se igualmente que há que determinar se o núcleo essencial do exercício da actividade pode ser localizado num Estado Contratante (104).

92.      Também no processo em análise o Tribunal de Justiça tem que indicar ao órgão jurisdicional nacional quais os critérios que têm de ser preenchidos para determinar em que país o trabalhador prestou habitualmente o seu trabalho.

93.      No que se refere aos critérios eventualmente pertinentes, deve antes de mais assinalar‑se que a natureza da actividade exercida por H. Koelzsch é diferente da natureza das actividades em questão nos processos que até à presente data foram decididos com base no artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas e, em especial, da natureza das actividades em questão nos processos Mulox e Rutten. Acima de tudo, importa salientar que, devido à natureza da actividade em questão, H. Koelzsch não tinha de ter um escritório e, deste ponto de vista, o caso em apreço é comparável ao processo Weber. Com efeito, o presente processo diz respeito a uma actividade de transporte: H. Koelzsch transporta flores e outras plantas a partir de Odense, na Dinamarca, para destinos na Alemanha e noutros países. Por conseguinte, o órgão jurisdicional nacional deve tomar em consideração, no presente processo, as especificidades da actividade de transporte, tanto no que se refere às modalidades de exercício da actividade como ao tipo de instrumentos de trabalho.

94.      Como já acima referi (105), para aplicar a lei de um determinado Estado Contratante, não basta que o trabalhador regresse sistematicamente a esse Estado, sendo pelo contrário necessário que estabeleça nesse Estado Contratante também o centro efectivo das suas actividades profissionais. O simples facto de o trabalhador regressar sistematicamente a um determinado Estado Contratante não basta assim para preencher os critérios relativos à prestação habitual do trabalho nesse Estado ou à fixação, nesse Estado, do centro efectivo das suas actividades profissionais.

95.      Todavia, o regresso sistemático a um país não é o único elemento potencialmente relevante neste caso. O órgão jurisdicional nacional, ao determinar o país em que ou a partir do qual H. Koelzsch presta habitualmente o seu trabalho, deve tomar em consideração todos os elementos e todas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto.

96.      Por conseguinte, em minha opinião, o órgão jurisdicional nacional, no presente processo, deve tomar sobretudo em consideração os seguintes elementos:

–      verificar em que países H. Koelzsch exerceu a sua actividade de transporte e, para tanto, os documentos nos quais os seus trajectos ficaram registados (Kørselsrapport) devem ser controlados minuciosamente;

–      ao determinar os países nos quais H. Koelzsch exerceu a actividade de transporte, estabelecer, por um lado, os países através dos quais H. Koelzsch efectuou os transportes sem que estes fossem o seu destino final (limitando‑se portanto H. Koelzsch a atravessar o seu território) e, por outro, os países que constituíram o destino final das suas viagens e, em relação a estes últimos, determinar se os destinos finais se localizavam principalmente num país ou se pelo contrário estavam repartidos de forma igual por vários países;

–      identificar o lugar a partir do qual H. Koelzsch organizou a sua actividade e verificar como decorreu a organização dessa actividade;

–      no âmbito da organização da actividade, determinar onde estavam localizados os instrumentos de trabalho. No presente processo é assim pertinente a circunstância de os camiões estarem estacionados na Alemanha em três locais designados «locais de rotação» (Wechselstandorte) (106) – Kassel, Neukirchen/Vluyn, Osnabrück – e de o camião de H. Koelzsch ficar estacionado em Osnabrück;

–      no que se refere à organização da actividade, tomar em consideração, por outro lado, que os trabalhadores residentes em Osnabrück efectuavam nesse local a sua rotação, para efeitos do transporte;

–      no que se refere à organização da actividade importa, além disso, verificar em que lugar H. Koelzsch recebia instruções relativas ao percurso da viagem;

–      no que respeita à organização da actividade, tomar também em consideração o facto de que H. Koelzsch iniciava as suas viagens em Osnabrück e regressava a este lugar depois de ter efectuado os transportes.

97.      Por conseguinte, para determinar o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, o órgão jurisdicional nacional deve atender tanto a critérios materiais como a critérios temporais (107).

98.      A este respeito, há que precisar que, para determinar o país em que ou a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, a circunstância de a sociedade Gasa Spedition possuir ou não possuir uma infra‑estrutura ou mesmo um endereço postal no Luxemburgo não é relevante. Em minha opinião, não é sequer relevante saber se H. Koelzsch recebia instruções da Gasa Spedition com sede no Luxemburgo ou directamente da sociedade Gasa Odense Blomster com sede na Dinamarca. Com efeito, no presente processo, tal não ajuda para determinar o lugar em que o trabalhador cumpria as suas obrigações para com a entidade patronal.

E –    Conclusão

99.      O presente processo é de crucial importância para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma uma vez que, à luz da exigência de um elevado nível de protecção dos trabalhadores, amplia o âmbito desse artigo de tal modo que, para determinar o país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho na acepção desse artigo, não importa apenas o país em que o trabalhador presta efectivamente esse trabalho, mas também o país a partir do qual esse trabalho é efectuado. Portanto, para interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma, deve aplicar‑se, por analogia, a interpretação do Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas.

100. À luz das constatações acima efectuadas, considero por conseguinte que se deve responder ao pedido de decisão prejudicial afirmando que o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o trabalhador prestar o seu trabalho em vários Estados Contratantes, o país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho na acepção deste artigo é o país em que ou a partir do qual, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, o trabalhador cumpre efectivamente o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal, e que esta apreciação deve ser feita pelo órgão jurisdicional nacional, que deverá tomar em consideração todas as circunstâncias de facto.

VII – Conclusões

101. Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão apresentada pela Cour d’appel, da seguinte forma:

O artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de o trabalhador prestar o seu trabalho em vários Estados Contratantes, o país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho na acepção deste artigo é o país em que ou a partir do qual, tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, o trabalhador cumpre efectivamente o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal, devendo esta apreciação ser feita pelo órgão jurisdicional nacional, que deverá tomar em consideração todas as circunstâncias de facto. Esta apreciação deve ser feita pelo órgão jurisdicional nacional, que deverá tomar em consideração todas as circunstâncias de facto.


1 – Língua original das conclusões: esloveno. Língua do processo: francês.


2 – JO L 266, 9.10.1980, p. 1 (EE 01 F 3 p. 36).


3 – JO L 177, 4.7.2008, p. 6.


4 – Na doutrina, por exemplo, Ferrari, F., «From Rome to Rome via Brussels: remarks on the law applicable to contractual obligations absent a choice by the parties», Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, n.° 4/2009, defende que a finalidade do novo instrumento legislativo não consistiu tanto em introduzir novas regras mas em transformar a Convenção existente num regulamento. V. também, por exemplo, Lagarde, P., A. Tenenbaum, «De la convention de Rome au règlement Rome I», Revue critique de droit international privé, n.° 4/2008, p. 727 e segs.


5 – V. artigo 28.° do Regulamento Roma I.


6 – O Tribunal interpretou pela primeira vez a Convenção de Roma no acórdão de 6 de Outubro de 2009, ICF (C‑133/08, Colect., p. I‑9687), que tem por objecto a interpretação do artigo 4.° da Convenção, que contém as regras para determinar a lei aplicável quando nenhuma lei tenha sido escolhida pelas partes.


7 – Acrescento que, em 29 de Julho de 2010, foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Convenção de Roma; trata‑se do processo C‑384/10, Voogsgeerd. Este processo tem por objecto a interpretação do conceito de «país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador» na acepção desse artigo, quando o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho num mesmo país. À data da apresentação das presentes conclusões, o Tribunal ainda não se pronunciou no processo Voogsgeerd.


8 – V. acórdãos de 13 de Julho de 1993, Mulox (C‑125/92, Colect., p. I‑4075); de 9 de Janeiro de 1997, Rutten (C‑383/95, Colect., p. I‑57); de 27 de Fevereiro de 2002, Weber (C‑37/00, Colect., p. I‑2013), e de 10 de Abril de 2003, Pugliese (C‑437/00, Colect., p. I‑3573).


9 – JO C 27, 26.1.1998, p. 47.


10 – Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (assinada em 27 de Setembro de 1968) (JO L 285, 3.10.1989, p. 24), conforme alterada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 285, 3.10.1989, p. 41), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 285, 3.10.1989, p. 54), pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, 3.10.1989, p. 1) e pela Convenção de 29 de Novembro de 1996 relativa à adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia (JO C 15, 15.1.1997, p. 1).


11 –      Sublinho que a versão original da Convenção de Bruxelas não continha disposições especiais relativas à competência em matéria de contratos de trabalho; essas disposições só foram introduzidas em 1989 através da Convenção relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa à convenção relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial (denominada «Convenção de San Sebastián», JO L 285, 3.10.1989, p. 1).


12 – Nas presentes conclusões, utiliza‑se o conceito «direito da União» como conceito global que inclui o direito comunitário e o direito da União. Na exposição do direito primário a referência é feita às disposições aplicáveis ratione temporis.


13 – JO L 12, 16.1.2001, p. 1.


14 – O contrato de trabalho dispunha no seu artigo 2.º que se nenhuma das partes resolvesse o contrato antes do termo do período experimental, este passaria a ser a um contrato de trabalho por tempo indeterminado nos termos da Lei de 24 de Maio de 1989; ou seja, da Lei luxemburguesa de 24 de Maio de 1989 relativa aos contratos de trabalho (Loi du 24 mai 1989 sur le contrat de travail, Journal Officiel du Grand‑Duché de Luxembourg, n.° 35, 5.6.1989, p. 611).


15 – H. Koelzsch refere‑se ao acórdão do Tribunal Federal do Trabalho alemão (Bundesarbeitsgericht) de 17 de Março de 1988 (2 AZR 576/87) .


16–       Journal officiel du Grand‑Duché de Luxembourg, n.° 51, 26.9.1988, p. 1000.


17 – Neste sentido, H. Koelzsch refere‑se aos acórdãos Mulox (n.os 21 a 23); Rutten (n.° 18), e Weber (n.° 42), já referidos na nota de pé de página n.º 8.


18 – Acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8.


19 – Acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8.


20 – Acórdão Weber, já referido na nota de pé de página n.º 8.


21 – V. acórdão ICF, já referido na nota de pé de página n.º 6 (n.° 22).


22 – V. também as conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo ICF (acórdão de 6 de Outubro de 2009, C‑133/08, Colect., p. I‑9687, n.° 35).


23 – Relatório respeitante à Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, do Professor Mario Giuliano e do Professor Paul Lagarde, (JO 1980, C 282, p. 1, a seguir «Relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma»).


24 – V. acórdão ICF, já referido na nota de pé de página n.º 6 (n.° 23).


25 – V., por exemplo, acórdãos de 21 de Junho de 1978, Bertrand (150/77, Colect., p. 487, n.os 14 a 16); 19 de Janeiro de 1993, Shearson Lehman Hutton (C‑89/91, Colect., p. I‑139, n.° 13); 3 de Julho de 1997, Benincasa (C‑269/95, Colect., p. I‑3767, n.° 12); 11 de Julho de 2002, Gabriel (C‑96/00, Colect., p. I‑6367, n.° 37) e de 20 de Janeiro de 2005, Engler (C‑27/02, Colect., p. I‑481, n.° 33).


26 – V., por exemplo, acórdãos de 13 de Julho de 2006, Reisch Montage (C‑103/05, Colect., p. I‑6827, n.° 29); 2 de Outubro de 2008, Hassett e Doherty (C‑372/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 17) e de 23 de Abril de 2009, Draka NK Cables e o. (C‑167/08, Colect., p. I‑3477, n.° 19).


27 – Acórdão de 30 de Setembro de 2003 (C‑224/01, Colect., p. I‑10239).


28 – Acórdão Köbler, já referido na nota de pé de página n.º 27 (n.° 1 do dispositivo).


29 – Na doutrina, v. neste sentido, por exemplo, Rigaux, F., «Quelques problèmes d’interprétation de la Convention de Rome», em: L’européanisation du droit international privé (Série de publications de l’Académie de droit européen de Trèves, Vol. 8), 1996, p. 33.


30 – V. o Primeiro Protocolo relativo à interpretação da Convenção de Roma, já referido na nota de pé de página n.º 9, e o Segundo Protocolo que atribui ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias determinadas competências em matéria de interpretação da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de Junho de 1980 (JO C 27, 26.1.1998, p. 52).


31 – É o que na doutrina também afirma, por exemplo, Plender, R., The European Contracts Convention. The Rome Convention on the Choice of Law for Contracts, Sweet & Maxwell, Londres 1991, p. 42, n.° 2.25.


32 – Já referida na nota de pé de página n.º 16.


33 – V. n.° 27 das observações escritas da Comissão.


34 – V. acórdãos Mulox, Rutten, Weber e Pugliese, já referidos na nota de pé de página n.º 8.


35 – V. conclusões do advogado‑geral Y. Bot apresentadas no processo ICF (n.° 36), já referido na nota de pé de página 22.


36 – Para um estudo mais aprofundado sobre as normas imperativas da Convenção de Roma, v. Wojewoda, M., «Mandatory rules e private international law: with special reference to the mandatory system under the Rome Convention on the law applicable to contractual obligations» em Maastricht journal of European and comparative law, n.° 2/2000, p. 183 e segs. Este autor, no que se refere à remissão para as disposições imperativas constante do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção de Roma, defende (p. 201) que o processo para determinar a existência de disposições imperativas é bastante complexo: o órgão jurisdicional nacional deve, em primeiro lugar, determinar qual a lei que seria aplicável ao contrato de trabalho caso as partes não tivessem efectuado uma escolha; em seguida, verificar se essa lei contém normas imperativas de protecção dos direitos dos trabalhadores e, por último, aplicar as disposições que se mostrem ser mais favoráveis ao trabalhador do que as normas da lei escolhida pelas partes. V. também Fletcher, I. F., Conflict of Laws and European Community Law: With Special Reference to the Community Conventions on private international law, North‑Holland, Amesterdão, 1982, p. 168; Morse, R.C.G.J., «Consumer Contracts, Employment Contracts and the Rome Convention» em: International and Comparative Law Quarterly, n.° 1/1992, pp.  14‑16; Salvadori, M. M., «La protezione del contraente debole (consumatori e lavoratori) nella convenzione di Roma» em: Sacerdoti, G., M. Frigo (a cura di), La convenzione di Roma sul diritto applicabile ai contratti internazionali, Giuffrè Editore, Milão, 1993, pp. 62 e 63.


37 – Embora o Regulamento Roma I contenha uma cláusula semelhante à do artigo 8.°, n.° 4, nem o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas nem o artigo 19.° do Regulamento n.° 44/2001 contêm semelhante cláusula. Na doutrina, por exemplo, Ofner, H., «Neuregelung des internationalen Vertragsrechts: Römisches Schuldvertragsübereinkommen» em: Recht der Wirtschaft, n.° 1/1999, p. 7, defende que devido a essa cláusula, o artigo 6.°, n.° 2, da Convenção de Roma constitui uma presunção ilidível quando o contrato de trabalho apresente uma conexão mais estreita com outro país.


38 – V. acórdão de 15 de Janeiro de 1987, Shenavai (266/85, Colect., p. 239, n.° 16).


39 – V. acórdãos Mulox (n.° 18), Rutten (n.° 22), Weber (n.° 40) e Pugliese (n.° 18), todos referidos na nota de pé de página n.º 8. V. também acórdão Ivenel, referido na nota de pé de página n.º 44 (n.° 14), no qual o Tribunal invocou o artigo 6.° da Convenção de Roma para se pronunciar a favor desse objectivo de protecção no âmbito da interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas.


40 – V. relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma, já referido na nota de pé de página n.º 23, comentário ao artigo 6.° da Convenção de Roma (n.° 1). Na doutrina, v., por exemplo, Rudisch, B. e Czernich, D., H. Heiss, EVÜ. Das Europäische. Schuldvertragsübereinkommen, Orac, Viena, 1999, p. 155; Plender, R., M. Wilderspin, The European Contracts Convention. The Rome Convention on the Choice of Law for Contracts, Sweet & Maxwell, Londres, 2001, p. 159, n.° 8‑01; Clerici, R., «Quale favor per il lavoratore nel Regolamento Roma I?», Venturini, G., S. Bariatti, Liber Fausto Pocar, Vol. 2, Giuffrè Editore, Milão, 2009, pp. 216 e 217; Knez, R., «Rimska konvencija o uporabi prava pri pogodbenih obligacijskih razmerjih in njen pomen za Republiko Slovenijo», Pravnik, n.° 1‑3/1994, pp. 52 e 53. V. também, no que respeita à protecção do trabalhador enquanto parte contratual mais fraca no Regulamento Roma I, Lein, E., «The New Rome I / Rome II / Brussels I Synergy», Yearbook of Private International Law, 2008, p. 187.


41 – Plender, R., M. Wilderspin, The European Private International Law of Obligations, Thomson Reuters, Londres, 2009, p. 316, n.os 11‑043.


42 – Para um comentário sobre essa jurisprudência na doutrina, v., por exemplo, Pataut, É., «L’office du juge communautaire dans le contentieux international du travail», Procès du travail, travail du procès, L.G.D.J., Paris, 2008, p. 326 e segs.; Gaudemet‑Tallon, H., «Compétence et exécution des jugements en Europe: Règlement 44/2001, Conventions de Bruxelles (1968) et de Lugano (1988 et 2007)», Librairie générale de droit et de jurisprudence, Paris, 2010, p. 305 e segs.


43 – As normas gerais de competência em matéria de relações contratuais foram desenvolvidas pelo Tribunal de Justiça em dois acórdãos, ou seja, no acórdão de 6 de Outubro de 1976, processo De Bloos (14/76, Colect., p. 605) e no acórdão de 6 de Outubro de 1976, Tessili, (12/76, Colect., p. 585). No processo De Bloos (n.° 13), o Tribunal de Justiça declarou que na acepção desse artigo o conceito de «obrigação» se refere ao direito contratual em que se baseia a acção do autor, ou seja, ao direito controvertido que é objecto do processo entre as partes contratuais. No processo Tessili (n.° 13), declarou, ao invés, que o lugar do cumprimento da obrigação contratual em litígio é determinado de acordo com a lei aplicável à relação jurídica em causa, em conformidade com o direito internacional privado do órgão jurisdicional em que a acção foi intentada.


44 – V. acórdão de 26 de Maio de 1982, Ivenel (133/81, Recueil, p. 1891, dispositivo e n.° 20).


45 – Acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8. Assinalo que, na realidade, já em 1989 o Tribunal de Justiça se tinha pronunciado, no acórdão de 15 de Fevereiro de 1989, Six Constructions (32/88, Colect., p. I‑341) sobre o caso de um trabalhador que prestava o seu trabalho em vários Estados que, no entanto, não eram Estados Contratantes da Convenção de Bruxelas (n.° 4 do acórdão). O Tribunal de Justiça declarou assim que o artigo 5.°, n.° 1, da Convenção, não era aplicável e que a competência do Tribunal era determinada, nesse caso, em função do lugar do domicílio do réu, em conformidade com o disposto no artigo 2.° da Convenção (n.° 2 do dispositivo).


46 – V. acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8 (dispositivo). V. também n.os 24 e 26 desse acórdão. Em língua francesa, que era a língua do processo, o critério é definido da seguinte forma: «lieu où ou à partir duquel le travailleur s’acquitte principalement de ses obligations à l’égard de son employeur».


47 – V. acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8 (dispositivo). V. também n.os 23, 26 e 27 do mesmo acórdão.


48 – V. acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 23). Em língua francesa, os critérios a que o acórdão Rutten se refere têm a seguinte redacção: «lieu où le salarié a établi le centre effectif de ses activités professionnelles et où ou à partir duquel il s’acquitte en fait de l’essentiel de ses obligations à l’égard de son employeur» e, por sua vez, na língua do processo (neerlandês): «de plaats waar de werknemer het werkelijke centrum van zijn beroepswerkzaamheden heeft gevestigd en waar of van waaruit hij e feite het belangrijkste deel van zijn verplichtingen jegens zijn werkgever vervult».


49 – V. acórdão Weber, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 2 do dispositivo e n.° 58). Em francês, o critério é o seguinte: «l’endroit où, ou à partir duquel, compte tenu de toutes les circonstances du cas d’espèce, il s’acquitte en fait de l’essentiel de ses obligations à l’égard de son employeur» e, na língua do processo (neerlandês): «de plaats is waar of van waaruit hij, rekening houdend met alle omstandigheden van het concrete geval, feitelijk het belangrijkste deel van zijn verplichtingen jegens zijn werkgever vervult».


50Ibid.


51 – V. acórdão Pugliese, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 20).


52 – V. acórdão Pugliese, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 1 do dispositivo e n.° 26). Em francês, o critério é o seguinte: «le lieu où le salarié s’acquitte de ses obligations vis‑à‑vis d’un second employeur peut être considéré comme le lieu où il accomplit habituellement son travail, dès lors que le premier employeur (…) a lui‑même, au moment de la conclusion du second contrat, un intérêt à l’exécution de la prestation à fournir par le salarié au second employeur dans un lieu décidé par ce dernier» e, na língua do processo (alemão) refere‑se, por sua vez, «der Ort, an dem der Arbeitnehmer seine Verpflichtungen gegenüber einem zweiten Arbeitgeber erfüllt, als der Ort angesehen werden kann, an dem er gewöhnlich seine Arbeit verrichtet, wenn der erste Arbeitgeber (…) zum Zeitpunkt des Abschlusses des zweiten Vertrages selbst ein Interesse an der Erfüllung der vom Arbeitnehmer für den zweiten Arbeitgeber an einem von diesem bestimmten Ort zu erbringenden Leistung hatte».


53 – V., por exemplo, Wurmnest, W., Basedow, J., K. J. Hopt, R. Zimmermann, Handwörterbuch des Europäischen Privatrechts, Band I, Mohr Siebeck, Tübingen 2009, p. 93. Junker, A., «Gewöhnlicher Arbeitsort und vorübergehende Entsendung im internationalen Privatrecht», Lorenz, S., Festschrift für Andreas Heldrich zum 70. Geburtstag, Beck, Munique, 2005, p. 722, afirma que a Convenção de Roma foi adoptada como uma Convenção complementar à Convenção de Bruxelas e que a jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas também é transponível para as normas de conflitos em matéria de contratos de trabalho. V. também, por exemplo, Deinert, O., «Neues internationales Arbeitsvertragsrecht», Recht der Arbeit, n.° 3/2009, p. 145.


54 – O itálico é meu. A versão francesa do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma refere «loi du pays où le travailleur (...) accomplit habituellement son travail», a versão inglesa «law of the country in which the employee habitually carries out his work», a alemã «Recht des Staates, in dem der Arbeitnehmer (...) gewöhnlich seine Arbeit verrichtet», e a espanhola a lei do «país en que el trabajador (...) realice habitualmente su trabajo».


55 – Saliente‑se que a formulação do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma e a do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas divergem por a Convenção de Roma se referir ao «país», ao passo que a Convenção de Bruxelas se refere ao «lugar» onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho. Contudo, em minha opinião, esta divergência não impede que se transponha a jurisprudência relativa ao artigo 5.°, n.° 1, da Convenção de Bruxelas, para efeitos interpretar o artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma. Sobre esta divergência, v., na doutrina, por exemplo, Junker, op.cit. (nota de pé de página 53), p. 724.


56 – V. n.os 53 a 57 das presentes conclusões.


57 – Relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma, já referido na nota de pé de página n.º 23.


58 – Relatório Giuliano e Lagarde sobre a Convenção de Roma, já referido na nota de pé de página n.º 23, comentário ao artigo 6.° da Convenção de Roma (n.° 3).


59 – Observe‑se, além disso, que a interpretação de uma determinada disposição apenas com base no método histórico não pode prevalecer sobre a interpretação baseada noutros métodos. V., para a analogia no direito da União, Pechstein, M., C. Drechsler, «Die Auslegung und Fortbildung des Primärrechts», Riesenhuber, K., Europäische Methodenlehre: Handbuch für Ausbildung und Praxis, de Gruyter Recht, Berlim, 2006, pp. 172 e 173. Não obstante o significado da interpretação histórica ser reduzido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não exclui o recurso à mesma; assim, por exemplo, no acórdão de 7 de Outubro de 2010, Lassal, (C‑162/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 55), o Tribunal utilizou esse método interpretativo.


60 – Relatório sobre a Convenção de San Sebastián, redigido por M. Almeida Cruz, M. Desantes Real e P. Jenard (JO C 189, 28.7.1990, p. 35, a seguir «Relatório Cruz/Real/Jenard sobre a Convenção de San Sebastián»).


61 – Já referido na nota de pé de página n.º 11.


62–       A fortiori, nem mesmo no Relatório sobre a Convenção de Bruxelas elaborado por P. Jenard (JO C 59, 5.3.1979, p. 18, a seguir «Relatório Jenard sobre a Convenção de Bruxelas») – ou seja, no primeiro relatório sobre essa Convenção – se previa a possibilidade de tal interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da mesma, uma vez que, na altura, a Convenção de Bruxelas ainda não continha nenhuma disposição especial para determinar a competência em matéria de contratos de trabalho.


63 – Acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 26).


64 – Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, já referida na nota de pé de página n.º 10.


65 – Convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica à Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, já referida na nota de pé de página n.º 10.


66 – V. acórdão Ivenel, já referido na nota de pé de página n.º 44.


67 – V. acórdão Ivenel, já referido na nota de pé de página n.º 44 (n.° 13).


68 – V. acórdão Ivenel, já referido na nota de pé de página n.º 44 (n.° 20).


69 – V. n.° 52 das presentes conclusões.


70 – Já referida na nota de pé de página n.º 11.


71 – Sobre este desenvolvimento, v. na doutrina, por exemplo, Junker, op.cit. (nota de pé de página n.º 53), pp. 722 e 723; Sinay‑Cytermann, A., «La protection de la partie faible en droit international privé: les exemples du salarié et du consommateur», Le droit international privé: mélanges en l’honneur de Paul Lagarde, Dalloz, Paris, 2005, pp. 739 e 740. V. também Relatório Cruz/Real/Jenard sobre a Convenção de San Sebastián, já referido na nota de pé de página n.º 60, n.° 23; Gaudemet‑Tallon, op. cit. (nota de pé de página n.º 42), p. 302 e segs.


72 – Na doutrina, v., por exemplo, Mankowski, P., Ferrari, F., S. Leible, Rome I Regulation. The Law Applicable to Contractual Obligations e Europe, Sellier, Munique, 2009, p. 177, onde se afirma que se trata da alteração mais importante do artigo 6.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Roma.


73 – V. a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) [COM(2005) 650 final], comentário ao artigo 6.° Na doutrina, no mesmo sentido, v., por exemplo, Wurmnest, op.cit. (nota 53), p. 94; Plender e Wilderspin, op. cit. (nota de pé de página n.º 41), p. 315, n.° 11‑041; Gaudemet‑Tallon, H., «Le principe de proximité dans le Règlement Rome I», Revue hellénique de droit international, 2008, p. 195; Marquette, V., «Le Règlement Rome I sur la loi applicable aux contrats internationaux», Revue de droit commercial belge, n.° 6/2009, p. 532, nota 91; Kenfack, H., «Le règlement (CE) n.° 593/2008 du 17 juin 2008 sur la loi applicable aux obligations contractuelles (‘Rome I’), navire stable aux instruments efficaces de navigation?», Journal du droit international, n.° 1/2009, p. 65.


74 – Na doutrina, v. Magnus, U., «Die Rom I‑Verordnung», Praxis des internationalen Privat‑ und Verfahrensrechts (IPRax), n.° 1/2010, pp. 40 e 41; Mauer, R., «Die Kündigung komplexer grenzüberschreitender Arbeitsverhältnisse nach der EG‑Verordnung ROM I», Recht der internationalen Wirtschaft, n.° 2/2007, p. 93; Boskovic, O., «La protection de la partie faible dans le règlement Rome I», Recueil Dalloz, n.° 31/2008, p. 2175 e segs.; «Corneloup, S., La loi applicable aux obligations contractuelles: transformation de la Convention de Rome en règlement communautaire Rome I», La semaine juridique. Édition générale, n.° 44/2008, p. 26, nota 34; Zilinsky, M., «Rome I en arbeidsovereenkomst», Weekblad voor privaatrecht, notariaat en registratie, n.° 6824/2009, p. 1034.


75 – V., neste sentido, por exemplo, Boskovic, op.cit. (nota 74), p. 2175 e segs.; Hansen, L. L., «Applicable employment law after Rome I: the draft Rome I Regulation and its importance for employment contracts», European business law review, n.° 4/2008, p. 768.


76 – V. a Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) [COM(2005) 650 final], comentário ao artigo 6.° V. nesse sentido, também, Magnus, op.cit. (nota 74), p. 41.


77 – V. Mankowski (2009), op.cit. (nota de pé de página n.º 72), p. 177, que define essa regra como «base rule», uma vez que considera a base ou o centro a partir do qual o trabalhador exerce a sua actividade profissional.


78 – O artigo 24.°, n.° 1, do Regulamento Roma I, estabelece que este regulamento substitui, entre os Estados‑Membros, a Convenção de Roma, com excepção dos territórios dos Estados‑Membros que são abrangidos pelo âmbito de aplicação territorial da Convenção e que ficam excluídos do presente regulamento.


79 – Com efeito, o artigo 24.°, n.° 2, do Regulamento Roma I afirma que na medida em que este substitui as disposições da Convenção de Roma, as referências feitas à referida Convenção entendem‑se como sendo feitas a este regulamento. V. também a doutrina citada na nota de pé de página n.º 4.


80 – Sobre a harmonização entre forum e ius, v., por exemplo, Esplugues Mota, C., G. Palao Moreno, Magnus, U., P. Mankowski (Edição), Brussels I Regulation, Sellier, Munique 2007, p. 334, n.° 7; Mankowski, P., Rauscher, T. (Edição), Europäisches Zivilprozeβrecht. Kommentar, 2.ª ed., Sellier, European Law Publishers, Munique, 2006, p. 319, n.° 4. V. também o Relatório Jenard sobre a Convenção de Bruxelas, já referido na nota de pé de página n.º 62, p. 24, no qual se defende que, nos litígios em matéria de contratos de trabalho, é desejável que seja o órgão jurisdicional do país cujo direito é aplicável ao contrato a decidir o litígio.


81 – Sobre a utilização destes conceitos, v., por exemplo, Salvadori, op.cit. (nota de pé de página n.º 36), p. 66; Gamillscheg, F., «Conflitti di leggi nei contratti di lavoro e nelle relazioni industriali», Biagi, M., R. Blanpain, Diritto del lavoro e relazioni industriali nei paesi industrializzati ad economia di mercato, Vol. I, Maggioli Editores, Rimini, 1991, p. 544.


82 – Na doutrina, v., por exemplo, Van Eeckhoutte, W., «The Rome Convention on the Law Applicable to Contractual Obligations and Labour Law (1980)», Blanpain, R., Freedom of services e the European Union, Kluwer, Haia, 2006, p. 170.


83 – V., na doutrina, neste sentido, Mankowski, P., «Internationale Zuständigkeit und anwendbares Recht: Parallelen und Divergenzen», Lorenz, S., Festschrift für Andreas Heldrich zum 70. Geburtstag, Beck, Munique, 2005, pp. 868 e 869; Lüttringhaus, J. D., J. Weber, «Aussonderungsklagen an der Schnittstelle von EuGVVO und EuInsVO», Recht der internationalen Wirtschaft, n.° 1‑2/2010, p. 49; «Max Planck Institute for Comparative and International Private Law: Comments on the European Commission’s Proposal for a Regulation of the European Parliament and the Council on the law applicable to contractual obligations (Rome I)», Rabels Zeitschrift für ausländisches und internationales Privatrecht, n.° 2/2007, p. 238; Lein, op.cit. (nota de pé de página n.º 40), p. 196; Kropholler, J., Internationales Privatrecht: einschließlich der Grundbegriffe des internationalen Zivilverfahrensrechts, Mohr Siebeck, Tübingen, 2006, p. 612.


84 – V. também as minhas conclusões apresentadas em 27 de Janeiro de 2009 no processo Falco Privatstiftung (acórdão de 23 de Abril de 2009, C‑533/07, Colect., p. I‑3327), nas quais assinalei os limites da interpretação uniforme dos conceitos utilizados em diversos actos jurídicos e, designadamente, a possibilidade de efectuar apenas parcialmente uma aplicação analógica entre o conceito de «serviços» constante do Regulamento n.° 44/2001 e o constante do direito primário (n.° 60 e segs.), bem como a impossibilidade de efectuar uma aplicação analógica entre esse conceito constante do Regulamento n.° 44/2001 e as disposições da União em matéria de IVA.


85 – Acórdão de 27 de Novembro de 2007, (C‑435/06, Colect., p. I‑10141).


86 – Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000 (JO L 338, 23.12.2003, p. 1).


87 – V. Lüttringhaus, J., «Der Direktanspruch im vergemeinschafteten IZVR und IPR nach der Entscheidung EuGH VersR 2009, 1512 (Vorarlberger Gebietskrankenkasse)», Versicherungsrecht, n.° 4/2010, p. 189. V. também Lein, op.cit. (nota de pé de página n.º 40), pp. 186 e 187, que fala da protecção da parte contratual mais fraca (e, portanto, do trabalhador) no Regulamento Roma I e no Regulamento n.° 44/2001.


88 – V., neste sentido, por exemplo, acórdãos de 18 de Dezembro de 2007, Laval un Partneri (C‑341/05, Colect., p. I‑11767, n.° 45); 22 de Outubro de 2009, Zurita García e o. (processos apensos C‑261/08 e C‑348/08, ainda não publicados na Colectânea, n.° 34), e de 16 de Julho de 2009, Gómez‑Limón Sánchez‑Camacho (C‑537/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).


89 – V. acórdãos Mulox (n.° 25), Rutten (n.° 25), Weber (n.° 55) e Pugliese (n.° 25), todos já referidos na nota de pé de página n.º 8. V. na doutrina, relativamente à apreciação de cada caso concreto com base no critério análogo do «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho» na acepção do Regulamento n.° 44/2001, Mankowski (2006), op. cit. (nota de pé de página n.º 80), p. 320, n.° 4.


90 – V. acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 3).


91 – V. acórdão Mulox, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 25).


92 – V. acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 2).


93 – V. acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 5).


94 – V. acórdão Rutten, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 25).


95 – V. acórdão Weber, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.os 17 a 21).


96 – V. acórdão Weber, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 48).


97 – V. acórdão Weber, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 58).


98 – V. acórdão Pugliese, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.os 4, 5 e 7).


99 – V. acórdão Pugliese, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 13).


100 – V. acórdão Pugliese, já referido na nota de pé de página n.º 8 (n.° 26).


101 – V., por exemplo, Van Eeckhoutte, op.cit. (nota de pé de página n.º 82), pp. 169 e 170.


102 – V. Plender e Wilderspin, op. cit. (nota de pé de página n.º 41), p. 315, n.º 11‑039.


103 – V., por exemplo, Van Eeckhoutte, op.cit. (nota de pé de página n.º 82), p. 170; sobre o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento Roma I, v. Mankowski (2009), op.cit. (nota de pé de página n.º 72), p. 178.


104 – V. Wurmnest, op.cit. (nota de pé de página n.º 53), p. 93.


105 – V. n.° 63 das presentes conclusões.


106 –      Como resulta claramente do despacho de reenvio, em cada um desses lugares estavam estacionados três camiões; o de H. Koelzsch estava estacionado em Osnabrück.


107 – V. também Junker, op.cit. (nota de pé de página n.º 53), p. 733.